RESUMO: Este estudo perscrutou um esboço histórico da criação dos juizados especiais cíveis, e explorou os fundamentos de sua criação. Após, analisou brevemente a legislação vigente e seus princípios norteadores. Para sua execução, o trabalho teve como metodologia a pesquisa e consulta bibliográfica, bem como análise de jurisprudência e consulta aos artigos e notícias publicados na rede mundial de computadores.
PALAVRAS-CHAVE: Juizados Especiais Cíveis; Acesso à Justiça; Princípios Norteadores; Fazenda Pública.
ABSTRACT: This study scrutinized a historical outline of the creation of special civil courts, and explored the foundations of their creation. Afterwards, it briefly analyzed the current legislation and its guiding principles. For its execution, the work had as methodology the research and bibliographic consultation, as well as jurisprudence analysis and consultation of articles and news published on the world wide web.
KEYWORDS: Special Civil Courts; Access to justice; Guiding Principles; Public Advocacy.
1. Introdução
A idealização dos juizados especiais surgiu da busca à facilitação do acesso à justiça e redução da litigiosidade contida, simplificando, portanto, o exercício da cidadania.
Neste contexto, almejam os juizados especiais proporcionar a todos uma jurisdição mais simples, informal, célere e econômica, utilizando-se de uma sistemática processual própria, fundamentada em princípios peculiares.
Dessarte, leciona Joel Dias Figueiredo Júnior (2017, p. 33):
em outras palavras, através desta forma alternativa de resolução de controvérsias implementada no âmago do próprio Poder Judiciário, busca-se a satisfação do jurisdicionado, a solução ou a diminuição da crise da jurisdição e a consequente pacificação social, transformando-se o mito em realidade.
Destaca o professor (idem), ainda, que os juizados especiais não representam um “minus” na prestação da tutela jurisdicional, ou uma “justiça menor”:
Os Juizados Especiais não podem ser considerados uma Justiça de segunda classe, porquanto não refletem qualquer dado indicativo capaz de importar num desprestígio ou diminuição para a resolução de controvérsias. Ao contrário, as faixas valorativas de limitação imposta pelo legislador em quarenta salários mínimos (Lei n. 9.099/95) e sessenta salários mínimos (Lei n. 10.259/2001 e Lei n. 12.153/2009) significam o alcance de litígios que atingirão o interesse de todas as classes sociais, sobretudo se consideramos que a renda per capita do povo brasileiro gira em torno de quatro mil dólares. Essa nova forma de prestar jurisdição significa antes de tudo um avanço legislativo de origem eminentemente constitucional, que vem dar guarida aos antigos anseios de todos os cidadãos, especialmente aos da população menos abastada, de uma Justiça apta a proporcionar uma prestação de tutela simples, rápida, econômica e segura, capaz de levar à liberação da indesejável litigiosidade contida e, (...). Em última análise, trata-se de mecanismo hábil de ampliação do acesso à ordem jurídica mista. Sem dúvida, a morosidade na prestação da tutela jurisdicional é o maior problema que aflige os jurisdicionados e os próprios magistrados integrantes do Poder, diante do crescente aumento da litigiosidade com a consequente tendência à eternização dos processos.
O presente trabalho tem como escopo apresentar o contexto e panorama histórico da sua criação, além de apresentar, de forma breve como está sedimentado na legislação atual o seu funcionamento e quais princípios os regem.
Como se verá, são três os tipos de juizados especiais cíveis existentes, quais sejam, os Juizados Estaduais, Federais e da Fazenda Pública, essa última no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Município. Cada qual possui regulamentação própria, e integram um microssistema dos juizados especiais.
2. História, criação e implementação dos juizados especiais no Brasil
Apesar da tardia elaboração de lei instituindo os juizados especiais, sua criação, após o advento da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, promulgada no ano de 1934, sempre foi objeto de previsão constitucional. Com efeito, dispunha o artigo 113, item 25, que “Não haverá foro privilegiado nem Tribunais de exceção; admitem-se, porém, Juízos especiais em razão da natureza das causas.”
Mais adiante, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, outorgada no ano de 1937, dispôs no artigo 106 que “Os Estados poderão criar Juízes com investidura limitada no tempo e competência para julgamento das causas de pequeno valor (...)” Nota-se, nesta conjuntura, que o poder constituinte originário passou a adotar o critério do valor da causa para a submissão de processos ao rito dos juizados especiais, porém, não delimitou o alcance da expressão “pequeno valor”, fórmula essa que se manteve no texto constitucional até os dias atuais, de constituição a constituição.
No mesmo sentido, utilizando como razão o valor da causa, a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, promulgada no ano de 1946, previu no artigo 124, inciso XI, que “(...) poderão ser criados cargos de juízes togados com investidura limitada ou não a certo tempo, e competência para julgamento das causas de pequeno valor (...)”.
A Constituição da República Federativa do Brasil, autoproclamada promulgada no ano de 1967 (a despeito de parte da doutrina entender que foi outorgada unilateralmente pelo regime ditatorial implantado), manteve a previsão dos juizados especiais em razão do valor da causa, conforme disposto no artigo 136, §1º, alínea b, estabelecendo que
A lei poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça: (...) Juízes togados com investidura limitada no tempo, os quais terão competência para julgamento de causas de pequeno valor e poderão substituir Juízes vitalícios (...).
A Emenda Constitucional outorgada em 1969 (que por seu caráter revolucionário foi considerada verdadeira manifestação de novo poder constituinte originário) também manteve em sua redação a previsão de julgamento pelos juizados especiais das causas de pequeno valor. Inovou, porém, ao dispor que os juizados especiais também possuiriam competência para o julgamento de crimes a que não fossem cominadas penas de reclusão, nos termos do artigo 144, §1º, alínea b:
A lei poderá criar, mediante proposta do Tribunal de Justiça: (...) juízes togados com investidura limitada no tempo, os quais terão competência para julgamento de causas de pequeno valor e de crime a que não seja cominada pena de reclusão, e poderão substituir juízes vitalícios (...).
A efetiva criação dos juizados especiais, porém, somente ocorreu no ano de 1984, quando foi elaborada e sancionada a Lei de número 7.244, datada de 07 de novembro, cuja vigência perdurou até o ano de 1995.
Referida lei foi fruto do Projeto de Lei número 1.950 de 1983, e dispunha sobre a criação e o funcionamento do Juizado Especial de Pequenas Causas, tornando-se o marco inicial dos juizados especiais no país. A comissão formada para a elaboração da referida lei reunia juristas de grande renome, dentre eles Ada Pellegrini Grinover, Cândido Rangel Dinamarco e Kazuo Watanabe.
O artigo primeiro da lei dispunha que a utilização do procedimento especial era opção da parte, nas causas de reduzido valor econômico o que, nos termos do artigo terceiro, limitava-se ao teto de 20 (vinte) salários mínimos. Por sua vez, o artigo segundo determinava que o processo seria orientado pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, e que a conciliação entre as partes seria sempre buscada.
Em que pese elaborada a lei enquanto vigente a Emenda Constitucional de 1969, o texto legal não regulou o julgamento de crimes pela sistemática dos juizados especiais, matéria cujo poder constituinte originário já autorizara a legislação.
No ano de 1988, foi promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil, atualmente vigente, cujo texto manteve a previsão acerca dos juizados especiais.
Referida Constituição tratou dos juizados especiais em dois artigos distintos.
No artigo 24, dispôs que: “Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: (...) criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas; (...)”.
Por sua vez, o artigo 98 disciplinou que:
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - Juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (...)
§ 1º Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. (...).
Explica a doutrina que a disposição constitucional demonstrou que, originariamente, a intenção do poder constituinte era criar dois institutos diferentes: o juizado de pequenas causas e os juizados especiais cíveis, que teriam coexistência harmônica no ordenamento jurídico.
Neste cenário, os juizados de pequenas causas seriam os órgãos competentes para as causas de pequeno valor que, nos termos da lei que já vigia à época (Lei 7.244/84), eram as causas cujo valor não ultrapassava o teto de 20 salários mínimos.
De outra banda, os juizados especiais cíveis, nos termos do artigo 98, inciso I, seriam os competentes a julgar as causas de menor complexidade, fator esse que não apresenta ligação com o valor da causa, nos termos que explica Alexandre Freitas Câmara (2004, p. 31):
(...) Parece-me evidente que a menor complexidade de uma causa não tem qualquer ligação com o seu valor. Um processo em que se busque, por exemplo, reparação de danos decorrentes de acidente de trânsito tem a mesma complexidade, quer o acidente envolva um Fusca 1996 e um Corcel 1972 ou tenha se dado entre uma Ferrari e uma Maserati. Os dois acidentes, embora envolvam valores evidentemente diferentes, um pequeno e outro altíssimo, são causas que têm a mesma complexidade jurídica, podendo ser, ambas, deduzidas perante os Juizados Especiais Cíveis (ainda que possivelmente só a primeira possa ser levada a um Juizado de Pequenas Causas). (...)
Para o iminente professor (idem),
tudo recomendava, pois, que tivessem sido mantidos os Juizados de Pequenas Causas regidos pela Lei nº 7.244/84 (...) e, ao lado deles, tivessem sido criados os Juizados Especiais Cíveis, com competência para causas cíveis de qualquer valor que tivessem pequena complexidade jurídica.
Fixou-se, portanto, a ideia de que a Constituição da República havia instituído dois modelos diferentes de juizados.
E, baseados na autorização dada pela Constituição, alguns Estados-membros legislaram sobre a criação dos Juizados Especiais em seus territórios. Foram os casos dos Estados do Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Santa Catarina (Leis 1.071 de 1990, 9.442 de 1991 e 1.141 de 1993, respectivamente). Referidas leis, utilizando-se do artigo 98, inciso I, disciplinaram o que seria a causa de menor complexidade, infração de menor potencial ofensivo e, ainda, trataram da composição dos juizados e turmas recursais.
Levada a questão ao Supremo Tribunal Federal, o pretório excelso entendeu que a Constituição da República apenas “deferiu competência concorrente aos Estados com relação aos juizados de pequenas causas”[1], e assinalou que “a criação dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais dependia da edição de lei ordinária federal”[2].
Tendo em conta que já existiam os juizados de pequenas causas (Lei 7.244/84), previsto no artigo 24, X, carecia de lei, somente, a regulamentação do que previa o artigo 98, inciso I, ou seja, a criação dos juizados especiais cíveis, aptos ao processamento das causas de menor complexidade.
Para tanto, diversos projetos de lei tramitaram até que, no ano de 1995, foi aprovada, sancionada e publicada a Lei 9.099 de 26 de setembro, importante marco do atual sistema dos juizados especiais.
E, totalmente de encontro ao que a doutrina sustentava, referida lei findou o entendimento de que coexistiriam dois tipos de juizados especiais, com atribuições diferentes. Tal se explica porque a grande novidade trazida pela Lei 9.099 foi a revogação, expressa e por completo, da Lei 7.244/1984. Felippe Borring Rocha (2017, p. 8) explica que a nova lei contrariou
(...) o entendimento então dominante de que as duas leis poderiam conviver. De fato, na época, a visão prevalente era que Juizados Especiais, regulados pela matéria, e Juizados de Pequenas Causas, regidos pelo valor, eram órgãos diferentes. De fato, nem todas as ações de pequeno valor são simples e nem todas as ações simples são de pequeno valor. A ação de despejo, por exemplo, tem, via de regra, uma natureza simples, independentemente do seu valor. A ação de reconhecimento de paternidade, por seu turno, pode se apresentar de forma bastante complexa, embora tenha valor de alçada simbólico. Assim, cada modelo de Juizado teria que dispor de regras próprias para atender adequadamente às suas características. O que se viu, no entanto, é que a Lei 9.099/1995 criou um modelo chamado de Juizados Especiais Cíveis e deu a ele dois tipos de competência: causas de pequeno valor econômico (40 salários mínimos – art. 3º, I e IV) e causas especiais em razão da matéria (causas de menor complexidade – art. 3º, II e III). Trata-se, pois, de um único modelo de Juizado, abrangendo simultaneamente as competências previstas nos arts. 24, X e 98, I, da Constituição Federal.
A novel legislação, em vigor, regula o procedimento sumaríssimo, aplicável às causas da justiça comum, que envolvam no polo ativo e passivo apenas pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito privado, nos termos da referida lei.
Seguidamente, no ano de 2.001, foi sancionada a Lei 10.259, de 12 de julho, que criou os Juizados Especiais Federais, aptos a processar, conciliar e julgar as causas de competência comum da Justiça Federal, nos termos da lei.
Finalmente, no ano de 2.009, nova lei foi sancionada, qual seja, a Lei 12.153, de 22 de dezembro, instituindo os Juizados Especiais da Fazenda Pública, destinados ao julgamento das causas cíveis de interesse dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios.
As 03 (três) leis referidas, hodiernamente, compõem o microssistema dos juizados especiais, e adiante serão mais bem estudadas.
3. Do microssistema dos juizados especiais:
3.1 Os juizados especiais cíveis
Conforme observado anteriormente, a Lei 9.099, sancionada e publicada no ano de 1995, sob a égide da atual Constituição da República, foi fruto de intenso debate legislativo, após a elaboração de diversos projetos de lei.
De fato,
os projetos mais destacados foram aqueles apresentados pelos Deputados Jorge Arbage (PL 1.129/1988), Michel Temer (pl 1.480-A/1989), Manoel Moreira (PL 1.708/1989), Daso Coimbra (PL 2.959/1989), Gonzaga Patriota (PL3.883/1989) e Nelson Jobim (PL 3.698/1989).[3]
Referida lei foi, porém, a junção dos projetos de Nelson Jobim e do ex-presidente Michel Temer, então deputado federal. O projeto Jobim somente tratava dos Juizados Especiais Cíveis e, por sua vez, o projeto Temer versava sobre os Juizados Especiais Criminais.
A junção resultou no texto em vigor, que regulou a “causa de menor complexidade” e a “infração de menor potencial ofensivo”, sendo somente a primeira objeto deste estudo.
Grande inovação trouxe a lei ao revogar a Lei dos Juizados Especiais de Pequenas Causas (Lei 7.244/1984), passando o ordenamento jurídico pátrio a contar apenas com os juizados especiais cíveis.
Conforme previsão do artigo 3º da Lei, os juizados especiais cíveis possuem competência para conciliação, processamento e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, considerando o referido artigo que são:
I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;
III - a ação de despejo para uso próprio;
IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.
Aos juizados especiais cíveis cabe, ainda, a promoção da execução de seus julgados e dos títulos executivos extrajudiciais, observado o teto de 40 vezes o valor do salário mínimo, tudo nos termos do §1º do mesmo artigo.
Independentemente do valor da causa, porém, a lei exclui da competência dos juizados especiais:
as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.
Importante observar que somente pessoas físicas e pessoas jurídicas de direito privado podem litigar nos juizados especiais cíveis, observadas as restrições impostas no artigo 8º. A observância do procedimento especial previsto nesta lei, cumpre registrar, é facultativa.
Alicerçados nos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, e pautados na busca constante da autocomposição entre as partes, os juizados especiais são dotados de regramento próprio, díspar do procedimento comum, que os torna procedimento especial, conforme este estudo passa a explanar brevemente.
Na sistemática dos juizados especiais, o comparecimento das partes é pessoal, não bastando a presença de advogado. Em relação a esse, sua assistência é opcional nas causas de até 20 salários mínimos, sendo que naquelas de valor superior a esse limite a presença do causídico é obrigatória.
A lei veda a intervenção de terceiros estranhos à lide, restando admitido apenas o litisconsórcio, como forma consagrar tanto o princípio da menor complexidade quanto da celeridade processual.
O rito especial admite o uso da oralidade em diversos atos, tais como: apresentação do pedido inicial, apresentação de defesa na audiência de instrução e julgamento, oferecimento de embargos de declaração, dentre outros.
Em regra, o procedimento judicial iniciar-se-á com a audiência de conciliação e, caso não haja transação, a audiência converte-se em instrução e julgamento, quando o réu apresentará defesa, as partes produzirão a prova oral e o juiz proferirá sentença, sempre líquida, da qual os presentes sairão intimados, iniciando-se o prazo para apresentação de recurso inominado.
Ao Réu, admite-se a apresentação de pedido contraposto.
Por seu turno, nos casos em que for reconhecida a incompetência territorial, ou nos casos em que sobrevier qualquer um dos impedimentos previstos no art. 8º, ou, ainda, quando inadmissível o procedimento instituído pela Lei nº 9.099/95 ou seu prosseguimento, após a conciliação, a extinção da ação, sem resolução do mérito, é medida que se impõe, não se admitindo que o julgador remeta a ação ao juízo que julgar competente.
Como forma de prestígio à autocomposição, o rito especial ainda prevê a realização de audiência de conciliação até mesmo quando processada ação de execução de título extrajudicial. Com efeito, após garantido o juízo, é oportunizado às partes a realização de sessão conciliatória, onde será intentada a realização de acordo e, se infrutífera, será oportunizado ao executado o oferecimento de embargos à execução.
O rito dos juizados ainda dispõe que as partes serão isentas do pagamento de custas processuais no primeiro grau de jurisdição e honorários sucumbenciais.
3.2. Os juizados especiais da Justiça Federal
No âmbito das causas de competência da justiça comum federal, foram criados os juizados especiais cíveis, nos termos da Lei 10.259 de 12 de julho de 2001.
De acordo com a previsão do artigo 3º da lei,
compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.
São excluídas da competência, porém, as causas (artigo 3º, §1º):
I - referidas no art. 109, incisos II, III e XI, da Constituição Federal, as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, execuções fiscais e por improbidade administrativa e as demandas sobre direitos ou interesses difusos, coletivos ou individuais homogêneos;
II - sobre bens imóveis da União, autarquias e fundações públicas federais;
III - para a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, salvo o de natureza previdenciária e o de lançamento fiscal;
IV - que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou de sanções disciplinares aplicadas a militares.
As disposições previstas na Lei 9.099/95 são aplicáveis de forma subsidiária aos juizados especiais federais, naquilo que não for conflitante.
Algumas disposições diversas, porém, se destacam. Com efeito, a propositura da ação perante o juizado especial cível federal é obrigatória, não existindo possibilidade de a parte exercer a faculdade de propor a demanda em uma vara comum.
Aos entes públicos litigantes, a assistência de procurador é obrigatória, a despeito de nada reclamar acerca da parte que é pessoa física ou jurídica de direito privado.
Em caso de incompetência do juízo ou inadmissibilidade do rito, a ação deve ser remetida ao juízo competente, não se cogitando na extinção sem julgamento do mérito.
De outra banda, vale registrar algumas disposições ímpares, tais como: prazo mínimo para a citação para audiência de conciliação ser efetuada com antecedência de 30 dias para a Fazenda Pública; existência do mecanismo de uniformização de jurisprudência; nas hipóteses de condenação da pessoa jurídica de direito público ao pagamento de quantia certa, essa será requisitada à autoridade competente para o pagamento, dentre outras.
3.3. Os juizados especiais da Fazenda Pública, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios
No ano de 2009, foi elaborada e publicada a Lei número 12.153, de 22 de dezembro, com vigência de seis meses após esta data e determinação para instalação em até dois anos após a vigência da mesma. Trata-se de legislação que visou estender aos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, os juizados especiais da Fazenda Pública, então restritos à esfera Federal, nas ações cujo valor da causa não ultrapasse o limite de 60 (sessenta) salários mínimos.
Nos termos do artigo 2º, §1º, foram excluídas da referida competência
I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;
II – as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas;
III – as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.
Neste sentido, seguindo a mesma disposição da lei instituidora dos juizados especiais federais, a competência dos juizados da fazenda pública é absoluta. Vale ressaltar, neste contexto, que ambas as leis possuem variadas disposições em comum.
4. Os princípios norteadores dos juizados especiais
Em razão da aplicação subsidiária da Lei 9.099/95 às Leis 10.259/01 e 12.153/09, é correto dizer que na sistemática de todos os juizados especiais aplica-se o artigo 2º da Lei 9.099/95, cujo conteúdo dispõe que “O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.”
O legislador utilizou na redação do dispositivo o vocábulo critério, largamente criticado pela doutrina e jurisprudência. Com efeito, explicam os doutrinadores que, a bem da verdade, os referidos critérios são princípios fundamentais,
de natureza procedimental, ou seja, se voltam para disciplinar a integração e o desenvolvimento dos procedimentos previstos na Lei 9.099/1995. De fato, o tema central dos princípios listados é o ato processual, sua realização, exteriorização e seu aproveitamento. Esses princípios, entretanto, servem também de base para a estruturação do órgão e para definir os contornos fundamentais do instituto.[4]
Neste diapasão, a interpretação das normas previstas nas leis dos juizados especiais “só será legítima se levar em conta tais princípios”[5], eis que se tratam de verdadeiros “vetores hermenêuticos”[6], haja vista o tributo da generalidade.
Estão elencados na lei os princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Ainda, dispõe o artigo 2º que deve ser buscada, sempre que possível, a autocomposição. Passamos, portanto, ao estudo de cada um dos princípios, individualmente.
O princípio da oralidade traduz a prevalência da palavra oral sobre a escrita, “como meio de comunicação das partes, visando à simplificação e à celeridade dos trâmites processuais, sendo aplicado desde a apresentação do pedido inicial até a fase final dos julgados.”[7]
A oralidade do procedimento manifesta-se, dentre outras hipóteses: na possibilidade de apresentação de pedido oral junto à secretaria do juizado especial; na possibilidade de apresentação de defesa oral na audiência; impossibilidade de redução a termo da prova oral produzida em audiência; possibilidade de outorga verbal de mandato ao advogado; interposição do recurso de embargos de declaração de forma oral; possibilidade de iniciar-se a execução da sentença por meio de simples pedido verbal no balcão da secretaria, etc. E, nos termos do artigo 13, §3º, somente serão reduzidos a termo os atos essenciais.
Para que efetivamente torne-se possível a tramitação de uma ação pautada no princípio da oralidade, a doutrina sustenta que se faz necessária a observância de outros quatro princípios complementares, quais sejam, o princípio da concentração, da imediação, da identidade física do juiz e da irrecorribilidade das decisões.
Márcio Augusto Nascimento e Antônio César Bochenek (2011, n.p) explicam referidos princípios:
O princípio da concentração manifesta-se pela proximidade dos atos processuais, imprimindo maior celeridade. O processo como instrumento de concretização do direito deve realizar-se num período breve, reduzindo-se a poucos atos processuais em curtos intervalos de tempo, ou seja, a proximidade temporal entre aquilo que o juiz apreendeu e o momento em que deverá avaliá-lo na sentença é elemento decisivo para a preservação das vantagens do princípio; ao contrário se tornará difícil ao julgador conservar os elementos de prova, fruto de sua observação pessoal, sujeito às intempéries do tempo (arts. 27, 28, 29, 31 e 40 da Lei 9.099/1995). O princípio da imediação, imediatismo ou imediatidade caracteriza-se pelo contato direto e pessoal entre o juiz e as partes, as provas, os peritos, as testemunhas, a fim de que receba diretamente os elementos que servirão para o julgamento, sem interferência de terceiros, ensejando uma impressão mais nítida das circunstâncias do conflito para uma decisão mais justa. Pelo princípio da identidade física, o juiz deve seguir pessoalmente na condução da audiência, do início ao fim, da instrução oral até a sentença. Evita-se que o feito seja julgado por juiz que não tenha contato direto com os atos processuais. Excepcionalmente este princípio é atenuado se o juiz estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor. Nos Juizados Especiais as decisões proferidas no curso do processo são irrecorríveis devido à concentração e celeridade dos atos processuais, a fim de evitar paralisações protelatórias ou procrastinatórias do processo, mesmo que parciais, aplicando o princípio da irrecorribilidade das decisões interlocutórias. Excepcionalmente são recorríveis as decisões interlocutórias concedidas por meio de medidas acautelatórias, para evitar dano de difícil reparação (art. 5.º da Lei 10.259/2001).
No que lhe concerne, o princípio da simplicidade conduz ao entendimento de que o processo deve tramitar da forma mais simples possível, sem maiores exigências burocráticas que possam afastar o Poder Judiciário dos jurisdicionados. Em outros termos, significa dizer que o processo em trâmite nos Juizados Especiais deve ser conduzido de forma a proporcionar às partes a melhor compreensão possível, até porque aos litigantes é, em regra, opcional a assistência de advogado.
Conforme ensina Fellipe Borring Rocha (2017, p. 33),
Um exemplo dessa concepção é o comando contido no §1º do art. 14 da Lei, que estabelece que a petição inicial deverá ser feita “de forma simples e em linguagem acessível”. Nunca é demais lembrar que linguagem é poder e quem domina uma linguagem pode subjugar os outros. O Juizado, apesar de todas as suas peculiaridades, é um lugar intimidador e complexo para a maioria das pessoas que não tem formação jurídica, assim como é um hospital para quem não é médico, ou um canteiro de obras para quem não é engenheiro. Se a pessoa, além de tudo, não entender o que é dito, ficará tolhida para exercer a plenitude de seus direitos. De fato, a utilização de uma linguagem “complicada” (em contraposição à linguagem “simples” apregoada pelo princípio) tem como consequência alijar as partes leigas de uma efetiva participação no processo, o que é o oposto do que pretende a Lei. O princípio da simplicidade seria, nessa ótica, um corolário do princípio democrático, buscando aproximar a população e os jurisdicionados da atividade judicial.
Desta maneira, desde que atingida a finalidade buscada, nenhuma nulidade será decretada. Adotou-se, assim, a liberdade das formas processuais, tudo conforme dispõe o artigo 13, que personifica também o princípio da instrumentalidade das formas e o princípio do prejuízo:
Os atos processuais serão válidos sempre que preencherem as finalidades para as quais forem realizados, atendidos os critérios indicados no art. 2º desta Lei. § 1º Não se pronunciará qualquer nulidade sem que tenha havido prejuízo.
Nesta mesma perspectiva foi previsto o princípio da informalidade, que, nas palavras de Marisa Ferreira dos Santos (2012, n.p.), “permite que o ato processual seja praticado de forma a dar agilidade ao processo”. Marisa explica, ainda, que “a forma do ato processual deixou de ser um fim em si mesma para estar a serviço da aplicação do direito.”
Nesta lógica, na sistemática dos juizados especiais, a informalidade pressupõe que “os atos processuais devem ser praticados com o mínimo de formalidade possível.”[8]
Aplica-se, por óbvio, às formas não essenciais, ou seja, circunstanciais ao conteúdo do ato, mas não às integrantes do ato (formas essenciais), pois poderia comprometer o conteúdo e a validade do ato.[9]
Acerca do princípio da economia processual, cabe pontuar que busca a lei que se obtenha o máximo de rendimento com o mínimo de atos processuais. Com efeito, a atividade jurisdicional deve ser exercida da forma menos dispendiosa possível, otimizando-se tempo e recursos financeiros.
Deve ser buscada a maior efetividade possível, racionalizando-se as atividades processuais.
São exemplos da aplicação do princípio: a possibilidade de imediata realização de audiência de conciliação quando as partes comparecerem juntas ao juizado especial; a previsão de sentença única para o pedido principal e o pedido contraposto; a pioneira previsão de pedido contraposto na contestação e a previsão de intimação da sentença na sessão de julgamento.
De seu turno, o princípio da celeridade pressupõe que o processo seja conduzido da maneira mais célere possível, importando na busca da máxima rapidez no desempenho da atividade jurisdicional, evitando-se a protelação dos atos processuais.
Cumpre destacar, porém, importante observação realizada por Felippe Borring Rocha (2017, p. 36), sustentando o afastamento da segurança jurídica e diferenciando o referido princípio do princípio da duração razoável do processo:
Diante desse dilema, surge o princípio da celeridade apregoando que, sempre que possível, os atos processuais devem ser praticados de forma a permitir uma atividade processual mais rápida e ágil. Com isso, a segurança jurídica deve ceder espaço à celeridade, quando a causa não demanda uma proteção especial do ordenamento jurídico. É preciso que se diga, entretanto, que a segurança jurídica não pode ser afastada sem critérios, José Joaquim Calmon de Passos, em suas palestras, costumava dizer que o princípio da celeridade, sem rédeas, é atentatório à justiça. Na sua visão, o processo precisa ter um tempo de maturação, pois é esse tempo que respalda e legitima a decisão nele proferida. De fato, existem processos de grande repercussão pessoal e social, em que não se pode abrir mão da segurança, como, por exemplo, nas ações de investigação de paternidade. Há casos, porém, em que a segurança pode ser mitigada em favor de uma tutela jurisdicional mais rápida, na qual a falta de certeza cause menos prejuízo do que a demora. Por exemplo, nos direitos de crédito, tempo é dinheiro, e uma decisão não tão justa pode ter efeito econômico idêntico ou até melhor do que uma decisão mais justa, porém vagarosa. Os Juizados Especiais, por sinal, foram construídos para atuar num campo propício à celeridade, pois, com as limitações contidas nos arts. 3º e 8º, o procedimento fica basicamente restrito às questões patrimoniais disponíveis. Por outro lado, como a celeridade é da essência do procedimento, o autor, ao optar por essa via excepcional, implicitamente está abrindo mão da segurança jurídica que teria no juízo comum, em prol da presteza na resposta jurisdicional. Nesse passo, importante salientar que não se pode confundir o princípio da celeridade com o princípio da duração razoável do processo, apesar de ambos versarem sobre o mesmo tema: o tempo processual. A duração razoável do processo, conceito mais amplo, determina que toda a atividade judicial, do início até o fim, seja feita no menor tempo possível, atendendo aos interesses em jogo e promovendo uma solução para a causa. Destarte, o princípio da duração razoável representaria o direito das partes de ver a causa julgada (com trânsito em julgado), no menor espaço de tempo possível.
Em conclusão, cabe mencionar ainda que o rito previsto nas leis dos juizados especiais busca, incessantemente, a autocomposição, como forma de solução dos litígios. Quando exitosa, a composição entre as partes produz pacificação social, que é “escopo magno do Estado Democrático.”[10]
Na lei, o objetivo pode ser vislumbrado na incansável busca pela realização de acordo entre as partes, haja vista que obrigatória a sessão de conciliação como primeiro ato processual, bem como porque na audiência de instrução e julgamento, pelo juiz deve ser realizada nova tentativa de conciliação. Não bastasse, ainda que exista previsão expressa quanto ao momento para a composição das partes, nada obsta que a realização de acordo possa ocorrer em qualquer fase do procedimento, até mesmo quando pendente julgamento de recurso pela instância recursal.
5.Considerações finais
Conforme visto ao longo deste trabalho, foi possível traçar a evolução histórica e as razões para a criação e solidificação dos juizados especiais na legislação Pátria.
Em seguida, foram abordadas as características, similitudes e diferenças entre juizados especiais cíveis existentes, quais sejam, os Juizados Estaduais, Federais e da Fazenda Pública, essa última no âmbito dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Município.
Por fim, foram apresentados os princípios jurídicos que orientam o microssistema dos juizados especiais, podendo-se concluir que estamos diante de um sistema jurídico engenhoso – que nada tem de simples, apenas de sua forma simplificada –, solidificado e bem incorporado aos anseios sociais.
Referências bibliográficas
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https://www.conjur.com.br/2014-fev-03/maior-mundo-tribunal-justica-sao-paulo-completa-140-anos - acesso em 23/06/2022
[1] HC 71.713/PB de relatoria do Ministro Sepúlveda Pertence.
[2] Felippe Borring Rocha, 2017, p. 7.
[3] Felippe Borring Rocha, 2017, p. 7.
[4] Felippe Borring Rocha, 2017, p. 28
[5] Alexandre Freitas Câmara, 2004, p. 11.
[6] Idem.
[7] Márcio Augusto Nascimento e Antânio César Bochenek, 2011, n.p.
[8] Felippe Borring Rocha, 2017, p. 34.
[9] Idem.
[10] Alexandre Freitas Câmara, 2004, p. 24.
Procurador Federal, membro da Advocacia-Geral da União, graduado na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEDRESCHI, Guilherme Barbosa Franco. História da criação e implementação dos juizados especiais cíveis no ordenamento jurídico brasileiro e a legislação vigente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jun 2022, 04:09. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58764/histria-da-criao-e-implementao-dos-juizados-especiais-cveis-no-ordenamento-jurdico-brasileiro-e-a-legislao-vigente. Acesso em: 22 nov 2024.
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