DRA. EMANUELLE ARAÚJO CORREIA[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo demonstrar as barreiras enfrentadas por casais homoaftivos na adoção de crianças no Brasil. Para que se pudesse chegar ao resultado proposto, foi necessário realizar um estudo literário por diversas doutrinas nacionais acerca do tema, além da leitura de matérias jornalísticas contidas na internet e da própria legislação brasileira. Em decorrência de todos os dados literários e legais colhidos, foi constatado que a homofobia e que a ausência de leis específicas que punam de forma mais severa atos homofóbicos se caracterizam como as barreiras mais preocupantes para a alteração deste cenário. Diante disso, cabe ao poder público, em parceria com a sociedade civil, proteger e garantir que o direito de casais homoafetivos no tocante a adoção de crianças no Brasil seja respeitado e assegurado.
Palavras-chave: adoção, famílias homoafetivas, crianças, preconceito.
ABSTRACT: This article aims to demonstrate the barriers faced by homosexual couples in adopting children in Brazil. In order to reach the proposed result, it was necessary to carry out a literary study by several national doctrines on the subject, in addition to reading journalistic materials contained on the internet and the Brazilian legislation itself. As a result of all the literary and legal data collected, it was found that homophobia and the absence of specific laws that more severely punish homophobic acts are characterized as the most worrying barriers to changing this scenario. Therefore, it is up to the government, in partnership with civil society, to protect and ensure that the right of same-sex couples regarding the adoption of children in Brazil is respected and ensured.
Key-words: adoption, same-sex families, children, prejudice.
INTRODUÇÃO
O direito é maleável e constantemente modificado em concordância com as necessidades da sociedade, dentro da seara jurisdicional, destaca-se o direito de família, uma das ramificações que mais necessitam de uma atenção especial do legislador brasileiro, pois protege o instituto mais sólido da nossa sociedade, a família.
Ao ponto que o direito de família vai se remodelando, o conceito de entidade familiar acompanha tais mudanças, de início, somente era considerado como uma família um grupo composto por homem, mulher e filhos, já hodiernamente, existem vários grupos que podem ser denominados como família, e os formados por pessoas homossexuais entram dentro destes.
É meramente corriqueiro na sociedade brasileira que um casal tenha interesse em ter filhos, eles podem ser concebidos por meio de uma gestação ou através da adoção. No caso dos casais homoafetivos, é comum que eles optem pela adoção para complementar sua família e realizar o sonho de ter um filho.
Entretanto, é preciso destacar que o Brasil é um país minimamente evoluído quando se trata de questões que envolvam pessoas homossexuais, e apesar da legislação vigente garantir aos casais homossexuais o direito de adotar em igualdade com os demais casais heterossexuais, existem barreiras que tornam todo esse procedimento mais complexo para os casais homossexuais.
O presente artigo acadêmico tem como alvo principal demonstrar as barreiras enfrentadas por casais homoafetivos no momento da adoção, a luz da evolução histórica da família e do instituto de adoção. Destaca-se que, as conclusões obtidas neste artigo têm relação com diversos eventos históricos importantes para o direito de família brasileiro e sua tragetória.
1.A FAMÍLIA
A família é constituída como uma das entidades mais antigas de todos os tempos, apesar de ter sofrido severas alterações ao longo dos milênios, sempre se manteve com o mesmo propósito, auferir valores, compartilhar afeto e proteger seus indivíduos de qualquer perigo eminente. Nessa perspectiva, é possível afirmar que nenhuma outra entidade é capaz de unir o homem como a família.
Diante disso, Pereira (2021) elucida que sem a família não existiria sociedade, sendo possível verificar que a família é o pilar mais importante de uma sociedade organizada, fazendo com que todas as suas mudanças reflitam de forma ativa no comportamento das pessoas.
Também, Gonçalves (2021) entende a família como uma realidade sociológica que constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Logo, a família é algo atemporal e que antecede ao Estado, leis e costumes, afinal, é da família que emana todos os princípios morais e sociais existentes.
Não obstante, Dias (2016) afirma que é necessário ter uma visão pluralista da família, que abrigue os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar o elemento que permite elencar no conceito de entidade familiar. Assim, qualquer relação afetiva entre pessoas pode ser considerada como seio familiar.
Na esfera do direito brasileiro, a Constituição Federal serviu como marco histórico no direito de família, uma vez que antes da sua criação, o conceito de família era limitado apenas ao matrimônio heteroafetivo, excluindo quaisquer relações que fugissem desse padrão e até mesmo os filhos concebidos fora do regime marital.
Conforme mencionado, a família é uma entidade sólida, que tem garantia de proteção especial por parte do ente estatal. A família é tanto a originada no sacramento do casamento quanto na formação da união estável, conforme artigo 226 da Constituição Federal de 1988:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento)
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Regulamento
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (BRASIL, 1988)
Além disso, embora o Código Civil de 2002 não tenha entabulado um conceito claro para a família, logicamente o diploma legal não se opõe a Constituição Federal, aceitando as diversas formas de família existentes e abandonando o conceito defasado de que uma família é formada apenas pela união heteroafetiva firmada no casamento.
Apesar da Constituição Federal não ter elencado todas as espécies de família existentes, incluindo as relações homoafetivas e todas as outras formas que surgiram após o ano de 1988, não significa que a proteção especial mencionada no artigo 226 é taxativa, pelo contrário, o rol é meramente exemplificativo:
Após a análise de todos os conceitos vistos até então acerca do que seria a nova família estruturada a partir da Constituição de 1988 e do Novo Código Civil, repete-se que a família hoje deve ser entendida como o agrupamento de duas ou mais pessoas, em caráter estável e ostensivo, que tem como motivo principal da sua manutenção a existência do amor e do afeto entre os seus membros, sendo que tais integrantes dessa família se ajudam mutuamente nas dificuldades cotidianas, respeitam-se como indivíduos dignos e únicos, têm comunhão de interesses e planos comuns para o futuro. Assim, obviamente, se duas pessoas de mesmo sexo vivem relação afetiva que reúne esses elementos primordiais de afeto, respeito mútuo, assistência mútua, projetos de vida comuns e comunhão de interesses, essa relação não pode ser afastada do conceito e do direito de família pelo simples fato de seus integrantes serem do mesmo sexo. (HORSTH, 2008, p. 232).
Dessa forma, nota-se que as relações homoafetivas se enquadram no conceito de família e merecem o devido respeito, proteção e igualdade por parte do estado e da sociedade.
1.1 A família homoafetiva
Não se sabe, ao certo, quando as relações homoafetivas surgiram no Brasil, mas sabe-se que elas já existem há muitos anos, todavia, é preciso voltar um pouco no tempo e relembrar o período colonial desta república. O primeiro relato que se tem notícia da chegada dos portugueses ao Brasil se dá em 1.500, três anos após a referida chegada já fora criada a primeira igreja cristã do Brasil, a Igreja católica de São Francisco de Assis do Outeiro da Glória, em Porto Seguro/BA.
Apenas com essa informação, já é possível deduzir o tamanho da influência da religião cristã na formação do Estado brasileiro, tendo em vista que os colonizadores portugueses impuseram sua cultura e religião em toda a colônia. É preciso ressaltar, ainda, que a religião cristã condena ferozmente qualquer relação homoafetiva, e consequentemente, a comunidade homossexual brasileira sempre foi marginalizada.
As cicatrizes dessa marginalização seguem até os dias atuais, e a união estável entre pessoas do mesmo sexo só foi legalizada em 05 de maio de 2011, mais de vinte anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Assim, entende Maria Berenice Dias (2016):
Só pode ser por preconceito que a Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher. Ora, a nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição (l.º III) consagra , em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana.
Sabe-se que, o direito é maleável e deve se modificar em consonância com os costumes e necessidades de cada indivíduo, isto posto, e partindo do pressuposto igualitário contido no artigo 5º da Constituição Federal “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988), o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, conforme trecho do julgado da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277:
(...) 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃOREDUCIONISTA. (ADI 4277/DF)
Independentemente do reconhecimento legal da unidade familiar homoafetiva, os inúmeros casais gays enfrentam demasiados entraves para conseguir aumentar sua família através da adoção, sendo os maiores deles o preconceito e a ausência de legislação específica para punir atos homofóbicos. Nada obstante, apesar desses obstáculos, a adoção por casais homoafetivos é uma realidade mundial, surgindo pela primeira vez na Dinamarca no dia 01/07/1999.
Nesse mesmo sentido, a África do Sul, Bélgica, Espanha, Canadá e Holanda também admitem a adoção por casais homossexuais em âmbito nacional. Entretanto, o Brasil só veio reconhecer judicialmente essa realidade 11 anos após a Dinamarca, por meio da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 27/04/2010.
Muitos indivíduos conservadores acreditam que a adoção por casais homoafetivos é algo prejudicial para o desenvolvimento de uma criança, pensamento primitivo e sem nenhuma base científica, ressaltando que o preconceito ultrapassa o processo de adotar e continua durante toda a existência de uma família homoafetiva.
De acordo com Maria Berenice Dias, é incorreto afirmar que se uma criança for adotada por um casal homossexual isso possa atrapalhar de alguma forma seu desenvolvimento psicossocial.
As evidências trazidas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães. Não foram constatados quaisquer efeitos danosos ao normal desenvolvimento ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio de crianças com pais do mesmo sexo. (DIAS, 2015).
Todos os casais homoafetivos devem ter o direito de adotar uma criança, sem qualquer distinção com os demais casais heteroafetivos que também desejam adotar, afinal, a adoção deve estar diretamente relacionada com o amor, e não com a orientação sexual de quem acolhe.
2.A ADOÇÃO
O instituto da adoção está presente na humanidade desde os primórdios da civilização, é possível verificar relatos de adoção na história, religião, ficção e mitologia.
Dentro da religião cristã, o relato mais conhecido que envolve adoção é o caso de Moisés, que foi deixado por sua mãe dentro de um cesto no Rio Nilo, como última tentativa de salvar a vida de Moisés de um decreto faraônico, que mandava assassinar todas as crianças do sexo masculino nascidas no Egito na mesma época que Moisés.
Após o cesto descer rio abaixo, foi encontrado pela filha do mesmo faraó que decretou a morte de todas as demais crianças do sexo masculino, e posteriormente, Moisés fora adotado e inserido naquela família.
Então lhe disse a filha de Faraó: Leva este menino, e cria-mo; eu te darei teu salário. E a mulher tomou o menino, e criou-o.
E, quando o menino já era grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou; e chamou-lhe Moisés, e disse: Porque das águas o tenho tirado. (Êx 2, 9. 10).
Na ficção, temos a clássica obra cinematográfica “O Rei Leão”, a história do filhotinho de leão herdeiro de toda a savana africana, que foge das garras perversas de seu tio, após o mesmo assassinar seu pai para usurpar o trono. Depois de fugir, o pequeno leãozinho denominado de Simba é adotado por um suricata chamado Timão e seu melhor amigo Pumba, um porco selvagem.
Já na mitologia romana, existe uma história por trás da criação de Roma, em que os gêmeos Rômulo e Remo foram abandonados por sua mãe em um cesto às margens do rio Tibre, logo após, foram resgatados e amamentados por uma loba, que os criou até a fase adulta, período em que Rômulo assassina Remo e constrói a cidade de Roma.
Nesse diapasão, nota-se que, mesmo de forma implícita, a adoção está presente no cotidiano da maioria das pessoas, seja por conhecer alguém que já adotou, seja por adotar, por uma história bíblica, mitológica, ou até mesmo uma obra cinematográfica.
2.1 A adoção no Brasil
Segundo Pereira (2021), a adoção se instaurou no Brasil no período colonial e foi regida da fase Colonial até a fase Imperial pelas normas da coroa portuguesa, época em que só era transferido o poder familiar ao adotante através de um decreto real, que só poderia ser criado após o falecimento do pai biológico da criança.
O poder familiar é o conjunto de direitos e deveres que os pais possuem sobre seus filhos menores de idade, como por exemplo, o dever de proteger, assistir e criar seus filhos, bem como o direito de utilizar o método educativo que bem entender para a criação de seus dependentes, claro que dentro da legalidade e respeitando o melhor interesse da criança.
O Código Civil Brasileiro de 1916 regulamentou a adoção para que somente pessoas sem filhos pudessem adotar, o procedimento era lavrado em escritura pública e o vínculo de parentesco era estabelecido somente entre o adotante e o adotado, não podendo o adotado receber qualquer herança dos demais parentes sanguíneos do adotante (GONÇALVES 2021).
No ano de 1965 fora criada a lei 4.655, que trouxe um novo instituto para a adoção, o qual seria a desvinculação de parentesco do adotado com sua família originária, ou seja, neste momento, os adotados poderiam carregar o sobrenome dos pais adotivos e se desvincularem do sobrenome dos pais biológicos.
Noutro ponto, em 1979 passa a vigorar o Código de Menores (Lei nº 6.697), o referido Código estendeu o vínculo familiar instituído em 1965 aos demais membros da família do adotante, e a partir desse momento os nomes dos pais dos adotantes passaram a serem inseridos na certidão de nascimento dos adotados, sem a necessidade de prévia autorização.
O Código de Menores de 1979 foi revogado em 1990 pelo atual Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que permite a adoção apenas como última alternativa, após as devidas tentativas de inserir a criança junto a sua família natural:
Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.
§ 1 o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) . (BRASIL, 1990).
Além disso, conhecida popularmente como “Lei da Adoção”, a Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009 alterou inúmeros artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, trazendo algumas mudanças relativas à adoção de crianças indígenas e quilombolas. Um grande exemplo disso é a obrigatoriedade de respeitar a cultura indígena e quilombola da criança mesmo após a adoção (BRASIL, 1990).
Posteriormente, a lei nº 13.509 de 22 de novembro de 2017 criou a entrega voluntária de crianças para a adoção. A entrega voluntária é a possibilidade para que mães que não possuem interesse na maternidade possam entregar seus filhos para a adoção, o procedimento é feito pela Justiça da Infância e Juventude de forma sigilosa.
2.2 O processo legal da adoção
Em primeiro lugar, Gonçalves (2021) leciona acerca dos requisitos básicos para iniciar o processo de adoção legal, como ser maior de 18 (dezoito) anos e possuir diferença de idade mínima de 16 (dezesseis) anos com o adotado.
Na mesma temática, Dias (2016) esclarece que os processos de adoção possuem tramitação prioritária e que devem durar no máximo 120 dias, prorrogáveis por mais 120 (cento e vinte) dias. A prorrogação só poderá ocorrer após uma decisão fundamentada pelo juiz do processo.
Além disso, o Concelho Nacional de Justiça (CNJ) publicou em seu site um passo a passo de como funciona o processo de adoção no Brasil, sendo que o primeiro passo é procurar um Fórum ou Vara da Infância e da Juventude.
Subsequente, o indivíduo deverá enviar toda a documentação solicitada, que após a devida análise documental pelo Ministério Público, será enviado até o requerente uma equipe técnica multidisciplinar do Poder Judiciário, para averiguar as motivações da adoção, a estrutura familiar e todos os demais requisitos pertinentes.
Em seguida, o Conselho Nacional de Justiça (2019) informa que os interessados deverão participar de um programa de preparação para adoção, se tratando de um dos quesitos legais obrigatórios. Neste programa, os indivíduos serão instruídos de possíveis situações que irão enfrentar após a adoção e como devem reagir diante delas.
Após garantir a certificação de participação no programa de preparação para adoção, o requerimento da adoção será vislumbrado pelo Ministério Público e Poder judiciário no período de 120 (cento e vinte) dias. Assim, em caso de procedência, o cidadão será inserido no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.
Depois da inserção no Sistema, o demandante deve aguardar ser chamado pelo poder judiciário, a fila de espera é cronológica e vai andar de acordo com as especificações do adotante em relação ao perfil da criança que deseja adotar.
Sendo encontrada alguma criança no perfil escolhido pelo adotante, e estando o adotante em sua vez na lista de espera, a criança será levada para residir com a parte requerente pelo período de no máximo 90 (noventa) dias, prorrogáveis por mais 90 (noventa) dias, se necessário.
O Conselho Nacional de Justiça (2019) discorre que este período é denominado como “Estágio de Convivência” e que daí em diante, o adotante deverá ingressar com ação judicial, para que seja homologada a adoção. O prazo máximo para o julgamento de tal ação é o de 120 (cento e vinte) dias.
2.3 A adoção por casais homoafetivos
No Brasil, não existe previsão legal que faça alguma distinção entre os adotantes por questões de gênero, sendo assim, os casais homoafetivos que tiverem interesse em adotar serão submetidos ao mesmo procedimento dos demais casais, passando por todos os trâmites já mencionados. No mesmo sentido, “nunca houve proibição legal expressa para tais adoções no ordenamento jurídico brasileiro, apenas interpretações contrárias ou favoráveis, de acordo com a concepção moral particular dos envolvidos em tais processos.” (PEREIRA 2021, p. 738).
Ainda, Pereira (2021) segue afirmando que para fins de adoção, os casais homossexuais devem, da mesma maneira que qualquer outro casal, demonstrar que estão casados ou em devida união estável, e que possuem estabilidade e satisfatória estrutura de núcleo familiar.
Apesar de tudo isso, não se pode esquecer que as famílias homoafetivas só foram reconhecidas no ano de 2011 pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, até esse período as diversas famílias homoafetivas sequer existiam para efeitos legais, o que evidencia a morosidade do reconhecimento de direitos pelas famílias homossexuais.
Após o reconhecimento das famílias homoafetivas pelo STF, em 05/05/2011 (Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF 132), a resistência e dificuldades das adoções por casais homossexuais tornaram-se menores. (PEREIRA, 2021, p. 739).
Em razão do tardio reconhecimento da família homoafetiva, os casais homoafetivos acabavam omitindo um dos parceiros no momento da adoção, o que era totalmente prejudicial aos interesses das crianças adotadas, vez que eram criadas por dois pais - ou duas mães - e estavam vinculadas juridicamente somente a uma pessoa. Ficando totalmente desamparadas em relação ao outro pai/mãe (DIAS 2016).
Diante disso, “o não estabelecimento de uma vinculação obrigacional gerava a absoluta irresponsabilidade de um dos genitores para com o filho que também era seu. Principalmente depois do reconhecimento, pelo STF, da união estável homoafetiva, a justiça passou a conceder a adoção a casais formados de pessoas do mesmo sexo” (DIAS, 2016, p. 502).
Independentemente do reconhecimento da união estável entre casais homoafetivos e consequentemente a concessão do direito de adotar, sabe-se que milhares de casais homossexuais ainda sofrem com diversas barreiras que os impossibilitam de exercer seu direito plenamente sem aborrecimentos.
3.O PRECONCEITO E A NEGLIGÊNCIA LEGISLATIVA COMO PRINCIPAIS BARREIRAS ENFRENTADAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS
Mesmo com todos os avanços e alterações no conceito de família e no processo de adoção já supramencionados, infelizmente, quando se refere a questões relacionadas a sexualidade e principalmente a homossexualidade, o Brasil marcha em passos lentos. O ódio e a discriminação voltada para pessoas homossexuais permanecem escancarados na sociedade brasileira, fazendo com que pessoas homossexuais tenham medo até de sair de casa, a ideia é que não se avança, apenas retrocede.
Ato contínuo, o jornal O GLOBO explanou que clínicas voltadas para o tratamento psiquiátrico de pessoas dependentes de drogas estavam realizando um tratamento voltado para a “cura gay”, onde pessoas homossexuais eram submetidas a procedimentos desumanos para que se tornassem heterossexuais.
(…) o Ministério Público Federal, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Conselho Federal de Psicologia publicaram juntos um relatório sobre visitas a 28 Comunidades Terapêuticas. Em ao menos 14 das 28 instituições, “não há respeito à diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero”. O documento descreve outras violações de direitos humanos em 16 lugares. Entre as práticas de castigo estavam privação de sono e supressão da alimentação, uso de violência física e trabalhos forçados. Em nove clínicas era disponibilizado o serviço de “resgate”, como o feito com a equatoriana Zulema: internamento forçado por meio de uma equipe que vai atrás da pessoa e a imobiliza, fazendo uso tanto de violência física quanto de contenção por meio da aplicação de medicamentos. (O GLOBO, 2019)
Da mesma forma, em novembro de 2020 o site G1 também expôs uma clínica psiquiátrica na capital do Brasil (Brasília) que prometia curar a homossexualidade de seus pacientes em no máximo seis meses de tratamento.
(...) Uma clínica de hipnose que oferece, em Brasília, a "garantia vitalícia" para "tratamento do homossexualismo" (sic) será investigada pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP). A prática da terapia de reversão sexual, a chamada "cura gay", é vedada pelo órgão e, em 2019, foi suspensa a partir de um entendimento do Supremo Tribunal Federal. (G1, 2020).
É importante elucidar que não se tratam de práticas isoladas e raras no país, a homofobia está impregnada na estrutura organizacional do Brasil, e desde criança somos ensinados que o homossexualismo é algo maléfico para a existência do homem e que sua prática traz condenações espirituais sombrias.
Também, é necessário lembrar que já correu nos corredores do poder legislativo um projeto de lei voltado para a cura do homossexualismo no ano de 2013, a normativa visava suspender uma resolução do Concelho Federal de Psicologia que proibia o tratamento de pessoas homossexuais, vez que a homossexualidade não pode ser considerada uma patologia.
(...) O projeto Cura Gay, também conhecido pelos nomes Terapia da Reorientação Sexual, Terapia de Conversão ou Terapia Reparativa, consiste no conjunto de técnicas que tem o objetivo de extinguir a homossexualidade de um indivíduo.
Tal conjunto de técnicas inclui métodos psicanalíticos, cognitivos e comportamentais. Além disso, são utilizados tratamentos de ordem clínica e religiosa.
O assunto se tornou extremamente polêmico por se referir à orientação sexual como uma doença, já que a palavra CURA implica a eliminação de um “mal”. (EXAMEOAB, 2016).
De mais a mais, o primeiro contato com a homofobia começa na infância, onde essas pessoas – em sua maioria – são descriminadas por seus entes familiares, professores e colegas de escola por terem certos trejeitos que indicam sua orientação sexual, continua na adolescência pela sociedade e depois de adultos sofrem mais uma vez com o preconceito para conseguir formar uma família, logo, é indubitável que esses indivíduos passam a sua vida inteira lutando contra o preconceito.
Outra barreira que cerca o tema é a ausência de dispositivos legais específicos que protejam a comunidade LGBTQIA+ e que punam de forma severa os praticantes da homofobia no país. Além de tudo, a homofobia somente foi criminalizada no Brasil no ano de 2019, quando o Supremo Tribunal Federal tornou possível a aplicação da Lei do Racismo (Lei nº. 7.716/1989) aos casos de homofobia.
Segundo o site JOTA, ao menos 50 projetos de lei voltados para a causa LGBTQIA+ circulam entre as duas casas legislativas do Brasil (Câmara e Senado), sem nenhuma resolução ou aprovação, a verdade é que nenhum projeto de lei com temática homossexual foi aprovado no país desde a redemocratização e promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988.
A causa LGBTQIA+ é tema de pelo menos 50 projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, nenhum aprovado pelas duas casas desde a redemocratização. Com objetivos diversos, a maior parte das proposições está apensada a projetos similares e aguarda análise de comissões temáticas e parecer dos relatores, sem perspectiva de avanço no curto prazo. (JOTA, 2021).
Outrossim, de um lado temos um poder legislativo ativo e enérgico para apreciar e votar em projetos estapafúrdios como o da “cura gay” e do outro lado temos o mesmo Poder Legislativo ausente, moroso, que não sai de sua inercia quando se trata de reconhecer direitos básicos a pessoas da comunidade LGBTQIA+.
E sendo assim, não restam dúvidas que a população LGBTQIA+ encontra-se totalmente desamparada pelo poder público, que segue agindo da mesma maneira que agia no século XIX, ignorando a existência de pessoas homossexuais vigente no país, as descriminando, tratando a homossexualidade como doença e fomentando a homofobia estrutural. Dado que, enquanto o poder público não se manifestar de forma eficaz contra a homofobia, o sentimento de impunidade servirá como combustível para que os homofóbicos repliquem suas práticas.
Ademais, é necessário que o princípio da igualdade lecionado no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 seja efetivo, e que essa efetivação seja material, para que se chegue a resultados tocáveis, alterando assim este cenário preocupante e garantindo que pessoas que integram a esfera LGBTQIA+ e os diversos casais homoafetivos possam viver e adotar com dignidade.
Diante de todas essas informações, é inegável que os casais homoafetivos enfrentam a barreira do preconceito para que consigam adotar crianças no Brasil, ou seja, existe uma revitimização constante sofrida pelas pessoas homossexuais neste país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme previamente comentado, o presente artigo teve como objetivo realizar um estudo sobre as barreiras enfrentadas por casais homoafetivos na adoção de crianças no Brasil. Por se tratar de um tema polêmico na sociedade atual, fora necessário tomar o devido cuidado para que todos os dados abordados fossem devidamente fundamentados em obras literárias, julgados, matérias jornalísticas e na legislação pátria.
Diante de tudo que foi exposto neste artigo acadêmico, ficou constatado que o preconceito e a ausência de uma legislação eficaz quanto a atos homofóbicos, configuram-se como os maiores entraves enfrentados por casais homoafetivos na adoção de crianças no Brasil, tendo em vista que a inexistência de punições severas possibilitam a livre disseminação do preconceito no país.
Apesar da morosidade em que a população homossexual consegue ter seus direitos reconhecidos, foi possível verificar que com o passar dos anos existiu um avanço e que, talvez em um futuro próximo, será possível chegar a tão sonhada igualdade e isonomia expressas no artigo 5ª. da Constituição Federal de 1988.
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[1] Orientadora, possui graduação em Direito pela Faculdade UNIRG-TO; Especialização "lato-sensu" em Direito Processual Civil e Penal (2006) e em Direito Público (2007), pela Faculdade FESURV-GO; Mestrado em Direito pela Universidade de Marília-SP (2010), Doutorado em Direito Privado pela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Atua como advogada no Estado do Tocantins e como Professora no curso de Direito da Católica do Tocantins. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Civil e Direito Processual Civil.
DRA. EMANUELLE ARAÚJO CORREIA[1]
(Orientadora)
RESUMO: O presente artigo tem como objetivo demonstrar as barreiras enfrentadas por casais homoaftivos na adoção de crianças no Brasil. Para que se pudesse chegar ao resultado proposto, foi necessário realizar um estudo literário por diversas doutrinas nacionais acerca do tema, além da leitura de matérias jornalísticas contidas na internet e da própria legislação brasileira. Em decorrência de todos os dados literários e legais colhidos, foi constatado que a homofobia e que a ausência de leis específicas que punam de forma mais severa atos homofóbicos se caracterizam como as barreiras mais preocupantes para a alteração deste cenário. Diante disso, cabe ao poder público, em parceria com a sociedade civil, proteger e garantir que o direito de casais homoafetivos no tocante a adoção de crianças no Brasil seja respeitado e assegurado.
Palavras-chave: adoção, famílias homoafetivas, crianças, preconceito.
ABSTRACT: This article aims to demonstrate the barriers faced by homosexual couples in adopting children in Brazil. In order to reach the proposed result, it was necessary to carry out a literary study by several national doctrines on the subject, in addition to reading journalistic materials contained on the internet and the Brazilian legislation itself. As a result of all the literary and legal data collected, it was found that homophobia and the absence of specific laws that more severely punish homophobic acts are characterized as the most worrying barriers to changing this scenario. Therefore, it is up to the government, in partnership with civil society, to protect and ensure that the right of same-sex couples regarding the adoption of children in Brazil is respected and ensured.
Key-words: adoption, same-sex families, children, prejudice.
INTRODUÇÃO
O direito é maleável e constantemente modificado em concordância com as necessidades da sociedade, dentro da seara jurisdicional, destaca-se o direito de família, uma das ramificações que mais necessitam de uma atenção especial do legislador brasileiro, pois protege o instituto mais sólido da nossa sociedade, a família.
Ao ponto que o direito de família vai se remodelando, o conceito de entidade familiar acompanha tais mudanças, de início, somente era considerado como uma família um grupo composto por homem, mulher e filhos, já hodiernamente, existem vários grupos que podem ser denominados como família, e os formados por pessoas homossexuais entram dentro destes.
É meramente corriqueiro na sociedade brasileira que um casal tenha interesse em ter filhos, eles podem ser concebidos por meio de uma gestação ou através da adoção. No caso dos casais homoafetivos, é comum que eles optem pela adoção para complementar sua família e realizar o sonho de ter um filho.
Entretanto, é preciso destacar que o Brasil é um país minimamente evoluído quando se trata de questões que envolvam pessoas homossexuais, e apesar da legislação vigente garantir aos casais homossexuais o direito de adotar em igualdade com os demais casais heterossexuais, existem barreiras que tornam todo esse procedimento mais complexo para os casais homossexuais.
O presente artigo acadêmico tem como alvo principal demonstrar as barreiras enfrentadas por casais homoafetivos no momento da adoção, a luz da evolução histórica da família e do instituto de adoção. Destaca-se que, as conclusões obtidas neste artigo têm relação com diversos eventos históricos importantes para o direito de família brasileiro e sua tragetória.
1.A FAMÍLIA
A família é constituída como uma das entidades mais antigas de todos os tempos, apesar de ter sofrido severas alterações ao longo dos milênios, sempre se manteve com o mesmo propósito, auferir valores, compartilhar afeto e proteger seus indivíduos de qualquer perigo eminente. Nessa perspectiva, é possível afirmar que nenhuma outra entidade é capaz de unir o homem como a família.
Diante disso, Pereira (2021) elucida que sem a família não existiria sociedade, sendo possível verificar que a família é o pilar mais importante de uma sociedade organizada, fazendo com que todas as suas mudanças reflitam de forma ativa no comportamento das pessoas.
Também, Gonçalves (2021) entende a família como uma realidade sociológica que constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Logo, a família é algo atemporal e que antecede ao Estado, leis e costumes, afinal, é da família que emana todos os princípios morais e sociais existentes.
Não obstante, Dias (2016) afirma que é necessário ter uma visão pluralista da família, que abrigue os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar o elemento que permite elencar no conceito de entidade familiar. Assim, qualquer relação afetiva entre pessoas pode ser considerada como seio familiar.
Na esfera do direito brasileiro, a Constituição Federal serviu como marco histórico no direito de família, uma vez que antes da sua criação, o conceito de família era limitado apenas ao matrimônio heteroafetivo, excluindo quaisquer relações que fugissem desse padrão e até mesmo os filhos concebidos fora do regime marital.
Conforme mencionado, a família é uma entidade sólida, que tem garantia de proteção especial por parte do ente estatal. A família é tanto a originada no sacramento do casamento quanto na formação da união estável, conforme artigo 226 da Constituição Federal de 1988:
Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.
§ 1º O casamento é civil e gratuita a celebração.
§ 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei.
§ 3º Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. (Regulamento)
§ 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.
§ 5º Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.
§ 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 66, de 2010)
§ 7º Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. Regulamento
§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações. (BRASIL, 1988)
Além disso, embora o Código Civil de 2002 não tenha entabulado um conceito claro para a família, logicamente o diploma legal não se opõe a Constituição Federal, aceitando as diversas formas de família existentes e abandonando o conceito defasado de que uma família é formada apenas pela união heteroafetiva firmada no casamento.
Apesar da Constituição Federal não ter elencado todas as espécies de família existentes, incluindo as relações homoafetivas e todas as outras formas que surgiram após o ano de 1988, não significa que a proteção especial mencionada no artigo 226 é taxativa, pelo contrário, o rol é meramente exemplificativo:
Após a análise de todos os conceitos vistos até então acerca do que seria a nova família estruturada a partir da Constituição de 1988 e do Novo Código Civil, repete-se que a família hoje deve ser entendida como o agrupamento de duas ou mais pessoas, em caráter estável e ostensivo, que tem como motivo principal da sua manutenção a existência do amor e do afeto entre os seus membros, sendo que tais integrantes dessa família se ajudam mutuamente nas dificuldades cotidianas, respeitam-se como indivíduos dignos e únicos, têm comunhão de interesses e planos comuns para o futuro. Assim, obviamente, se duas pessoas de mesmo sexo vivem relação afetiva que reúne esses elementos primordiais de afeto, respeito mútuo, assistência mútua, projetos de vida comuns e comunhão de interesses, essa relação não pode ser afastada do conceito e do direito de família pelo simples fato de seus integrantes serem do mesmo sexo. (HORSTH, 2008, p. 232).
Dessa forma, nota-se que as relações homoafetivas se enquadram no conceito de família e merecem o devido respeito, proteção e igualdade por parte do estado e da sociedade.
1.1 A família homoafetiva
Não se sabe, ao certo, quando as relações homoafetivas surgiram no Brasil, mas sabe-se que elas já existem há muitos anos, todavia, é preciso voltar um pouco no tempo e relembrar o período colonial desta república. O primeiro relato que se tem notícia da chegada dos portugueses ao Brasil se dá em 1.500, três anos após a referida chegada já fora criada a primeira igreja cristã do Brasil, a Igreja católica de São Francisco de Assis do Outeiro da Glória, em Porto Seguro/BA.
Apenas com essa informação, já é possível deduzir o tamanho da influência da religião cristã na formação do Estado brasileiro, tendo em vista que os colonizadores portugueses impuseram sua cultura e religião em toda a colônia. É preciso ressaltar, ainda, que a religião cristã condena ferozmente qualquer relação homoafetiva, e consequentemente, a comunidade homossexual brasileira sempre foi marginalizada.
As cicatrizes dessa marginalização seguem até os dias atuais, e a união estável entre pessoas do mesmo sexo só foi legalizada em 05 de maio de 2011, mais de vinte anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Assim, entende Maria Berenice Dias (2016):
Só pode ser por preconceito que a Constituição emprestou, de modo expresso, juridicidade somente às uniões estáveis entre um homem e uma mulher. Ora, a nenhuma espécie de vínculo que tenha por base o afeto pode-se deixar de conferir status de família, merecedora da proteção do Estado, pois a Constituição (l.º III) consagra , em norma pétrea, o respeito à dignidade da pessoa humana.
Sabe-se que, o direito é maleável e deve se modificar em consonância com os costumes e necessidades de cada indivíduo, isto posto, e partindo do pressuposto igualitário contido no artigo 5º da Constituição Federal “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” (BRASIL, 1988), o Supremo Tribunal Federal reconheceu a união homoafetiva como entidade familiar, conforme trecho do julgado da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277:
(...) 3. TRATAMENTO CONSTITUCIONAL DA INSTITUIÇÃO DA FAMÍLIA. RECONHECIMENTO DE QUE A CONSTITUIÇÃO FEDERAL NÃO EMPRESTA AO SUBSTANTIVO “FAMÍLIA” NENHUM SIGNIFICADO ORTODOXO OU DA PRÓPRIA TÉCNICA JURÍDICA. A FAMÍLIA COMO CATEGORIA SÓCIO-CULTURAL E PRINCÍPIO ESPIRITUAL. DIREITO SUBJETIVO DE CONSTITUIR FAMÍLIA. INTERPRETAÇÃO NÃOREDUCIONISTA. (ADI 4277/DF)
Independentemente do reconhecimento legal da unidade familiar homoafetiva, os inúmeros casais gays enfrentam demasiados entraves para conseguir aumentar sua família através da adoção, sendo os maiores deles o preconceito e a ausência de legislação específica para punir atos homofóbicos. Nada obstante, apesar desses obstáculos, a adoção por casais homoafetivos é uma realidade mundial, surgindo pela primeira vez na Dinamarca no dia 01/07/1999.
Nesse mesmo sentido, a África do Sul, Bélgica, Espanha, Canadá e Holanda também admitem a adoção por casais homossexuais em âmbito nacional. Entretanto, o Brasil só veio reconhecer judicialmente essa realidade 11 anos após a Dinamarca, por meio da decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 27/04/2010.
Muitos indivíduos conservadores acreditam que a adoção por casais homoafetivos é algo prejudicial para o desenvolvimento de uma criança, pensamento primitivo e sem nenhuma base científica, ressaltando que o preconceito ultrapassa o processo de adotar e continua durante toda a existência de uma família homoafetiva.
De acordo com Maria Berenice Dias, é incorreto afirmar que se uma criança for adotada por um casal homossexual isso possa atrapalhar de alguma forma seu desenvolvimento psicossocial.
As evidências trazidas pelas pesquisas não permitem vislumbrar a possibilidade de ocorrência de distúrbios ou desvios de conduta pelo fato de alguém ter dois pais ou duas mães. Não foram constatados quaisquer efeitos danosos ao normal desenvolvimento ou à estabilidade emocional decorrentes do convívio de crianças com pais do mesmo sexo. (DIAS, 2015).
Todos os casais homoafetivos devem ter o direito de adotar uma criança, sem qualquer distinção com os demais casais heteroafetivos que também desejam adotar, afinal, a adoção deve estar diretamente relacionada com o amor, e não com a orientação sexual de quem acolhe.
2.A ADOÇÃO
O instituto da adoção está presente na humanidade desde os primórdios da civilização, é possível verificar relatos de adoção na história, religião, ficção e mitologia.
Dentro da religião cristã, o relato mais conhecido que envolve adoção é o caso de Moisés, que foi deixado por sua mãe dentro de um cesto no Rio Nilo, como última tentativa de salvar a vida de Moisés de um decreto faraônico, que mandava assassinar todas as crianças do sexo masculino nascidas no Egito na mesma época que Moisés.
Após o cesto descer rio abaixo, foi encontrado pela filha do mesmo faraó que decretou a morte de todas as demais crianças do sexo masculino, e posteriormente, Moisés fora adotado e inserido naquela família.
Então lhe disse a filha de Faraó: Leva este menino, e cria-mo; eu te darei teu salário. E a mulher tomou o menino, e criou-o.
E, quando o menino já era grande, ela o trouxe à filha de Faraó, a qual o adotou; e chamou-lhe Moisés, e disse: Porque das águas o tenho tirado. (Êx 2, 9. 10).
Na ficção, temos a clássica obra cinematográfica “O Rei Leão”, a história do filhotinho de leão herdeiro de toda a savana africana, que foge das garras perversas de seu tio, após o mesmo assassinar seu pai para usurpar o trono. Depois de fugir, o pequeno leãozinho denominado de Simba é adotado por um suricata chamado Timão e seu melhor amigo Pumba, um porco selvagem.
Já na mitologia romana, existe uma história por trás da criação de Roma, em que os gêmeos Rômulo e Remo foram abandonados por sua mãe em um cesto às margens do rio Tibre, logo após, foram resgatados e amamentados por uma loba, que os criou até a fase adulta, período em que Rômulo assassina Remo e constrói a cidade de Roma.
Nesse diapasão, nota-se que, mesmo de forma implícita, a adoção está presente no cotidiano da maioria das pessoas, seja por conhecer alguém que já adotou, seja por adotar, por uma história bíblica, mitológica, ou até mesmo uma obra cinematográfica.
2.1 A adoção no Brasil
Segundo Pereira (2021), a adoção se instaurou no Brasil no período colonial e foi regida da fase Colonial até a fase Imperial pelas normas da coroa portuguesa, época em que só era transferido o poder familiar ao adotante através de um decreto real, que só poderia ser criado após o falecimento do pai biológico da criança.
O poder familiar é o conjunto de direitos e deveres que os pais possuem sobre seus filhos menores de idade, como por exemplo, o dever de proteger, assistir e criar seus filhos, bem como o direito de utilizar o método educativo que bem entender para a criação de seus dependentes, claro que dentro da legalidade e respeitando o melhor interesse da criança.
O Código Civil Brasileiro de 1916 regulamentou a adoção para que somente pessoas sem filhos pudessem adotar, o procedimento era lavrado em escritura pública e o vínculo de parentesco era estabelecido somente entre o adotante e o adotado, não podendo o adotado receber qualquer herança dos demais parentes sanguíneos do adotante (GONÇALVES 2021).
No ano de 1965 fora criada a lei 4.655, que trouxe um novo instituto para a adoção, o qual seria a desvinculação de parentesco do adotado com sua família originária, ou seja, neste momento, os adotados poderiam carregar o sobrenome dos pais adotivos e se desvincularem do sobrenome dos pais biológicos.
Noutro ponto, em 1979 passa a vigorar o Código de Menores (Lei nº 6.697), o referido Código estendeu o vínculo familiar instituído em 1965 aos demais membros da família do adotante, e a partir desse momento os nomes dos pais dos adotantes passaram a serem inseridos na certidão de nascimento dos adotados, sem a necessidade de prévia autorização.
O Código de Menores de 1979 foi revogado em 1990 pelo atual Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que permite a adoção apenas como última alternativa, após as devidas tentativas de inserir a criança junto a sua família natural:
Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.
§ 1 o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) . (BRASIL, 1990).
Além disso, conhecida popularmente como “Lei da Adoção”, a Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009 alterou inúmeros artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, trazendo algumas mudanças relativas à adoção de crianças indígenas e quilombolas. Um grande exemplo disso é a obrigatoriedade de respeitar a cultura indígena e quilombola da criança mesmo após a adoção (BRASIL, 1990).
Posteriormente, a lei nº 13.509 de 22 de novembro de 2017 criou a entrega voluntária de crianças para a adoção. A entrega voluntária é a possibilidade para que mães que não possuem interesse na maternidade possam entregar seus filhos para a adoção, o procedimento é feito pela Justiça da Infância e Juventude de forma sigilosa.
2.2 O processo legal da adoção
Em primeiro lugar, Gonçalves (2021) leciona acerca dos requisitos básicos para iniciar o processo de adoção legal, como ser maior de 18 (dezoito) anos e possuir diferença de idade mínima de 16 (dezesseis) anos com o adotado.
Na mesma temática, Dias (2016) esclarece que os processos de adoção possuem tramitação prioritária e que devem durar no máximo 120 dias, prorrogáveis por mais 120 (cento e vinte) dias. A prorrogação só poderá ocorrer após uma decisão fundamentada pelo juiz do processo.
Além disso, o Concelho Nacional de Justiça (CNJ) publicou em seu site um passo a passo de como funciona o processo de adoção no Brasil, sendo que o primeiro passo é procurar um Fórum ou Vara da Infância e da Juventude.
Subsequente, o indivíduo deverá enviar toda a documentação solicitada, que após a devida análise documental pelo Ministério Público, será enviado até o requerente uma equipe técnica multidisciplinar do Poder Judiciário, para averiguar as motivações da adoção, a estrutura familiar e todos os demais requisitos pertinentes.
Em seguida, o Conselho Nacional de Justiça (2019) informa que os interessados deverão participar de um programa de preparação para adoção, se tratando de um dos quesitos legais obrigatórios. Neste programa, os indivíduos serão instruídos de possíveis situações que irão enfrentar após a adoção e como devem reagir diante delas.
Após garantir a certificação de participação no programa de preparação para adoção, o requerimento da adoção será vislumbrado pelo Ministério Público e Poder judiciário no período de 120 (cento e vinte) dias. Assim, em caso de procedência, o cidadão será inserido no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento.
Depois da inserção no Sistema, o demandante deve aguardar ser chamado pelo poder judiciário, a fila de espera é cronológica e vai andar de acordo com as especificações do adotante em relação ao perfil da criança que deseja adotar.
Sendo encontrada alguma criança no perfil escolhido pelo adotante, e estando o adotante em sua vez na lista de espera, a criança será levada para residir com a parte requerente pelo período de no máximo 90 (noventa) dias, prorrogáveis por mais 90 (noventa) dias, se necessário.
O Conselho Nacional de Justiça (2019) discorre que este período é denominado como “Estágio de Convivência” e que daí em diante, o adotante deverá ingressar com ação judicial, para que seja homologada a adoção. O prazo máximo para o julgamento de tal ação é o de 120 (cento e vinte) dias.
2.3 A adoção por casais homoafetivos
No Brasil, não existe previsão legal que faça alguma distinção entre os adotantes por questões de gênero, sendo assim, os casais homoafetivos que tiverem interesse em adotar serão submetidos ao mesmo procedimento dos demais casais, passando por todos os trâmites já mencionados. No mesmo sentido, “nunca houve proibição legal expressa para tais adoções no ordenamento jurídico brasileiro, apenas interpretações contrárias ou favoráveis, de acordo com a concepção moral particular dos envolvidos em tais processos.” (PEREIRA 2021, p. 738).
Ainda, Pereira (2021) segue afirmando que para fins de adoção, os casais homossexuais devem, da mesma maneira que qualquer outro casal, demonstrar que estão casados ou em devida união estável, e que possuem estabilidade e satisfatória estrutura de núcleo familiar.
Apesar de tudo isso, não se pode esquecer que as famílias homoafetivas só foram reconhecidas no ano de 2011 pelo Supremo Tribunal Federal, ou seja, até esse período as diversas famílias homoafetivas sequer existiam para efeitos legais, o que evidencia a morosidade do reconhecimento de direitos pelas famílias homossexuais.
Após o reconhecimento das famílias homoafetivas pelo STF, em 05/05/2011 (Ação Direta de Inconstitucionalidade, ADI 4277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ADPF 132), a resistência e dificuldades das adoções por casais homossexuais tornaram-se menores. (PEREIRA, 2021, p. 739).
Em razão do tardio reconhecimento da família homoafetiva, os casais homoafetivos acabavam omitindo um dos parceiros no momento da adoção, o que era totalmente prejudicial aos interesses das crianças adotadas, vez que eram criadas por dois pais - ou duas mães - e estavam vinculadas juridicamente somente a uma pessoa. Ficando totalmente desamparadas em relação ao outro pai/mãe (DIAS 2016).
Diante disso, “o não estabelecimento de uma vinculação obrigacional gerava a absoluta irresponsabilidade de um dos genitores para com o filho que também era seu. Principalmente depois do reconhecimento, pelo STF, da união estável homoafetiva, a justiça passou a conceder a adoção a casais formados de pessoas do mesmo sexo” (DIAS, 2016, p. 502).
Independentemente do reconhecimento da união estável entre casais homoafetivos e consequentemente a concessão do direito de adotar, sabe-se que milhares de casais homossexuais ainda sofrem com diversas barreiras que os impossibilitam de exercer seu direito plenamente sem aborrecimentos.
3.O PRECONCEITO E A NEGLIGÊNCIA LEGISLATIVA COMO PRINCIPAIS BARREIRAS ENFRENTADAS POR CASAIS HOMOAFETIVOS
Mesmo com todos os avanços e alterações no conceito de família e no processo de adoção já supramencionados, infelizmente, quando se refere a questões relacionadas a sexualidade e principalmente a homossexualidade, o Brasil marcha em passos lentos. O ódio e a discriminação voltada para pessoas homossexuais permanecem escancarados na sociedade brasileira, fazendo com que pessoas homossexuais tenham medo até de sair de casa, a ideia é que não se avança, apenas retrocede.
Ato contínuo, o jornal O GLOBO explanou que clínicas voltadas para o tratamento psiquiátrico de pessoas dependentes de drogas estavam realizando um tratamento voltado para a “cura gay”, onde pessoas homossexuais eram submetidas a procedimentos desumanos para que se tornassem heterossexuais.
(…) o Ministério Público Federal, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Conselho Federal de Psicologia publicaram juntos um relatório sobre visitas a 28 Comunidades Terapêuticas. Em ao menos 14 das 28 instituições, “não há respeito à diversidade de orientação sexual e de identidade de gênero”. O documento descreve outras violações de direitos humanos em 16 lugares. Entre as práticas de castigo estavam privação de sono e supressão da alimentação, uso de violência física e trabalhos forçados. Em nove clínicas era disponibilizado o serviço de “resgate”, como o feito com a equatoriana Zulema: internamento forçado por meio de uma equipe que vai atrás da pessoa e a imobiliza, fazendo uso tanto de violência física quanto de contenção por meio da aplicação de medicamentos. (O GLOBO, 2019)
Da mesma forma, em novembro de 2020 o site G1 também expôs uma clínica psiquiátrica na capital do Brasil (Brasília) que prometia curar a homossexualidade de seus pacientes em no máximo seis meses de tratamento.
(...) Uma clínica de hipnose que oferece, em Brasília, a "garantia vitalícia" para "tratamento do homossexualismo" (sic) será investigada pelo Conselho Regional de Psicologia (CRP). A prática da terapia de reversão sexual, a chamada "cura gay", é vedada pelo órgão e, em 2019, foi suspensa a partir de um entendimento do Supremo Tribunal Federal. (G1, 2020).
É importante elucidar que não se tratam de práticas isoladas e raras no país, a homofobia está impregnada na estrutura organizacional do Brasil, e desde criança somos ensinados que o homossexualismo é algo maléfico para a existência do homem e que sua prática traz condenações espirituais sombrias.
Também, é necessário lembrar que já correu nos corredores do poder legislativo um projeto de lei voltado para a cura do homossexualismo no ano de 2013, a normativa visava suspender uma resolução do Concelho Federal de Psicologia que proibia o tratamento de pessoas homossexuais, vez que a homossexualidade não pode ser considerada uma patologia.
(...) O projeto Cura Gay, também conhecido pelos nomes Terapia da Reorientação Sexual, Terapia de Conversão ou Terapia Reparativa, consiste no conjunto de técnicas que tem o objetivo de extinguir a homossexualidade de um indivíduo.
Tal conjunto de técnicas inclui métodos psicanalíticos, cognitivos e comportamentais. Além disso, são utilizados tratamentos de ordem clínica e religiosa.
O assunto se tornou extremamente polêmico por se referir à orientação sexual como uma doença, já que a palavra CURA implica a eliminação de um “mal”. (EXAMEOAB, 2016).
De mais a mais, o primeiro contato com a homofobia começa na infância, onde essas pessoas – em sua maioria – são descriminadas por seus entes familiares, professores e colegas de escola por terem certos trejeitos que indicam sua orientação sexual, continua na adolescência pela sociedade e depois de adultos sofrem mais uma vez com o preconceito para conseguir formar uma família, logo, é indubitável que esses indivíduos passam a sua vida inteira lutando contra o preconceito.
Outra barreira que cerca o tema é a ausência de dispositivos legais específicos que protejam a comunidade LGBTQIA+ e que punam de forma severa os praticantes da homofobia no país. Além de tudo, a homofobia somente foi criminalizada no Brasil no ano de 2019, quando o Supremo Tribunal Federal tornou possível a aplicação da Lei do Racismo (Lei nº. 7.716/1989) aos casos de homofobia.
Segundo o site JOTA, ao menos 50 projetos de lei voltados para a causa LGBTQIA+ circulam entre as duas casas legislativas do Brasil (Câmara e Senado), sem nenhuma resolução ou aprovação, a verdade é que nenhum projeto de lei com temática homossexual foi aprovado no país desde a redemocratização e promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em 1988.
A causa LGBTQIA+ é tema de pelo menos 50 projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional, nenhum aprovado pelas duas casas desde a redemocratização. Com objetivos diversos, a maior parte das proposições está apensada a projetos similares e aguarda análise de comissões temáticas e parecer dos relatores, sem perspectiva de avanço no curto prazo. (JOTA, 2021).
Outrossim, de um lado temos um poder legislativo ativo e enérgico para apreciar e votar em projetos estapafúrdios como o da “cura gay” e do outro lado temos o mesmo Poder Legislativo ausente, moroso, que não sai de sua inercia quando se trata de reconhecer direitos básicos a pessoas da comunidade LGBTQIA+.
E sendo assim, não restam dúvidas que a população LGBTQIA+ encontra-se totalmente desamparada pelo poder público, que segue agindo da mesma maneira que agia no século XIX, ignorando a existência de pessoas homossexuais vigente no país, as descriminando, tratando a homossexualidade como doença e fomentando a homofobia estrutural. Dado que, enquanto o poder público não se manifestar de forma eficaz contra a homofobia, o sentimento de impunidade servirá como combustível para que os homofóbicos repliquem suas práticas.
Ademais, é necessário que o princípio da igualdade lecionado no artigo 5º da Constituição Federal de 1988 seja efetivo, e que essa efetivação seja material, para que se chegue a resultados tocáveis, alterando assim este cenário preocupante e garantindo que pessoas que integram a esfera LGBTQIA+ e os diversos casais homoafetivos possam viver e adotar com dignidade.
Diante de todas essas informações, é inegável que os casais homoafetivos enfrentam a barreira do preconceito para que consigam adotar crianças no Brasil, ou seja, existe uma revitimização constante sofrida pelas pessoas homossexuais neste país.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conforme previamente comentado, o presente artigo teve como objetivo realizar um estudo sobre as barreiras enfrentadas por casais homoafetivos na adoção de crianças no Brasil. Por se tratar de um tema polêmico na sociedade atual, fora necessário tomar o devido cuidado para que todos os dados abordados fossem devidamente fundamentados em obras literárias, julgados, matérias jornalísticas e na legislação pátria.
Diante de tudo que foi exposto neste artigo acadêmico, ficou constatado que o preconceito e a ausência de uma legislação eficaz quanto a atos homofóbicos, configuram-se como os maiores entraves enfrentados por casais homoafetivos na adoção de crianças no Brasil, tendo em vista que a inexistência de punições severas possibilitam a livre disseminação do preconceito no país.
Apesar da morosidade em que a população homossexual consegue ter seus direitos reconhecidos, foi possível verificar que com o passar dos anos existiu um avanço e que, talvez em um futuro próximo, será possível chegar a tão sonhada igualdade e isonomia expressas no artigo 5ª. da Constituição Federal de 1988.
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[1] Orientadora, possui graduação em Direito pela Faculdade UNIRG-TO; Especialização "lato-sensu" em Direito Processual Civil e Penal (2006) e em Direito Público (2007), pela Faculdade FESURV-GO; Mestrado em Direito pela Universidade de Marília-SP (2010), Doutorado em Direito Privado pela Pontificia Universidade Católica de Minas Gerais (2017). Atua como advogada no Estado do Tocantins e como Professora no curso de Direito da Católica do Tocantins. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Civil e Direito Processual Civil.
bacharelando do curso de Direito do Centro Universitário Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, WELERSON FITTIPALDI REIS. Os desafios para a adoção de crianças por casais homoafetivos no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 nov 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/59965/os-desafios-para-a-adoo-de-crianas-por-casais-homoafetivos-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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