Dra. EMANUELLE ARAÚJO CORREIA [1]
(Orientadora)
Resumo: O presente artigo tem por desígnio compreender a nova modalidade de infração penal conhecida como “novo cangaço/neocangaço”, o qual está cada vez mais incidente nas manchetes nacionais, empregando métodos inspirados nas quadrilhas sertanejas que no primeiro semestre do século 20 atacaram pequenos núcleos urbanos, sendo mais conhecidos como os cangaceiros. Dessa maneira, a metodologia baseou-se na utilização do método bibliográfico integrativo, permitindo a pesquisa em doutrinas, jurisprudências, artigos científicos, espécies normativas e no Código Penal Brasileiro de 1940. Importante ressaltar que a temática é extremamente relevante, em virtude de ser uma modalidade de crime/delito que está crescendo no Brasil e traz efeitos nefastos para o Estado e sua população. A traz pesquisa como problemática: – Por que o “novo cangaço” ainda atua veemente no Brasil aterrorizando cidades interioranas e qual a efetividade do Projeto de Lei n.º 5365/20 diante deste? Sendo assim, como possível hipótese de que se faz necessário um rigor maior para combater tais crimes, sendo imprescindíveis planos estatais e ações públicas que visem majorar a segurança e evitar danos sociais e patrimoniais, para que assim possa chegar em um combate igualitário.
Palavras-chave: Ações Públicas. Novo cangaço. Projeto de Lei n.º 5365/20.
Abstract: The purpose of this article is to understand the new type of criminal offense known as “new cangaço/neocangaço”, which is increasingly in the national headlines, using methods inspired by the sertaneja gangs that in the first half of the 20th century attacked small urban centers. , being better known as the cangaceiros. In this way, the methodology was based on the use of the deductive method, allowing research into doctrines, jurisprudence, scientific articles, normative species and the Brazilian Penal Code of 1940. It is important to emphasize that the theme is extremely relevant, as it is a modality of crime/crime that is growing in Brazil and has harmful effects on the State and its population. A brings research as a problem: - Why does the "new cangaço" still act vehemently in Brazil terrorizing inland cities and what is the effectiveness of Bill No. 5365/20 before it? Therefore, as a possible hypothesis that greater rigor is needed to combat such crimes, state plans and public actions are essential to increase security and avoid social and property damage, so that it can reach an egalitarian fight.
Keywords: New cangaço. Public Actions. Bill No. 5365/20.
Sumário: 1 Introdução. 2 O “novo cangaço”, sua relação com o passado e como suas ações apavoram pequenos núcleos em toda a sua integralidade. 3 Na ausência de enquadramento penal especifico, de que forma tais condutas devem ser amoldadas aos tipos penais vigentes.. 4 A proposta legislativa de n.º 5365/20 de criação de um tipo penal específico destinado a criminalizar o denominado “novo cangaço. 5 Considerações Finais.
Entre as décadas de 1920 e 1930, o líder do bando de cangaço mais famoso: Virgulino Ferreira da Silva, o “Lampião”, atuou veementemente nas pequenas cidades e vilas, realizando vários ataques que traziam em suas raízes, fortes semelhanças aos crimes praticados atualmente. Dessa forma, as sequelas calamitosas a época do cangaço nordestino que culminaram em tanta violência nos locais de menor proporção territorial, acarretaram em vários reflexos nos tempos atuais. Neste sentido, os Estados sofrem com as ações paralelas às do grupo de bandoleiros citados acima, em que há em suas particularidades e características o mesmo modus operandi destes, de maneira que essas ações hodiernas foram denominadas popularmente como o “novo cangaço”.
Neste viés, nos últimos tempos, o retorno das práticas criminosas direcionadas ao roubo de instituições bancárias se faz mais incidente no interior do Brasil. Os ataques empregando o uso de explosivos e a prática das ações do “neocangaço” arrancam a paz e tranquilidade dos núcleos urbanos. Diante disso, os delitos do “cangaço atual” causam grandes danos patrimoniais e colocam a incolumidade pública sempre em elevada monta. Entretanto apesar de ser algo tão preocupante, em relação a tipificação e o enquadramento penal específico, ainda são alvos de extrema discussão, no tocantes aos doutrinadores e posições da Jurisprudência. Uma vez que, por um lado adota-se a teoria da consunção/absorção e por outro não há essa aplicação, por entenderem que os crimes praticados no “novo cangaço” tutelam bens jurídicos dicotômicos.
Em vista de tais mazelas, o Projeto de Lei n.º 5365/20 de autoria principal o Deputado Federal Ubiratan Antunes Sanderson (Partido Liberal/PL-RS), foi criado para que fosse implementado o artigo 157-A no segundo capítulo do Código Penal e para alterar a Lei de Crimes Hediondos, acrescentando ao seu artigo 1º o inciso X, enquadrando o crime de “domínio de cidades” ( também conhecido por “novo cangaço ”-popularmente), o Projeto possui como finalidade tornar a pena de tal crime mais severa e estabelecer uma classificação rigorosa, objetivando aumentar a segurança da população.
O presente trabalho tem como objetivo geral compreender as implicações penais e as propostas de enquadramento criminal das condutas delituosas popularmente denominadas como “novo cangaço” (neocangaço), com ênfase no projeto de Lei nº 5365/20, esclarecer, por meio científico, o papel do Estado no combate a essas quadrilhas, além de encontrar os fatores que corroboram com a crescente incidência das ações dessas quadrilhas.
Para isso, serão delineados os seguintes objetivos específicos: Entender a definição do “novo cangaço” sua relação com o passado e como suas ações apavoram pequenos núcleos em toda a sua integralidade, verificar, na ausência de enquadramento penal específico, de que forma tais condutas devem ser amoldadas aos tipos penais vigentes e apresentar a proposta legislativa de n.º 5365/20 de criação de um tipo penal específico destinado a criminalizar o denominado “novo cangaço.
Para tanto, iremos dividir o trabalho em três capítulos: no primeiro, busca-se estudar as principais características do “neocangaço” e a sua inter-relação com o “antigo cangaço”, os quais assolaram os menores territórios do país, além de entender quais as semelhanças no tocante as suas configurações, premeditações e resultados. Ainda neste capítulo, será exposto a relevância desses crimes diante da sociedade, apresentando o pavor que ocasionam e quais são as formas de represália efetuadas pelo Estado.
O segundo capítulo apresentará as divergências doutrinárias e jurisprudenciais sobre a ausência de enquadramento penal específico na legislação brasileira em relação ao “novo cangaço”, de que forma tais condutas devem ser amoldadas aos tipos penais vigentes, além de abranger alguns outros pontos importantes à verificação de deficiência na legislação especifica que capitule os furtos com o uso de explosivos.
E por fim, teremos o terceiro capítulo, o qual irá trazer uma maior especificação a respeito do Projeto de Lei n.º Lei 5365/20, do deputado Sanderson (PL-RS) em que tipifica e torna hediondo o crime de “domínio das cidades”, também chamado como o “novo cangaço”, além disso, neste capítulo serão apresentadas opiniões frente ao Projeto de Lei no que toca a sua eficácia e críticas.
A escolha do tema objeto deste artigo se deu em razão das questões envolvendo a segurança pública da coletividade, em especial, enfatizando sobre os tão difundidos roubos a bancos que vêm perpetuando e alcançando pequenos municípios em todo o Brasil, de maneira assustadora à população.
Dessa forma, neste trabalho objetiva-se a compreensão dos crimes/delitos praticados pelo “novo cangaço”, quais seus efeitos para a sociedade e para o aparato estatal e como suas ações são enquadradas penalmente tendo por fim um maior detalhamento do Projeto de Lei n.º 5365/20.
O movimento dos cangaceiros surgiu no sertão nordestino no final do século XIX e início do século XX (SOUZA, R. 2022). Como lembrou Souza, F. (2022), mais precisamente entre 1920 e 1930, o líder do grupo de cangaço mais famoso foi: Virgulino Ferreira da Silva, apelidado como o "Lampião”. O cangaceiro ante citado, segundo Lima (2022), foi tão cruel que não se tem conhecimento de nenhum outro criminoso que tenha minado tanta violência por tanto tempo, com tanto sucesso em toda a história brasileira, sendo 16 anos em que Virgulino Ferreira da Silva terrificou os sertões, sua morte, em 28 de julho de 1938; assinalou o fim de uma era que definiu os sertões socialmente e até esteticamente.
Os cangaceiros eram conhecidos por suas roupas de couro e armas acorrentadas ao corpo, roubaram cidades e provocaram as autoridades, usando agressão extrema, incluindo sequestro e estupro. Nas raízes do cangaço original que consagrou figuras como Lampião na história do país, há também um elemento de revolta contra o poder social e a injustiça social no Nordeste.
Em vista disso, esses efeitos nefastos sentidos a época do Cangaço nordestino que evidenciaram violência nos pequenos núcleos, trouxe reflexos hodiernos na população. Nesta feita, atualmente, os Estados vêm minutando ações análogas às do século passado em que possui em sua essência o mesmo modus operandi dos cangaceiros do início do século XX, em virtude de tais semelhanças, a mídia começou a denominar essas ações de o “novo cangaço”, com imagens e vídeos impressionantes, mas com técnicas já ultrapassadas.
De acordo com o site Estado de Minas Gerais (2021), o chamado "Novo Cangaço" surgiu no final da década de 1990 com gangues, as quais começaram a avançar contra os municípios nordestinos (com menor incidência de polícia), roubando bancos e veículos armados. O principal diretor de "Novo Cangaço" foi José Valdetario Beneveldez Carneiro, que dirigiu vários filmes em todo o estado do Rio Grande do Norte - em 2003 e morreu em confronto com a polícia.
Os “cangaceiros modernos” registram ataques desde 2006, com maior acréscimo no número de casos a partir de 2009, com a presença de quadrilhas armadas em praticamente todos os estados do país. Em 2014, 155 ataques foram gravados, segundo o Madeiro (2014) em matéria para o site UOL.
A cinematografia divulgada durante um assalto ao banco em Criciúma/SC ganhou manchetes em todo o mundo, em conformidade Borges (2021) cita que um total de R$ 125 milhões de reais foi levado pelos criminosos, o movimento contou com dezenas de criminosos usando colete a prova de balas, armados com granadas, fuzis, bazuca e uma arma capaz de destruir e derrubar até mesmo pequenas aeronaves.
Expõe Souza, F. (2021) que as ações do “neocangaço” abrangem mais do que o dinheiro em si, sendo que os delinquentes buscam chocar a população e causar um impacto psicológico, social, visual e sonoro durante os mega assaltos. Do mesmo jeito que o bando de “Lampião” orquestrava, porém com uma escala diferente.
Entre muitas outras, foram identificadas como características de destaque das gangues do “novo cangaço”: governança estrutural, organização empresarial, motivação clara de lucro, uso de tecnologias avançadas, divisão efetiva do trabalho, conexão estrutural ou funcional com o poder social e/ou político, alto potencial de ameaça, alto potencial de fraude, conexões locais, regionais, nacionais ou internacionais com outras organizações, conhecimento da região uso de armamentos pesados, demonstração de poder através de ações abertas e violentas, estrutura de lavagem de dinheiro e ocultação de bens etc.
O escritor Feltran (informação verbal)[2], autor no livro “Irmãos uma história do PCC”, explicou o porquê desse tipo de ação está crescendo agora. Segundo o autor, parte disso se deve a organização criada pelas facções criminosas, principalmente dentro dos presídios, onde elas são formadas e se estruturam. Para o escritor, nos últimos 40 anos, o sistema brasileiro tem apresentado uma única filosofia para a segurança pública: segurança pública igual a polícia ostensiva. Logo, o último fim de qualquer ação de segurança seria a prisão de pessoas, pequenos conflitos tratados com encarceramento, grandes conflitos abordados também com encarceramento, tendo como consequência fundamental e lógica: o encarceramento. Em geral, os pequenos operados do mercado aprisionados e a cadeia funcionando como faculdade do crime. Sendo assim, não por acaso de dentro das cadeias se fortaleceram as principais facções do país e dos Estados, reagindo claramente a essa política, aplicando uma técnica de guerra em que não há assimetria de poder de fogo, havendo grande desproporção no uso da força. À vista disso, é de dentro das cadeias que saem boa parte das ações como essas que levam medo as cidades.
Segundo o Professor Doutor Rogério Greco:
É do conhecimento de todos que também o foco criminoso dessas facções se adapta às suas necessidades, procurando sempre praticar as infrações penais que lhes sejam mais lucrativas. No final da década de1980 e início da de 1990, nosso problema maior era com as extorsões mediante sequestro, daí o surgimento da Lei n º 8.072/90, que teve como mola propulsora os sequestros dos empresários Abílio Diniz e Roberto Medina. Os roubos a bancos e a carros-fortes também sempre estiveram presentes. Já há alguns anos, esses grupos criminosos se especializaram em furtos e roubos a caixas eletrônicos. Ultimamente, como forma estratégica de cometimento desses últimos crimes, principalmente do roubo de caixas eletrônicos em agências bancárias, surgiu o Novo Cangaço[3].
O “novo cangaço” tal como acontecia no passado, continua causando impactos emocionais nos cidadãos, gerando transtornos pós-traumáticos, além de destruir propriedades, bens públicos e privados, incutindo o medo na sociedade e colocando em cheque a atuação das polícias, desestruturando não só a segurança pública, mas também a economia popular.
Sabe-se que o Brasil é um país que ainda demanda de programas e planos pertinentes em relação à segurança da coletividade, ainda mais quando discute-se em quantidade numérica de policiais nas áreas mais afastadas das metrópoles, ou quando abre-se discussão no tocante ao o leque de especializações e oportunidades para qualificação e capacitação dos agentes policiais.
Existem relatos de que em algumas cidades menores, há apenas um brigadiano de serviço por turno - o que se torna contrário aos padrões de segurança operacional, preocupando os próprios policiais e gerando insegurança em comunidades inteiras. Um levantamento inédito da Federação de Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs) revela que 78% das 238 prefeituras que responderam a um questionário sobre o tamanho do trabalho efetivo da BM (Brigada Militar) não contam com militares suficientes para manter ao menos uma dupla de serviço todo o tempo. Segundo o jornalista Gonzatto (2015) nos últimos anos, a vulnerabilidade dos pequenos municípios atraiu assaltantes que atacam bancos com o uso de dinamite e armamento pesado.
Além disso, pouco se fala sobre a escassez em relação ao investimento na capacitação dos agentes policiais, que são responsáveis pelo patrulhamento e linha de frente nos combates, os quais necessitam de uma maior preparação seja física, psicológica ou bélica.
Desse modo, como o poder bélico desses malfeitores é enorme, não há uma paridade de armas, consequentemente não abre-se espaço para que haja um combate igualitário, impossibilitando o combate; e caso ocorra o confronto, provavelmente terá como resultado uma tragédia espantosa com muitas mortes e destruição na cidade. Isto posto, como observado acima, maior do que o armamento, as quadrilhas possuem um planejamento intrinsicamente invejável, encenando e preparando meses e meses uma operação, a fim de que todos os possíveis problemas possam ser rapidamente contidos.
Dessa maneira, uma forma para que se obtivesse um combate um pouco mais assíduo e paritário, seria unir as instituições policiais (militar, civil e federal) mais precisamente as equipes da inteligência policial com as equipes de combate, a fim de que buscasse identificar, compreender, traças rotas e desvendar aspectos camuflados de atos criminosos que possivelmente seriam complexos de diagnosticar em uma só equipe com o intuito de prevenir ações futuras e agir de forma mais concentrada e perspicaz. Por conseguinte, torna-se imprescindível uma maior aplicação de recursos e esforços para que tais servidores sejam melhores instruídos e possam ter ao seu dispor não só um arsenal forte e robusto, mas também uma maior efetividade da inteligência policial.
Ademais, sabe-se também que no âmbito jurídico não se tem, ainda, ao menos uma lei exclusiva com um artigo específico em que discorra sobre a definição dos crimes praticados no “neocangaço” tornando difícil o enquadramento penal de tais condutas. Assim, o segundo capítulo possui a intenção de discutir acerca das correntes a respeito da tipificação penal dos agentes que utilizam explosivos para a subtração de valores, de forma que também será analisada a alteração na legislação penal em relação aos crimes de roubo e furto, visando uma demonstração das aplicações adotadas pelo Direito Penal.
Os delitos praticados no “cangaço atual” causam grandes danos patrimoniais e colocam a incolumidade pública sempre em elevada monta. “Nesta perspectiva a doutrina e jurisprudência têm discutido a respeito da correta tipificação penal da conduta de agentes que explodem caixas eletrônicos e correspondentes bancários para furtar valores”. (SILVA, 2019). Entretanto a definição de “organização criminosa” ainda é um conceito vazio, aberto e poroso.
De acordo com a Lei Nº 12.850/2013 em seu artigo 1º §1º e §2º, in verbis:
Art. 1º Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1º Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
§ 2º Esta Lei se aplica também:
I - às infrações penais previstas em tratado ou convenção internacional quando, iniciada a execução no País, o resultado tenha ou devesse ter ocorrido no estrangeiro, ou reciprocamente;
II - às organizações terroristas, entendidas como aquelas voltadas para a prática dos atos de terrorismo legalmente definidos. (Redação dada pela lei nº 13.260, de 2016).
Com efeito, o conceito do crime de Organização Criminosa é previsto na Lei n° 12.850/2013. Em síntese, para configuração de organização criminosa, é necessária a presença dos seguintes elementos: associação de mais de quatro pessoas; estrutura ordenada; divisão de tarefas; intento de obter vantagem de qualquer natureza; a prática de infrações penais máximas cuja pena seja maior que quatro anos ou de caráter transnacional.
Guilherme de Souza Nucci explica da seguinte forma:
Sob outro prisma, não se pode escapar da etimologia do termo organização, que evidencia uma estrutura ou um conjunto de partes e elementos, devidamente ordenado e disposto em bases previamente acertadas, funcionando sempre com um ritmo e uma frequência ponderáveis no cenário prático. Em suma, cuida-se da associação de agentes, com caráter estável e duradouro, para o fim de praticar infrações penais, devidamente estruturada em organismos pré-estabelecido, com divisão de tarefas, embora visando ao objetivo comum de alcançar qualquer vantagem ilícita, a ser partilhada entre os seus integrantes. (NUCCI, Leis Penais e Processuais Comentadas, 2018, p. 770).
Assim, ao estudar os crimes praticados no “novo cangaço”, sua atuação e onde são seus maiores alvos demonstrou-se alguns motivos do seu avanço. Além da precariedade na segurança pública apresentada no capítulo anterior, acredita-se que a legislação brasileira é omissa em relação as condutas realizadas pelos novos bandoleiros havendo duas correntes em relação a aplicação do Código Penal nas condutas do “neocangaço”.
Nesta perspectiva, o problema basilar com a performance de tais quadrilhas que atuam no “novo cangaço”, é a flexibilização da lei. A chamada violência real contra terceiro acaba se responsabilizando pelo furto profissional, por outro lado, o porte ilegal de armas torna-se um caso de confisco, ou seja, a organização não está em crime, sendo apenas uma causa de aumento em relação ao uso de explosivos.
Diante do atual cenário, a Lei nº 13.654, de 23 de abril de 2018, alterou a redação do artigo 155 (Furto) em seu §4º-A e §7º e o Art. 157 (Roubo) em seu §2º; §2º-A e §3º, ambos do Código Penal, com o intuito de majorar a segurança nas instituições financeiras, que dispõe sobre os crimes patrimoniais de furto qualificado e de roubo quando envolvam material explosivo.
Antes de entrar em vigor, na Lei nº 13.654/2018, os doutrinadores e a Jurisprudência asseguravam o entendimento que o crime de explosão a caixas eletrônicos para a subtração de valores seria resguardo nos artigos 155, § 4º, IV e artigo 250 e 251, § 2º, c/c o artigo 70, segunda parte ambos do Código Penal sendo, incabível a incidência do princípio da consunção, por atingir bens jurídicos distintos. Á medida que o crime de furto atinge o patrimônio da instituição financeira, o delito de explosão atinge a incolumidade pública.
Furto
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
(...)
§ 4º - A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido:
(...)
IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. (BRASIL, Código Penal, p. 398, 2020)
Art. 250 [...]
Aumento de pena
§ 1º - As penas aumentam-se de um terço:
I - se o crime é cometido com intuito de obter vantagem pecuniária em proveito próprio ou alheio. (BRASIL, Código Penal, p. 406, 2020)
Art. 251 - Expor a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem, mediante explosão, arremesso ou simples colocação de engenho de dinamite ou de substância de efeitos análogos:
[...]
Aumento de pena
§ 2º - As penas aumentam-se de um terço, se ocorre qualquer das hipóteses previstas no § 1º, I, do artigo anterior, ou é visada ou atingida qualquer das coisas enumeradas no nº II do mesmo parágrafo. (BRASIL, Código Penal, p. 406, 2020)
Art. 70 - Quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não, aplica-se-lhe a mais grave das penas cabíveis ou, se iguais, somente uma delas, mas aumentada, em qualquer caso, de um sexto até metade. As penas aplicam-se, entretanto, cumulativamente, se a ação ou omissão é dolosa e os crimes concorrentes resultam de desígnios autônomos, consoante o disposto no artigo anterior. (BRASIL, Código Penal, p. 389, 2020)
Nesta seara, a visão era que o crime em destaque avançaria contra bens jurídicos múltiplos, inexistindo a possibilidade de atribuir uma única intenção aos agentes, porquanto não se absorveria os crimes de explosão para o rompimento de obstáculos e o crime de furto qualificado, não havendo aplicação do princípio da consunção/absorção uma vez que o furto estaria entre os crimes que protegem o patrimônio e o crime de explosão estaria entre os que resguardam a incolumidade pública, a ordem e a paz. Portanto, o que existia era o concurso de crimes por serem tipos penais que tutelam bens jurídicos diversos.
Esse entendimento foi muito bem explanado no Julgamento do Recurso Especial pelo Superior Tribunal de Justiça. Veja:
FURTO QUALIFICADO. [...] EXPLOSÃO. CONSUNÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. OFENSA A BENS JURÍDICOS DISTINTOS DO DELITO DE FURTO. [...] 3. Demonstrado que a conduta delituosa expôs, de forma concreta, o patrimônio de outrem decorrente do grande potencial destruidor da explosão, notadamente porque o banco encontra-se situado em edifício destinado ao uso público, ensejando a adequação típica ao crime previsto no art. 251 do CP, incabível a incidência do princípio da consunção. 4. Infrações que atingem bens jurídicos distintos, enquanto o delito de furto viola o patrimônio da instituição financeira, o crime de explosão ofende a incolumidade pública. 5. Recurso especial e agravo em recurso especial improvidos. (STF - HC: 152636 SP - SÃO PAULO 0065181-29.2018.1.00.0000, Relator: Min. LUIZ FUX, Data de Julgamento: 21/05/2018, Data de Publicação: DJe-100 23/05/2018, grifo do autor).
Nesta senda, tem-se que ambos os delitos foram praticados de forma independente e com dolos distintos. De acordo com uma interpretação valorativa, os delitos indicados na denúncia são autônomos, tutelares de bens jurídicos diversos: o furto tutela o patrimônio; a explosão a incolumidade pública.
Entretanto, segundo Silva (2019) com a nova alteração no crime de furto, Lei nº 13.654/2018, o concurso formal impróprio, com somatório de penas, deixa de existir por haver previsão específica no artigo 155, § 4º-A, em que utiliza-se do princípio da consunção absorvendo o crime-meio (explosão do caixa) pelo crime-fim, configurando a qualificadora do rompimento do obstáculo, sendo condito no art. 155, § 4º, I do Código Penal (furto qualificado pelo rompimento de obstáculo à subtração da coisa). In verbis:
Furto
Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
(...)
§ 4º - A pena é de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, se o crime é cometido:
I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; (BRASIL, Código Penal, p. 398, 2020)
Tem-se como um brilhante exemplo os argumentos citados pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Mato Grosso:
APELAÇÃO – FURTO QUALIFICADO, EXPLOSÃO E PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO (ART. 155, § 4º, INC. I, VI, C/C ART. 251, § 2º, DO CP C/C ART. 14, LEI 10.826/03)– IRRESIGNAÇÃO DEFENSIVA DE DOIS CONDENADOS – 1.0. [...] – 1.2. PROVIDÊNCIA, DE OFÍCIO, PARA APLICAR O PRINCIPIO DA CONSUNÇÃO - FURTO QUALIFICADO QUE ABSORVE O CRIME DE EXPLOSÃO - [...] 2.2. - DE OFÍCIO, APLICAÇÃO DO PRINCIPIO DA CONSUNÇÃO EM QUE O CRIME DE EXPLOSÃO É ABSORVIDO PELO FURTO QUALIFICADO – [...] É necessária a aplicação do princípio da consunção entre os crimes de furto qualificado e explosão, se o segundo considerado como crime-meio, foi praticado com o fim único de possibilitar a prática da subtração, crime-fim. (...). Se o crime de explosão foi praticado com o objetivo de romper obstáculo para a subtração da coisa visada a que foram os acusados condenados, revela-se como crime-meio e se assim é, necessária a aplicação do princípio da consunção com a consequente absolvição do apelante quanto ao crime-meio. (Ap 17489/2014, DES. RONDON BASSIL DOWER FILHO, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Julgado em 30/09/2014, Publicado no DJE 09/10/2014) (TJ-MT - APL: 00001145720128110091 17489/2014, Relator: DES. RONDON BASSIL DOWER FILHO, Data de Julgamento: 30/09/2014, PRIMEIRA CÂMARA CRIMINAL, Data de Publicação: 09/10/2014)
Neste caso, conforme decisão neste julgado do TJMT, se fez necessária a aplicação do princípio da consunção entre os crimes de furto qualificado e explosão, pois o considerou-se o segundo como crime-meio, praticado com o fim único de possibilitar a prática da subtração, crime-fim. Dessa maneira, no atual contexto, o agente que comete furto mediante explosão para subtração de valores possui pena inicial de quatro (04) anos, por ter previsão específica no artigo 155, § 4º-A de acordo com a Lei 13.654/18, logo, não haverá concurso de crimes, pois caso houvesse incidiria no princípio do bis in idem.
Nesta senda, de acordo com Silva (2019) verifica-se que ocorreu uma incoerência ao inserir o novo § 4º-A com o propósito de ampliar a pena dos agentes que utilizavam explosivos para a subtração de valores, pois o novo parágrafo tornou mais branda a pena, de maneira que segundo apontamentos, torna-se um erro de elevação grave do legislador.
Compreende-se que as ações do “novo cangaço” podem ser tipificadas rigorosamente por lei, por meio do uso de sanções efetivas, com o objetivo de retroalimentar a prevenção geral, e permitir mudanças em sua abordagem, a fim de manter a ordem e fornecer segurança social. É neste sentido que o terceiro capítulo traz uma maior elucidação a respeito do Projeto de Lei n.º 5365/20, o qual possui como objetivo a tipificação das ações do “novo cangaço” e traz penalidades maiores a tal delito.
O Projeto de Lei 5365/20 tipifica as ações do chamado “novo cangaço” e está atualmente guardando Apreciação pelo Senado Federal.
O projeto tem como autoria os Deputados Federais Ubiratan Antunes Sanderson (Partido Liberal/PL-RS), e coautoria a Deputada Fabiana Silva de Souza (Partido Liberal/PL -RJ) e o Deputado Aluísio Guimarães Mendes Filho (Partido Social Cristão/PSC-MA). Em sua ementa, alterará o Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, para tipificar o crime de “Domínio de Cidades”, e alterará a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 - Lei de Crimes Hediondos.
Diante do cenário do delito aqui identificado como “novo cangaço”, o especialista Ricardo Matias Rodrigues desenvolveu-se um conceito inicial sobre o assunto:
Domínio de Cidades como sendo uma nova modalidade de conflito não convencional, tipicamente brasileiro e advindo da evolução de crimes violentos contra o patrimônio, na qual grupos articulados compostos por diversos criminosos, divididos em tarefas específicas, subjugam a ação do poder público por meio do planejamento e execução de roubos majorados para subtrair o máximo possível de valores em espécie e/ou objetos valiosos e/ou o resgate de detentos de estabelecimentos prisionais, utilizando ponto de apoio para concentração dos criminosos, artefatos explosivos, armas portáteis de cano longo e calibre restrito e, veículos potentes e blindados, rotas de fuga predeterminadas, miguelitos, bloqueio de estradas, vias e rodovias com automóveis em chamas, além da colaboração de olheiros. (RODRIGUES, 2020, p. 64).
Ainda sobre este tema, em sua justificativa do Projeto de Lei, apresenta-se que:
A modalidade que se pretende positivar, batizada de Domínio de Cidades, certamente está num patamar mais elevado, extremamente impactante e mais devastador do que um roubo com as suas devidas qualificadoras. (SANDERSON, 2020).
Percebe-se que a titulação de “novo cangaço ou neocangaço” passa a ter ainda mais um sinônimo: “domínio de cidades”.
Assim, de acordo com o Projeto 5365/20 o segundo capítulo do Código Penal, conterá na modalidade de Crimes contra o Patrimônio um novo artigo sendo este o 157-A denominado como crime de “domínio de cidades” equivalente ao “novo cangaço ou neocangaço”, o qual teria em sua redação criminalizar ações que realizassem bloqueio total ou parcial de qualquer uma das vias de tráfego, sejam elas terrestres ou aquaviário, além de estruturas físicas das forças de segurança pública, a fim de que evitasse ou retardasse a aproximação do poder público, essas atuações deveriam ter o emprego de armas de fogo e/ou de equipamentos destinados ao uso das pelas forças de segurança pública e deveriam ter como finalidade praticar crime contra o patrimônio.
Desse modo, considerando os fatos acima discorridos, para tal delito, a pena seria de reclusão, de 15 (quinze) a 30 (trinta) anos, o que pode-se notar: penas com uma incidência de alto grau- o que implicaria em uma classificação de crime com maior potencial ofensivo ao artigo 157-A, tendo em vista todas as suas características já relatadas, além de sua execução (modos operandi), suas sequelas deixadas para a sociedade e implicações ao Estado como um todo.
Além disso, a pena seria acrescentada em 1/3 (um terço) se o agente fizesse o uso de dispositivos explosivos e/ou viesse a capturar reféns com o objetivo final de reduzir a chance de ação do Estado (leia-se agentes de segurança pública) contra tal delito, ainda, neste panorama também haveria a soma de 1/3 na pena, se o criminoso atacasse as instalações dos prédios públicos ou privados, com destruição total ou até mesmo parcial.
Já em seu inciso terceiro o aumento seria em razão da inabilitação total ou em parte, acerca das estruturas de transmissão de energia e/ou de telefonia, por conseguinte em seu inciso quarto, a majoração de 1/3 seria por usar aeronaves ou outro equipamento tendo como finalidade a promoção no que diz respeito ao plano aéreo que estivesse em conluio com a atividade realizada no solo.
Como continuação, no inciso quinto do artigo 157-A do Projeto de Lei 5365/20, poder-se-ia acrescentar a sanção penal no caso do agente vir a praticar qualquer das condutas tipificadas no caput, tendo como meta deixar o ambiente da fuga de estabelecimento prisional mais propício. O artigo 157-A conteria ainda o § 2º, o qual traz consigo as consequências do delito.
Tais saldos, decorrentes do §2º, são: os episódios em que possam vir a resultar uma lesão corporal grave, em que, nesta situação; a pena será de reclusão, de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos e multa ou ainda se a conjuntura ficar ainda mais crítica- tendo como decorrência a morte, a sanção penal aplicada será também uma pena de reclusão, porém neste caso de 20 (vinte) a 40 (quarenta) anos, e multa.
Sob outro viés, o PL 5365/20 também modificaria a Lei nº 8.072/90 - Lei de Crimes Hediondos, acrescentando ao seu artigo 1º o inciso X, enquadrando o crime de domínio de cidades como crime hediondo, tornando assim mais complexa as questões relativas a execução penal, como por exemplo: percentuais para progressão de regime dos condenados, livramento condicional, comutação e indulto.
De acordo com o esclarecimento de Sanderson (2022) o texto cria um novo crime para uma situação que tem atingido o Brasil por completo, sendo um dos objetivos do Projeto de Lei criar um novo “tipo penal”, sendo esta a melhor prevenção encontrada neste momento. Então, o Projeto de Lei 5365/20, criminaliza as atividades centrais do crime de furto, na medida que os criminosos venham a atingir o seu objetivo final: os cofres de alto valor.
Contudo, o Projeto conta com algumas críticas. Para o deputado Célio Moura, a proposta precisa ser discutida pelos deputados antes de ir a voto. Segundo ele: “Não adianta apenas aumentar a pena se não houver um projeto de segurança pública para o país” (MOURA, 2022). Seguindo uma mesma lógica:
Ademais, o lapso de penas previsto ao novo injusto já é preocupante [...] O próprio homicídio simples possui penas menores (26 anos) e, mesmo em sua modalidade qualificada, parte de patamar inferior ao "domínio de cidades" (12 a 30 anos). A mensagem do legislador é bastante clara: é mais grave empreender atentado ao cofre de um banco do que assassinar um cidadão com emprego de tortura, por exemplo (artigo 121, §2º, III, CP). Ademais, já existem em nosso Código Penal crimes prevendo altas punições às prática decorrentes do "novo cangaço", que podem ser tipificadas como roubo qualificado [...] Nesses casos, é alcançada com facilidade a pena de 30 anos de reclusão. Ademais, também incide o "novo cangaço" o crime de organização criminosa, conforme previsto na Lei nº 12.850/2013, podendo ser acrescido mais dez anos, aproximadamente, às sanções do roubo qualificado. [...] Ou seja, se a eficiência do problema do combate ao novo cangaço estivesse contida no risco de os criminosos serem submetidos a sanções imensas, esse fenômeno já não ocorreria no atual cenário legal. [...], a proposta de alteração do Código Penal não apenas é inócua para a prevenção e repressão do "novo cangaço" como, inclusive, representa a inserção de crime bastante aberto e com penas desproporcionais aos demais delitos já existentes, transpassando perigoso recado ao cidadão de que sua vida vale menos do que valores bancários. Por isso, o projeto foca no problema errado: não se combaterá o fenômeno com penas altíssimas (ora, elas já existem!), mas sim, fortalecendo os instrumentos de inteligência, investigação e prevenção material contra esses sofisticados delitos. (ARIANO, 2022, grifo da autora)
Neste diapasão, o que observa-se é uma grande discussão tanto acerca da tipificação penal (como abordado no capítulo anterior) quanto a respeito do posicionamento do Projeto de Lei n.º 5365/20. Conforme dita Ariano (2022) o Projeto traz uma pena dura e um rol aberto em relação as ações entabuladas no artigo 157-A, indo além da impositiva do "domínio sobre as cidades”.
Ademais, o novo crime do Projeto de Lei apresenta circunstâncias alusivas e fictícias, de maneira que acarreta um grau enorme de sofisticação delitiva. Há situações em que o entendimento em relação a periculosidade e a reprovação social ultrapassam a normalidade, como por exemplo no caso de “[...] assaltante que, para ingressar em uma loja de conveniência, impeça o avanço dos policiais sobre si com a ameaça de revolver. [...]” (ARIANO, 2022).
Observa-se que nesta exemplificação o agente não estaria necessariamente cometendo o crime do “domínio de cidade”, mas que se encaixaria nas qualificadoras – de acordo com o Projeto de Lei 5365/20 - pois, realizou o bloqueio do estabelecimento, colocou em jogo a segurança pública, a fim de que evitasse a aproximação do poder público, além de utilizar arma de fogo, o que implicaria da aplicação de uma pena muito mais grave ao crime, do que realmente é.
O legislador precisa tomar o máximo de cuidado, reportando-se ao equilíbrio e ao nível de desaprovação moral fortemente observado. A punição não pode ser medida solitária, deve ser proporcional a outros crimes, vínculos e condutas que o jurista entenda serem mais graves do que outros, de maneira que não venha a incidir uma infração bagatelar imprópria (casos em que a pena é muito grave em relação ao fato ilícito).
Faz-se importante ressaltar as consequências que o delito “novo cangaço/neocangaço” acarretam, pondo em cheque todo o aparato estatal, além de evidenciar quais são realmente as medidas efetivamente cabíveis quanto a este, para que, posteriormente- não ocorra um enorme lapso em referência a quantificação das penas e suas aplicações.
Uma vez que, possa vir a deixar uma estrutura propícia a superlotações em cadeias, o que culminaria na alimentação dos crimes praticados fora dos muros do sistema prisional, visto que, as prisões são os “escritórios” para a estruturação de tais delitos, trazendo um efeito reverso ao que realmente queria se obter com a criação do tipo penal.
Diante de todo o exposto, observa-se o quanto este novo crime vai além das muralhas referentes ao de “aumento pena” ou a sua classificação em hediondo ou não. Se faz necessário, um estudo maior não só em relação a quantificação de penas e em suas consequências e reflexos, mas também em relação as políticas ativas estatais e dos orgãos responsáveis, de maneira que maiores investimentos sejam aplicados frente a inteligência policial, para que seja ofertado um combate paritário e para que possam enfim gerir segurança para a sociedade.
Isto posto, nota-se que apesar de existir uma grande discrepância no tempo, no tocante ao “velho cangaço” e ao “novo cangaço”, ambos trazem consigo o pavor e a violência para população, o “neocangaço” tal como acontecia no passado, continua causando impactos emocionais na sociedade, gerando transtornos pós-traumáticos, além de destruir propriedades e bens públicos e privados, gerando o medo nos cidadãos e colocando em cheque a atuação das polícias, sejam elas preventivas/ostensivas, judiciárias ou investigativas.
No discorrer do presente artigo, demonstrou-se que as quadrilhas são ligeiramente organizadas no que tange a funções e arquitetura dos crimes e que para um possível combate, que detenha a paridade de armas entre os delinquentes e os agentes policiais, é necessário que um maior investimento na inteligência policial. Ainda, importante mencionar que não ainda, ao menos uma lei exclusiva com um artigo específico em que discorra sobre a definição dos crimes praticados no “neocangaço” tornando difícil o enquadramento penal de tais condutas.
Percebe-se que existe uma grande divergência jurisprudencial e doutrinária assolam o sistema jurídica acerca da tipificação dos delitos praticados pelo “novo cangaço”, em que discute-se o uso ou não do princípio da consunção. Todavia, apesar de haver discussões, atualmente utiliza-se a aplicação de tal princípio citado acima, sendo condito no art. 155, § 4º, I do Código.
Como forma de tornar a penalização mais severa, surge o Projeto de Lei 5365/20, o qual traz uma tipificação e um conceito as ações do chamado “novo cangaço” de autoria principal do Deputado Federal Ubiratan Antunes Sanderson (Partido Liberal/PL-RS), possuindo em sua ementa, alteração do Código Penal de 1940 para aderir um novo tipo penal: o crime de “Domínio de Cidades” do artigo 157-A, além de alterar a Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 - Lei de Crimes Hediondos tornando tal crime como hediondo.
Considera-se que o Projeto de Lei n.º Lei 5365/20, do deputado Sanderson (PL-RS) em que tipifica e torna hediondo o crime de “domínio das cidades” (“novo cangaço”) possui um objetivo complacente. Contudo, o legislador deve tomar cuidado, para que não venha a incorrer em uma vertente a qual não deveria incidir. Nesta senda, o Projeto de Lei n.º 5365/20 deve ser veementemente analisado, uma vez que a punição desses crimes, não pode ser medida solitária, deve ser proporcional a outros crimes, pensando nas consequências que a tipificação do crime “domínio de cidades” acarretam, pois as cadeias públicas são as estruturas propícias para na alimentação das grandes organizações criminosas e como consequência a alimentação dos crimes praticados fora do sistema prisional, trazendo um efeito reverso ao que realmente queria se obter com a criação do tipo penal.
Sendo assim, como melhor solução seria unir tanto os planos de ações da segurança pública nacional, utilizando-se de aplicação de capital principalmente na área da inteligência policial- objetivando a paridade de armas- quanto o Projeto de Lei n.º 5365/20 (sendo este revisado, como exposto acima), para que os delitos sejam combatidos de forma eficaz e os bens públicos sociais e patrimoniais sejam resguardados.
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ARIANO, Raul Abramo. Precisamos da criação de novo tipo de crime para reprimir o "novo cangaço"?. Disponível em https://www.conjur.com.br/2022-ago-18/raul-ariano-tipo-crime-cangaco. Acesso em 21 de setembro de 2022.
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[1] Coautora, docente da disciplina de Direito no Centro Universitário Católica do Tocantins, com graduação em Direito pela Faculdade UNIRG-TO; Especialização "lato-sensu" em Direito Processual Civil e Penal (2006) e em Direito Público (2007), pela Faculdade FESURV-GO; Mestrado em Direito pela Universidade de Marília-SP (2010), Doutorado em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Advogada no Estado do Tocantins e Professora no curso de Direito no Centro Universitário Católica do Tocantins. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Civil e Direito Processual Civil.
[3] GRECO, Rogério. Prefácio. Disponível em < https://caching.alfaconcursos.com.br/alfacon-production/previews/items/000/000/555/original/1005.0125_9788583395126_Teoria.pdf >
discente do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, RAYRA DANIELLE DE SOUSA. Condutas delituosas popularmente denominadas como “novo cangaço” (neo-cangaço), com ênfase no Projeto de Lei nº 5365/20 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 nov 2022, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59822/condutas-delituosas-popularmente-denominadas-como-novo-cangao-neo-cangao-com-nfase-no-projeto-de-lei-n-5365-20. Acesso em: 22 nov 2024.
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