EDUARDO CURY[*]
RESUMO: O escopo do presente estudo será de apresentar a linha do tempo que dera origem a união estável, bem como, os direitos sucessórios dos companheiros. Sendo a família, a base da sociedade e em razão desta, a necessidade de que houvesse legislação a respeito desta nova modalidade de entidade familiar. Aprofundou-se no tanger dos direitos sucessórios, sua origem e aplicação, bem como, porque há diferença na aplicação para o cônjuge supérsite, bem como ao companheiro e toda a linha sucessória. Ainda, será analisou-se o julgamento dos recursos extraordinários de n. 646.721 e 878.694, do Supremo Tribunal Federal, cujo a tese fixada fora a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, que deve ser equiparado o cônjuge ao companheiro, quando da sucessão. Ainda, verificou-se quanto a lacuna trazida por tais decisões, no tanger de determinar se o companheiro, passa a ser então, herdeiro necessário. A metodologia utilizada fora por método dedutivo, que ao fim, após a análise da legislação pertinente pode-se concluir que mediante a tese fixada, ora mencionada, permitiu-se que a justiça seja feita de modo que ocorra a correção aplicação do direito sucessório.
Palavras-chave: Casamento. União estável. Direitos Sucessórios. Recursos Extraordinários.
ABSTRACT: The scope of this study will be to present the timeline that gave rise to the stable union, as well as the inheritance rights of partners. As the family is the basis of society and because of it, there is a need for legislation regarding this new type of family entity. He went deeper into the scope of inheritance rights, their origin and application, as well as why there is a difference in the application for the supersite spouse, as well as for the partner and the entire line of succession. Still, the judgment of the extraordinary appeals of n. 646,721 and 878,694, of the Federal Supreme Court, whose thesis fixed for an unconstitutionality of article 1790 of the Civil Code, which must be equated the spouse to the partner, in the succession. Still, it was verified how much the gap brought by such decisions, regarding to determine if the partner, becomes, then, necessary heir. The methodology used for the deductive method, which in the end, after analyzing the relevant legislation, it can be concluded that, through the fixed thesis, or the aforementioned one, it is obligatory that justice is done so that the correction of the application of inheritance law occurs.
Keywords: Marriage. Stable union. Inheritance Rights. Extraordinary Resources.
1 INTRODUÇÃO
É certo que, com o tempo as definições expressas nas legislações sentem necessidade de serem alteradas em razão da evolução, bem como, mudança de comportamento da sociedade, princípios que eram certos e precisos, são modificados em busca de promover segurança jurídica nas relações, sejam estas, quais forem.
Assim sendo, a família, desde o primórdio é tido como centro das relações, também chamada de base da sociedade, já que parte dela a estrutura necessária para que o indivíduo possa se desenvolver no âmbito emocional e psíquico, como também profissional.
Ocorre que, como tudo, houve sempre a necessidade de ser formado um conceito para definir tal instituto, bem como, delimitar o que faria parte deste. Com isso, a carência em dizer que o núcleo familiar deveria ser formado por um homem e uma mulher casados e monógamos, em respeito a moral e bons costumes surgiu, sendo tipificado na legislação brasileira.
Em consequência ao supramencionado, o que não era tido como regular nos termos da legislação, não tinha respaldo legal, em contrapartida, em razão do “respeito” e “compromisso” ao que previa a lei, houve a necessidade de resguardo aos entes familiares em todas as fases da vida, inclusive, em razão do falecimento, momento em que surgem os direitos sucessórios.
É bem verdade, que no passado todas as pessoas procuravam relacionar-se nos termos em que a lei exigia, contudo, nunca deixou de existir casais que “juntavam-se”, passando a constituir um núcleo familiar, mas que pelos mais diversos motivos, não poderiam oficializar a relação mediante ao casamento, e por muito tempo, esta nova modalidade de união, permanecera desamparada legalmente.
Entretanto, com dito anteriormente, as regras impostas a sociedade, em razão da constante mudança da realidade, sentem necessidade de serem alteradas, atualizadas, e assim, o que era uma relação tida como incorreta, tornou-se o chamado concubinato puro (união estável) e concubinato impuro (concubinato afetivo) e mais tarde a conhecida união estável.
Por muito tempo, houve e ainda há, discussões no âmbito jurídico, no que caberia ou não à união estável, uma vez que, trata-se de instituto que não altera o estado civil, contudo após ser tipificada com entidade familiar na Constituição Federal de 1.988, mais uma vez, questões passaram a ser debatidas, dentre estas, como ficaria o convivente no regime sucessório, já que não é mencionado como herdeiro necessário.
A doutrina, bem como a jurisprudência, se divide em correntes favoráveis e contrárias quanto ao resguardo legal do companheiro na linha sucessória, contudo após o julgamento dos recursos extraordinários n. 646.721 e 878.694, acendera-se uma chama de luz a uma realidade já existente.
Com isto, em tópicos próprios, será discorrido as mudanças ocorridas na sociedade bem como, o que levara a decisão de tornar inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil brasileiro, alterando assim, todo o direito sucessório dos companheiros.
2 DEFINIÇÃO DE FAMÍLIA, CASAMENTO, MORALIDADE E O INÍCIO DOS DIREITOS SUCESSÓRIOS
Como já dito, sempre houve a necessidade de conceituar, como forma de tentar definir em palavras, o que nosso campo emocional transmite, assim, nas palavras de Farias e Rosenvald (2012, p. 38):
É certo que o ser humano nasce incerto no seio familiar – estrutura básica social – de onde se inicia a moldagem de suas potencialidades com o propósito da convivência em sociedade e da busca de sua realização pessoal. No âmbito familiar, vão se suceder os fatos elementares da vida do ser humano, desde o nascimento até a morte. No entanto, além das atividades de cunho natural, biológico, psicológico, filosófico..., também é a família o terreno fecundo para fenômenos culturais, tais como as escolhas profissionais e afetivas, além da vivência dos problemas e sucessos.
Ainda, Pinto (2018, p. 938) relata que:
A família em seu sentido amplo é considerada a base da sociedade, reconhecida e tutelada pelo Estado, é assim: constitucionalizada, não matrimonial, igual e plural. A Constituição Federal em consonância com essa concepção estabeleceu como princípios norteadores que regem o Direito das Famílias: princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III); o princípio da igualdade (art. 5º, caput e art. 226, § 5º); o princípio da solidariedade (art. 3º, inciso I); o princípio da paternidade responsável (art. 226, § 7º) o princípio das entidades familiares (art. 226, §§ 3º e 4º); o princípio da tutela especial à família, independentemente da espécie (art. 226, caput)).
Com isso, é possível vislumbrar que o legislador sempre se importou em cuidar, se é que assim pode ser definido, do que poderia se caracterizar como entidade familiar. Contudo, determinou que tal instituto, daria início somente mediante ao casamento, sendo necessário o preenchimento dos pressupostos para torná-lo válido, sendo a oficialização de uma união aos olhos legais, com respaldo de afeto, solidariedade e muito respeito.
Com a figura do casamento inserida na sociedade, padronizou-se as relações, assim, sendo o casamento permitido ao homem e a mulher, não cabendo relações extraconjugais, uma vez que, em caso positivo, a ação feriria a moral e os bons costumes, já que a monogamia não era facultativa, mas obrigatória.
O Código Civil de 1916 só admitia o casamento como entidade familiar, singularmente, a única forma lícita de tal instituição, sendo a única forma devidamente protegida pelo Estado, em tal época, muito influenciado pelo dogma religioso, baseado no Direito Canônico, tinha como maior finalidade projetar o casamento para o cunho do criar e o continuar da família. Não obstante, cada qual com o seu papel definido, o do homem de prover o sustendo da família, e a mulher somente como reprodutora, cuidando do lar e da criação da prole.
Interessante mencionar ainda que, como consequência do casamento, além das questões vinculada ao sentimento, como forma de cuidar do patrimônio de cada um dos cônjuges, surgiram os regimes de bens, facultando às partes, como iriam gerir suas posses, herança ou fortuna. Fora estabelecido, que os casamentos realizados antes da vigência da lei 6.515/77, o regime supletivo legal, seria o da comunhão universal, para aqueles que não optam por regime diferente, já que assim sendo, necessário seria a presente de pacto antenupcial, realizado nos cartórios do Brasil.
Nestes termos, percebeu-se que a legislação buscara o resguardo de toda a linha da existência humana, com isso, surgem os direitos sucessórios, com o intuito de assegurar que, após toda uma vida, em caso de morte de um dos cônjuges, ou mesmo os dois, seus entes queridos, tivessem respaldo, ou seja, pudesse permanecer com o patrimônio existente, momento em que surgira o direito sucessório, e logo após, todas as regras de sucessão.
Com o surgimento do direito sucessório, determinou-se quem teria parte a herança, quem seriam os chamados herdeiros necessários e herdeiros legítimos, surgira a possibilidade dos testamentos, codicilos.
É verdade que, em análise ao código civil de 1.916, o cônjuge, somente herdaria na terceira linha da sucessão, conforme artigo 1.603, já que antes, em primeiro lugar os descendentes e depois ascendentes.
Contudo, e as relações que não eram regidas pelo casamento? Sim, as relações que sempre existiram, contudo, não eram tipificadas? Neste cenário, passa a ser denominado, concubinato, já que, tais relações eram chamadas de extraconjugais, posto que, conformo exposto em seguida, constituir matrimônio, já sendo casado, constitui crime, nos termos no Código Penal vigente.
Constitui crime tipificado no Código Penal brasileiro em seu artigo 235, a bigamia trata de um crime que puni tanto o agente casado que contrai novo casamento, quanto, aquele que convola núpcias com o agente casado tendo conhecimento de seu estado civil. Como citado no parágrafo primeiro, no meio da pauta dos crimes contra a família, no capítulo dos crimes contra o casamento, na parte especial, o crime visa garantir o casamento monogâmico, existente desde as ordenações Filipinas e sustentada até os dias atuais, claro que todas as modificações e pátrias necessárias seguintes a sua originalidade. Em linhas gerais, é tipificado a quem se casa mais de uma vez não tendo dissolvido o último casamento.
Há também aqueles que casam sem o conhecimento de que o parceiro já constitui outro matrimônio, considerando que o agente agiu de boa-fé, não tendo conhecimento do primeiro casamento do parceiro, torna-se um sujeito passivo, vítima do bígamo.
Embora a união estável atualmente também seja reconhecida como uma entidade familiar pela nossa Constituição de 1988, em seu artigo 226, parágrafo terceiro, não está abrangido no tipo penal, logo não importa para configuração do crime, pois parte do princípio da taxatividade. Também não é o crime por inexistência do casamento anterior. Na ocasião do casamento ter sido celebrado por quem não fazia gozo de autoridade para tal ato.
A bigamia, crime já tipificado acima, com punição, e não menos importante, também o é, a poligamia, situação a qual, um indivíduo que já se encontra em dois casamentos, e não livre escolha, acaba contraindo mais um ou mais alguns matrimônios. Nesse sentido Nucci, (2015, p. 1159): “no contexto dos crimes contra o casamento, quer espelhar a hipótese do sujeito que se casa mais de uma vez, não importando quantas, assim quem se casa por quatro vezes, por exemplo, é considerado bígamo, embora seja autêntico polígamo”.
No âmbito Cível, é considerado nulo de pleno direito qualquer casamento que tenha vindo depois do primeiro, conforme artigo 1.521, VI e artigo 1.548, II, ambos do Código Civil.
3 SURGIMENTO DO CONCEITO DE CONCUBINATO E A NECESSIDADE DE LEGISLAÇÃO
O direito é moldado pelas necessidades da sociedade, por conceitos que são revistos e leis que são revogadas em busca de maior resguardo aos avanços das relações existentes, e baseado nisto, chegou-se ao ponto de que, o campo da família encontrava-se em divergência ao que a lei propriamente dizia, uma vez que, ainda que somente quem se casava, oficializando a relação, detinha resguardo legal, não era motivo impeditivo para que aqueles que não possuíam condições para realizar tal ato, ou por causas diferentes não podiam, deixassem de se unir.
Com isso, surge então o chamado concubinato, com o intuito de iniciar a proteção destes agentes. Ocorre que, em razão da Constituição Federal de 1.967, bem como o Código Civil de 1.916, nutrir a ideia da família vinculada ao casamento, assim, pouco se fez para que houvesse a mínima proteção a este instituto que nascia, como por exemplo o advento das súmulas 380 e 382 do STF.
Entretanto, com nascimento da Carta Magna em 1.988, o que era antes, chamado de concubinato, passara a denominar-se União Estável, assim sendo:
(...) união estável como uma comunhão de vidas, no sentido material e imaterial, em situação similar à de pessoas casadas, que envolve a mútua assistência material, moral e espiritual, a troca e soma de interesses da vida em conjunto, atenção e gestos de carinho, enfim, a somatória de componentes materiais e espirituais que alicerçam as relações afetivas inerentes à entidade familiar. (GONÇALVES, 2005, p. 540)
Ocorre que, ainda que estivesse de forma expressa na Constituição Federal vigente – artigo 226, § 3º - pouco se falava dos direitos aos companheiros, ou seja, era reconhecido como entidade familiar, contudo, em razão da maneira pela qual se originava, não havia legislação vigente que abordasse cada um dos momentos da vida de um casal, como ocorre no casamento, até o momento em que surgira a lei n. 8.971/94, que regulara o direito sucessório bem como, o direito a alimentação aos companheiros, e posteriormente a lei n. 9.278/96, definindo, quais eram os direitos e deveres dos companheiros.
A União Estável então, passou a ser caracterizada como uma união que depende de relação duradoura, pública, com o intuito de constituir família, muito se fala no tempo que é necessário para que seja caracterizada, alguns doutrinadores afirmavam que com 3 (três) anos, outros, 5 (cinco) anos, contudo, não há em nenhuma legislação vigente, prazo definido, assim, sendo possível a caracterização em dias, semanas ou meses.
Anos depois, em razão da reforma do Código Civil, mediante a lei 10.406/2002, a União Estável surge com olhar ampliado, estando presente no título III, sendo:
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1 o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2 o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável. (BRASIL, 2002, não paginado)
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.(BRASIL, 2002, não paginado)
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. (BRASIL, 2002, não paginado)
Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil. (BRASIL, 2002, não paginado)
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato. (BRASIL, 2002, não paginado)
Note que, fora definido o regime de bens, sendo o da comunhão parcial após a vigência da lei 6.515/77, bem como, insere a legislação, o que tanto causava discussão entre juristas, passa a estar expresso, a realidade de diversos casais, que anos após, passa a ser também reconhecido aos homossexuais, permitindo que o instituto presente a tanto tempo, tenha vida.
Não há a obrigação de uma escritura pública de um papel, ou escritura particular para que seja configurada a união estável, embora a existência sirva para garantir e/ou estabelecer direitos e obrigações entre os companheiros, bem como para designar o regime de bens de preferência. Não havendo uma escritura pública de União Estável, existem outros meios de provar sua existência, como a declaração de dependência no imposto de renda, conta conjunta, certidão de casamento religioso, certidão de filho em comum, e etc. É importante que haja um conjunto probatório e de cumprimento dos requisitos legais, já que o principal ponto da União Estável é a convivência pública e contínua, com o intuito de constituir família.
Contudo, ainda havia as peculiaridades quanto a sucessão, ou seja, a União Estável, ainda que tida como entidade familiar, não trazia aos companheiros, em caso de morte o resguardo legal na linha sucessória, prevista ao cônjuge, ou seja, não havia equiparação entre os dois institutos, até o julgamento do recurso extraordinário n. 646.721 e n. 878.694.
4 DIREITO SUCESSÓRIO E O JULGAMENTO DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS N. 646.721 E 878.694
Em palavras mais breves, o direito das sucessões trata da transmissão da propriedade, conjugada ou não com o direito de família, podendo ocorrer de duas formas: a primeira inter vivo (no momento vivo) e causa mortis (no momento da morte). Na primeira ocasião, ressalva-se como direito das obrigações, sendo mais usado na segunda, na forma das sucessões, fundamentando os direitos da propriedade. No Brasil as leis referentes aos direitos sucessórios constam no artigo 5 da Constituição incisos XXX e XXXI, nos artigos 1784 a 2027 do Código Civil, lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002.
A vida inicia, e em um dado momento chega ao fim, cabendo ao legislador resguardar o patrimônio do “de cujus”, que é de imediato transmitido aos seus herdeiros ou legatários – ainda que estes, não saibam do falecimento -, a abertura da sucessão, trata-se de ato declaratório, já que não substitui a necessidade da realização do procedimento de inventário, seja ele judicial ou extrajudicial.
Essa chamada transmissão declaratória, que ocorre no momento da morte, surgiu com o Princípio de Saisine este que, originou-se na Idade Média, durante o feudalismo que retrata:
(...) o patrimônio do falecido era imediatamente transferido, de modo que não tinha o que ser devolvido, não havia o que se pagar. A sobrevivência estava garantida. A família podia continuar na luta da exploração de suas terras e preservar sua moradia. O princípio de saisine é a síntese dessa luta e dos sofrimentos e dificuldades superadas. (JÚNIOR, 2018, p. 111 apud ROSA, 2021, p. 23)
A sucessão então, trata-se da preocupação do legislador, com aqueles que ficam após a morte do falecido, é o respaldo jurídico dado aos familiares, assegurando que os bens deixados em razão do óbito serão transmitidos a estes, não os desamparando – com a devida regularização mediante inventário de partilha - seguindo uma linha sucessória, em que é previsto quais são os primeiros a serem chamados.
Também denominados como herdeiros necessários, são agraciados ao correspondente a 50% (cinquenta por cento) dos bens, da parte da legítima, isto porque, caso seja da vontade de outrem, é possível que ocorra a doação do correspondente ao outros 50% (cinquenta por cento), mediante testamento, da parte disponível, em caso de não haver tal expressão de vontade, a sucessão legítima ocorre em conformidade ao artigo 1.829, assim sendo:
Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:
I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;
II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;
III - ao cônjuge sobrevivente;
IV - aos colaterais. (BRASIL, 2002, não paginado)
Ao observar o artigo retromencionado, é notório que o cônjuge que até então é mencionado, refere-se aquele que era casado, a grosso modo “de papel passado e tudo”, com certidão de casamento emitida em Cartório de Registro Civil, não cabendo por analogia ao companheiro, já que, em conformidade ao artigo 1.790 do Código Civil, a sucessão ocorrera:
Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes:
I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho;
II - se concorrer com descendentes só do autor da herança, tocar-lhe-á a metade do que couber a cada um daqueles;
III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança;
IV - não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança. (BRASIL, 2002, não paginado)
Entretanto, como já mencionado anteriormente, o direito surge da necessidade da sociedade por resguardo legal, e a muito se fala de o porquê haver divergência entre o direito sucessório do cônjuge e do companheiro.
Ao pensar que, a família é a base da sociedade, e ainda que isto pareça clichê aos olhos de alguns, é analisando no íntimo de cada relação, que se entende que, a forma como surge, deixou de ser o mais importante, mas a convivência, o respeito e a moral, em seu sentido estrito e não as conveniências em que vem sendo atrelada é o que deve ser considerado.
Quem é o legislador, para dizer que uma relação de mais de 20 (vinte anos), que resultara em um lar, em uma família que procura a felicidade e o amor, bem como a dedicação um com os outros, não é digna de caracterizar o convivente como herdeiro necessário? O que o torna menor ou menos bom do que alguém que tenha optado pelo instituto do casamento?
Embora seja institutos diferentes, ao analisar-se cuidadosamente, de imediato é possível compreender por exemplo que, em se tratando da comunhão parcial de bens, como regime, nota-se que, em caso de casamento, de acordo com a sucessão legítima, caberá ao cônjuge sobrevivente a meação dos bens comuns, conforme previsto no artigo 1.829 do Código Civil, o que também ocorre em caso de união estável, conforme artigo 1.790, do mesmo dispositivo legal.
Em nenhum momento busca-se a compreensão de que se trata de institutos iguais, mas que em razão da natureza e sua função social, bem como, os princípios bases há necessidade de maior atenção.
Não há como negar que, ao pensar que quando houve a revogação do Código Civil de 1.916, passando a vigorar o atual – Lei 10.406/2002 -, o legislador fora retrógado no sentido de diferenciar a sucessão, uma vez que, se é por meio da sucessão, que são resguardados os direitos dos entes sobreviventes ao patrimônio do falecido, como pode então, que uma relação que há muito tempo já se enraizara na sociedade, não faça parte? Ao criar o artigo 1.790 do CC, o legislador caminhou em sentido contrário a todo o avanço correspondente a nova legislação, contrariando assim, o que a sociedade por muito tempo pleiteava.
Em caso recente, houve o julgamento de recurso extraordinário n. 646.721, pelo Supremo Tribunal de Federal (STF) que tratava de partilha, cuja os herdeiros eram a ascendente e o convivente. Nestes termos, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) determinou, que fosse entregue ao convivente o correspondente a 1/3 (um terço) dos bens deixados, cabendo a ascendente o restante, equivalente a 2/3 (dois terços). Inconformado, recorreu, em busca do equivalente a 50% (cinquenta por cento), baseando-se no que é previsto o artigo 1.837 do Código Civil: “Concorrendo com ascendente em primeiro grau, ao cônjuge tocará um terço da herança; caber-lhe-á a metade desta se houver um só ascendente, ou se maior for aquele grau.” (BRASIL, 2002, não paginado).
Também recentemente julgado, o recurso extraordinário n. 878.694 pelo STF, oriundo de partilha em que, a convivente em união estável, era a única herdeira, estando em concorrência apenas com três irmãos do “de cujus”, obteve do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), improcedência à sua partilha, sendo está limitada a 1/3 (um terço) dos bens deixados, com fulcro no artigo 1.790, III, do Código Civil, que assim resguarda: “Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: (...) III - se concorrer com outros parentes sucessíveis, terá direito a um terço da herança.” (BRASIL, 2002, não paginado).
No caso supramencionado, a Procuradoria Geral da República, além de concordar com os argumentos contrários aos requeridos e irmãos, acrescentara:
(...) tanto a união estável quanto o casamento constituem manifestação da autonomia privada dos contraentes, pois, se não há impedimento para o casamento e, mesmo assim, os conviventes optam pela união estável, é porque a entendem mais adequada às suas necessidades e anseios, ou, ainda, por preferirem ficar livres das regras rígidas impostas pelo casamento.” (BRASIL, 2017, não paginado)
É interessante mencionar que, ao analisar-se tais dispositivos é possível compreender que o legislador ao preocupar-se com o cônjuge sobrevivente, dedicou-se a não deixá-lo desamparado, ainda quando não fosse este, meeiro, em razão do regime de bens que regia o matrimônio, o que claramente não e o caso dos conviventes em união estável, uma vez que, só caberia a este, o direito aos bens adquiridos durante o convivência, cuja contribuição tenha se dado por ambos.
Há ainda, a corrente que defende se norteia ao fato de que, por se tratarem de institutos diferentes – desde a forma como se inicia -, a preocupação para com seu convivente, e passível de solução mediante manifestação de vontade por meio de testamento, já que, no tanger de 50% (cinquenta por cento) da parte disponível, caberá ao testador transmiti-la a quem quiser, e ainda, não havendo herdeiros necessários, é possível testar 100% (cem por cento).
De lado contrário, a forma como fora julgado ambos os casos, chama a atenção no sentido de que, ainda que o Código Civil atual, seja do ano de 2002, ao trazer-se os olhos para o presente, mais de 18 (dezoito) anos já se passaram, assim, não cabendo ao legislador, fixar seu olhar a uma realidade que já não condiz.
O que se percebe é que, em razão da liberdade existente, é permitido a todos a escolha da forma como queiram relacionar-se, bem como, como oficializar tal relação, e em razão de tal escolha, equiparar institutos diferentes, seria o mesmo que desrespeitar a própria manifestação de vontade das partes, em especial ao “de cujus”, em especial, pelo respeito ao Princípio da Liberdade, previsto na Constituição Federal de 1.988 (CF/88).
Em sede de julgamento do recurso extraordinário 646.721, o Ministro Presidente à época do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, expressou-se:
É impróprio, após a dissolução da unidade familiar com a morte de um dos companheiros, convertê-la em outra diversa, inobservando a adoção, quando em vida, de certo regime jurídico, inclusive no tocante aos direitos patrimoniais. Não há como afirmar que o companheiro falecido aderiria a regime jurídico diverso do alusivo à união estável, surgindo incompatível justamente com a autodeterminação da pessoa a revisão após o óbito. (BRASIL, 2017, não paginado)
Durante todo o seu voto, o Ministro e Presidente, acima mencionado, acorrentou-se aos princípios norteadores da Constituição Federal de 1.988, como forma de não restar dúvidas, acerca do dever de respeito a liberdade de manifestação de vontade em vida.
Em contrapartida, o Ministro Luís Roberto Barroso, já tendo se posicionado a fim de declarar inconstitucional o artigo 1.790 do Código Civil, no recurso extraordinário n. 878.694, que seria julgado posteriormente, atentou-se as peculiaridades ao caso em análise, em especial ao fato de que, não caberia a opção ao casamento dos conviventes, uma vez que, a união se dera a mais de 40 (quarenta) anos, e sendo homossexual, não era permitida à época, assim discorrendo:
É preciso observar que, no momento em que se abriu a sucessão - e isso é muito importante para o caso concreto, embora não para a tese -, ainda não havia a possibilidade de casamento entre pessoas do mesmo sexo. Se todos estiverem lembrados, o Supremo Tribunal Federal, em 2011, equiparou as uniões estáveis às uniões homoafetivas. Algum tempo depois, o Conselho Nacional de Justiça, à época sob a presidência do Ministro Joaquim Barbosa, regulamentou por resolução a possibilidade de casamento. Portanto, no caso desse casal homoafetivo, sequer havia a possibilidade de casamento. Desse modo, não foi, em rigor, uma opção; o que tornaria ainda mais injusta a desequiparação neste caso. (BRASIL, 2019, não paginado)
Assim, ainda que quisessem as partes, optarem pelo instituto do casamento, não seria permitida.
Em ambos os recursos extraordinários mencionados, fora declarada a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil, mediante tese abordada: "No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a distinção de regimes sucessórios entre cônjuges e companheiros, devendo ser aplicado, em ambos os casos, o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil de 2002.” (BRASIL, 2017, não paginado)
A tese fixada após o julgamento de ambos os recursos, tornou-se um marco, permitindo que não ocorra distinção entre o cônjuge supérstite e o companheiro, entretanto deixou uma lacuna no sentido de, não mencionar se a partir de então, o companheiro também se torna herdeiro necessário e neste sentido, Flávio Tartuce, posicionou-se logo após a publicação do acórdão:
Apesar do alerta anterior feito por parte da doutrina, algumas questões ficaram pendentes no julgamento do STF. A primeira delas diz respeito à inclusão ou não do companheiro como herdeiro necessário no artigo. 1.845 do Código Civil, outra tormentosa questão relativa ao Direito das Sucessões e que tem numerosas consequências. O julgamento nada expressa a respeito da dúvida. Todavia, lendo os votos prevalecentes, especialmente o do Relator do primeiro processo, a conclusão parece ser positiva. (TARTUCE, 2019, não paginado apud LIMA; SILVA, 2020, p. 159)
Assim, tende a ser compreendido que houve grande avanço com o julgamento de ambos os recursos extraordinários julgados, embora ainda haja questões que podem ser objetos de novas demandas no sentido de ser ou não, o convivente herdeiro necessário, ainda que a Carta Magna, vede o tratamento hierarquizado entre as famílias, independendo da forma pela qual se constitui.
4 CONCLUSÃO
Que a família é o centro das relações e em razão dela é que todas as outras surgem é inegável, contudo, desde os primórdios, tentou-se definir o que faria parte desta, e neste momento surge o direito e todas as legislações, com o intuito de resguardar os direitos e deveres de quem a constitui.
Em razão disto, fora instituído o casamento, como sendo a única forma legal de constituir família, isso porque, mediante aos procedimentos legais, bem como, expedição da certidão de casamento pelo Oficial de Registro Civil, os nubentes, passam a serem Sr e Sra casados, e por casados, entendendo suas obrigações, bem como, que não caberia relações extraconjugais, já que resultaria em crime tipificado no Código Penal.
Entretanto, assim como tudo na vida, sempre houve, a necessidade de relacionar-se, o ser humano em seu íntimo, sente necessidade de viver em sociedade, em relações amigáveis, bem como, íntimas, e exatamente por esta necessidade, surgira ao longo dos anos, as chamadas relações extraconjugais.
É importante dizer que, ao mencionar-se extraconjugais, não se aborda as relações de infidelidades ocorridas, mas as relações que não poderiam se tornar oficiais e ter o resguardo legal, em razão de não haver legislação para tal. Um homem que há muitos anos já não convivia com sua esposa, mudou de cidade e constituiu outra família, não poderia se casar novamente, mas ainda assim, se envolveu com outra pessoa e constituiu um novo lar. Estaria ele errado a ponto de não poder resguardar aqueles que tem grande apreço?
Assim, em razão do direito, bem como, da legislação ser criada com embasamento aos anseios sociais, passara existir a figura do concubinato, que anos após, denominou-se de União Estável.
A União Estável surge então, para regularizar relações já existentes, permitir que haja respaldo para cada uma das fases desta relação, conforme ocorre com o casamento, neste sentido a ideia de que, as pessoas casam, constroem patrimônio, tem filhos – ou não -, animais – ou não -, podem se divorciarem – ou não -, e morrem – todos morrem -. Contudo, ainda que por ser algo de extrema necessidade, a linha do tempo acima mencionada, não fora criada de imediato para os conviventes, muito tempo se passou até que, o próximo disto, fora expressado em lei.
Ainda que, as Uniões Estáveis estivessem a muitos anos enraizadas em nossa sociedade, ao ser criada, bem como legislada, nunca se equiparou ao casamento, por entender o legislador que em razão da maneira como é constituída, de forma menos burocrática, em razão da liberdade dos conviventes em optar por tal forma de constituir suas famílias, não caberia a estes, os mesmos direitos existentes para quem opta pelo casamento.
O que é bem interessante, ao ponto de que, ambas são expressamente taxadas na Constituição Federal, como entidade familiar, porque então distingui-las?
Quando da criação do Código Civil vigente, tipificou-se dentre outros artigos, como ocorreria a sucessão, em caso de casamento, no âmbito do artigo 1.829, em âmbito de união estável, nos termos do artigo 1.790.
Entende-se que sucessão, é sucessão em qualquer lugar e tempo, é se não, o ato que transmite no exato momento morte, o patrimônio existente – passivo e ativo – aos seus sucessores, nestes termos, porque a forma como iniciou-se a relação, durante tanto tempo, fora o mais importante? Porque não permitir que o companheiro, assim, como o cônjuge tenham os mesmos direitos?
Após os julgamentos dos recursos extraordinários de n. 646.721 e 878.694, pelo Supremo Tribunal Federal, muitas questões, das citadas anteriormente foram apreciadas, no sentido de que, a sucessão somente cumpre seu dever, no momento em que resguarda os entes queridos deixados pelo “de cujus”, assim, não há como negar que, ao diferenciar como ocorre a sucessão para o cônjuge e como ocorre para o companheiro, é caminhar no sentido contrário aos anseios de todo uma sociedade, bem como Constituição Federal.
Quando houve, a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC, equiparando o cônjuge ao companheiro, permitiu-se que a essência da sucessão fosse real, uma vez que, em momento nenhum, tenta-se equiparar ambos os institutos, já que de fato, são entidades familiares com maneira de constituição diferentes, uma rodeada de formalidade, e outra, a princípio, informal, entretanto, não cabe ao legislador, dizer e basear-se em uma realidade de mais de 20 (vinte) anos atrás, posto que, é dever do legislador, legislar conforme a evolução social, é dever deste, respeitar as relações e resguardar da melhor forma, quem se oriunda destas.
Assim, ao final deste estudo, compreende-se que, permitir que o companheiro, seja equiparado ao cônjuge, nos termos do artigo 1.829 do CC, é dizer que a sociedade obteve o início de uma resposta que vem sendo esperada há muitos anos, cabe dizer início, uma vez que, ao analisar o mérito não houve menção se o companheiro se tornou propriamente dito, herdeiro necessário, mas deixou claro que, cada vez, o mais importante é a essência das relações, que cada vez mais, ainda que com relutância, o Estado cumpre seu papel em intervir minimamente nas relações.
A inconstitucionalidade do artigo 1.790 do CC, condiz com o preâmbulo da Carta Magna, permitindo entender então que ainda que tudo pareça distorcido, cabe aos cidadãos, a luta pela busca de suas verdades, bem como, de nosso direito.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANDRADE, Tuany Gasques. Casamento x união estável e a inconstitucionalidade do artigo 1.790 do Código Civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2022, 04:29. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59047/casamento-x-unio-estvel-e-a-inconstitucionalidade-do-artigo-1-790-do-cdigo-civil. Acesso em: 22 nov 2024.
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