ODI ALEXANDER ROCHA DA SILVA
(orientador/coautor)
RESUMO: O presente artigo propõe uma análise da legislação que define as Áreas de Preservação Permanentes – APPs em zona urbana consolidada, abordando a sua conceituação pelo Código Florestal e a extensão da faixa não edificável nos cursos d’agua urbanos, com enfoque no conflito de normas legais entre a Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano e o Código Florestal. Examinou-se a interpretação do tema pelo Superior Tribunal de Justiça, que ao enfrentar o tema adotou o critério da especialidade em favor do Código Florestal. Ao final foram analisadas as recentes alterações legislativas trazidas pela Lei nº. 14.285/2021, que modificou a redação do Código Florestal, estabelecendo que a largura das APPs nas cidades fosse definida por Lei municipal ou distrital, em flagrante inconstitucionalidade diante da limitação da competência legislativa do município para legislar em matéria ambiental e da competência legislativa definida pela predominância dos interesses, que reserva para a União a competência para legislar sobre as matérias de interesse nacional, que é o caso do direito ambiental, aos Estados, as de interesse regional, enquanto aos municípios tocarão as competências legislativas de interesse local.
Palavras-chave: Área, Preservação, Permanente, Zona, Urbana.
ABSTRACT: The present article proposes an analyse about the legislation wich defines the Areas of Permanent Preservation – APPs in consolidated urban zones, adressing the concepcition by the Florestal Code and the extension of the non-building shore zone in the urban water courses, with focus in the conflict between the Law of Use and Subdividion of Urban Soil and the Florestal Code. It’sexaminated the Superior Federal Court’s interpretation of the theme, that’s when facing the theme adopted the specialty criterion in favor of the Florestal Code. At the end were analysed the recentelegistative changes broutgh by the Law nº 14.285/2021, wichmodifacated the wording of Florestal Code, establishing that the width of APPs in the cities were definated by municipal or districtal law, in notourisunconstitutionalty in face of the limitation of legislative competence of the county to legislate about environmental issues and the legislative competence definated by the predominance of interests, wich reserves for the Union to legislate about federal interests issues, what is the case of the environmental law, for the States, the regional interests, while to the countys is reservated the legislative competences for local interest.
Key-words: Area, Preservation, Permanent, Zone, Urban.
1.INTRODUÇÃO
O ser humano é social por natureza, fato identificado pelo filosofo Aristóteles na antiguidade, para o qual ele "necessita de coisas e dos outros, sendo, por isso, um ser carente e imperfeito, buscando a comunidade para alcançar a completude. E a partir disso, ele deduz que o homem é naturalmente político" (CABRAL, 2022).
A natureza política do homem social sempre esteve em constante recriação, partindo do “estado de natureza”, definido por Hobbes como a convivência em sociedade organizada, formando inicialmente pequenos grupos que evoluíram para assentamentos urbanos complexos (CABRAL, 2022)
Vivemos o século das cidades (PEREIMA NETO, 2014), e o Brasil passa por um crescimento populacional expoente, com o brasileiro migrando para as grandes cidades, tendência global, com a perspectiva de que em 2050 70% da população mundial esteja vivendo em cidades (ONU, 2019) ².
O grande desafio da atualidade é possibilitar esse crescimento urbano com segurança ambiental, o que somente é possível com uma estrutura legal que possibilite o desenvolvimento econômico sustentável, cabendo a legislação estabelecer critérios que delimitem a organização dos núcleos de assentamento urbano, delimitando os espaços onde serão permitidos a ocupação e as áreas que devem ser preservadas.
Embora haja legislação especifica sobre espaços edificáveis e não edificáveis nos núcleos urbanos, há grande divergência no cenário nacional sobre qual regra seguir, isso costuma gerar grande instabilidade econômica e insegurança jurídica e ambiental.
O presente estudo, longe de esgotar o tema, objetiva uma análise sobre a legislação que define as regras de ocupação do solo em áreas de preservação permanente localizadas em zonas urbanas consolidadas; nossa perspectiva enfatizará a análise de um fenômeno de antinomia, no qual verificamos um conflito entre normas legais e a constitucionalidade da legislação que hoje trata da matéria, recentemente aprovada pelo Congresso Nacional.
2.ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE
Cabe a legislação ambiental a identificação das situações que conduzem as comunidades naturais a uma maior ou menor instabilidade, além de apresentar regras que possam prevenir, evitar e/ou reparar esse desequilíbrio (MACHADO, 2013, 63).
Nesse sentido, a preservação do meio ambiente ganhou especial proteção na Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988), que estabelece em seu artigo 225 que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Para garantir o desenvolvimento econômico e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto na Carta Magna de 1988 foi revisto o Código Florestal de 1964, que no ano de 2012 deu lugar a uma moderna legislação, também identificada como Código Florestal, que passou a delimitar quais seriam os espaços especialmente protegidos onde seria vedado a ocupação por moradias ou estabelecimentos comerciais e industriais, definidas como Áreas de Preservação Permanente (doravante aqui definidas como APPs).
A preocupação em preservar as APPs remonta ao primeiro quarto do Século XX, que na época foram defendidas como florestas protetoras pelo Decreto nº. 4.421/1921. Posteriormente o Código Florestal, implantado pela Lei nº 4.771/1965, estabeleceu o conceito de preservação permanente e definiu regras para sua efetividade.
Para Wacheleski (2009), na época da implantação do primeiro Código Florestal houve resistência dos proprietários rurais em relação a restrição ao uso econômico do imóvel rural:
Os proprietários de imóveis, em sua maioria, não acataram as restrições impostas pelo Novo Código Florestal. No que se refere a deixar significativo percentual da propriedade com cobertura florestal, os proprietários preferiram suprimir praticamente toda a vegetação, e em alguns casos, desflorestando inclusive as matas ciliares, que são as localizadas nas margens dos cursos de água e são hodiernamente definidas como área de preservação permanente (APPs), pois consideravam um sacrifício à propriedade e uma grade restrição ao uso econômico do imóvel rural (CNA, 1998).
O sentimento de limitação ao direito de propriedade ainda hoje é externado por proprietários urbanos e rurais, para os quais a propriedade é um direito fundamental estabelecido na Constituição Federal do Brasil e não pode ser limitado por legislação infraconstitucional.
Atualmente as APPs estão conceituadas no artigo 3º, inciso II, do Código Florestal, instituído pela Lei 12.651/12 (Código Florestal), como a sendo a "área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Já em seu artigo 4º, o Código Florestal considera como áreas de preservação permanente, sejam em zonas urbanas ou rurais, as faixas marginais com comprimento de 30 a 500 metros dos cursos d’água, as áreas no entorno dos lagos, nascentes, encostas com declividade superior a 45°, restingas, veredas, os manguezais, as bordas de tabuleiros, o topo dos morros, e as áreas com altitude superior a 1.800 metros em relação ao nível do mar.
A proteção especial de tais áreas se faz importante para preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade; desta forma, torna-se facilitado o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.
Ocorre que as ocupações urbanas formadas ao longo da história do Brasil, primeiramente com a formação das primeiras vilas e posteriormente com o estabelecimento de grandes cidades, não respeitaram os espaços não adequados para edificação, que foram ocupados indevidamente e acarretam vários problemas sociais e catástrofes decorrentes de inundações e soterramentos em edificações implantadas nas proximidades de cursos d’água urbanos e deslizamento de encostas de morros.
Com o objetivo de impedir as ocupações em áreas com características ambientais sensíveis e impróprias para assentamentos e construções urbanas foi implantada, ainda na década de 1970, uma lei que passaria a regular o uso e o parcelamento do solo urbano.
3.O USO E O PARCELAMENTO DO SOLO URBANO E AS AREAS URBANAS CONSOLIDADAS
A organização dos núcleos urbanos no Brasil se encontra regulamentada pela Lei 6.766/79, que trata do Parcelamento do Solo Urbano; este diploma legal dispõe que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão estabelecer normas complementares relativas ao parcelamento do solo municipal para adequar o previsto na referida Lei às peculiaridades regionais e locais.
A Lei nº 11.977/2009, em seu artigo 47, II, (atualmente revogado pela Lei n° 13.465/2017) foi o primeiro dispositivo legislativo a estabelecer os requisitos mínimos para que um assentamento humano possa ser considerado como área urbana consolidada.
Atualmente é o Código Florestal, alterado pela recente Lei Federal n.º 14.285/2021, que define em seu artigo 3º, inciso XXVI, que a área urbana consolidada como sendo aquela que se enquadra nos seguintes critérios:
· Estar incluída no perímetro urbano ou em zona urbana pelo plano diretor ou por lei municipal específica;
· Dispor de sistema viário implantado;
· Estar organizada em quadras e lotes predominantemente edificados;
· Apresentar uso predominantemente urbano, caracterizado pela existência de edificações residenciais, comerciais, industriais, institucionais, mistas ou direcionadas à prestação de serviços;
· Dispor de, no mínimo, 2 (dois) dos seguintes equipamentos de infraestrutura urbana implantados:
· Drenagem de águas pluviais;
· Esgotamento sanitário;
· Abastecimento de água potável;
· Distribuição de energia elétrica e iluminação pública; e
· Limpeza urbana, coleta e manejo de resíduos sólidos.
Cumpridos tais requisitos se impõe o reconhecimento do núcleo habitacional como sendo de área urbana consolidada.
Ao tratar das áreas de preservação permanente, a redação original da Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano definia como não edificável a faixa lateral de 15 metros de cada lado dos cursos d’água; e seguindo tal orientação os órgãos municipais aprovaram inúmeros projetos de uso e parcelamento do solo urbano, que se encontram atualmente implantados como áreas urbanas consolidadas.
4.O CONFLITO DE NORMAS EM RELAÇÃO ÀS APPS EM ÁREAS URBANAS CONSOLIDADAS
Como vimos acima, a Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano definia como não edificável a faixa lateral de 15 metros de cada lado dos cursos d’água e o Novo Código Florestal de 2012, em seu artigo 4º, exige que nas áreas de preservação permanente localizadas em zonas urbanas ou rurais sejam preservadas as faixas marginais na largura de 30 a 500 metros dos cursos d’água
Já o § 9º mesmo artigo 4º, define que nas áreas urbanas, assim entendidas as áreas compreendidas nos perímetros urbanos definidos por lei municipal, e nas regiões metropolitanas e aglomerações urbanas, as faixas marginais de qualquer curso d’água natural que delimitem as áreas da faixa de passagem de inundação terão sua largura determinada pelos respectivos Planos Diretores e Leis de Uso do Solo, ouvidos os Conselhos Estaduais e Municipais de Meio Ambiente.
Havia clara antinomia jurídica, entre a redação do Código Florestal e a Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano.
A antinomia, na lição de TARTUCE, (2020, pag. 45) é a presença de duas normas conflitantes, validas e emanadas de autoridade competente, sem dizer qual delas merece aplicação em determinado caso concreto. E o chamado aparente conflito entre normas legais, que somente poderia ser solucionado através da aplicação de três critérios hermenêuticos: o hierárquico, o cronológico e o da especialidade.
O conflito entre as normas jurídicas de natureza ambiental provocou vários questionamentos nas mais diversas instâncias do sistema judiciário brasileiro, com soluções diferentes para situações análogas, o que criava grave instabilidade jurídica e econômica.
Nas decisões dos tribunais superiores ora prevalecia a redação do art. 3° do Código Florestal com faixa marginal mínima de 30 metros, ora o disposto no art. 3°, inciso III Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano com faixa marginal mínima 15 metros, em relação ao caso concreto de cada situação referente à zona terrestre não edificável localizada ao longo dos cursos d’água nas zonas urbanas.
Como se verá à frente, o impasse entre o conflito das normas entre o Código Florestal e a Lei de Uso e Parcelamento do Solo Urbano foi julgado pelo Superior Tribunal de Justiça em 10/05/2021, que em incidente de resolução de demandas repetitivas (IRDR), adotou o critério da especialidade como solução hermenêutica e firmou entendimento em favor do Código Florestal.
5.JULGAMENTO DO TEMA 1010 PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Para dirimir as dúvidas sobre qual legislação deveria ser utilizada para definir o tamanho da faixa não edificável nas margens nos cursos d’água urbanos, foi adotado pelo Superior Tribunal de Justiça o julgamento do Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) sob a denominação de Tema 1010.
O julgamento do presente tema possui a seguinte delimitação:
“Extensão da faixa não edificável a partir das margens de cursos d'água naturais em trechos caracterizados como área urbana consolidada: se corresponde à área de preservação permanente prevista no art. 4°, I, da Lei n. 12.651/2012 (equivalente ao art. 2°, alínea 'a', da revogada Lei n°. 4.771/1965), cuja largura varia de 30 (trinta) a 500 (quinhentos) metros, ou ao recuo de 15 (quinze) metros determinado no art. 4°, caput, III, da Lei n. 6.766/1979.”
O aparente conflito de normas foi superado pelo Superior Tribunal de Justiça com base no critério da especialidade definido no artigo 2º, § 2o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, entendendo os Ministros que o Código Florestal é mais específico do que a Lei de Parcelamento do Solo Urbano e deve sobre ele prevalecer, por ser a norma que melhor protege o meio ambiente e garante a aplicação do princípio do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, estabelecido no art. 225 da Carta Magna.
Frente a tal posição, o Enunciado 1010 determina que
"Na vigência do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012), a extensão não edificável nas Áreas de Preservação Permanente de qualquer curso d’água, perene ou intermitente, em trechos caracterizados como área urbana consolidada, deve respeitar o que disciplinado pelo seu artigo 4º, caput, inciso I, alíneas a, b, c, d, e, a fim de assegurar a mais ampla garantia ambiental a esses espaços territoriais especialmente protegidos e, por conseguinte, à coletividade".
Diante do novo posicionamento adotado, foram vários os segmentos sociais que criticaram a decisão, se embasando, principalmente, no entendimento de que nas áreas urbanas consolidadas deveria ser aplicado o disposto no artigo 4º, inciso III, da Lei nº 6.766/1979, sob o argumento de que tal legislação seria mais especifica do que o próprio Código Florestal e que havia clara delimitação de qual seria a reserva obrigatória de área não edificável urbana, ou seja, com mínimo de 15 metros de cada lado das margens.
Houve críticas, ainda, em relação a ausência de modulação sobre a extensão do tema.
Os interessados na demanda pretendiam que o Tribunal estendesse a decisão em relação aos efeitos da decisão sobre os empreendimentos e obras licenciados e aprovados com fundamento na Lei nº 6.766/79, sobre a imprescritibilidade do dano ambiental e em relação a vedação ao fato consumado em matéria ambiental.
Assim, não foi definido se o resultado do julgamento seria aplicado ou não às edificações projetadas e aprovadas antes do julgamento.
Na prática, a decisão tomada pelo STJ tem efeitos imediatos, devendo ser aplicada a situações pretéritas e já consolidadas, havendo a possibilidade de discussão quanto a aplicabilidade em relação às construções edificadas antes da entrada em vigor do Código Florestal de 2012, caso para os quais poderiam ser observados os parâmetros da Lei de Parcelamento de Solo Urbano.
6.A LEI POSTERIOR AO JULGAMENTO DO TEMA 1010
Paralelamente ao julgamento do Tema 1010 pelo STJ houve a discussão pelo Congresso Nacional sobre as regras para as APPs em áreas urbanas consolidadas.
Após ampla discussão foi aprovada e sancionada a Lei nº 14.285, de 14 de dezembro de 2021, que altera as Leis nº. 12.651, de 25 de maio de 2012, que dispõe sobre a proteção da vegetação nativa, e a Lei nº. 6.766, de 19 de dezembro de 1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano.
A novel lex retirou do texto da nº. 6.766/1979 a regulamentação sobre a metragem mínima das APPs a ser protegida ao longo dos cursos d’água em área urbana consolidada.
Segundo a referida Lei, em áreas urbanas consolidadas, ouvidos os conselhos estaduais, municipais ou distrital de meio ambiente, a lei municipal ou distrital poderá definir faixas marginais distintas da regra geral para as APPs localizadas nas margens dos cursos d’água.
A lei municipal ou distrital deverá conter regras que estabeleçam a não ocupação de áreas com risco de desastres e observem as diretrizes do plano de recursos hídricos, do plano de bacia, do plano de drenagem ou do plano de saneamento básico, se houver.
Restou determinado, ainda, a previsão de que as atividades ou os empreendimentos a serem instalados nas áreas de preservação permanente urbanas devem observar os casos de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental fixados nesta Lei.
Assim, o novo texto legal reservou para os municípios a competência para definir o tamanho das APPs nas margens do rio localizados em zona urbana.
7.A INCONSTITUCIONALIDADE DA LEI Nº 14.285/2021
Várias vozes soaram contra a edição da lei mais branda, segundo os quais as APPs em área urbana seriam matéria de interesse abrangente e deveriam observar os padrões estabelecidos pelo Código Florestal, que veicula norma geral sobre essa matéria (DINO, 2022).
Foi exatamente esse o entendimento do Ministro Benedito Gonçalves, relator do Tema 1010 do STJ, segundo o qual a definição pela incidência do Código Florestal leva em consideração a melhor e mais eficaz proteção ao meio ambiente.
A preponderância em favor do meio ambiente, assim como dispõe o artigo 225 da Constituição Federal, determina que deve ser observado o princípio do desenvolvimento sustentável, contido no artigo 170, VI.
Por sua vez, a ordem econômica deve observar as funções social e ecológica da propriedade, promovendo desenvolvimento com sustentabilidade.
Inegavelmente as inovações legislativas trazidas pela Lei nº 14.285/2021 implicam em verdadeira limitação na extensão das APPs em áreas urbanas consolidadas e podem ser interpretadas como ofensa ao princípio da predominância do interesse, segundo o qual as matérias de maior interesse social são de incumbência legislativa da União.
Ora, o princípio da predominância do interesse é o que norteia a repartição das competências entre os entes federados.
De acordo com esse princípio, serão incumbidas à União todas as matérias de predominante interesse nacional, isto é, aquelas matérias que necessitam de um regramento uniforme por haver um interesse geral da nação sobre os mesmos. É importante destacar que a Constituição Federal, em seu artigo 24, V, estabelece a competência concorrente entre União, Estados-membros e Distrito Federal para legislar sobre matérias relativas à proteção do meio ambiente.
Os Municípios possuem apenas a competência suplementar para legislar sobre assuntos de natureza ambiental local, conforme previsão do artigo 30, I, da Carta Federal, porém essa competência não pode contrariar ou abrandar legislação federal ou estadual.
Na lição de Fiorillo (2004, p.67), a competência suplementar ambiental somente pode tratar de matéria de interesse local.
Na repartição de competências legislativas aplica-se o princípio da predominância dos interesses, de modo que à União caberão as matérias de interesse nacional, aos Estados, as de interesse regional, enquanto aos municípios tocarão as competências legislativas de interesse local. Essa é a regra norteadora da repartição de competências. Todavia, em algumas matérias, em especial no direito ambiental, questões poderão existir não só de interesse local, mas também regional ou, até mesmo nacional.
Jose Affonso Machado (2013, p. 441), explica que os municipais “tem competência para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e estadual”.
O verbo suplementar, na definição do dicionário Michaelis (2022) se refere “a suplemento, que serve de auxílio, que supre o que falta, que amplia ou completa uma explicação ou exposição anteriormente dada, que se junta como suplemento, adicional”.
Na mesma linha de raciocínio Machado (2013, p. 441), explica que o município “tem competência para legislar sobre assuntos de interesse local e para suplementar a legislação federal e estadual”.
Ora, vemos que em matéria ambiental o município somente pode legislar de modo suplementar, ou seja, completando a norma federal ou estadual em favor do meio ambiente, fazendo alterações que ampliem a proteção em razão de peculiaridades locais.
A norma suplementar municipal jamais poderá alterar os limites das faixas marginais dos cursos d’água, que são espaços urbanos indispensáveis a preservação do meio ambiente urbano. De fato, é nas cidades que existe maior incidência de poluição e, por consequência deve haver maior proteção.
Ora, se a lei municipal diminuir o tamanho das APPs dos cursos d’água em sua zona urbana, fatalmente estará contrariando o artigo 4º do Código Florestal, que prevê que as faixas marginais das APP sem área urbana variem de 30 a 500 de acordo com a largura do rio. Isto acarretará a extrapolação de sua competência legislativa, implicando em flagrante inconstitucionalidade.
Ademais, a definição das competências legislativas é matéria constitucional e não pode ser alterada por lei infraconstitucional. O texto da Lei nº 14.285/2021 eleva a competência legislativa do município para tratar de assunto que abrange interesse nacional, sendo inconstitucional também neste particular.
Por todas essas razões, a Lei nº 14.285/2021 tem grande chance de ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal e, em tal condição, só terá gerado mais insegurança jurídica ao afrontar preceitos constitucionais e uma jurisprudência amplamente consolidada (ANTUNES, 2022).
8.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Frente a análise do tema proposto, chega-se à conclusão de que os espaços urbanos precisam de uma melhor proteção ambiental para confrontar a poluição gerada nas cidades.
As mudanças legislativas que alteraram o Código Florestal, atribuindo competência para os municípios legislarem sobre a definição do tamanho das faixas marginais dos rios localizados em suas zonas urbanas diminuem a proteção do meio ambiente urbano, sendo daí inconstitucionais.
A inconstitucionalidade se revela, ainda, na competência legislativa do município para legislar em matéria ambiental. A competência legislativa é definida pela predominância dos interesses, de modo que à União caberão as matérias de interesse nacional, que é o caso do direito ambiental, aos Estados, as de interesse regional, enquanto aos municípios tocarão as competências legislativas de interesse local.
Logo, existe verdadeira insegurança jurídica sobre a definição das APPs em áreas marginais aos rios localizados em zona urbana consolidada o que coloca em risco toda sociedade, pois implica em alteração de uma parcela ambiental urbana importantíssima para assegurar ao cidadão o usufruto do direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
REFERÊNCIAS
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PEREIMA NETO, João Basílio. O Século das Cidades no Brasil. Disponível em: https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/handle/1408/3681, acessado em 05/04/2022.
ONU NEWS. ONU prevê que cidades abriguem 70% da população mundial até 2050. Disponível em: https://news.un.org/pt/story/2019/02/1660701, acessado em 05/04/2022.
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BRASIL, Lei 6.766, de 19 de setembro de 1979. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6766.htm, acesso em 14/03/2022.
BRASIL, Lei nº 11.977, de 07 de julho de 2009. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l11977.htm, acessado em 14/03/2022.
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Bacharelando no curso de Direito na Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: WACHELESKI, Yuri Santos. Áreas de preservação permanente em zona urbana consolidada e a inconstitucionalidade da Lei nº. 14.285/2021 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59879/reas-de-preservao-permanente-em-zona-urbana-consolidada-e-a-inconstitucionalidade-da-lei-n-14-285-2021. Acesso em: 22 nov 2024.
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