GIRLANO DE SOUSA SOARES[1]
(coautor)
RESUMO: Assim como o conflito é um fenômeno inerente a toda sociedade, as respectivas formas de composição também são uma preocupação constante. Dentre os diversos meios de solução de conflitos, a arbitragem vem assumindo papel de destaque no cenário mundial. Há, notadamente, aspectos estruturais da arbitragem que são comuns aos países que a internalizaram em suas legislações, como é o caso, por exemplo, da convenção de arbitragem, a qual, por sua vez, gera importantes reflexos no âmbito dos tribunais estatais. O presente estudo tem por objetivo analisar de que forma a convenção de arbitragem projeta os seus efeitos para o processo judicial estatal e de que forma os ordenamentos jurídicos português e brasileiro tratam a questão. Para tanto, propõe-se, no presente estudo, analisar, inicialmente, os aspectos da evolução histórica dos meios de solução dos conflitos, as bases estruturais e a natureza jurídica da arbitragem. Em seguida, pretende-se investigar o tratamento dado pela lei portuguesa de arbitragem voluntária (Lei n.º 63/2011) e pela lei brasileira de arbitragem (Lei n.º 9.307/1996) à convenção de arbitragem, em especial a forma como os efeitos positivo e negativo dessa convenção repercutem em eventual processo em trâmite perante um tribunal estatal. A presente investigação tem grande relevância teórica e prática, pois exige o estabelecimento de um diálogo entre a lei da arbitragem e o código de processo civil, a permitir uma melhor compreensão das consequências processuais decorrentes da apresentação de uma exceção de arbitragem no âmbito do processo judicial.
Palavras-chave: arbitragem-convenção de arbitragem-efeitos-exceção.
ABSTRACT: Just as the conflict is a phenomenon inherent in every society, the respective forms of composition are also a constant concern. Among the various means of conflict resolution, arbitration has been assuming a prominent role in the world scenario. There are, notably, structural aspects of arbitration that are common to countries that have internalised it in their legislations, as is the case, for example, of the arbitration convention, which, in turn, generates important reflexes within the state courts. This study aims to analyze how the arbitration convention projects its effects on the state judicial process and how the Portuguese and Brazilian legal systems deal with the issue. To this end, it is proposed, in the present study, to analyze, initially, the aspects of the historical evolution of the means of resolving conflicts, the structural bases and the legal nature of the arbitration. Then, it is intended to investigate the treatment given by the Portuguese law of voluntary arbitration (Law n.º 63/2011) and the Brazilian law of arbitration (Law n.º 9.307 / 1996) to the arbitration agreement, in particular the way the positive and negative effects of this convention are reflected in any proceedings pending before a State court. In addition to the legislative analysis, it is proposed to understand the treatment given by the doctrine and jurisprudence of these two important Portuguese-speaking countries. The present investigation is of great theoretical and practical relevance as it requires the establishment of a dialogue between the Arbitration Law and the Code of Civil Procedure, allowing a better understanding of the procedural consequences arising from the submission of an arbitration exception in court proceedings.
Key words: Arbitration. Convention arbitration. Effects. Exception
A busca por meios adequados de solução de conflitos é uma preocupação que acompanha a sociedade em todas as suas fases evolutivas. O conflito é fenômeno presente em todas as relações sociais, a começar pela própria necessidade que o ser humano possui de preservar a sua existência[2].
Nesse sentido, a solução do conflito pelo uso da força (autotutela) passou a ceder espaço para meios autocompositivos e heterocompositivos, tais como a jurisdição estatal, a conciliação, a mediação e a arbitragem.
A arbitragem, meio hetercompositivo de solução do conflito, tem como princípio estrutural a liberdade, a qual se apresenta como um importante atributo que decorre do princípio da dignidade da pessoa humana. Por meio dela, as partes renunciam à jurisdição estatal e confiam a resolução do conflito a um terceiro, independente e imparcial, cujas funções são exercidas à margem dos tribunais estaduais[3].
A partir da segunda metade do século XX, houve um maior desenvolvimento científico da arbitragem, a qual passou a ser regulamentada, internamente, por diversos países. Atualmente, ela está disciplinada em Portugal, pela Lei nº 63/2011, e no Brasil, pela Lei nº 9.307/1996.
A instituição do juízo arbitral depende da manifestação de vontade das partes, mediante a celebração de uma convenção de arbitragem. Por meio dela, as partes instituem uma instância arbitral para o julgamento do conflito (futuro ou atual) e, por consequência, renunciam à jurisdição estatal. Fala-se, assim, respectivamente, em efeito positivo e efeito negativo da convenção de arbitragem.
O presente trabalho tem por objetivo analisar os efeitos positivo e negativo produzidos pela convenção de arbitragem e suas repercussões para o processo judicial. Especificamente no tocante aos impactos sentidos no processo judicial, faz-se necessário analisar a chamada exceção de convenção de arbitragem e o tratamento dado a esse instituto pelos ordenamentos jurídicos português e brasileiro.
O objeto de estudo proposto tem grande relevância teórica e prática, pois a convenção de arbitragem projeta seus efeitos para eventual processo instaurado perante um tribunal estatal. Tais efeitos, inevitavelmente, se relacionarão com institutos tipicamente processuais, tais como competência, exceções (dilatórias e peremptórias), absolvição da instância e extinção do processo.
Há diversos pontos de aproximação entre Portugal e Brasil no tocante ao tratamento dado pela legislação e pela jurisprudência desses dois países aos efeitos gerados pela convenção de arbitragem e suas repercussões no âmbito do processo judicial. E mesmo nos pontos aparentemente divergentes, é possível identificar cenários que poderão servir como contribuições de um sistema para o outro.
2. Da autotutela aos meios adequados de solução dos conflitos
O conflito é fenômeno inerente a qualquer sociedade. Isto se deve, naturalmente, ao fato de o homem, desde o início de sua existência, buscar, a todo instante, a sua sobrevivência. Poder-se-ia falar, assim, em um direito natural correspondente à liberdade de agir da maneira que lhe parecesse mais adequada para preservar a sua própria vida[4].
Talvez a forma mais remota de solução de conflitos seja a autotutela, por meio da qual, mediante o uso de violência, se impõe a prevalência de um interesse em detrimento do sacrifício do interesse de outrem. Contudo, tendo em vista que a solução do conflito por violência põe em risco a própria manutenção da sociedade – a qual necessita do convívio, de certo modo, harmonioso entre os seus membros para se desenvolver e para que as pessoas, de uma forma geral, satisfaçam os seus interesses pessoais e coletivos –, percebeu-se que era necessário encontrar um meio capaz de eliminar a solução violenta para os conflitos[5] e manter a sociedade viva.
É nesse contexto que se identifica o surgimento da figura do Estado, como estrutura de poder concentrada nas mãos de um único homem ou de uma assembleia de homens, capaz de defender a todos de agressões externas e manter o convívio pacífico entre todos, pois, em última análise, o próprio homem estaria outorgando o seu poder de autogovernar-se para o Estado, o qual receberia a legitimidade para agir na salvaguarda do bem comum[6].
Para que o Estado, uma vez instituído, pudesse manter não somente a sua existência como estrutura de poder, mas também a prometida pacificação social, foi instituída a Lei, a qual, segundo Jean-Jacques Rousseau, é a “condição da associação civil”[7]. Com isso, o Estado passou não apenas a regular o convívio social, como também a resolver os seus respectivos conflitos, através de uma função pública, conferida a certas pessoas[8], de dizer o direito a um caso concreto.
A monopolização da atividade jurisdicional pelo Estado se intensificou a partir do renascimento e se consolidou, em definitivo, com o advento do iluminismo[9]. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, ao dispor, em seu art. 3º, que “o princípio de toda a soberania reside, essencialmente, na nação. Nenhuma operação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente”[10], serviu como fundamento para o fortalecimento da jurisdição como função eminentemente pública[11].
Não obstante, o Estado não foi capaz de, pela simples edição de leis, estabelecer a plena pacificação social; e, pela monopolização da função jurisdicional, resolver os conflitos de forma eficiente. Tal insucesso se deve a dois importantes fatores: o primeiro, a impossibilidade de se alcançar um padrão uniforme de comportamento por meio de critérios legais e abstratos pré-estabelecidos. O segundo, a equivocada ideia de que os conflitos se resolvem mediante simples julgamento, quando, em verdade, eles exigem uma composição[12].
Com efeito, a compreensão de que o Estado pertence à sociedade que o constituiu – e não o contrário – nos permite inferir que ele é apenas um dos instrumentos criados para a persecução dos objetivos dos cidadãos, os quais também estão legitimados a desenvolver outros meios não estatais de criação do Direito. O Estado-dos-Direitos cedeu lugar ao Estado-dos-Cidadãos, no qual “a pessoa aparece como o ‘único’ ator social, pronto a assumir-se como ‘único’ autor de si próprio e dos outros”[13]. Tem-se, portanto, na liberdade e na autonomia da vontade, atributos extraídos do princípio da dignidade da pessoa humana, a legitimação para a criação de meios adequados e não estatais de solução de conflitos.
Segundo António Pinto Monteiro, a crescente busca por esses meios não estatais de solução de conflitos se deve à chamada crise da justiça, a qual tem como causas, dentre outras, a morosidade das decisões dos órgãos judiciários e a explosão da litigiosidade (cultura do litígio), e à crise do direito, fortemente marcado pela superação do positivismo jurídico e reconhecimento de um “sistema pluralista de fontes do direito”[14].
É nesse contexto que diversos sistemas jurídicos do mundo[15] passaram a admitir meios não estatais de resolução de litígios, com destaque para a conciliação, a mediação e a arbitragem[16].
No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução n.º 125/2010, instituiu a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário, com o objetivo de “assegurar a todos o direito à solução dos conflitos por meios adequados à sua natureza e peculiaridade”[17]. O novo Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105/2015)[18] instituiu um verdadeiro sistema multiportas de solução dos conflitos, na medida em que há, não apenas mera previsão, mas verdadeiro incentivo à adoção de meios adequados, ainda que extrajudiciais, de solução de conflitos, conforme se infere do § 3º do art. 3º do referido diploma[19].
Em Portugal, o Código de Processo Civil (Lei n.º 41/2013)[20] foi além, pois prevê ainda que “autor que, podendo recorrer a estruturas de resolução alternativa de litígios, opte pelo recurso ao processo judicial, suporta as suas custas de parte independentemente do resultado da ação, salvo quando a parte contrária tenha inviabilizado a utilização desse meio de resolução alternativa do litígio”. Vê-se, assim, que o sistema português não apenas incentiva a adoção de meios alternativos de solução de conflitos, como também impõe um ônus àquele que, podendo deles se valer, recorre diretamente à jurisdição estatal.
3. Aspectos gerais da arbitragem
Estudos revelam a prática de arbitragem desde a antiguidade (3000 a.c), havendo, inclusive, previsão expressa de designação de árbitros na Lei das XII Tábuas[21]. Modernamente, a partir do final dos anos cinquenta do século XX, houve uma guinada para a consolidação da arbitragem nos ordenamentos jurídicos do mundo, com especial destaque para a previsão contida na Convenção de Nova Iorque de 1958 sobre execução das sentenças arbitrais estrangeiras. Contudo, foi no final da década de setenta do século XX que a arbitragem sofreu suas mais profundas reformulações[22], passando a ganhar maior espaço nos ordenamentos jurídicos da Europa, especialmente na Bélgica, Inglaterra, França, Itália, Áustria, Holanda, Portugal, Suíça e Espanha[23].
No Brasil, a ausência de um diploma específico[24] impediu o desenvolvimento da arbitragem. Somente no final do século XX, o ordenamento jurídico brasileiro, acompanhando uma tendência global, passou a tratar, de forma específica e sistematizada, da arbitragem e do procedimento arbitral, o que se deu com o advento da Lei n.º 9.307/96 (L.B.A). De lá para cá, a arbitragem vem ganhando papel de destaque no cenário jurídico brasileiro, especialmente após o advento do novo CPC brasileiro[25].
A arbitragem pode ser compreendida como o meio adequado de solução de conflitos, fundado na autonomia da vontade, por meio do qual duas ou mais pessoas convencionam submeter o seu conflito à decisão de um terceiro imparcial, que pode ser um ou mais árbitros[26]. Trata-se de um método de heterocomposição, o qual se contrapõe aos chamados métodos autocompositivos em que a decisão final é fruto do consenso e/ou escolhas dos próprios envolvidos, e.g., renúncia à pretensão, reconhecimento do pedido e conciliação[27].
Em Portugal, a L.A.V estabelece, em seu art. 1º, que “desde que por lei especial não esteja submetido exclusivamente aos tribunais do Estado ou a arbitragem necessária, qualquer litígio respeitante a interesses de natureza patrimonial pode ser cometido pelas partes, mediante convenção de arbitragem, à decisão de árbitros”. No mesmo sentido, a L.B.A, também em seu art. 1º, prevê que “as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
No tocante aos litígios envolvendo a administração pública, o n.º 5 do art. 1º da L.A.V prevê que “o Estado e outras pessoas coletivas de direito público podem celebrar convenções de arbitragem, na medida em que para tanto estejam autorizados por lei ou se tais convenções tiverem por objeto litígios de direito privado”. Por sua vez, o § 1º do art. 1º da L.B.A estabelece que “a administração pública direta e indireta poderá utilizar-se da arbitragem para dirimir conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis”.
Embora haja certa similitude entre Brasil e Portugal no que tange ao objeto da arbitragem, há, decerto, diferenças estruturais no tocante aos efeitos da convenção de arbitragem e seus reflexos para o processo judicial, os quais serão analisados mais à frente.
4. Natureza jurídica da arbitragem
Para que se possa melhor compreender os efeitos positivo e negativo da convenção de arbitragem e seus impactos no processo judicial, é imprescindível revisitar um tema que durante muitos anos foi objeto de discussões no âmbito da doutrina e da jurisprudência: a natureza jurídica da arbitragem.
É possível identificar quatro teorias acerca dessa discussão: teoria contratualista, teoria jurisdicionalista, teoria mista (ou híbrida) e teoria autônoma.
Para a teoria contratualista, a arbitragem decorre de um contrato entre as partes. Por conseguinte, a decisão do árbitro somente vincula as partes, porque estas assim convencionaram[28]. Segundo Ana Teresa Palhares Basílio e André R. C. Fontes, “a vontade de duas partes na prática de um ato traduz-se em uma declaração única de vontade, de soberania dos litigantes e de poder de disposição, que dão a marca e as feições contratuais à arbitragem[29].
Ao negarem natureza jurisdicional à arbitragem, defendem os adeptos da teoria contratualista que a jurisdição compreende não apenas a atividade cognitiva e decisória, mas também a executiva[30]. A arbitragem, nesse sentido, é tão somente um equivalente jurisdicional[31], na medida em que a função jurisdicional, una e indivisível, é monopólio do Estado e, em razão disso, não pode ser delegada a particulares[32].
A teoria jurisdicionalista (ou processualista), por sua vez, confere à arbitragem uma verdadeira função jurisdicional. Embora a arbitragem esteja fundada na autonomia privada da vontade, a lei lhe confere, abstratamente, o poder de dizer o direito do caso concreto. Embora o árbitro não constitua um órgão estatal, “vêem-lhe ser atribuídos verdadeiros poderes jurisdicionais, em abstrato, pelo próprio Estado e, em concreto, pelos contraentes da convenção de arbitragem”[33].
A jurisdição, nessa perspectiva, não é poder exclusivo do Estado. Os árbitros exercem jurisdição, pois “resolvem controvérsias sobre um direito subjetivo, ditando as regras para o caso concreto mediante um processo em contraditório que se encerra com uma decisão vinculante às partes”[34].
A teoria mista (ou híbrida), por sua vez, mescla elementos contratuais e jurisdicionais. Para ela, a arbitragem tem origem em uma convenção entre as partes (elemento contratual) e resulta na resolução de um litígio mediante decisão vinculante (elemento jurisdicional). Embora a autonomia da vontade das partes seja o elemento estrutural da arbitragem, é a lei que garantirá a validade do seu procedimento e o caráter vinculante de suas decisões. Nesse sentido, a arbitragem deve ser vista de forma contextualizada com o sistema legal[35].
Por fim, para a teoria autônoma, desenvolvida por Rubellin-Devichi[36], a arbitragem possui natureza própria. As partes, conforme as suas necessidades concretas, delimitam o alcance da atividade arbitral e não a lei. Esta, em verdade, apenas institucionaliza o que já ocorre na prática arbitral. A arbitragem, para esta teoria, é um fato da vida[37].
Embora as duas últimas teorias venham ganhando espaço nas discussões acadêmicas, é inegável que o ordenamento jurídico português confere à arbitragem, de algum modo, uma natureza jurisdicional.
O n.º 1 do art. 20º da Constituição da República Portuguesa[38], ao dispor que “a todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos”, não faz qualquer distinção entre tribunais estatais e tribunais arbitrais. O direito fundamental de acesso à justiça, nessa perspectiva, deve ser compreendido como o direito à tutela jurídica efetiva, quer seja por meio de um tribunal estatal, quer seja por meio de um tribunal arbitral. Assim, o referido dispositivo deve ser lido à luz do n.º 2 do art. 209º da CRP, que prevê a coexistência, na ordem jurídica interna, de tribunais marítimos, tribunais arbitrais e julgados de paz.
Em importante julgado envolvendo a discussão acerca da constitucionalidade das normas relativas ao tribunal arbitral necessário, constantes dos arts. 2.º e 3.º da Lei n.º 62/2011, de 12 de Dezembro, o Tribunal Constitucional Português reconheceu que embora os tribunais arbitrais sejam tribunais autônomos em relação aos demais órgãos estatais, exercem função jurisdicional, na medida em que “a Constituição não reserva em absoluto a função jurisdicional aos tribunais estaduais, podendo caber aqui uma margem de conformação do legislador no recurso à arbitragem como forma de resolução de conflitos”[39].
No Brasil, o inciso XXXV do art. 5º da Constituição da República[40], ao garantir o acesso à justiça, refere-se tão somente ao Poder Judiciário[41]. Contudo, a instituição de convenção de arbitragem não afronta o referido texto constitucional[42], na medida em que ela decorre do exercício da autonomia da vontade relacionada a direitos transigíveis. Ademais, o Poder Judiciário ainda poderá ser acionado, em caso de nulidade da sentença arbitral, nos termos dos arts. 32 e seguintes da L.B.A.
O art. 18 da L.B.A dispõe que “o árbitro é juiz de fato e de direito, e a sentença que proferir não fica sujeita a recurso ou a homologação pelo Poder Judiciário”. Por sua vez, o parágrafo único do art. 8º da mesma lei prevê que “caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”[43].
No tocante aos efeitos e natureza da sentença arbitral, estabelece o art. 31 da L.B.A que “a sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo”. Por sua vez, o art. 515, inciso VII, do CPC brasileiro confere à sentença arbitral a natureza de título executivo judicial.
Por todas essas razões, o Superior Tribunal de Justiça vem reconhecendo a natureza jurisdicional da arbitragem[44].
A convenção de arbitragem é um acordo escrito por meio do qual os sujeitos de uma relação jurídica pactuam que os litígios dela decorrentes serão submetidos à arbitragem. O art. II, 1, da Convenção de Nova Iorque de 1958[45] conceitua a convenção de arbitragem como “o acordo escrito pelo qual as partes se comprometem a submeter à arbitragem todas as divergências que tenham surgido ou que possam vir a surgir entre si no que diz respeito a um relacionamento jurídico definido, seja ele contratual ou não, com relação a uma matéria passível de solução mediante arbitragem”.
Por se tratar de um “ato de exercício de poderes de disposição das partes sobre os meios ou as condições da tutela jurídica”, pode-se dizer que a convenção de arbitragem é um negócio jurídico processual[46]. Ademais, trata-se de negócio jurídico autônomo[47] em relação ao contrato em que está inserida, conforme prevê o art. 16-1 da Lei Modelo UNCITRAL (United Nations Commission on International Trade Law)[48].
A convenção de arbitragem pode surgir antes ou após o conflito. No primeiro caso, fala-se em cláusula compromissória, que nada mais é do que a cláusula inserida no contrato[49], autônoma em relação às demais cláusulas nele previstas[50], convencionando que os futuros litígios dele decorrentes serão decididos por um juízo arbitral. No segundo caso, fala-se em compromisso arbitral, ou seja, a convenção estabelecida pelos sujeitos após o conflito, que confere ao juízo arbitral a competência para resolvê-lo.
A referida dicotomia entre cláusula compromissória e compromisso arbitral é estabelecida pela L.A.V, a qual, no n.º 3 do art. 1º dispõe que “a convenção de arbitragem pode ter por objeto um litígio atual, ainda que afeto a um tribunal do Estado (compromisso arbitral), ou litígios eventuais emergentes de determinada relação jurídica contratual ou extracontratual (cláusula compromissória). A L.B.A segue esta mesma linha, ao estabelecer, em seu art. 3º que “as partes interessadas podem submeter a solução de seus litígios ao juízo arbitral mediante convenção de arbitragem, assim entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral”.
A importância do compromisso arbitral é, entre outras, a de delimitar o litígio[51] e fixar os pontos sobre os quais as partes controvertem e que deverão ser objeto de julgamento pelo tribunal arbitral. Possui vida e conteúdo próprios, pois sua formalização não está condicionada à existência e validade de uma prévia cláusula compromissória[52].
5.2. Cláusula compromissória vazia (ou em branco) e cláusula compromissória cheia
A convenção de arbitragem, quer seja na modalidade cláusula compromissória, quer seja na modalidade compromisso arbitral, deve adotar a forma escrita[53]. Embora a L.A.V estabeleça que o compromisso arbitral “deve determinar o objeto do litígio” (art. 2º, n.º 6), é possível que a parte interessada leve a um tribunal arbitral a sua demanda, mesmo sem o referido compromisso arbitral. Nesse caso, se a parte autora alegar a existência de uma convenção de arbitragem e a parte contrária, em contestação, não a negar, o n.º 5 do art. 2º da L.A.V considera como “cumprido o requisito da forma escrita da convenção de arbitragem”[54] e o procedimento arbitral se desenvolverá regularmente.
A L.B.A, por sua vez, prevê, em seu art. 7º, que “existindo cláusula compromissória e havendo resistência quanto à instituição da arbitragem, poderá a parte interessada requerer a citação da outra parte para comparecer em juízo a fim de lavrar-se o compromisso, designando o juiz audiência especial para tal fim”. Ao que parece, a L.B.A, diferentemente da L.A.V, não admite a instauração do procedimento arbitral sem o compromisso arbitral, exigindo da parte interessada, quando houver apenas a cláusula compromissória, a instauração de um procedimento prévio, perante um tribunal estatal, com o objetivo de que seja lavrado o respectivo compromisso arbitral.
Contudo, para uma exata compreensão do alcance da regra contida no art. 7º da L.B.A, é preciso distinguir a chamada cláusula compromissória vazia (ou em branco) da cláusula compromissória cheia. A primeira é aquela que se limita a prever que o futuro litígio decorrente do contrato será submetido a julgamento por um tribunal arbitral. A segunda, por sua vez, é aquela que, além de prever que o futuro litígio será submetido a julgamento por um tribunal arbitral, dispõe, desde já, sobre a aplicação das regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada.
A cláusula compromissória cheia é expressamente admitida pela L.B.A, a qual, em seu art. 5º dispõe que “reportando-se as partes, na cláusula compromissória, às regras de algum órgão arbitral institucional ou entidade especializada, a arbitragem será instituída e processada de acordo com tais regras, podendo, igualmente, as partes estabelecer na própria cláusula, ou em outro documento, a forma convencionada para a instituição da arbitragem”.
Nesse sentido, se o contrato contém uma cláusula compromissória cheia, não faz sentido exigir dos sujeitos a celebração de compromisso arbitral quando do surgimento do conflito, podendo a parte interessada instaurar, desde já, o procedimento arbitral, sem ter que se valer da ação judicial de instituição forçada da arbitragem a que se refere o art. 7º da L.B.A[55].
Ao estabelecer um paralelo entre a L.A.V e a L.B.A, especialmente no tocante à convenção de arbitragem, é possível constatar que não há na L.A.V qualquer proibição de estipulação de cláusula compromissória cheia. Assim, entendemos que somente por meio de expressa previsão legal seria possível proibir a estipulação de cláusula compromissória cheia no direito português, na medida em que um dos princípios norteadores da arbitragem é o da autonomia da vontade, o qual dá concretude aos direitos fundamentais da dignidade da pessoa humana (art. 1º da CRP e art. 1º, III, da CRFB) e da liberdade (art. 27º, n.º 1, da CRP e art. 5º, “caput”, da CRFB).
Assim, à luz do ordenamento jurídico português, se a cláusula compromissória contiver todos os elementos que devam constar no compromisso arbitral – em especial a designação do tribunal arbitral (art. 10º da L.A.V) – o procedimento arbitral poderá ser instaurado independentemente de compromisso arbitral específico ou mesmo da aplicação da regra constante no art. 2º, n.º 2, da L.A.V.
5.3. Convenção de arbitragem e o princípio da competência da competência
Não há dúvida acerca da natureza jurisdicional atribuída à arbitragem no plano dos ordenamentos jurídicos português e brasileiro. Tal constatação é importante para que se possa compreender os impactos produzidos pela convenção de arbitragem no processo judicial.
A convenção de arbitragem, uma vez estipulada pelos sujeitos da relação jurídica, produz dois importantes efeitos: efeito positivo e efeito negativo. Tais efeitos decorrem não apenas da convenção de arbitragem em si, mas especialmente do chamado princípio da competência da competência ou “kompetenz-competenz”, o qual confere ao tribunal arbitral um núcleo duro, absoluto, irrenunciável e indelegável de competência.
Nos termos do n.º 1 do art. 18 da L.A.V, “o tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, mesmo que para esse fim seja necessário apreciar a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção”. Assim, ao tribunal arbitral foi conferida a competência para, antes de tudo, aferir a sua própria competência.
A L.B.A, no mesmo sentido, dispõe no parágrafo único do art. 8º que “caberá ao árbitro decidir de ofício, ou por provocação das partes, as questões acerca da existência, validade e eficácia da convenção de arbitragem e do contrato que contenha a cláusula compromissória”. Em outras palavras, ao tribunal arbitral cabe, com primazia em relação ao Poder Judiciário, a análise quanto à existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem ou do contrato em que ela se insira, ou a aplicabilidade da referida convenção.
Com efeito, a convenção de arbitragem e o princípio da competência da competência conferem ao tribunal não apenas a função jurisdicional de resolver o conflito (efeito positivo), como também impedem que um tribunal estatal conheça do mesmo conflito (efeito negativo).
5.4. Repercussão dos efeitos positivo e negativo da convenção de arbitragem para o processo judicial: a exceção de convenção de arbitragem
O efeito positivo da convenção de arbitragem é o que confere ao tribunal arbitral a função jurisdicional de resolver o conflito das partes (art. 1º, n.º 1, da L.A.V e art. 9º da L.B.A). A convenção de arbitragem constitui, para as partes, a jurisdição arbitral para a resolução do conflito, fazendo nascer para os sujeitos dessa relação um verdadeiro direito potestativo[56], ou seja, o poder de instaurar o procedimento arbitral e sujeitar a outra parte a essa jurisdição.
Essa potestade está bem evidente na L.A.V, a qual prevê a possibilidade de designação compulsória do árbitro ou árbitros pelo tribunal estatal, em caso de omissão ou recusa da parte, ou ainda na hipótese de desacordo entre elas[57]. No mesmo sentido caminha a L.B.A, ao estabelecer instrumentos para a instituição compulsória do compromisso arbitral[58].
Tal efeito é pressuposto indispensável para a instauração e desenvolvimento do procedimento arbitral, bem como para o reconhecimento da competência do tribunal arbitral.
O efeito negativo, por outro lado, é aquele que impede que o conflito seja resolvido por um tribunal estatal, na medida em que as partes, no exercício da autonomia da vontade, elegeram a jurisdição arbitral como a competente para resolver o litígio, renunciando, por via consequencial, à jurisdição estatal.
Tal efeito tem especial relevância na hipótese em que a despeito da existência de convenção de arbitragem, uma das partes submete o conflito a um tribunal estatal. Se o conflito apresentado pela parte não está abrangido pela convenção de arbitragem, a jurisdição estatal será o meio adequado para a sua solução, sob pena de violação ao princípio do acesso à justiça (art. 20, n.º 1, da CRP e art. 5º, XXXV, da CRFB). Contudo, se o conflito está abrangido pela convenção de arbitragem, há, nitidamente, incompetência do juízo estatal[59], diante do efeito positivo gerado pela convenção de arbitragem e pelo princípio da competência da competência.
A questão é, de fato, de competência. O CPC português, em seu art. 96º, alínea b, dispõe que a preterição de tribunal arbitral é causa de incompetência absoluta do tribunal estatal. A L.B.A e o CPC brasileiro são omissos neste ponto.
Não obstante, tanto em Portugal quanto no Brasil, a existência de convenção de arbitragem não é alegada perante o tribunal estatal sob o viés da incompetência do juízo, mas sim como exceção própria. Assim, havendo a propositura de uma ação perante um tribunal estatal a envolver litígio abrangido por uma convenção de arbitragem, caberá à parte ré, até a apresentação do seu primeiro articulado sobre o fundo da causa (mérito da demanda), arguir uma exceção de convenção de arbitragem (art. 5º, n.º 1, da L.A.V e art. 337, X, do CPC brasileiro).
O CPC português estabelece expressamente a distinção entre exceções dilatórias e exceções peremptórias. As primeiras, são aquelas que obstam a que o tribunal conheça do mérito da causa e dão lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal. Já as segundas, consistem na invocação de fatos que impedem, modificam ou extinguem o efeito jurídico dos fatos articulados pelo autor, dando lugar à absolvição total ou parcial do pedido[60].
O acolhimento, pelo juízo estatal, da exceção de convenção de arbitragem obstará o conhecimento do mérito da demanda (efeito negativo da convenção de arbitragem), pois o fundo da causa somente poderá ser apreciado pelo juízo arbitral (efeito positivo da convenção da arbitragem). Logo, trata-se de verdadeira exceção dilatória[61], conforme se infere, ainda, dos arts. 278º, n.º 1. “e”[62] e 578º[63] do CPC português.
No Brasil, o tratamento é idêntico. Embora o CPC não faça a distinção entre exceções peremptórias e exceções dilatórias, não se pode negar que a arguição de convenção de arbitragem pelo réu tem natureza de verdadeira exceção processual. A doutrina brasileira, de uma forma geral, considera como exceções dilatórias as defesas processuais que não geram a extinção do processo, mas tão somente a ampliação ou dilação do curso do procedimento, como ocorre, por exemplo, com a alegação nulidade de citação, conexão, incompetência etc., e como exceções peremptórias as que geram a extinção do processo, como ocorre, por exemplo, na alegação de coisa julgada, de perempção ou de litispendência[64].
Vê-se que em relação ao conceito de exceções dilatórias e peremptórias, Portugal e Brasil não falam o mesmo idioma. Contudo, em ambos os países, a arguição de exceção de arbitragem, embora esteja relacionada a questões envolvendo competência (competência do tribunal arbitral em detrimento do tribunal estatal), uma vez acolhida pelo juízo estatal, não gerará a remessa dos autos ao juízo arbitral, mas sim extinção do processo sem exame do mérito (art. 485, VII, do CPC).
Embora a natureza jurisdicional da arbitragem permita concluir que a discussão é de competência, os ordenamentos jurídicos português e brasileiro preferiram tratar da questão de forma autônoma, como exceção própria. E mesmo havendo um certo conflito conceitual entre Portugal e Brasil no tocante à distinção entre exceções peremptórias e exceções dilatórias, o resultado prático é o mesmo no que tange ao acolhimento da exceção de convenção de arbitragem: absolvição da instância em razão da impossibilidade de o tribunal estatal conhecer do mérito da demanda. Além disso, em ambos os ordenamentos jurídicos, a convenção de arbitragem não pode ser conhecida de ofício pelo tribunal estatal, dependendo de provocação do réu em momento oportuno, sob pena de preclusão (arts. 97º, 573º, n.º 2 e 578º do CPC português e art. 337, §§ 5º e 6º, do CPC brasileiro). Isso significa dizer que se o réu não apresentar a exceção de convenção de arbitragem no prazo legal, sua inércia será considerada como aceitação da jurisdição estatal e renúncia ao juízo arbitral.
Vê-se, assim, que a exceção de convenção de arbitragem é um ônus que recai sobre o réu, pois o afastamento da jurisdição estatal somente ocorrerá se a exceção for apresentada no prazo legal.
O efeito negativo da convenção de arbitragem reafirma o efeito positivo, pois afasta do tribunal estatal a apreciação da demanda e assegura que o conflito seja resolvido apenas pelo tribunal arbitral. E caso um mesmo conflito, objeto de convenção de arbitragem, seja submetido, ao mesmo tempo, a um tribunal estatal e a um tribunal arbitral, este último terá primazia para aferir a sua competência (kompetenz-kompetenz). Nesse caso, a apresentação de exceção de convenção de arbitragem não suspenderá o trâmite do procedimento já instaurado perante o tribunal arbitral, podendo nele, inclusive, ser proferida uma sentença, conforme prevê o n.º 2 do art. 5º da L.A.V.
Embora não haja dispositivo correspondente na L.B.A ou mesmo no CPC brasileiro, tal omissão só reforça o efeito positivo da convenção de arbitragem, de tal modo que, também no Brasil, em razão da primazia do tribunal arbitral em relação ao tribunal estatal para apreciar questões envolvendo a existência, a validade ou a eficácia da convenção de arbitragem (art. 8º, parágrafo único, da L.B.A), a exceção de convenção de arbitragem apresentada pelo réu no tribunal estatal não gera a suspensão de eventual procedimento arbitral também em curso.
Questão relevante diz respeito à necessidade ou não de suspensão do processo judicial em caso de apresentação de exceção de convenção de arbitragem. As hipóteses de suspensão da instância estão previstas no art. 269º do CPC português e no art. 313 do CPC brasileiro (suspensão do processo), e em ambos os dispositivos não há qualquer previsão acerca da convenção de arbitragem, o que, por si só, demonstra a opção do legislador pela desnecessidade de suspensão.
No Brasil, há doutrina a defender a suspensão do processo em trâmite perante o tribunal estatal, em razão da arguição de exceção de convenção de arbitragem, em duas hipóteses: 1ª) quando o procedimento arbitral tiver sido instaurado antes do ajuizamento da ação perante o tribunal estatal; 2ª) quando o procedimento arbitral tiver sido proposto após o ajuizamento da ação perante o tribunal estatal, mas antes de este decidir acerca da arguição da convenção de arbitragem[65].
Entendemos, contudo, que tal suspensão é desnecessária. Em primeiro lugar, porque a exceção de convenção de arbitragem não está prevista como causa de suspensão da instância (suspensão do processo). Em segundo lugar, porque a exceção de convenção de arbitragem deverá, necessariamente, ser apreciada pelo tribunal estatal. Em terceiro lugar, porque a simples existência de convenção de arbitragem sem nulidade, ineficácia ou inexequibilidade manifesta deve gerar uma presunção de competência do tribunal arbitral para a resolução do conflito (efeito positivo da convenção de arbitragem).
Nesse sentido, ao ser arguida a exceção de convenção de arbitragem, não cabe ao tribunal estatal aguardar o pronunciamento do tribunal arbitral sobre a sua própria competência. Deve o tribunal estatal decidir a exceção. Tal decisão não viola o parágrafo único do art. 8º da L.B.A, na medida em que o campo de análise da convenção de arbitragem pelo tribunal estatal, embora limitadíssimo, encontra fundamento no princípio do acesso à justiça (art. 20, n.º 1, da CRP e art. 5º, XXXV, da CRFB).
O n.º 1 do art. 5º da L.A.V impõe, para o reconhecimento do efeito negativo da convenção de arbitragem pelo tribunal estatal, a observância de um requisito negativo, qual seja, a ausência de manifesta nulidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção.
Com efeito, o tribunal arbitral somente poderá afastar a exceção de convenção de arbitragem se a nulidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção for evidente, ou seja, percebida prima facie, portanto independentemente de produção de prova. Segundo António Menezes Cordeiro, “a ser necessária tal prova, ela deverá ser produzida perante o próprio tribunal arbitral, mercê do princípio da Kompetenz-Kompetenz, escapando ao foro do Estado. Se há dúvida, a nulidade já não é manifesta”[66][67].
A L.B.A, por sua vez, não conta com dispositivo correspondente. Não obstante, parece evidente que o tribunal estatal não está limitado a aferir apenas a existência ou não da convenção de arbitragem. Se a convenção é, antes de tudo, um negócio jurídico, estará o tribunal estatal autorizado a analisar os seus requisitos formais. O controle exercido pelo Poder Judiciário, neste caso, há de ser realizado mediante cognição sumária, de modo a exercer um simples juízo de delibação, ou seja, análise superficial quanto aos requisitos de existência, validade, eficácia e exequibilidade do negócio. Se, prima facie, não for verificada qualquer nulidade, ineficácia ou inexequibilidade da convenção de arbitragem, a exceção deverá ser acolhida e o processo judicial extinto.
Tal entendimento pode ser extraído não apenas da regra contida no parágrafo único do art. 8º da L.B.A, mas também da interpretação sistemática que deve ser feita ao ordenamento jurídico. O parágrafo único do art. 168 do Código Civil brasileiro dispõe que “as nulidades devem ser pronunciadas pelo juiz, quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento das partes”. O art. 51, VII, do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990)[68] estabelece serem nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que determinem a utilização compulsória da arbitragem.
A questão não é meramente cronológica, mas jurídico-qualitativa. Ainda que o tribunal arbitral reconheça a sua competência, poderá a exceção de convenção de arbitragem ser rejeitada pelo tribunal estatal, desde que a nulidade, invalidade ou inexequibilidade seja manifesta. Cite-se, como exemplo, o reconhecimento, pelo tribunal arbitral, da validade de uma convenção arbitral inserida em um contrato de adesão celebrado entre consumidor e fornecedor, que prevê a instituição compulsória da arbitragem. Segundo o art. 51, VII, do CDC, tal cláusula é nula de pleno direito, de tal modo que, mesmo após o pronunciamento do tribunal arbitral, o tribunal estatal poderá rejeitar a exceção e afastar a competência daquele.
A busca por meios alternativos e adequados de solução dos conflitos relaciona-se com a necessidade de se alcançar a tutela jurídica dos direitos de forma mais célere e efetiva. Do princípio da dignidade da pessoa humana extrai-se o direito fundamental à liberdade, que tem como forma de expressão a autonomia da vontade. Nesse sentido, mostra-se ultrapassada a ideia de que somente a jurisdição estatal é capaz de resolver os conflitos da sociedade.
A atual roupagem dada à arbitragem pelos ordenamentos jurídicos de Portugal e do Brasil, fez com que os tribunais superiores desses países passassem a identificar, na arbitragem, uma natureza jurisdicional, ou seja, o exercício de uma função jurisdicional não estatal.
Tal natureza fica evidente quando se analisa o princípio da competência da competência e os impactos dos efeitos positivo e negativo da convenção de arbitragem para o processo judicial. Assim, ganha relevo o estudo da chamada exceção de convenção de arbitragem e os seus diversos desdobramentos para o processo.
Há, entre Portugal e Brasil, mais semelhanças do que propriamente diferenças no tocante ao tratamento dessas questões. Em ambos os países, a convenção de arbitragem se perfaz por meio da cláusula compromissória o do compromisso arbitral[69], havendo hipóteses, como visto, de instituição de procedimento arbitral sem a existência do compromisso arbitral[70].
No que toca aos efeitos da convenção de arbitragem para o processo judicial, vê-se que ao passo em que a convecção institui um juízo arbitral com nítida função jurisdicional, fica afastada a jurisdição estatal para a solução do mesmo conflito. Nesse sentido, caso seja ajuizada uma ação perante um tribunal estatal, caberá à parte ré invocar, no prazo para a apresentação do articulado sobre o fundo da causa, a existência de convenção de arbitragem, hipótese de absolvição de instância[71].
Contudo, tendo em vista que a instituição do juízo arbitral decorre do exercício da autonomia da vontade, a existência de convenção de arbitragem não pode ser conhecida de ofício pelo tribunal estatal, dependendo de manifestação da parte ré, sob pena de preclusão (renúncia ao juízo arbitral). Neste ponto, há, entre Portugal e Brasil, uma divergência: para Portugal, a exceção de convenção de arbitragem tem natureza dilatória (art. 578º do CPC português), enquanto que, para o Brasil, tal exceção é peremptória (art. 485, VII, do CPC).
A despeito da mencionada divergência, o resultado prático é o mesmo: o acolhimento da exceção pelo tribunal estatal o afasta do julgamento da demanda, haja vista a competência a do tribunal arbitral.
A natureza jurisdicional da arbitragem e os efeitos positivo e negativo da convenção de arbitragem não impedem o exercício de um controle mínimo por parte do tribunal estatal. Haverá, sempre, um espaço de controle por parte do Estado. Especificamente no tocante à exceção de convenção de arbitragem, o art. 5º, nº 1, da L.A.V pode servir como uma importante referência para a L.B.A, ao permitir controle da jurisdição estatal em sede de exceção de convenção de arbitragem, nas hipóteses de manifesta nulidade, ineficácia ou inexequibilidade da respectiva convenção.
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[1] Advogado atuante no Direito Empresarial
[2] HOBBES, Thomas. Leviatã, 4ª edição. [sl]. Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 2009, p. 143-148.
[3] PINA, Pedro. Arbitragem e jurisdição. Revista Julgar. N.º 6 (2008). [Consult. 19 ago. 2019]. Disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/05/09-P-Pina-Arbitragem-e-jurisdi%C3%A7%C3%A3o.pdf.
[4] HOBBES, Thomas, Leviatã, p. 143-148
[5] CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil, traduzido por Hiltomar Martins Oliveira. 1ª edição. São Paulo: Classic Book, 2000, v. I, p.62-63.
[6] HOBBES, Thomas, Leviatã, p. 143-148.
[7] ROUSSEAU, Jean-Jacques, O contrato social. 3ª edição. Tradução Antônio de Pádua Danesi. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 48.
[8] O exercício da função jurisdicional, conforme o período da história e do respectivo espaço geográfico, foi desempenhado por pessoas diversas e conforme a sua relação com a estrutura de poder dominante. No direito romano, o juiz exercia a jurisdictio, função pública de dizer o direito. Com a invasão dos bárbaros, houve forte influência do processo germânico (período romano-barbárico). Nesse período, em um primeiro momento, a função jurisdicional foi exercida pelo duque (fase longobarda, 568 a 774); em um segundo momento, a autoridade judiciária foi o conde (fase franca, 744 a 900). A partir do ano 900 (fase feudal), houve um aumento da jurisdição eclesiástica (C.f. MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 1ª edição atualizada. Campinas: Millennium Editora, 2000, v. I, p.95-108; ALVIM, Arruda. Manual de direito processual civil: teoria geral do processo, processo de conhecimento, recursos, precedentes. 18ª edição. São Paulo: Thompson Reuters Brasil, 2019, p. 53-97).
[9] CAMPOS, Diogo Leite de. A arbitragem voluntária nas relações tributárias. O modelo português. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo: Revista dos Tribunais. Vol. 50. Ano 13 (jul-set. 2016), p. 467-473.
[10] Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 [Consult. 20 ago. 2019]. Disponível em https://br.ambafrance.org/A-Declaracao-dos-Direitos-do-Homem-e-do-Cidadao.
[11] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2ª edição. Campinas: Bookseller, 2000, v. II, p. 9-10.
[12] CAMPOS, Diogo Leite de. A arbitragem voluntária nas relações tributárias. O modelo português. Revista de Arbitragem e Mediação, p. 467-473.
[13] Id.
[14] MONTEIRO, António Pinto; Resolução alternativa de litígios de consumo: breve apresentação. Colóquio Resolução Alternativa de Litígios de Consumo. Actas. Coimbra [sd], 2016, p. 9-10.
[15] No Brasil, podem ser citadas as seguintes leis: Lei n.º 13.140/2015 (dispõe sobre a mediação entre particulares como meio de solução de controvérsias e sobre a autocomposição de conflitos no âmbito da administração pública); Lei n.º 9.307/96 (dispõe sobre a arbitragem). Em Portugal, podem ser citadas as seguintes leis: Lei n.º 29/2013(Estabelece os princípios gerais aplicáveis à mediação realizada em Portugal, bem como os regimes jurídicos da mediação civil e comercial, dos mediadores e da mediação pública); Lei n.º 144/2015 (Transpõe a Diretiva 2013/11/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de maio de 2013, sobre a resolução alternativa de litígios de consumo, estabelece o enquadramento jurídico dos mecanismos de resolução extrajudicial de litígios de consumo, e revoga os Decretos-Leis n.os 146/99, de 4 de maio, e 60/2011, de 6 de maio); Lei n.º 78/2001 (Organização, competência e funcionamento dos Julgados de Paz); Lei n.º 63/2011 (Lei da arbitragem necessária), entre outros atos normativos. No âmbito da união Europeia, podem ser citadas: Directiva 2008/52/CE (relativa a certos aspectos da mediação em matéria civil e comercial); e Directiva (EU) 2017/1852 do Conselho (relativa aos mecanismos de resolução de litígios em matéria fiscal na União Europeia.
[16] Segundo Ruben Bahamonde, os meios alternativos de solução de conflitos podem ser caracterizados como voluntários ou compulsórios, adjudicatórios ou consensuais, baseados em princípios ou na lei. O referido autor entende, ainda, que a negociação também deve ser considerada como um meio alternativo de solução de conflitos, autônoma em relação aos demais (BAHAMONDE, Ruben. The structuring principles of mediation in Portugal. Galileu – Revista de Direito e Economia. Volume XIX, nº 2 (2018), p. 131-153. ISBN 2184-1845. [Consult. 20 ago. 2019]. Disponível em http://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/4025/1/RB.pdf).
[17] Art. 1º da Resolução n.º 125/2010 com redação dada pela Emenda n.º 1 de 31/01/2013.
[18] Doravante CPC brasileiro.
[19] § 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
[20] Doravante CPC português.
[21] C.f. CORDEIRO, António Menezes. Tratado da arbitragem: comentários à Lei 63/2011 de 14 de Dezembro. Coimbra: Almedina. 2015, p. 21.
[22] A Convenção de Nova Iorque de 1958, a Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional publicada pela UNCITRAL (Comissão das Nações Unidas para o Direito do Comércio Internacional) e a adoção de regras arbitrais uniformes por parte de diversos países (regras, procedimentos institucionais, diretrizes e cláusulas modelo) criaram um cenário favorável ao estabelecimento de uma cultura internacional de arbitragem (C.f. baykitch, Alex; BAO, Edmund. A return to innate arbitration culture: implications from a cost and efficiency perspective. Arbitration International, volume35, number 1, 2019, p. 57-63).
[23] BONATO, Giovanni. Panorama da arbitragem na França e na Itália. Perspectiva de direito comparado com o sistema brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem, n. 43 (jul./ago./set. 2014), p. 66-68.
[24] Importante registrar que embora até o ano de 1996 não houvesse no Brasil um diploma específico tratando da arbitragem, esse meio de resolução de conflitos não era estranho, pois estava previsto, por exemplo, nas ordenações Filipinas, as quais continuaram em vigor mesmo após a proclamação da independência do Brasil. De igual forma, houve previsão na Constituição de 1824, no Código Comercial de 1850, no Decreto n.º 737/1850, no Código Civil de 1916 e no Código de Processo Civil de 1939).
[25] Nos termos do § 1º do art. 3º do CPC/2015, “é permitida a arbitragem, na forma da lei”.
[26] Nesse sentido é o conceito fornecido por BARROCAS, Manuel Pereira, apud, CARDOSO, António de Magalhães; NAZARÉ, Sara. A arbitragem necessária – natureza e regime: breves contributos para o desbravar de uma (também ela) necessária discussão. Estudos de Direito da Arbitragem em Homenagem a Mário Raposo. Lisboa: Universidade Católica Editora, p.40.
[27] BONATO, Panorama da arbitragem na França e na Itália. Perspectiva de direito comparado com o sistema brasileiro. Revista Brasileira de Arbitragem, p. 71.
[28] PINA, Pedro. Arbitragem e jurisdição. Revista Julgar. N.º 6 (2008). [Consult. 19 ago. 2019]. Disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/05/09-P-Pina-Arbitragem-e-jurisdi%C3%A7%C3%A3o.pdf.
[29] BASÍLIO, Ana Teresa Palhares; FONTES, André R. C. Notas introdutórias sobre a natureza jurídica da arbitragem. Revista de Arbitragem e Mediação. [s.n], v. 4, n. 14, (jul./set. 2007), p. 48.
[30] C.f. SATTA, Salvatore; PUNZI, Carmine, apud, PINA, Pedro. Arbitragem e jurisdição. Revista Julgar. N.º 6 (2008). [Consult. 19 ago. 2019]. Disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/05/09-P-Pina-Arbitragem-e-jurisdi%C3%A7%C3%A3o.pdf.
[31] Trata-se de designação atribuída por Francesco Carnelutti. Contudo, segundo o próprio Carnelutti, “a arbitragem já nos situa, em minha opinião, sobre o terreno processual e, por isso, considero que, diferentemente da transação e do próprio processo estrangeiro, não deve ser incluída entre os equivalentes processuais. A razão consiste em que, diferentemente do processo estrangeiro, o processo arbitral se encontra regulamentado por nosso ordenamento jurídico não apenas quanto à verificação dos requisitos da sentença arbitral e de seus pressupostos, como também, e, antes de tudo, pelo que concerne à ingerência do Estado no desenvolvimento do próprio processo” (CARNELUTTI, Francesco. Sistema de direito processual civil, p. 281).
[32] C.f. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo curso de processo civil: teoria do processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, v. I, p. 174-180.
[33] PINA, Pedro. Arbitragem e jurisdição. Revista Julgar. N.º 6 (2008). [Consult. 19 ago. 2019]. Disponível em http://julgar.pt/wp-content/uploads/2016/05/09-P-Pina-Arbitragem-e-jurisdi%C3%A7%C3%A3o.pdf.
[34] CARMONA, Carlos Alberto. Em torno do árbitro. Revista de Arbitragem e Mediação. São Paulo. N. 28 (jan./mar. 2011), p. 47-48.
[35] LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A; KRÖL, Stefan, apud, ROCHA, Caio Cesar Vieira. Limites do controle judicial sobre a jurisdição arbitral do Brasil. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012. 316 fls. Tese de Doutoramento em Direito Processual, p. 21.
[36] ROCHA, Caio Cesar Vieira. Limites do controle judicial sobre a jurisdição arbitral do Brasil, p. 22.
[37] LEW, Julian D. M.; MISTELIS, Loukas A; KRÖL, Stefan, apud, ROCHA, Caio Cesar Vieira. Limites do controle judicial sobre a jurisdição arbitral do Brasil, p. 24.
[38] Doravante CRP.
[39] TRIBUNAL Constitucional – Acórdão com o n.º 435/2016 de 13 de julho de 2016. Relator Conselheira Maria José Rangel de Mesquita.
[40] Doravante CRFB.
[41] Nos termos do inciso XXXV do art. 5º da CRFB, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
[42] Nesse sentido, foi o entendimento firmado, incidenter tantum, pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da SE 5.206-7, ao reconhecer a constitucionalidade da L.B.A, notadamente a possibilidade de se requer, perante o tribunal estatal, a submissão da parte recalcitrante ao juízo arbitral, em razão da celebração prévia de convenção de arbitragem. Entendeu o Supremo Tribunal Federal que “a manifestação de vontade da parte na cláusula compromissória, quando da celebração do contrato, e a permissão legal dada ao juiz para que substitua a vontade da parte recalcitrante em firmar o compromisso não ofendem o art. 5º, XXXV, da CF”.
[43] Trata-se do chamado princípio da competência da competência (ou “kompetenz-kompetenz”).
[44] CC 111.230/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 08/05/2013, DJe 03/04/2014; CC 139.519/RJ, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Rel. p/ Acórdão Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/10/2017, DJe 10/11/2017; AgInt no CC 156.133/BA, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/08/2018, DJe 21/09/2018.
[45] No Brasil, a Convenção de Nova Iorque de 1958, que dispõe sobre o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras, foi promulgada pelo Decreto nº 4.311/2002.
[46] C.f. FREITAS, José Lebre. Algumas implicações da natureza da convenção de arbitragem. Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço. Volume II. Coimbra: Almedina, 2002, p. 627-628; Ac. da Relação de Lisboa, de 13 de Fevereiro de 2007. (Ac. No 10121/2006- 1).
[47] C.f. CECCHELLA, Claudio, apud, FREITAS, José Lebre. Algumas implicações da natureza da convenção de arbitragem. Estudos em Homenagem à Professora Doutora Isabel de Magalhães Collaço. Volume II, p. 627.
[48] Artigo 16.º Competência do tribunal arbitral para decidir sobre a sua própria competência. (1) O tribunal arbitral pode decidir sobre a sua própria competência, incluindo qualquer objeção relativa à existência ou validade da convenção de arbitragem. Para este efeito, uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo autônomo das demais cláusulas do contrato. A decisão do tribunal arbitral que considere nulo o contrato não implica ipso jure a nulidade da cláusula compromissória.
[49] Ao considerar a convenção de arbitragem um verdadeiro negócio jurídico processual, é possível falar, nessa perspectiva, que a cláusula compromissória configura “técnica de antecipação do procedimento” (expressão utilizada por Pierre-Yves Verkindt), antecipação “de segundo grau” ou “contrato sobre contrato” (expressão utilizada por Soraya Amrani-Mekki) (CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Jus Podivm, 2016, p. 75-76).
[50] Conforme previsão contida no n. 2 do art. 18º da L.A.V, “uma cláusula compromissória que faça parte de um contrato é considerada como um acordo independente das demais cláusulas do mesmo”. No mesmo sentido, é o art. 8º da lei brasileira da arbitragem (Lei nº 9.397/1996), que prevê que “a cláusula compromissória é autônoma em relação ao contrato em que estiver inserta, de tal sorte que a nulidade deste não implica, necessariamente, a nulidade da cláusula compromissória”.
[51] Nos termos do n. 6 do art. 2º da L.A.V, “o compromisso arbitral deve determinar o objecto do litígio; a cláusula compromissória deve especificar a relação jurídica a que os litígios respeitem”. Por sua vez, o art. 10 da L.B.A estabelece que “constará, obrigatoriamente, do compromisso arbitral: I - o nome, profissão, estado civil e domicílio das partes; II - o nome, profissão e domicílio do árbitro, ou dos árbitros, ou, se for o caso, a identificação da entidade à qual as partes delegaram a indicação de árbitros; III - a matéria que será objeto da arbitragem; e IV - o lugar em que será proferida a sentença arbitral”.
[52] VENTURA, Raúl. Convenção de arbitragem. Revista da Ordem dos Advogados, ano 46 (Set. 1986), p. 295.
[53] Art. 2º, n. 1, da L.A.V e art. 9º, §§ 1º e 2º, da L.B.A
[54] O referido dispositivo está em consonância com o art. 7º (5) da Lei Modelo da UNCITRAL sobre Arbitragem Comercial Internacional (“Ademais, uma convenção de arbitragem é escrita se estiver contida em uma troca de petições entre as partes, em que uma das partes alega a existência da convenção de arbitragem e a outra não a nega”).
[55] C.f. CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.307/96. 3ª. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 156. No mesmo sentido, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça consagrado no REsp 1389763/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/11/2013, DJe 20/11/2013.
[56] C.f. VENTURA, Raúl. Convenção de arbitragem. Revista da Ordem dos Advogados, p. 301 e 379.
[57] Dispõe o n.º 4 do art. 10 da L.A.V que “salvo estipulação em contrário, se, no prazo de 30 dias a contar da recepção do pedido que a outra parte lhe faça nesse sentido, uma parte não designar o árbitro ou árbitros que lhe cabe escolher ou se os árbitros designados pelas partes não acordarem na escolha do árbitro presidente no prazo de 30 dias a contar da designação do último deles, a designação do árbitro ou árbitros em falta é feita, a pedido de qualquer das partes, pelo tribunal estadual competente”.
[58] Nos termos do art. 6º, “caput”, da L.B.A, “não havendo acordo prévio sobre a forma de instituir a arbitragem, a parte interessada manifestará à outra parte sua intenção de dar início à arbitragem, por via postal ou por outro meio qualquer de comunicação, mediante comprovação de recebimento, convocando-a para, em dia, hora e local certos, firmar o compromisso arbitral”. Por conseguinte, o parágrafo único do referido dispositivo prevê que “não comparecendo a parte convocada ou, comparecendo, recusar-se a firmar o compromisso arbitral, poderá a outra parte propor a demanda de que trata o art. 7º desta Lei, perante o órgão do Poder Judiciário a que, originariamente, tocaria o julgamento da causa”.
[59] No Brasil, o Superior Tribunal de Justiça tem admitido a instauração de conflito de competência entre tribunal estatal e tribunal arbitral, conforme se pode inferir nos seguintes julgados: CC 150.830/PA; CC 157.099/RJ; AgInt no CC 156.133/BA.
[60] Art. 576º do CPC português.
[61] C.f. CORDEIRO, António Menezes. Tratado da arbitragem, p. 120.
[62] Art. 278º Casos de absolvição da instância 1) O juiz deve abster-se de conhecer do pedido e absolver o réu da instância: (...) e) Quando julgue procedente alguma outra exceção dilatória.
[63] Art. 578º O tribunal deve conhecer oficiosamente das exceções dilatórias, salvo da incompetência absoluta decorrente da violação de pacto privativo de jurisdição ou da preterição de tribunal arbitral voluntário e da incompetência relativa nos casos não abrangidos pelo disposto no art. 104.º.
[64] C.f THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 60ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019, v. I, p. 826; DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual, parte geral e processo de conhecimento. 17ª edição. Salvadsor: Jus Podivm, 2015, p. 634.
[65] C.f. DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil: introdução ao direito processual, parte geral e processo de conhecimento, p. 634. No mesmo sentido, é o entendimento doutrinário firmado, no Brasil, pelo enunciado nº 153 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (“A superveniente instauração de procedimento arbitral, se ainda não decidida a alegação de convenção de arbitragem, também implicará a suspensão do processo, à espera da decisão do juízo arbitral sobre a sua própria competência”.
[66] CORDEIRO, António Menezes. Tratado da arbitragem, p. 121.
[67] Nesse sentido, é a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça português: STJ, 20.10.2011, proc. 2207/09.6TBSTB.E1.S1; STJ, 10.3.2011, proc. 5961/09.1TVLSB.L1.S1; STJ, 28.5.2015, proc. n.º 2040/13.0TVLSB.L1.S1; STJ, 02.6.2015, proc. n.º 1279/14.6TVLSB.S1; STJ, 09.7.2015, proc. n.º 1770/13.1TVLSB.L1.S1; STJ, 21.6.2016, proc. n.º 301/14.0TVLSB.L1.S1; STJ, 08.02.2018, proc. n.º 461/14.0TJLSB.L1.S1 – acórdãos todos consultáveis in www.dgsi.pt.
[68] Doravante CDC.
[69] Art. 1º, n.º 3, da L.A.V e art. 3º da L.B.A.
[70] É o que ocorre, em Portugal, na hipótese prevista no art. 2º, n.º 5, da L.A.V, e, no Brasil, quando se está diante de uma cláusula compromissória cheia (art. 5º da L.B.A).
[71] Art. 5º, n.º 1, da L.A.V, art. 278º do CPC português e arts. 337, X e 485, VII, do CPC brasileiro.
Mestrando em ciências jurídicas. Pós-graduado em Direito Tributário. Juiz de Direito Substituto da Justiça do Distrito Federal e dos Territórios – TJDFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Jaylton Jackson de Freitas Lopes. Repercussões dos efeitos positivo e negativo da convenção de arbitragem no processo judicial e as influências da lei de arbitragem voluntária portuguesa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2022, 04:39. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58876/repercusses-dos-efeitos-positivo-e-negativo-da-conveno-de-arbitragem-no-processo-judicial-e-as-influncias-da-lei-de-arbitragem-voluntria-portuguesa. Acesso em: 22 nov 2024.
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