VALESKA FIGUEIREDO FRANÇA[1]
(coautora)
RESUMO: O presente estudo visa fazer uma análise do conceito de eutanásia e sua relevância para o meio jurídico atual, buscando compreender o significado, as formas que podem ocorrer e suas variações. Foi realizado um estudo sobre os conceitos jurídicos e princípios constitucionais fundamentais, em especial, da dignidade da pessoa humana e da liberdade individual. Para a realização deste trabalho foi realizada pesquisa ampla em todos os meios disponíveis, pesquisa doutrinária, jurisprudencial e da legislação vigente atual que tivessem relação com o tema. Foram trazidas ponderações a respeito das visões divergentes sobre o tema. Ao final, foi realizada uma análise sobre a legalização da eutanásia em nosso ordenamento jurídico. No presente artigo foi buscado informações bibliográficas com a finalidade de esclarecer o conceito da eutanásia para os leitores, suas modalidades, e a relação com o direito à vida, a liberdade individual e dignidade da pessoa humana, princípios constitucionais vigentes em nossa legislação.
PALAVRAS-CHAVE: Eutanásia; Liberdade Individual; Direito a vida; Dignidade da pessoa humana; Homicídio.
ABSTRACT: The present study aims to make an analysis of the concept of euthanasia and its relevance to the current legal environment, seeking to understand the meaning, the forms that can occur and its variations. A study was carried out on the fundamental legal concepts and constitutional principles, in particular the dignity of the human person and individual freedom. In order to carry out this work, a wide-ranging research was carried out in all available media, doctrinal, jurisprudential and current legislation that had a relationship with the theme. Considerations were brought about the divergent views on the subject, at the end an analysis was carried out on the legalization of euthanasia in our legal order. In this article, bibliographic information was sought with the purpose of clarifying the conception of euthanasia for readers, its modalities, and the relationship with the right to life, the individual freedom and dignity of the human person, constitutional principles in force in our legislation.
KEYWORDS: Euthanasia; Individual freedom; Right to live; Dignity of human person; Murder.
SUMÁRIO: 1) Considerações iniciais. 2) Definição da Eutanásia. 2.1) Eutanásia passiva e ativa. 3) Ortotanásia, Suicídio Assistido e Distanásia. 3.1) Ortotanásia. 3.2) Suicídio Assistido. 3.3) Distanásia. 4) Legislação no Brasil. 4.1) Direito à vida e a liberdade individual. 5) Argumentos contra e pró a Eutanásia. 6) Considerações finais. 7) Referências bibliográficas.
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A eutanásia no Brasil não é assunto recente, contudo, segue sendo um tabu em nossa sociedade, por vezes, por tratar-se de prática não aceita, em vista de dogmas religiosos e por envolver a morte de alguém, mesmo que esteja em demasiado sofrimento. Conquanto não haja uma tipificação da eutanásia em nosso ordenamento jurídico, ela é considerada uma modalidade de homicídio, podendo, também, ser tipificada como auxílio ao suicídio, quando o paciente solicita a ajuda para morrer.
Por vezes, o problema fica nas mãos do médico que trata o paciente em estado terminal ou com extremas debilitados, não podendo colocar, entretanto, a eutanásia como uma alternativa para cessar o sofrimento do enfermo, mesmo que a prática seja, de fato, o melhor tratamento a se dar ao paciente e a todos os envolvidos, haja vista que o sofrimento, por vezes se estende aos familiares, que também sofrem vendo um ente querido debilitado e sem perspectiva de uma vida digna.
Para entendermos a eutanásia, se faz necessário alguns questionamentos prévios, como: o que seria uma boa vida ou a que ponto a vida deixou de ser boa? Quem deve decidir isso? Devemos seguir as leis do Estado e/ou da religião? São pensamentos simples, que irão ajudar para não sermos apáticos e possamos compreender o próximo, entendendo os reais motivos a que levam algumas pessoas a cessar a própria vida, recorrendo à eutanásia.
Em resumo, podemos definir a eutanásia como uma forma do indivíduo cessar a sua própria vida com a ajuda de um terceiro, podendo este ser um profissional da saúde, por motivos de doenças incuráveis ou dores que só decorrem do sofrimento da qual não tem cura, ou que vivem em estado vegetativo. Essa opção de morrer (Eutanásia) não é aceita em todos os países, principalmente no Brasil, podendo a conduta ser enquadrada em um tipo penal do nosso ordenamento jurídico. Iremos tratar destes assuntos no decorrer do artigo.
Como dito anteriormente, a eutanásia é um assunto complexo e que traz muitas controvérsias em seus debates, envolvendo a moral, a religião, a ética. Destarte, a seguir abordaremos esses assuntos dando ênfase ao direito à vida, a dignidade da pessoa humana e a liberdade individual.
2. DEFINIÇÃO DA EUTANÁSIA
A eutanásia é uma prática antiga, utilizada para acabar com o sofrimento continuo de pessoas com doenças incuráveis ou em estado terminal, sem perspectiva de melhora. Por mais que a morte faz parte da nossa vida, a maioria das pessoas não estão preparadas psicologicamente para tratar deste assunto. A Eutanásia mesmo não sendo um assunto recente, é ainda um tabu em nossa sociedade.
A eutanásia, ao longo da história, vem criando acirrados debates e discussões acerca de seu entendimento, se ela se relaciona ao direito à vida ou à liberdade de se ter uma morte digna. Os autores Sá e Naves[2] esclarecem o termo e a origem da eutanásia, conforme o trecho seguinte:
“O termo eutanásia foi criado no século XVII pelo filósofo inglês Francis Bacon. Deriva do grego eu (boa) e thanatos (morte), podendo ser traduzido como “boa morte”, “morte apropriada”, morte piedosa, morte benéfica, fácil, crime caritativo, ou, simplesmente, direito de matar.”
Conforme Silva[3], o filosofo inglês, Francis Bacon, em sua obra História vitae et mortis, trata a Eutanásia como um tratamento mais adequado para as doenças incuráveis. Deste modo, a eutanásia é uma das formas em que o indivíduo escolhe cessar a sua própria vida, seja por uma doença incurável, ou por um sofrimento constante, ou que esteja em estado terminal.
Os autores Sá e Naves[4] são os mais citados neste artigo, eles sucedem muito conhecimento. Assim, conceituam a Eutanásia:
“Nos dias atuais, a nomenclatura eutanásia vem sendo utilizada como a ação médica que tem por finalidade abreviar a vida de pessoas. É a morte de pessoa – que se encontra em grave sofrimento decorrente de doença, sem perspectiva de melhora – produzida por médico, com o consentimento daquela. [...]”
Deste modo a eutanásia é considerada uma forma de tratamento para que essas pessoas tenham uma morte digna, mais humanizada, com menos sofrimento, devendo lhe ser assegurado, principalmente, o direito à liberdade e dignidade. Destarte, a eutanásia é a conduta pela qual se proporciona uma morte rápida e sem dores a um paciente que esteja em estado terminal ou a um portador de uma enfermidade incurável que esteja em sofrimento.
Por outro lado, é considerado pelo ordenamento jurídico, um ato que deve ser repudiado, haja vista que se entende como sendo um homicídio ou auxílio ao suicídio.
Asúa[5], um celebre professor espanhol, define a eutanásia como a “morte que alguém proporciona a uma pessoa que padece de uma enfermidade incurável ou muito penoso, e a que tende a extinguir a agonia demasiado cruel ou prolongada”.
Apesar de alguns países já permitirem esta prática e de alguns doutrinadores entenderem que a eutanásia é um ato de ajudar o individuo a ter uma morte digna sem sofrimento, a legislação brasileira ainda não reconhece este ato, sendo a eutanásia considerada um ato ilícito.
Larissa Milanezi[6] afirma que os países que permitem a pratica da eutanásia devem seguir alguns critérios, sendo eles: por meio de injeções letais, remédios e/ou desligamento de aparelho, desta forma, a morte se torna rápida e indolor. Assim, existem também, critérios que devem ser observados, quais sejam: ser a pessoa seja maior de idade; e, em caso de menor de idade, tem que ter o consentimento dos pais e que haja um forte argumento a favor da prática, sendo avaliado por um psicólogo e médicos da área; e ambos os casos o indivíduo tem que assinar um consentimento esclarecido.
Portanto, tem-se que a eutanásia, propriamente dita, é um ato de verdadeira compaixão por um paciente que não suporta mais viver ligado em aparelhos, convivendo diariamente com uma doença que não tem perspectiva de melhora e sem novos estímulos.
A eutanásia pode ser diferenciada em dois tipos distintos: a eutanásia passiva ou ortotanásia, e a eutanásia ativa, que serão mais bem trabalhadas no tópico seguinte.
2.1 EUTANÁSIA PASSIVA E ATIVA.
Como exposto acima, a eutanásia pode ser classificada como ativa ou passiva. A eutanásia passiva é quando o paciente utiliza determinados recursos para se manter vivo, e após decidirem retirar ou desligar esses recursos a pessoa vem a óbito. Assim, a eutanásia passiva ocorre por meio da omissão, ou seja, não há a utilização de métodos que possam prolongar a vida do paciente, permitindo que este possa morrer em paz. Nesse caso não há a intenção direta de provocar a morte, mas de forma indireta o falecimento acaba por ser uma consequência.
Já a eutanásia ativa, ocorre de forma diversa, tratando-se de procedimento que há a participação de um terceiro que provoca de forma intencional a morte do paciente por meios da aplicação de drogas letais ou mesmo o desligamento de aparelhos.
Moraes[7] disserta sobre as modalidades ativas e passivas:
“Enquanto a primeira configura o direito subjetivo de exigir de terceiros, inclusive do próprio Estado, a provocação de morte, para atenuar sofrimento (morte doce ou homicídio por piedade), a segunda é o direito de opor-se ao prolongamento artificial da própria vida, por meio de artifícios médicos, seja em caso de doenças incuráveis e terríveis, seja em caso de acidentes gravíssimos (o chamado direito à morte digna).”
Os autores Sá e Naves[8] citam que a eutanásia ativa se divide em direta e indireta. A eutanásia ativa direta é caracterizada por encurtar propositalmente a vida do paciente, já a eutanásia ativa indireta é caracterizada por aliviar o sofrimento, e abreviar o curso vital, como exemplo dito pelos autores “a aplicação de morfina prejudica a função respiratória e em altas doses pode acelerar a morte”.
Importante ressaltar, que no Brasil o procedimento da eutanásia não é permitido, apesar de já ter existido um projeto de lei que tentasse legalizar a conduta. Chegou a existir um projeto de lei n° 125 de 1996 elaborado pelo Senador Gilvam Borges, que, de acordo com a sua ementa, pretendia autorizar a prática da morte sem dor nos casos especificados em lei. No entanto, o projeto acabou por ser arquivado.
Hoje esse método é crime, e é tratado pelo Código Penal, na maioria dos casos como homicídio privilegiado, podendo se encaixar também em outros tipos penais, a depender da circunstância, como, por exemplo, auxílio ao suicídio, como já exposto.
3. ORTOTANÁSIA, SUICÍDIO ASSISTIDO E DISTANÁSIA
3.1 Ortotanásia
É importante ressaltar a diferença entre a eutanásia passiva com a ortotanásia. Menezes, Selli, Alves[9] elucida a eutanásia como já explicado, a moléstia não é fatal ou pelo menos não chegou à reta final da vida, já a ortotanásia a responsável de base pela morte é a doença. No caso da ortotanásia, não existe a intenção de causar a morte e sim um curso natural de um quadro irreversível, que se fosse o caso, com a intervenção médica, sua morte só seria adiada.
No fundamento de Roxana Borges:[10]
“Etimologicamente, ortotanásia significa morte correta: orto: certo, thanatos: morte. Significa o não prolongamento artificial do processo de morte, além do que seria o processo natural. A ortotanásia deve ser praticada pelo médico. [...] Na situação em que ocorre a ortotanásia, o doente já se encontra em processo natural de morte, processo este que recebe uma contribuição do médico no sentido de deixar que esse estado se desenvolva no seu curso natural. Apenas o médico pode realizar a ortotanásia. Entende-se que o médico não está obrigado a prolongar o processo de morte do paciente, por meios artificiais, sem que este tenha requerido que o médico assim agisse. Além disso, o médico não é obrigado a prolongar a vida do paciente contra a vontade deste [...] De outro lado, admite-se, amplamente, que, diante de dores intensas sofridas pelo paciente terminal, consideradas por este como intoleráveis e inúteis, o médico deve agir para amenizá-las, mesmo que a consequência venha a ser, indiretamente, a morte do paciente.”
Ressalta-se que, a ortotanásia, trata-se de uma verdadeira morte natural, nenhuma atitude é tomada pelos médicos para prolongar o sofrimento ou retardar a morte, desde que essa seja a vontade do enfermo ou do seu representante legal.
3.2 Suicídio assistido
O suicídio assistido é semelhante à eutanásia, em ambos as pessoas enfrentam por alguma doença incurável, ou em estado terminal ou doloroso e outros. Porém, nesses casos do suicídio assistido, o próprio indivíduo que retira a sua vida. Podemos afirmar que a diferença da eutanásia com o suicídio assistido é quem irá, de fato, realizar o procedimento, ou seja, enquanto na eutanásia é realizada por uma terceira pessoa, que no caso são as equipes medicas, no suicídio assistido é realizado pelo próprio paciente e a equipe medica se responsabiliza apenas pela dosagem do medicamento que irá causar a morte.
4. LEGISLAÇÃO NO BRASIL
No ordenamento jurídico brasileiro vigente, atualmente, não há uma tipificação específica à eutanásia. Contudo, a prática não é considerada lícita, podendo ser enquadrada como crime de homicídio, na sua forma privilegiada, prevista no art. 121, §1º, do Código Penal[11], que estabelece que o crime de homicídio terá a pena diminuída de 1/6 a 1/3, nos casos em que o agente cometer o crime “impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”.
No caso, o privilégio resta caracterizado em vista do agente agir por relevante valor social ou moral, visando cessar o sofrimento daquele que padece com alguma doença incurável.
Além de poder ser considerado como homicídio privilegiado, a eutanásia poderá ser considerada, ainda, auxílio ao suicídio, quando o paciente pede para que outrem lhe auxilie a cessar o sofrimento o qual padece, podendo enquadrar-se nas penas previstas no artigo 122 do Código Penal. Entretanto, quando o agente, por si só, decide praticar a eutanásia em outrem, a tipificação recaíra sob as penas do §1º do art. 121 do Código Penal[12].
Ocorre que a eutanásia irá ser praticada quando o paciente estiver em demasiado sofrimento, passando por grande agonia, sem quaisquer perspectivas de melhora ou progressão de seu estado de saúde, sendo relevante considerarmos que àquele que padece de sofrimento, quando devidamente comprovado que a melhora não será alcançada e demonstrada que a eutanásia é uma saída mais eficaz, visando manter a dignidade no final da vida do indivíduo, não deveria ser repudiada, como o é.
Conforme Cardoso[13]:
“O tema Eutanásia nos leva a um estudo do Direito Constitucional, deparando com temas de alta complexidade, como o direito à vida, à liberdade de escolha e a uma morte digna, em função de muitas controvérsias de ordem ética, política, jurídica, social e principalmente religiosa.”
Desse modo, ressalta-se que a antecipação da morte de uma pessoa que opta por tal solução, pode ser entendida como a solução mais acertada e cabível. Porém, se forem levados em consideração os aspectos jurídicos (e quase sempre religiosos), tal procedimento é uma violação do direito é totalmente inaceitável.
4.1 Direito à vida e a Liberdade individual:
A vida é um dos direitos fundamentais garantidos, consagrado no artigo 5º da Constituição da República Federativa do Brasil[14], em conformidade:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”
Desta forma, compreendemos que o direito à vida é considerado um dos bens jurídicos mais relevantes, em vista de seu alcance, devendo ser considerado, contudo, que o direito à vida não deve ser aplicado isoladamente. Ademais, trata-se de direito fundamental, como todos os outros, que pode ser relativizado, como, por exemplo, no caso de legítima defesa, em que é permitido que o direito à vida não prevaleça, para a defesa da própria integridade física ou de outrem.
Nesse sentido, os direitos supracitados não são bens absolutos, mas inatingíveis, nos quais a autonomia da vontade e a dignidade estão inter-relacionadas.
A vida é um direito supremo e inviolável, em conformidade com o Oliveira e Japaulo[15] “Em contraposto à vida existe a morte, e essa de acordo com o nosso ordenamento jurídico não poderá ser antecipada, configurando-se como um ato ilícito e inconstitucional”.
Através da análise do direito à vida, é necessário examinar o princípio da dignidade da pessoa humana frente à eutanásia, pois este princípio sustenta o direito dos indivíduos de escolherem livremente a uma morte digna. No que respeita ao princípio da dignidade da pessoa humana, o artigo 1º, inciso III, da Constituição da República[16], eleva-o à condição de Estado Democrático de Direito:
“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Direito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III – a dignidade da pessoa humana.”
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, e se manifesta de maneira única na autodeterminação consciente e responsável da própria vida, acompanhada de uma exigência de respeito ao próximo, que constitui o mínimo indestrutível de todo ser jurídico, devendo ser observado por todo o ordenamento jurídico brasileiro, em vista de tratar-se de princípio constitucionalmente expresso.
Portanto, as restrições ao exercício dos direitos fundamentais só podem ser feitas em casos excepcionais, sempre devendo ser analisado o caso concreto, observando-se as condições de cada indivíduo e suas necessidades individuais.
Trata-se, assim, de direito constitucional protetor e, por outro, como uma obrigação de tratar igualmente os próprios semelhantes, ou seja, cada sujeito tem a obrigação de respeitar a dignidade do próximo, em vista, ressalta-se, de estar previsto na Constituição da República, que orienta todo o ordenamento jurídico vigente, devendo ser estritamente respeitado, sob pena de inconstitucionalidade.
O ser humano deve ter sua integridade respeitada, bem como respeitar a integridade de todos àqueles membros da sociedade, não podendo assumir condutas ilícitas, prejudiciais à coletividade, dando a cada um o que lhe é devido, tratando-se também de conduta que deve ser seguida pelo Estado que deve garantir uma justa e apropriada a todos os indivíduos.
Parece que o princípio da dignidade da pessoa humana é à base do nosso ordenamento jurídico e deve ser aplicado em primeiro lugar. Como todos sabem, a dignidade humana é alcançada mantendo as condições mínimas de sua existência. A questão, porém, é: quais são esse mínimo para um paciente em estado irreversível? É garantido o uso de tratamento curativo ou preventivo, ou apenas garante sua sobrevivência por meio de recursos.
5. ARGUMENTOS PRÓ E CONTRA A EUTANÁSIA
A criminalização da eutanásia pode ser justificada, conforme o princípio constitucional à vida, o qual deve ser rigorosamente observado e não pode ser flexibilizado para essa prática. Observa-se que parte da justificativa pode decorrer, ainda, de uma concepção religiosa, mesmo que nosso Estado seja laico, por vezes, dogmas religiosos podem ser observados para a justificativa de ser contra a determinada prática, entretanto, deve sempre ser asseverado que estes dogmas religiosos não podem ser aceitos para justificar a criminalização de qualquer conduta em nossa sociedade.
Pontua-se que todo o nosso ordenamento jurídico está conectado e subordinado à Constituição da República, não sendo possível que haja a positivação de direitos, normas, ou regras, que desrespeitem princípios consagrados na Carta Magna, podendo ser usado, nesse sentido, como meio de justificar a criminalização da eutanásia, fundamentado com base no respeito ao direito à vida.
Contudo, é importante salientar que nenhum direito fundamental é absoluto, devendo o direito à vida ser relativizado, em vista dos princípios à dignidade da pessoa humana e direito à liberdade, também princípios constitucionalmente previstos, utilizados para fundamentar argumentos pró eutanásia.
Nesse diapasão, o princípio da dignidade da pessoa humana se encontra no artigo 1º, inciso III, sendo parte de um dos demais princípios fundamentais que estão dispostos no texto da lei, para o jurista Ingo Wolfgang Sarlet[17], o princípio supramencionado significa:
“[...] a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.”
Destarte, trata-se de princípio de alcance amplo, que atinge toda a coletividade, não importando, cor, raça, status social ou qualquer outra característica que possa diferenciar um ser humano do outro.
A dignidade deve ser compreendida como uma forma de expressão da própria autonomia, devendo haver espaço para o fundamento de que cada ser humano possa escolher o que é melhor para si, logo, é totalmente capaz de decidir pelo momento da sua morte, e quando está deverá ou não acontecer, correlacionando-se, assim, com a liberdade de cada indivíduo de fazer as próprias escolhas.
O fato de não haver previsão específica do crime de eutanásia no Código Penal, mas ainda assim a conduta ser considerada um crime através de uma construção doutrinária, e pela analogia de alguns dispositivos, é uma clara indicação de controle governamental da situação.
O Estado deve se preocupar em garantir a autonomia de vontade do indivíduo, sendo que em nenhum momento haverá o aval para que cada um tome a decisão que bem entender na sua vida privada, se essa decisão esbarrar em demais interesses estatais e em como tal atitude será vista socialmente.
Logo, há neste ponto uma divisão de interesses, sendo que de um lago figura o particular com a sua liberdade de expressão, sua autonomia, dignidade e demais garantias constitucionalmente previstas, e de outro, os interesses estatais em manter uma visão tradicional;
Por óbvio, deve ser pontuado que não se busca, através desse trabalho, defender de forma deliberada a morte de qualquer indivíduo enfermo, devendo ser observado critérios técnicos e severos para que a prática da eutanásia possa ser autorizada, visando sempre garantir o melhor para cada indivíduo.
Considerar o procedimento como um crime é um erro, haja vista ser dever do Estado garantir a todos uma vida digna, devendo ser observado que a dignidade, em muitos casos, para muitos, é perdida quando se arrasta em uma vida de prolongado sofrimento, tratando-se a dignidade algo devido à cada ser humano e que precisa ser rigorosamente observado.
Ressalta-se que a dignidade é inerente a todos, além de ser o fundamento da liberdade, da justiça, e da paz no mundo, portanto uma vez que essa dignidade não é respeitada, também não se está respeitando a liberdade individual de cada pessoa.
É digno garantir a autonomia e a liberdade individual de cada indivíduo, não restando quaisquer dúvidas que ambos devem ser rigorosamente observados quando impostos tratamentos a pessoas com doenças incuráveis, que apenas têm o sofrimento prolongando, ou que se tenha estágio alarmantes em que não se possa, sequer, ter uma perspectiva de cura ou melhora.
Não cabe ao Estado promover uma responsabilização de uma conduta para que não haja, aos olhos da sociedade, uma repercussão negativa, ou que não garanta que as pessoas possam fazer as próprias escolhas de como será conduzida a própria vida.
Contudo, não há como respeitar a autonomia e o consentimento do paciente, sem realizar uma interpretação diferente dos princípios previstos em nossa Constituição da República de 1988, e também dos direitos e garantias fundamentais.
Forçar um paciente a seguir na mesma situação, apenas aguardando o momento da morte, é o mesmo que aprisionar a autonomia de vontade dessa pessoa é o mesmo que contrariar as suas liberdades individuais, forçando-a a ter uma morte que não é nem um pouco digna. Nessa esteira de raciocínio, segue o artigo primeiro e segundo da Declaração:
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de tudo que foi exposto, foi realizada uma análise do conceito da eutanásia, suas variações e como tal procedimento é visto em nosso ordenamento jurídico atual. Defende-se que a eutanásia, em casos específicos, é a melhor opção para se garantir uma morte digna, cessando um sofrimento de que poderá se estender por anos.
Em que pese tratar-se ainda de um tabu em nossa sociedade, em vista de ser visto, ainda, como um atentado contra a vida, mesmo que de pessoas que estejam passando por prolongando sofrimento e sem perspectiva de uma vida digna, dependentes de tratamentos, remédios e de outras pessoas e até máquinas, para a manutenção da vida.
Com isso, tem-se que a dignidade, a liberdade, e a autonomia andam sempre em conjunto, não podendo uma pessoa em seu momento de dor e sofrimento extremo ter que optar pela decisão do médico, sem poder ter voz, sem poder fazer o que realmente quer, e sem morrer com dignidade.
Tirar a opção de escolha do paciente enfermo em poder escolher pela morte ou não, é o mesmo que aniquilar toda a sua essência como ser humano, acabando com a sua dignidade e o colocando em uma posição desconfortável.
Por esse motivo, o presente trabalho defendeu que a eutanásia precisa ser legalizada, com normas específicas que possam regularizar a conduta da melhor maneira possível, e para que isso aconteça o debate, e a visibilidade sobre o assunto deve ser constante.
Limitar a escolha do indivíduo, fazendo que tenha um sofrimento prolongado e sem ser observada a dignidade da pessoa humana, princípio fundamental é de extrema importância em nosso ordenamento jurídico atual, é atentar contra princípios básicos, questões básicas de humanidade, haja vista que por vezes o prolongar de uma vida, sem dignidade, sem perspectivas de melhora, é banalizar a vida do ser humano, causando-lhe sofrimento desnecessário, assim como para todos a sua volta, o que não deve ser permitido em nossa sociedade.
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[1] Graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA Contagem. E-mail: [email protected]
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[3] SILVA, Sônia Maria Teixeira da. Eutanásia . Jus Navigandi, Teresina, ano 5, n. 48, dez. 2000.
[4] SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Toquato de Oliveira. Manuel de Biodireito. 3ª ed., rev., atual. e amp. Belo Horizonte: Editora Del Rey.
[5] ASÚA, Luis Jiménez de. Liberdade de Amar e direito a Morrer. Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.
[6] MILANEZI, Larissa. Eutanásia: o que é? Politize. Não paginado.
[7] MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo: Atlas, 2002, 2924 p.
[8] SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Toquato de Oliveira. Manuel de Biodireito. 3ª ed., rev., atual. e amp. Belo Horizonte: Editora Del Rey.
[9] MENEZES, Milene Barcellos.; SELLI, Lucilda.; ALVES, Joseane de Souza. Distanásia: percepção dos profissionais da enfermagem. Rev. Latinoam. Enferm., v.17, n.4, p.443-8, 2009.
[10] BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro, Eutanásia, ortotanásia e distanásia: visão jurídica, 03 p. Net. Rio de Janeiro.
[11]BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 23911, 31 dez 1940.
[12]BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 23911, 31 dez 1940.
[13] CARDOSO, Daniele Regina. Eutanásia: o confronto entre o direito à vida e a liberdade de escolha por uma morte digna. 2018.
[14] BRASIL. Constituição de 1988, de 10 de maio de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 10 de maio de 1988.
[15] OLIVEIRA, Lilian Carla; JAPAULO Maria Paula, Eutanásia e o direito à vida. Migalhas.com.br, 13 de outubro de 2005. Não paginado.
[16] BRASIL. Constituição de 1988, de 10 de maio de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, p. 1, 10 de maio de 1988.
[17] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p. 60.
Graduanda em Direito pelo Centro Universitário UNA Contagem.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Beatriz Pope De. Eutanásia: direito à vida ou à liberdade individual? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 ago 2022, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59024/eutansia-direito-vida-ou-liberdade-individual. Acesso em: 22 nov 2024.
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