BUENÃ PORTO SALGADO[1]
(coautor)
RESUMO: O tema do projeto está relacionado a área do Direito Processual Civil, que visa a discussão acerca da importância das Ações Coletivas e ao Acesso à Saúde digna estabelecida por lei, de modo a verificar a sua imprescindibilidade na consubstancialização de políticas públicas que assegurem este direito constitucional, bem como, de atestar sua eficácia como ferramenta de materialização das políticas fomentadas, e, que por algum motivo, não tiveram a sua aplicabilidade exitosa, o que acaba por colocar em risco direitos difusos e transindividuais tão pertinentes para o bom desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária. Trazendo o que é o processo coletivo estruturante, assim como o direito a saúde e também como esta aplicação no estado do Tocantins, colocando assim as decisões tomadas pelo judiciário sobre o tema abordado, foram coletadas estas informações também no HGP, sendo utilizado seu sistema de dados internos.
Palavras - Chave: Direito; Processo Coletivo; Saúde.
ABSTRACT: The theme of the project is related to the area of Civil Procedural Law, which aims to discuss the importance of such procedural element in the concreteness of the Right to health of the population of Tocantins, in order to verify its indispensability in the consubstantialization of public policies that ensure this right. as well as attesting to its effectiveness as a tool for materializing the policies promoted, and which, for some reason, did not have their successful applicability, which ends up jeopardizing diffuse and trans-individual rights so relevant for the good development of a fairer and more egalitarian society. Bringing what is the structuring selection process, as well as the right to health and also how this application in the state of Tocantins, thus placing the decisions made by the judiciary on the topic addressed.
Key-words: Health; Right; Collective process.
1. INTRODUÇÃO
O presente trabalho se propõe a realizar uma análise acerca do processo estrutural nas políticas públicas com ênfase na saúde, bem como, analisar as decisões judiciais deliberadas no Estado do Tocantins, buscando demostrar que conceito de dignidade é o bem maior do ser humano. Para que se tenha uma qualidade de vida mínima, é necessário que tenhamos acesso à saúde de forma correta.
No Brasil, a Carta Magna de 1988 trouxe em seu corpo as garantias fundamentais para o ser humano, e, dentro delas está o direito à saúde, tendo ainda mais destaque com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS). Entretanto, nem mesmo isso salvou a população do descaso do poder público, haja vista a necessidade que se nota em muitos casos de adjudicar judicialmente para se tenha acesso integral a saúde.
A escolha do tema justifica-se pela necessidade de melhor compreensão de um fato comum na sociedade brasileira, que são as ações coletivas e o desrespeito ao direito à saúde. Tendo a seguinte questão como problemática: a judicialização da saúde, através das ações estruturantes, de fato se faz necessária no cenário estadual?
O objetivo geral é verificar a importância das ações coletivas estruturantes na consolidação do acesso ao direito básico e constitucional à saúde.
Para melhor compreensão quanto à estruturação do presente artigo, impede comentar que será composta por três capítulos, divididos da maneira a ser exposta brevemente a seguir. O primeiro capítulo abordará o histórico e as reformas estruturais; o segundo, a saúde como direito fundamental; o terceiro, a saúde no Tocantins, e o impacto das decisões judiciais estruturantes.
A presente pesquisa visa contribuir para o conhecimento existente sobre o assunto pesquisado. Quanto à forma de abordagem do objeto pesquisado, será uma pesquisa qualitativa, uma vez, que, busca compreensão acerca da problemática pesquisada, esta não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas.
O estudo será realizado através de pesquisa bibliográfica, dado que se utilizará de informações disponibilizadas em livros, artigos disponíveis na rede mundial de computadores, e todos os tipos de materiais já publicados.
Outros métodos da pesquisa utilizados foram as análises bibliográficas, os endereços eletrônicos, sites legislativos, jornalísticos, blogs, com o fim de trazer melhor conhecimento sobre o tema e informações atuais de grande relevância para o trabalho, e que de maneira clara valoriza o texto e seu entendimento.
2. HISTÓRICO E AS REFORMAS ESTRUTURAIS
Resolução estrutural ou resolução estruturante é uma espécie de decisão que é analisada, em suma, de forma diferenciada. Jobim (2013) conceitua que esse tipo de decisão é complicado, tendo surgido nos Estados Unidos da América, juntamente do poder judiciário entre 1950 e 1970, com definições bem claras: não há grandes preocupações com a definição analítica ou a categorização sistemática desse tipo de decisão, (COSTA, 2012).
Dentro do conceito histórico, o primeiro litígio estruturante ocorreu com o caso Brown verso Board of Education of Topeka, em 1954, momento em que a corte norte-americana deu entrada num caso em que se discutiu o preconceito em sua forma mais completa. Ao aceitar a matrícula de estudantes negros em faculdades públicas, onde até aquele momento, somente pessoas brancas podiam estudar, esse ato trouxe um amplo processo de mudanças no que se referia a educação dentro daquele país, conhecida tal decisão como “structual reform”. Sendo essa, apenas a primeira fase de mudanças.
Segundo Owen Fiss:
O Sistema de escolas públicas foi o sujeito do caso Brown, mas com o tempo a reforma estrutural foi alargada para incluir a polícia, prisões, hospitais de saúde mental, instituições para pessoas com retardo mental, abrigos públicos e agências de serviço social. Reformas estruturais alcançaram tão longe, quanto o moderno Estado Burocrático (FISS, 2008, p. 761).
Esse caso trouxe grandes reformas dentro do judiciário americano dos Estados Unidos. Dentro das resoluções, surgiram reformas estruturais em outras entidades, nas quais possuíam o mesmo propósito principal de assegurar a constitucionalidade e os direitos dos cidadãos americanos.
2.1 PROCESSO COLETIVO ESTRUTURANTE
Através das decisões dos juízes e tribunais usando o método estrutural, uma transformação vem emergindo na sociedade, cenário que prisma pela garantia da concretização dos principais direitos fundamentais, o que objetiva a efetividade do provimento jurisdicional para as mudanças sociais. Neste toar, se torna necessário o conhecimento do conceito de litígio estrutural, para assim, compreender quando serão cabíveis e quando podem ser utilizados os modelos de decisões estruturantes.
Para Edilson Vitorelli (2018), litígios nada mais são que conflitos que exigem interesse judicial para serem resolvidos, enquanto o processo seria a forma pré-ordenada de atos colocados à disposição social para o alcance desta provisão. Se essa técnica não existir mais, os processos coletivos serão tratados por outras técnicas processuais segundo cada país, entretanto, mesmo com esta técnica disponível, nem sempre um litígio coletivo será usado na resolução de processos coletivos, pois esta podem ser ajuizadas através de várias ações individuais.
Assim, podemos afirmar que o processo coletivo é contingente, e o litígio coletivo é necessário, Vitorelli traz que:
Litígio coletivo é o conflito de interesses que se instala envolvendo um grupo de pessoas, mais ou menos amplo, sendo que essas pessoas são tratadas pela parte contrária como um conjunto, sem que haja relevância significativa em qualquer de suas características estritamente pessoais (VITORELLI, 2018, p. 04).
Pode-se, então, afirmar que o processo coletivo é uma técnica para o desenrolar de lígios coletivos. Fredie Didier Jr. e Hermes Zaneti Jr. Dispõe que:
Uma relação jurídica é coletiva se em um de seus termos, como sujeito ativo ou passivo, encontra-se um grupo (comunidade, categoria, classe etc.; designa-se qualquer um deles pelo gênero grupo) e, se no outro termo, a relação jurídica litigiosa envolver direito (situação jurídica ativa) ou dever ou estado de sujeição (situações jurídicas passivas) de um determinado grupo. Assim, presentes o grupo e a situação jurídica coletiva, está-se diante de um processo coletivo (DIDIER JR; ZANETI JR, 2018, p. 31)
Zavascki (2003) aduz, que, no sentido amplo, a existência da preocupação com a tutela dos direitos coletivos no Brasil veio de forma mais acentuada no início da década de 60, havendo a publicação da Lei de Ação Popular em 1965. Na sequência, em 1985, foi promulgada a Lei de Ação Civil Pública, sendo considerada como um grande instrumento para a efetivação de tutelas coletivas.
Em sequência, o autor aduz que a Constituição Federal de 88 trouxe um reforço no sistema híbrido do controle da constitucionalidade adotada, tendo também ocorrido novas criações no que diz respeito às tutelas coletivas, e sua legitimação. Em 1990 o código de defesa do consumidor trouxe os direitos coletivos como difusos, estabelecendo uma classificação utilizada pela doutrina a clássica.
Nem sempre as tutelas para ações coletivas eram adequadas ou suficientes, visto que geralmente era uma adaptação dos instrumentos utilizados nos procedimentos individuais, contudo, Vitorelli (2018) trouxe inovações ao mostrar que as escolhas processuais devem ser conforme os litígios e suas individualidades, as técnicas podem e devem ter alterações conforme cada caso apresentado, para que assim existam um julgamento justo e concreto.
2.1.1 CONCEITO DE DECISÃO ESTRUTURAL
Pode-se colocar que a resolução estrutural é quem implementa uma reforma dentro de uma organização, companhia e entidade, para ser uma solucionadora de litígios simples ou complexos (colisão múltiplos interesses sociais), denominado, assim, processo estrutural.
O conceito primário é que se orienta futuras demandas complexas, e que buscam a perfeita resolução da lide, que seja resolvida de forma que não tenham que se debater mais aquele tema.
Observando seu início, vemos que é o processo onde o juiz faz uma decisão levando em conta os valores públicos, existe aqui a participação de toda a sociedade que tenha interesse no resultado da resolução da demanda. A decisão estrutural dentro da formulação e execução, traz Judiciário e Estado, envolvidos, não na defesa e julgamento, mas em ouvir os interessados e buscar uma plena e efetiva resolução, amoldável a casos posteriores e fiscalizada pelo poder sentenciador, (VITORELLI, 2015).
É necessário que a Administração pública se molde às mudanças constantes dentro da sociedade, para que, assim, possam atender melhor o interesse da população, juntamente com o poder judiciário.
2.1.2 PROCESO ESTRUTURAL – CATEGORIAS
Existem dois tipos que podem ser indicadores do litigio coletivo, a conflituosidade e a complexidade, a primeira é medida pela uniformidade dos membros da sociedade, sendo assim, esse litígio seria mais conflituoso se gerasse um enorme impacto na violação perante o resultado exigido, já o segundo, é medido através da variabilidade, portanto, um litígio é mais complexo conforme as lesões que ele vai causando e a possibilidade da tutela da violação (VITORELLI, 2016).
Ressaltando que estes não são co-dependentes, a existência de seus titulares, possui três categorias que são definidas conforme o ato praticado e a lesão causada.
Os primeiros são os litígios globais (ou litígios transindividuais de difusão global): estes não atingem de forma direta qualquer cidadão, os titulares são atingidos de modo uniforme e quase imperceptível se olhado de forma individual, portanto não existe o interesse pessoal de forma visível. Vitorelli (2016, p. 24) diz que: “um bom exemplo é o vazamento de óleo em menor quantidade no meio do oceano. O nível de conflito é baixo internamente e tem maiores possibilidades de auto composição”.
A segunda já traz os litígios locais (ou transindividuais de difusão local): eles alcançam a sociedade em pequenas proporções, com ligações de correlação social, emocional e histórico, como exemplo, tem-se as comunidades quilombolas e indígenas. Existe nesse litigio um alto grau de complexidade, e ligações reais de identidade (VITORELLI, 2016).
Já a terceira, é a que podemos dizer que mais cabe dentro da abordagem aqui disposta com base em Vitorelli (2016), pois aponta os litígios irradiados. A lesão afeta de modo desigual e de várias formas a sociedade, de diferentes comunidades e perspectivas sociais, essas são atingidas de maneiras diferentes dentro dos parâmetros individuais, são voláteis, ora parcialmente coincidentes, ora antagônicos. Sendo assim, esta incompatibilidade será observada por toda sociedade afetada, visto que gera resultados entre o causador do dano e entre os demais afetados.
3. A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
O conceito de Direito, segundo Kelsen (1985), pode ser tido como um ramo do conhecimento humano, denominada ciência do direito, ou seja, um estado que esclarece as normas que regulam o comportamento social, podendo a mesma palavra ser usada de forma axiológica no sentido de justiça, e subjetiva na orientação do direito positivo. Reale (1976, p.104) esclarece que a “regra de direito vista por dentro, seria como uma ação regulada”, que possui várias outras formas de uso.
A forma subjetiva é a que se utiliza na exigência do Direito à saúde, a Constituição Federal de 1988 traz esse direito como fundamental, disposto no artigo 6º e no artigo 196, onde traz também que o Estado deve prover condições indispensáveis para seu exercício.
3.1 CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988: A SAÚDE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Como já abordado, o direito à saúde está disposto nos artigos 6º e 196 da Carta Magna vigente, tratado como direito fundamental. Barros (1996, p. 134) informa que: “a dignidade humana e os direitos fundamentais vêm constituir os princípios constitucionais que incorporam as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo sistema jurídico brasileiro”.
Silva, realiza uma abordagem sobre a colocação do direito à saúde na Carta Magna:
É espantoso como um bem extraordinariamente relevante à vida humana só na Constituição de 1988 tenha sido elevado à condição de direito fundamental do homem. E há de informar-se pelo princípio de que o direito igual à vida de todos os seres humanos significa também que, nos casos de doença, cada um tem direito a tratamento condigno de acordo com o estado atual da Ciência Médica, independentemente de sua situação econômica, sob pena de não ter muito valor sua consignação em normas constitucionais (SILVA, 2006, p. 304).
Sarlet (1998) informa que o artigo 196 seria um daqueles artigos considerados programáticos, pois qualifica a saúde como “direito de todos e dever do Estado”, pois a palavra saúde tem um caráter genérico, dificultando a precisão na investigação quando necessário. Existem várias formas de melhorar a saúde da população, por esse motivo, existe a forma de serem postulados judicialmente essas demandas.
Pode-se ter um conceito de saúde visando a Constituição de 88, onde essa traz que saúde comina com alimentação, moradia, saneamento básico, renda, trabalho etc., juntamente com os órgãos que compõem o Sistema Único de Saúde (SUS), e o Governo de estabelecer medidas de melhorias para a população.
3.1.1 POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
Limberger (2011, p. 308) aborda que a “ideia de saúde pública é imbricada com o conceito de política pública”. Portanto, o direito à saúde pode ser visto da seguinte forma:
Deve ser garantido mediante políticas sociais e econômicas, ou seja, um conjunto de atos normativos que se constitua em uma verdadeira “policy”, para usar a expressão norte-americana característica para este tipo de ação. Não se trata de uma norma, mas um conjunto encadeado de atos e ações do Poder Público que visam a garantir a todos este direito e imponham aos órgãos competentes do Estado o dever de executá-las (SCAFF, 2011, p. 78).
Portanto, a competência para executar as políticas públicas cabe em comum competência à União, Estados, Municípios e Distrito Federal, como está disposto no artigo 23, II, da Constituição Federal, sendo assim eles podem formular e executar políticas de saúde. Portanto, impõe que haja cooperação entre elas, tendo em vista o “equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional” (BRASIL, 1988).
Depois de entrar em vigor a Carta Magna de 88, foi aprovada a Lei nº 8.080/90 denominada Lei Orgânica da Saúde, essa estabelece os modelos e estruturas que o SUS deve ser regido, o serviço de saúde prestado por órgãos e instituições públicas federais, municipais, estaduais, e administração direta e indireta, disposto no artigo 7º, I e IX da lei. Entre as principais atribuições do SUS, está a “formulação da política de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos e outros insumos de interesse para a saúde e a participação na sua produção”. (BRASIL, 1990).
Já a Constituição Federal de 1988 traz de forma concisa o que é o direito à saúde no seu texto da seguinte forma, no Título VIII - Da Ordem Social, Capítulo II - Da Seguridade Social, Seção II - Da Saúde, artigo 6º e 196, saúde é um direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas, que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
3.1.2 A JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO À SAÚDE
Por mais bonitas que sejam as leis, estas em suma não são cumpridas de forma corretas, deixando muitas vezes a população em desamparo, dessa forma, para conseguir o que é seu direito primal, é necessário utilizar a judicialização para ter acesso a médicos e medicamentos. O autor Lopes esclarece que:
O direito aos serviços médicos e farmacológicos indispensáveis à manutenção da própria vida, e vida digna, gratuito no Brasil, subjetiva-se diante de cada caso em concreto, em ordem a legitimar o acesso pronto e diretamente exercitável em juízo, de todos e cada um, em face dos poderes públicos (LOPES, 2010, p. 88).
O direito a saúde como já discutido, é um direito constitucional e que por si só compreende o direito à vida justa e digna. Dentro disso, é importante observar a reserva do possível no que se refere ao atual Estado, Torres responde que:
Os direitos sociais e econômicos estremam-se da problemática dos direitos fundamentais porque dependem da concessão do legislador, estão despojados do status negativos, não geram por si sós a pretensão às prestações positivas do Estado, carecem de eficácia “erga omnes” e se subordinam à ideia de justiça social. Revestem eles, na Constituição, a forma de princípios de justiça, de normas programáticas ou de política, sujeitos sempre a interpositivo “legatoris”, especificamente na via do orçamento público” (TORRES, 2001, p. 278-279).
O indivíduo tem direito às condições mínimas de existência, de forma digna, ocorre que este direito já é protegido de forma indeclinável pelo poder público dentro da dignidade da pessoa humana disposta na Carta Magna. Vale ressaltar que, este poder sabe que a reserva do possível é meramente uma forma de se eximir e ainda de protelar o cumprimento de obrigações primarias.
Canotilho completa que:
Os direitos de liberdade não custam, em geral, muito dinheiro, podendo ser garantidos por todos os cidadãos sem se sobrecarregarem os cofres públicos. Os direitos sociais, pelo contrário, pressupõem grandes disponibilidades financeiras por parte do Estado. Por isso, rapidamente se aderiu à construção dogmática da reserva do possível para traduzir a ideia de que os direitos sociais só existem quando e enquanto existir dinheiro nos cofres públicos. Um direito social sob “reserva dos cofres cheios” equivale, na prática, a nenhuma vinculação jurídica. Para atenuar essa desoladora conclusão adianta-se, por vezes, que a única vinculação razoável e possível do Estado em sede de direitos sociais, se reconduz à garantia do mínimo social (CANOTILHO, 2002, p. 481).
O direito à saúde é altamente necessário para a vida digna, assim como direito à alimentação e moradia, esses estão relacionados ao direito a vida, é, por isso podem ser exigidos judicialmente, pois é uma garantia constitucional e essa não deve sofrer intervenções que prejudiquem a sociedade.
4. A SAÚDE NO TOCANTINS – DECISÕES
Em suma do que foi disposto no trabalho, o Estado do Tocantins conta com muitas decisões judicias de cunho Coletivo Estruturante em prol da Defesa do Direito Fundamental à Saúde. Neste capítulo será discorrido sobre decisões favoráveis à demanda aqui estudada, tendo enfoque nas principais, que serão: (1) neurocirurgia, (2) cardíaca, (3) oncológica, e (4) cardiopatia.
Todas as decisões fazem menção ao descaso do Poder Público com a população, que, em meio ao sofrimento ainda tem que ter forças para lutar por direitos já são assegurados. Vale analisar que várias demandas sobre o mesmo assunto encargam nas decisões judiciais de cunho coletivo, o que acaba colaborando para que as decisões coletivas tenham julgamentos mais céleres, ante a urgência e matéria a ser tratada na lide.
Cumpre ressaltar que dentro de tantas garantias legais que temos, não seriam necessárias estas adjudicações para se fazer cumprir o que a lei já dispõe, entretanto, a observância destas decisões se faz necessária para que haja a formalização de um parâmetro que possa ser seguido em futuras necessidades.
4.1 NEUROCIRURGIA – PROCESSO AUTOS Nº 0006406-49.2015.827.2729, AÇÃO CIVIL PÚBLICA COM PRECEITO MANDAMENTAL EM TUTELA DE URGÊNCIA
Inicial – Dos Fatos: Após visita surpresa ao Hospital Geral de Palmas, foi notada uma demanda reprimida de 24 (vinte e quatro) pacientes que aguardavam atendimento neurocirúrgico. Dentro dos casos analisados, foi vista que a demora por vezes perfazia o lapso de 3 (três) meses, ocasião em que casos eletivos começaram a urgir por urgência.
Aliado a isso, em termo de declarações prestado pelo Coordenador da Neurocirurgia, foi mencionado que o Estado nunca conseguiu se manifestar em tempo hábil para que houvesse a realização dos procedimentos cirúrgicos, devido a extrema ausência de materiais (para embolização). A falta da organização da oferta regular do serviço de neurocirurgia, tem como consequência, além da busca pela tutela individual perante a Defensoria Pública, Ministério Público e Advocacia Privada, o descumprimento reiterado de ordens judiciais, em total desrespeito ao Poder Judiciário, sobrecarregando as Varas de Fazenda Pública, com ações individuais repetitivas, motivo que ensejou a propositura da ação coletiva.
Argumentação jurídica: Para a propositura da ação em análise, foi levada em consideração a pretensão de concretização de direitos fundamentais prestacionais através da imposição de obrigações de fazer à parte ré com vistas em garantir o direito à saúde e à vida. Neste toar, citou-se a previsão constitucional no seu art. 23, no qual expressa a competência para cuidados da saúde por parte dos entes federativos.
Na seara do SUS, foi citada a Norma Operacional da Assistência à Saúde – NOAS/SUS n. 01/2002, editada pela Portaria GM/373, de 27/02/20024, que fixa a responsabilidade solidária da União e dos Estados-membros, por intermédio, respectivamente, do Ministério da Saúde e das Secretarias Estaduais de Saúde, para a garantia de acesso da população aos procedimentos de alta complexidade.
Dos pedidos: Os pedidos orquestrados em juízo consistiam em compelir o Estado do Tocantins, imediatamente, a esgotar todos os recursos administrativos e financeiros para viabilizar a realização dos procedimentos da neurocirurgia aos pacientes que se encontram internados no Hospital Geral de Palmas, com risco de agravamento do quadro clínico e óbito (tutela individual homogênea). Ademais, sujeitar o Tocantins a organizar a oferta dos serviços de neurocirurgia, de maneira a garantir o direito de acesso de todos os pacientes que necessitam de procedimentos neurológicos, nos termos das prescrições médicas, em tempo hábil, de maneira a evitar o agravamento do quadro clínico e óbitos (tutela difusa), diretamente ou de maneira complementar (rede privada, dentro ou fora do estado).
Sentença/Acordo: O Tocantins se comprometeu em realizar a cirurgia dos 26 (vinte e seis) pacientes que se encontravam na lista de espera no tempo máximo impreterível de 45 (quarenta e cinco) dias (mantendo este prazo para os pacientes que viessem a ser internados). Em relação aos recursos humanos, abastecimento (materiais, medicamentos), leitos de UTI e estrutura física, o Estado se prontificou em esgotar todas as medidas administrativas e judiciais para dar a condição necessária para a realização das cirurgias.
Para responder às obrigações ora impostas, se comprometeu em realizar concurso público dentro das formalidades legais com previsão de provimento imediato e cadastro reserva para os profissionais responsáveis para a execução direta do serviço.
4.2 ONCOLÓGICA – PROCESSO AUTOS Nº 0030628-47.2016.827.2729, AÇÃO CIVIL PÚBLICA CONDENATÓRIA COM PRECEITO MANDAMENTAL EM TUTELA DE URGÊNCIA
Inicial – Dos Fatos: Notícias em fontes abertas exprimiam que pacientes cirúrgicos com doenças cardiológicas estavam se deparando de maneira habitual com a indisponibilidade de cirurgias cardiológicas na alta complexidade cardiovascular (aberta) no Hospital Geral de Palmas – HGP, em razão da falta de inúmeros materiais, medicamentos e equipamentos essenciais à execução do serviço, o que impossibilitava que os cidadãos tocantinenses tivessem acesso ao direito à saúde garantido pelo Poder Público, tal como determina a Constituição Federal em seu art. 196[2].
Por consequência, se constatou que pacientes que precisam de cirurgias cardíacas eletivas, em razão da demora e da desorganização do serviço, evoluíam para o quadro de urgência e emergência e acabavam vindo a óbito sem acesso ao serviço (teoria da perda da chance).
Observa-se que desde 2015, o Hospital Geral de Palmas já possuía boas condições estruturais para realizar as cirurgias cardíacas, porém, pela ausência de materiais as cirurgias não estão sendo realizadas. Logo, percebe-se todo um aparelhamento estatal com fulcro na disponibilização dos serviços, mas, por conta do desleixo administrativo, a ausência de materiais e o sucateamento orçamentário destinado à compra dos insumos impossibilita a disponibilização célere dos procedimentos cardíacos, deixando paciente na fila de espera há mais de 6 (seis) anos.
Argumentação jurídica: Art. 196 da Constituição Federal que preconiza o direito à saúde como um direito constitucional, e dever do estado o fornecimento de tratamento médico integral e de qualidade.
Dos pedidos: Os pedidos que englobavam a exordial consistiam em impor que o Estado do Tocantins providenciasse no prazo máximo de 20 (vinte) dias, a regularização das cirurgias cardíacas da alta complexidade cardiovascular (aberta) no hospital geral de Palmas com o fornecimento de materiais, insumos, medicamentos, equipamentos, instrumental cirúrgico e acessórios, recursos humanos, UTI de retaguarda necessária ao tratamento, para oferta célere e efetiva do serviço, diminuindo os custos com as atuais remoções e compras de serviços privados;
Sentença: Como fundamentação para respaldar a decisão do douto julgador, foi informado que é dever dos requeridos disponibilizar os meios necessários para o fornecimento do tratamento de que necessita a parte autora, considerando uma consequência constitucional indissociável do direito à vida. Nestes termos, o Estado do Tocantins foi condenado a ofertar desde cirurgias pediátricas aos portadores de cardiopatia congênita complexa, e conseguinte vaga em Unidade de Tratamento Intensivo Pediátrica, ao fornecimento de medicamentos, materiais e insumos, dimensionamento de pessoal, com capacidade de atender a demanda estadual.
4.3 CARDIOPATIA – PROCESSO AUTOS Nº 0039184-38.2016.8.27.2729/TO, AÇÃO CIVIL PÚBLICA INFÂNCIA E JUVENTUDE
Inicial - Dos fatos: O estado do Tocantins não dispunha de serviços para o tratamento de cardiopatias congênitas, em decorrência desta omissão, o envio de seus pacientes para realizarem tratamentos em outras unidades da federação começou a ser uma prática corriqueira. Como exemplo, tem-se o grande quantitativo de crianças cardiopatas que foram encaminhadas para Brasília-DF. Isso tem gerado um alto custo estatal, sobretudo com gasto referentes à UTI aérea e internações particulares.
É mencionado que os gastos com estruturação de ala cirúrgica para realização de cirurgia implicariam em gasto bem menor do que a manutenção dos pacientes enviados para outra unidade da federação. Contudo, o estado se negava em fornecer a estruturação correta, de maneira a continuar com a sobrecarga onerosa. Segundo relatos médicos, desde a criação do estado do Tocantins, somente 22 (vinte e dois) pacientes cardiopatas conseguiram realizar seu tratamento junto à CNRAC – Central Nacional de Regulação de Leitos de Alta Complexidade.
Dos pedidos: Foi requerido a reorganização do Serviço de Cirurgia Pediátrica (CIPE), para realização destas cirurgias no Estado do Tocantins, em recém-nascidos acometidos por Cardiopatia Congênita Complexa, contemplando, igualmente, o fornecimento de medicamentos; materiais e insumos; e o dimensionamento de pessoal correspondente à demanda, garantindo, desta maneira, o acesso à saúde, em tempo hábil, de maneira universal, integral e igualitária;
Sentença: Os pedidos expressos na inicial foram acolhidos, sendo determinado ao estado do Tocantins que regularizasse a demanda de cirurgias da especialidade cardiológica, assim como os estoques dos insumos, materiais, equipamentos, medicamentos necessários ao atendimento dos pacientes usuários do Sistema Único de Saúde.
Por conseguinte o juiz arbitrou para que o estado fornecesse no prazo de 15 (quinze) dias, cânula arterial aramada de aorta 18fr a 22fr, gerador de marca passo provisório, aparelho de gasometria TCA, enxerto arterial, em poliéster (dacron) trançado com colágeno bovino, inorgânico, atóxico, pirogênico, estéril, com válvula em duplo folheto - (todos os tamanhos) e tubo valvulado com prótese biológica, heparina sódica 5000ui/ml solução injetável intravenosa 5 ml frasco-ampola (insumos faltantes), com a finalidade de que as atividades no estado não sofressem paralisação.
5.CONCLUSÃO
Este trabalho trouxe a análise das ações coletivas, como elas são divididas, suas conceituações e suas abordagens, o direito à saúde e as ações coletivas estruturantes na defesa desse direito no Estado do Tocantins, de maneira a assegurar a concretização deste direito constitucional, tão necessário para a manutenção dos indivíduos que residem no âmbito nacional.
A Constituição Federal destaca o Estado como devedor do direito à saúde. Consoante antevisto, o direito à saúde é plasmado no artigo 196 da Constituição Federal como direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos, regido pelo princípio do acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988). Todavia, nem sempre este direito é respeitado.
Neste toar, aspirando dar consistência às previsões ora previstas no arcabouço constitucional, o legislador previu mecanismos que pudessem assegurar a verdadeira efetividade dos direitos constitucionais, elaborando assim as ações coletivas. Ante o exposto, denota-se a extrema importância e relevância que transpõe a temática, não sendo apenas considerável para os operadores do direito, mas, para toda a sociedade civil que poderá buscar a efetivação de seus direitos através destes instrumentos.
Como forma de ilustrar a importância da temática, foi realizada uma análise concreta de decisões estruturantes prolatadas por juízes tocantinenses, no qual impunham ao Estado do Tocantins uma obrigação já prevista constitucionalmente, porém, com o intuito de efetivar o comando constitucional.
Neste segmento, foi possível constatar uma maior aplicabilidade das políticas de saúde após o julgamento destas ações estruturantes, que viabilizaram um maior acesso à saúde à população tocantinense.
Assim sendo, é necessário que a população tenha um maior conhecimento de todos os mecanismos imprescindíveis para o acesso ao direito à saúde, sendo indispensável este estudo, ao passo que, proporcionará uma análise crítica com relação ao papel das ações estruturantes.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição Federativa do Brasil de 1988. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm. Acesso em: 17/04/22.
_______, Código de Defesa do Consumidor. LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078compilado.htm. Acesso em: 17/04/22.
________, Sistema único de saúde – SUS. LEI Nº 8.080, DE 19 DE SETEMBRO DE 1990. Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8080.htm. Acesso em: 17/04/22
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[1] Doutor em Direito pela UNESA-Rio. Mestre em Direito pela EPD-SP, Professor da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). Auditor do TCE-TO. E-mail: [email protected].
[2] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Bacharelando do Curso de Direito da Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS)/ Palmas – TO, Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAXWELL CAMPOS DE ARRUDA JúNIOR, . O processo coletivo estruturante na defesa do direito fundamental à saúde no Estado do Tocantins Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 set 2022, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59236/o-processo-coletivo-estruturante-na-defesa-do-direito-fundamental-sade-no-estado-do-tocantins. Acesso em: 22 nov 2024.
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