EDY CESAR DOS PASSOS JUNIOR[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo trata da judicialização da competência do Estado do Tocantins em tributar o policial e bombeiro militar da inativa com base em legislação federal, haja vista a nova redação do art. 22, inciso XXI, da Constituição Federal, pela reforma da previdência, frente a competência do Ente Federativo para com seus respectivos militares no tocante a matéria.
Palavras-chave: contribuição. inativa. judicialização. militar. previdência.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo visa a compreensão das inovações trazidas pela reforma da previdência, ou melhor, pela Emenda à Constituição nº 103/2019, no tocante à contribuição previdenciária dos policiais militares da inativa.
Antes da referida reforma, os policiais militares da inativa contribuíam para previdência nos termos de legislação estadual, que, no caso do Estado do Tocantins, utilizava como base de cálculo o valor que ultrapasse o limite do INSS, fazendo com que a contribuição não fosse tão onerosa ao contribuinte da inativa.
Com o advento da reforma, sobreveio eventual capacidade legislativa da União de legislar sobre as pensões das policias militares, de modo que fez editar norma federal, alterando base de cálculo, além do percentual, a regra, que agora utilizada a sua integralidade.
Contudo, em que pese a previsão na Emenda à Constituição, o texto normativo constitucional manteve-se inerte quanto a competência dos Estados em fixar os deveres e obrigações dos policiais militares pertencentes a eles, ensejando, portanto, na judicialização do tema, haja vista que o status quo é mais vantajoso ao policial milita da inativa pertencente ao Estado Federativo.
Com a judicialização do tema, o Supremo Tribunal Federal, sob o rito de repercussão geral, apreciou a matéria em caráter difuso, modulando seus efeitos.
Com isso, encontra-se no presente artigo a análise ao acórdão paradigma, bem como sua aplicação no Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, se possível ou não a vinculação dos tribunais pátrios quanto da modulação dos efeitos.
2.EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 103/19 E A LEI FEDERAL Nº. 13.954/2019
Após a Emenda à Constituição nº 103 de 12 de novembro de 2019, a qual é denominada de “Reforma da Previdência”, o art. 22, inciso XXI, da Constituição Federal, passou a contar com a seguinte redação:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...] XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação, mobilização, inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares.
Com isso, a União fez editar a Lei Federal nº. 13.954, de 16 de dezembro de 2019, que alterou a Lei Federal nº. 3.765, de 4 de maio de 1960, em que essa segunda dispõe sobre as pensões militares, a qual deu ao art. 3º-A a imposição de que os militares da inativa iriam contribuir sobre seus proventos integrais. Ainda, determinou no §2º do aludido dispositivo, que a contribuição seria de 9,5% a partir de janeiro de 2020 e 10,5% a partir de janeiro de 2021, in verbis:
Art. 3º-A. A contribuição para a pensão militar incidirá sobre as parcelas que compõem os proventos na inatividade e sobre o valor integral da quota-parte percebida a título de pensão militar. § 1º A alíquota de contribuição para a pensão militar é de sete e meio por cento. § 2º A alíquota referida no § 1º deste artigo será: I - de 9,5% (nove e meio por cento), a partir de 1º de janeiro de 2020; II - de 10,5% (dez e meio por cento), a partir de 1º de janeiro de 2021.
Antes dessa inovação legislativa, o Estado do Tocantins, por imposição da Lei Estadual nº. 1.614/2005, tinha como base de cálculo das contribuições previdenciárias do segurado inativo a alíquota de 12% somente sobre aquilo que excedesse o limite máximo do Regime Geral de Previdência Social – RGPS, confira:
Art. 14. Considera-se base de cálculo das contribuições: [...] II - do segurado inativo, o valor dos proventos que supere o limite máximo estabelecido para os benefícios do Regime Geral de Previdência Social – RGPS; [...] Art. 16. É de 11% a alíquota da contribuição mensal dos segurados ativos, inativos e pensionistas, incidente sobre a base de cálculo de que trata o art. 14 desta Lei. Parágrafo único. No caso dos policiais militares, a alíquota de que trata este artigo é de 12% para fim de custeio das promoções por trintenariedade e posmortem.
A imposição de contribuição previdenciária sobre o que exceder o limite máximo do RGPS também pode ser encontrada na Constituição Federal, em seu art. 40, §18, veja:
§ 18. Incidirá contribuição sobre os proventos de aposentadorias e pensões concedidas pelo regime de que trata este artigo que superem o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201, com percentual igual ao estabelecido para os servidores titulares de cargos efetivos.
Dessa forma, diante da inovação, o Ministério da Economia lançou a instrução normativa nº. 5, de 15 de janeiro de 2020, para que os Estados dessem a devida observância às alterações ocorrida.
O Estado do Tocantins, ante a instrução normativa e as imposições legais trazidas pela nova legislação, passou a descontar dos policiais militares da inativa a alíquota de 9,5% sobre a integralidade dos proventos, a partir de maio de 2020, tendo aumentado, em janeiro de 2021, para 10,5%. Ou seja, antes os servidores efetivos em questão, já na inatividade, contribuíam somente com aquilo que ultrapasse o teto do RGPS, ou, teto do INSS, agora contribuem com a alíquota incidindo sobre a totalidade de seus proventos.
3.JUDICIALIZAÇÃO DO TEMA
Essa inovação legislativa passou a ser discutida em ações judiciais, principalmente no que concerne à constitucionalidade de a União alterar o sistema de contribuição previdenciária de policiais e bombeiros militares da inativa.
Isso porque a Constituição Federal, em seu art. 42, caput e §1º, diz que os policiais e bombeiros militares são pertencentes aos Estados, atribuindo a esse a competência para fixar, entre diversa coisas, os direitos e deveres desses, confira:
Art. 42 Os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 1º Aplicam-se aos militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, além do que vier a ser fixado em lei, as disposições do art. 14, § 8º; do art. 40, § 9º; e do art. 142, §§ 2º e 3º, cabendo a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inciso X, sendo as patentes dos oficiais conferidas pelos respectivos governadores.
Ainda, confira o teor do art. 142, §3º, inciso X, mencionado no §1º do supracitado dispositivo constitucional, também da Constituição Federal:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. [...] § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se-lhes, além das que vierem a ser fixadas em lei, as seguintes disposições: [...] X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra.
Dessa forma, vamos à análise de algumas demandas judiciais apreciadas pelo Supremo Tribunal Federal, seguida de demandas judicializadas perante o Poder Judiciário Tocantinense.
3.1 AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA Nº. 3.396/DF
A ação de que trata esse subtópico, é uma Ação Cível Originária – ACO, que tem como autor o Estado do Mato Grosso e réu a União, em que o citado membro federativo defende a sua competência na manutenção do sistema de inativos e pensão de militares, sustentando pela prevalência de lei local no que concerne à contribuição previdenciária e pela declaração de inconstitucionalidade pela via difusa da Lei Federal nº. 13.954/2019.
A referida ação foi distribuída ao Ministro Alexandre de Moraes e julgada procedente, a fim de reconhecer a inconstitucionalidade da Lei Federal nº. 13.954/2019 na via incidental, por entender que a União extrapolou a competência dos Estados insculpida no art. 42, §1º e art. 142, §3º, inciso X, ambos da Constituição Federal. A propósito:
Ementa: AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. CONSTITUCIONAL. FEDERALISMO E RESPEITO ÀS REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIA. LEI 13.954/2019. ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO PARA INATIVIDADE E PENSÃO. POLICIAIS E BOMBEIROS MILITARES ESTADUAIS. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA ESTABELECER NORMAS GERAIS. ART. 22, XXI, DA CF/88. EXTRAVASAMENTO DO CAMPO ALUSIVO A NORMAS GERAIS. INCOMPATIBILIDADE COM A CONSTITUIÇÃO. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. Ação Cível Originária ajuizada por Estado-membro com o objetivo não afastar sanção decorrente de aplicação, aos militares, de alíquota de contribuição para o regime de inatividade e pensão prevista na legislação estadual, em detrimento de lei federal que prevê a aplicação da mesma alíquota estabelecida para as Forças Armadas. 2. É possível a utilização da Ação Cível Originária a fim de obter pronunciamento que declare, incidentalmente, a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo, particularmente quando esta declaração constituir-lhe a sua causa de pedir e não o próprio pedido. 3. As regras de distribuição de competências legislativas são alicerces do federalismo e consagram a fórmula de divisão de centros de poder em um Estado de Direito. Princípio da predominância do interesse. 4. A Constituição Federal de 1988, presumindo de forma absoluta para algumas matérias a presença do princípio da predominância do interesse, estabeleceu, a priori, diversas competências para cada um dos entes federativos – União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios – e, a partir dessas opções, pode ora acentuar maior centralização de poder, principalmente na própria União (CF, art. 22), ora permitir uma maior descentralização nos Estados-Membros e nos Municípios (CF, arts. 24 e 30, inciso I). 5. Cabe à lei estadual, nos termos do art. 42, § 1º, da Constituição Federal, regulamentar as disposições do art. 142, § 3º, inciso X, dentre as quais as relativas ao regime de aposentadoria dos militares estaduais e a questões pertinentes ao regime jurídico. 6. A Lei Federal 13.954/2019, ao definir a alíquota de contribuição previdenciária a ser aplicada aos militares estaduais, extrapolou a competência para a edição de normas gerais, prevista no art. 22, XI, da Constituição, sobre “inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares”. 7. Ação Cível Originária julgada procedente para determinar à União que se abstenha de aplicar ao Estado de Mato Grosso qualquer das providências previstas no art. 7º da Lei 9.717/1998 ou de negar-lhe a expedição do Certificado de Regularidade Previdenciária caso continue a aplicar aos policiais e bombeiros militares estaduais e seus pensionistas a alíquota de contribuição para o regime de inatividade e pensão prevista em lei estadual, em detrimento do que prevê o art. 24-C do Decreto-Lei 667/1969, com a redação da Lei 13.954/2019. Honorários sucumbenciais arbitrados em R$ 4.000,00 (quatro mil reais), nos termos do artigo 85, § 8º, do CPC de 2015, devidos ao Estado-Autor. PREVIDENCIÁRIO) ADI 4912 (TP), ARE 915062 AgR (2ªT). - Decisão monocrática citada: (PRINCÍPIO DA REPARTIÇÃO DAS COMPETÊNCIAS, DIREITO PREVIDENCIÁRIO) ACO 3350 MC. - Legislação estrangeira citada: Constituição norte-americana de 1787. Número de páginas: 23. Análise: 18/11/2021, KBP.
Desse modo, a partir da ACO nº 3.396/DF, tem-se que a competência dos Estados Federados devem prevalecer no que concerne à fixação das alíquotas de contribuição previdenciária de policiais militares, de modo que a Lei Federal nº 13.954/2019 deve ser afastada.
3.2 RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº. 1.338.750/SC (TEMA 1.177/STF)
O Recurso Extraordinário de nº 1.338.750/SC, teve repercussão geral reconhecida em 01 de outubro de 2021, em que o Ministro Luiz Fux, diante da controvérsia constitucional do tema, propôs a seguinte tese à aprovação:
A competência privativa da União para a edição de normas gerais sobre inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares (artigo 22, XXI, da Constituição, na redação da Emenda Constitucional 103/2019) não exclui a competência legislativa dos Estados para a fixação das alíquotas da contribuição previdenciária incidente sobre os proventos de seus próprios militares inativos e pensionistas, tendo a Lei Federal 13.954/2019, no ponto, incorrido em inconstitucionalidade
O aludido recurso tem como recorrente o Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina – IPREV e recorrido Sebastião Sadir de Azevedo, que, conforme consta nos autos, o recorrido é policial militar da inativa e, inicialmente, ingressou com ação no juizado especial da fazenda pública, visando que sua contribuição previdenciária se desse nos moldes da legislação Estadual, afastando o aumento ocorrido com o advento da Lei Federal nº 13.954/2019, a qual fora julgada procedente, sendo mantida em sede de recurso inominado.
Com a interposição do Recurso Extraordinário, ora em debate, o Ministro Luiz Fux pautou-se em precedentes da Corte Suprema, inclusive a ACO nº 3.396/DF, para manter inalterado o acórdão hostilizado, negando-lhe provimento.
Ou seja, em que pese haja previsão constitucional para que a União possa legislar sobre os proventos dos militares, não houve alteração na Constituição Federal acerca da competência legislativa estadual incidente nos proventos dos militares da inativa, de modo que a Lei Federal nº 13.954/2019 restou recheada de vício de inconstitucionalidade.
A propósito, veja o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal acerca do aludido tema 1.177:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. FEDERALISMO E REGRAS DE DISTRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS LEGISLATIVAS. ARTIGO 22, XXI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, COM A REDAÇÃO DA EMENDA CONSTITUCIONAL 103/2019. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO PARA LEGISLAR SOBRE NORMAS GERAIS DE INATIVIDADES E PENSÕES DAS POLÍCIAS MILITARES E DOS CORPOS DE BOMBEIROS MILITARES. LEI FEDERAL 13.954/2019. ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INCIDENTE SOBRE A REMUNERAÇÃO DE INATIVOS E PENSIONISTAS. EXTRAVASAMENTO DO ÂMBITO LEGISLATIVO DE ESTABELECER NORMAS GERAIS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. PRECEDENTES. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. MULTIPLICIDADE DE RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. CONTROVÉRSIA DOTADA DE REPERCUSSÃO GERAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO.
3.2.1 MODULAÇÃO DOS EFEITOS
Ainda nos autos do Recurso Extraordinário nº 1.338.750/SC, também tema 1.177 do Supremo Tribunal Federal, o recorrente Instituto de Previdência do Estado de Santa Catarina – IPREV opôs embargos de declaração requerendo a modulação dos efeitos em razão de eventual desfalque financeiro nos cofres públicos. Também opuseram embargos de declaração requerendo a modulação dos efeitos às mesmas razões o Governador do Estado de Mato Grosso do Sul, o Estado do Mato grosso do Sul e o Estado do Pará, ambos postulando pela admissão no feito na condição de amicus curiae.
Mas antes de aprofundar no resultado dos aclaratórios opostos, cumpres esclarecer alguns pontos acerca do controle de constitucionalidade.
Resta cediço que quando há conflito constitucional de normas no ordenamento jurídico Brasileiro, é admitido o controle de constitucionalidade, o qual, nas palavras de Flávio Martins Alves Nunes Júnior (2019, p. 568) “consiste na verificação da compatibilidade das leis e dos atos normativos com a Constituição”.
Ainda nos ensinamentos de Flávio Martins (2019, p. 568), sabe-se que “para que uma lei seja válida precisa ser compatível com a Constituição. Caso a lei ou o ato normativo não seja compatível com a Constituição, será inválido, inconstitucional”.
Gilmar Ferreira Mendes, em sua obra “Curso de Direito Constitucional”, publicada juntamente com Paulo Gustavo Gonet Branco, diz que (2018 p. 1726):
Constitucional será o ato que não incorrer em sanção, por ter sido criado por autoridade constitucionalmente competente e sob a forma que a Constituição prescreve para a sua perfeita integração; inconstitucional será o ato que incorrer em sanção – de nulidade ou de anulabilidade – por desconformidade com o ordenamento constitucional.
Ou seja, é exatamente o caso ora em debate, em que se teve uma lei federal, qual seja: Lei nº 13.954/2019, aprovada e sancionada em conformidade com os ditames formais, que apesar de ter comando expresso constitucionalmente que valide seu conteúdo, acabou por ser incompatível com outro dispositivo constitucional, que dá plena competência legislativa aos Estados Membros de legislarem sob os preventos dos policiais militares da inativa, de modo que a contribuição previdenciária desses devem ser regida por legislação local estadual, de acordo com a tese aprovada pelo Supremo Tribunal Federal no tema 1.177.
Voltando ao controle de constitucionalidade, nas palavras de Luiz Roberto Barroso (2016, p. 65 e seg.), o Brasil adota o controle judicial no controle de constitucionalidade, via de regra, vez que ainda há a possibilidade de veto pelo Poder Executivo em razão de eventual inconstitucionalidade após as deliberações no Congresso Nacional, bem como pelo Poder Legislativo, quando, ainda em projeto de lei, a minuta passa pela Comissão de Constituição e Justiça.
Antemão, vê-se estar diante do controle de constitucionalidade judicial, o qual fora realizado pelo Poder Judiciário quando do tema 1.177. Extrai-se dos ensinamentos de Alexandre de Moraes (2016, p. 1.129) que: “há dois sistemas ou métodos de controle Judiciário de Constitucionalidade repressiva. O primeiro denomina-se reservado ou concentrado (via de ação), e o segundo, difuso ou aberto (via de exceção ou defesa)”.
Infere-se que temos a primeira via, sendo ela a principal, estando prevista no texto constitucional, sendo de competência do Supremo Tribunal Federal processar e julgar, originalmente, conforme disposição do art. 102, inciso I, alínea “a”, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal;
Do outro lado se tem a via incidental, que também tem amparo constitucional, no art. 97 da Constituição Federal, confira:
Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.
Ao contrário da principal, o controle pela via incidental, que nas palavras de Moraes (2016, p. 1.131) também pode ser chamada de via de exceção ou defesa, deve ser alegada no caso concreto. Ou seja, enquanto na principal se tem uma ação própria para debater acerca da constitucionalidade, na via incidental há um conflito existente em que, havendo dúvidas da constitucionalidade de determinada norma, poderá a parte alegar sua inconstitucionalidade, devendo o juiz ou tribunal apreciar o pedido quanto à aplicação da norma ao caso concreto.
Alexandre de Moraes consigna que:
O controle difuso caracteriza-se, principalmente, pelo fato de ser exercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciário deverá solucioná-lo e para tanto, 9.1.1 a. b. incidentalmente, deverá analisar a constitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo. A declaração de inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concreto, não sendo pois objeto principal da ação. (MORAES, 2016, p. 1.134 e 1.135).
Ainda nas palavras de Alexandre de Moraes (2016, p. 1.136) “a cláusula de reserva de plenário não veda a possibilidade de o juiz monocrático declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público”.
Ou seja, em que pese a previsão constitucional constante no art. 97 supramecionado, doutrinadores da Suprema Corte entende que a condição de reserva de plenário não obsta que magistrados singulares de primeiro grau exerçam o controle de exceção.
Na mesma corrente Luiz Roberto Barroso diz que:
O controle incidental de constitucionalidade é um controle exercido de modo difuso, cabendo a todos os órgãos judiciais indistintamente, tanto de primeiro como de segundo grau, bem como aos tribunais superiores. Por tratar-se de atribuição inerente ao desempenho normal da função jurisdicional, qualquer juiz ou tribunal, no ato de realização do Direito nas situações concretas que lhes são submetidas, tem o poder-dever de deixar de aplicar o ato legislativo conflitante com a Constituição. Já não se discute mais, nem em doutrina nem na jurisprudência, acerca da plena legitimidade do reconhecimento da inconstitucionalidade por juiz de primeiro grau, seja estadual ou federal. (BARROSO, 2016, p. 84)
Desta forma, tem-se que magistrado primevos podem exercer sua função judicial, analisando o caso concreto e, se assim for o caso, devidamente provocado, declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade de determinada norma.
No que concerne aos efeitos, encontra-se o brilhantismo nos ensinamentos de Alexandre de Moraes, o qual consigna que:
Declarada incidenter tantum a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo pelo Supremo Tribunal Federal, desfaz-se, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionais são nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, inclusive, os atos pretéritos com base nela praticados. Porém, tais efeitos ex tunc (retroativos) somente tem aplicação para as partes e no processo em que houve a citada declaração. (MORAES, 2016, p. 1.139).
Isso corrobora com o que já fora dito que além do controle ser incidental, seus efeitos são inter partes, ou seja, aplicam-se apenas às partes integrantes do processo em que a norma fora devidamente declarada inconstitucional pela via eleita, com a devida retroação ex tunc.
Já na via principal, o seu efeito é erga omnes, ou seja, valerá para todos, bem como também será retroativo. Nesse toar, veja o que diz Alexandre de Moares:
Declarada a inconstitucionalidade da lei ou ato normativo federal ou estadual, a decisão terá efeito retroativo (ex tunc) e para todos (erga omnes), desfazendo, desde sua origem, o ato declarado inconstitucional, juntamente com todas as consequências dele derivadas, uma vez que os atos inconstitucionaissão nulos e, portanto, destituídos de qualquer carga de eficácia jurídica, alcançando a declaração de inconstitucionalidade da lei ou do ato normativo, inclusive os atos pretéritos com base nela praticados (efeitos ex tunc). (MORAES, 2016, p. 1.178
Contudo, nos termos do que dispõe o art. 27 da Lei nº 9.868/99, a qual dispõe sobre o legal da ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal, dentre outras disposições, a Suprema Corte poderá limitar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade se para preservar segurança jurídica ou interesse social, in verbis:
Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
Porém, ao se extrai do aludido dispositivo, é que se trata de uma imposição direcionada à via principal, e no caso do tema 1.177 do Supremo Tribunal Federal, se tratou de uma declaração de inconstitucionalidade na via incidental, conforme se extrai da ementa já citada acima.
No entanto, em que pese a omissão legislativa quanto à possibilidade ou não de limitação dos efeitos, Moraes (2016, p. 1.140), defende a possibilidade de aplicação de modulação dos efeitos, desde que tragam a devida segurança jurídica, o ato praticado carregue boa-fé, e seja de grande razão à ordem pública social.
No mesmo toar, Barroso (2016, p. 105), fundamenta que a Suprema Corte já deixou de aplicar efeitos retroativos quando em decisões que declararam, pela via de exceção, a inconstitucionalidade de norma, de modo que o grande aumento de precedentes desta citada Corte dá azo à modulação dos efeitos, ainda que não haja previsão legal para tanto.
Ainda, Barros diz que (2016, p. 105) “aliás, a rigor técnico, a possibilidade de ponderar valores e bens jurídicos constitucionais não depende de previsão legal”. Ou seja, infere-se que o Ilustre doutrinador, atualmente ocupante da Suprema Corte Brasileira, defende que, por analogia à limitação da via principal em razão do art. 27 da Lei Federal nº 9.868/99 e precedentes que deixaram de aplicar a retroatividade, deve-se admitir a modulação dos efeitos na via de exceção.
Na mesma corrente, veja o que diz Sarlet, Marinoni e Mitidiero (2019, p. 1.520) “lembre-se, ademais, que o STF tem admitido a modulação dos efeitos de suas decisões também em sede de controle difuso”.
Portanto, conclui-se que, ao menos em maioria, os precedentes da Suprema Corte vêm sendo no sentido de, apesar da omissão legislativa, modularem os efeitos em eventual declaração de inconstitucionalidade, na via difusa, de certo que não foi diferente ao apreciar os embargos de declaração opostos nos autos do Recurso Extraordinário – tema 1.177/STF.
Ainda, à data deste artigo, se encontram pendentes de julgamento aclaratórios que visam afastar a modulação dos efeitos, o que poderá fazer com que seja afastada a modulação, a depender da análise pela Suprema Corte Nacional.
4.DEMANDAS JUDICIAIS NO ÂMBITO DO PODER JUDICIÁRIO TOCANTINENSE
No âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, a matéria cerne do presente artigo é assunto de grande relevância jurídica, pois trouxe três pontos à discussão, o mérito acerca da (in)competência da União em fixar os percentuais acerca da contribuição previdenciária dos militares da inativa, eventual modulação dos efeitos em razão de declaração de inconstitucionalidade pela via incidental e, por fim, uma questão acerca da competência jurisdicional para apreciar a matéria em Palmas – TO, seja dos Juizados Especiais da Fazenda Pública da comarca de Palmas – TO ou do Juízo da Vara de Execuções Fiscais e Saúde de Palmas.
Com o fito de melhor compreender a matéria, vamos analisar cada ponto acima alinhavado separadamente, submetendo à análise um feito judicial. De início, inova-se no presente artigo a questão de competência, a que, no caso em tela, por se tratar de questões envolvendo Fazenda Pública no polo passivo, aplica-se o art. 52, parágrafo único, do Código de Processo Civil, o qual determina que o autor da demanda poderá optar em que foro a ação tramitará em primeiro grau de jurisdição, seja em seu domicilio, no da ocorrência dos fatos que deram ensejo à demanda, ou também, na capital do respectivo Estado.
Ainda, considerando que a demanda discutida em tela envolve a Fazenda Pública, é de rigor ter como parâmetro, cumulativamente ao Código de Processo Civil, a fim de se escolher o rito adequado à demanda, a Lei Federal nº 12.153/2009, a qual em seu art. 2º, caput e §4º, impõe aos Juizados Especiais da Fazenda Pública sua competência absoluta para processar e julgar as causas em que a Administração Pública Direta for parte, quando o valor da causa for igual ou inferior a 60 (sessenta) salário mínimos, in verbis:
Art. 2o É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos. [...] § 4o No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta. (BRASIL, 2009)
A questão trouxe discussão jurídica ao Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, porquanto quando policiais militares da inativa ingressaram na justiça para discutir a questão previdenciária de alíquota na comarca de Palmas - TO, elegeram o Juizado Especial da Fazenda Pública, de modo que magistrados atuantes do aludido órgão de justiça, pautando-se em uma resolução do Tribunal Tocantinense, qual seja: Resolução nº 89/2018, declaravam-se incompetentes para processar e julgar a ação, pois a referida resolução havia instituído o Juízo da Vara de Execuções Fiscais e Saúde de Palmas, dando-lhe competência plena em ações que tinham por objeto créditos tributários.
Contudo, a referida resolução não fez ressalva quanto aos Juizados Especiais da Fazenda Pública, de modo que é possível concluir que os magistrados que se declararam incompetentes em razão da resolução, a fizeram de maneira equivocada, haja vista a devida observância tanto ao texto contido na resolução, especificamente em seu art. 1º, inciso III, bem como à Lei Federal que instituiu os Juizados Especiais da Fazenda Pública, que ainda se encontra em vigor. A propósito, confira o art. 1, III, da Resolução nº 89/2018 do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins:
Art. 1º Renomear e redistribuir as competências das varas cíveis, das fazendas e registros públicos, juizado especial criminal e turmas recursais na Comarca de Palmas, promovendo-se os necessários registros e retificações. [...] III – uma vara de execuções fiscais e ações de saúde, originada da transformação da 2ª vara dos feitos das fazendas e registros públicos, com competência jurisdicional plena e exclusiva, ressalvada a competência do juizado da infância e juventude, para os processos de execução fiscal e ações de saúde pública em que a fazenda pública estadual ou municipal, suas autarquias ou fundações seja parte ou interessada, seus incidentes e ações conexas e autônomas cujo objeto seja crédito tributário, até a extinção e arquivamento. (TOCANTINS, 2018)
Ainda, confira-se o seguinte conflito de competência julgado pela 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, sob relatoria do Desembargador Pedro Nelson de Miranda Coutinho, autuado sob o nº 0007228-81.2022.8.27.2700, em que, à vista da conclusão acima extraída, também concluiu pela competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, afastando a interpretação equivocada dos magistrados de 1º grau:
QUESTÃO DE ORDEM. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PROGRESSÃO FUNCIONAL. CARREIRA MILITAR. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 60 SALÁRIOS-MÍNIMOS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL. CONFLITO IMPROCEDENTE. 1. Cuida-se de ação ordinária de obrigação de fazer c/c cobrança c/c tutela de urgência ajuizada com objetivo de garantir progressões funcionais da carreira da Polícia Militar do Estado do Tocantins. 2. Por ocasião do julgamento realizado no dia 01/09/22, foi reconhecida a competência absoluta do Juizado Especial da Fazenda Pública de Palmas para julgar o feito de origem. Conflito conhecido e julgado improcedente. 3. A presente Questão de Ordem se faz necessária tendo em vista que no voto condutor (Evento 25), bem como no próprio acórdão (Evento 31), restou consignado, de forma equivocada, tratar-se de questão afeta a descontos previdenciários quando, em verdade, discute-se no feito de origem, o direito de promoções funcionais na carreira de Praça na Polícia Militar/TO. 4. Assim sendo, embora deva ser mantida a declaração de competência absoluta do Juizado Especial da Fazenda Pública de Palmas para julgar o feito de origem, fundamentada no valor atribuido à causa (inferior a 60 salários-mínimos), há necessidade de retificação no acórdão para que se faça constar o verdadeiro objeto da ação, qual seja, busca da garantia de progressão funcional. 5. Questão de Ordem no presente conflito negativo de competência para manter a declaração da competência do 1o Juizado Especial da Fazenda Pública da Comarca de Palmas para processar e julgar o processo de origem, diante da sua competência absoluta, porém, com a retificação do acórdão, nos termos alinhavados. (Conflito de competência cível 0007228-81.2022.8.27.2700, Rel. PEDRO NELSON DE MIRANDA COUTINHO, GAB. DO DES. PEDRO NELSON DE MIRANDA COUTINHO, julgado em 26/10/2022, DJe 31/10/2022 15:44:10
Portanto, em que pese a Resolução nº 89/2018 tivesse sido interpreta de maneira equivocada por magistrados do Juizado Especial da Fazenda Pública de Palmas – TO, o colegiado do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins que atua em segundo grau de jurisdição, pautado na segurança jurídica, fez valer a norma de cunho federal.
Na corrente do entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, passa-se à análise dos julgados concernentes ao mérito da questão, seguida de eventual modulação dos efeitos.
Incialmente, há de se ressaltar que, segundo o Ministro Luiz Fux (2021, p. 6):
A necessidade de adoção de precedentes formalmente vinculantes e de observância obrigatória em todas as instâncias judiciais foi reforçada, assim como a da ressignificação da sistemática da repercussão geral e dos recursos repetitivos no âmbito do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Superior do Trabalho. O rito dos precedentes qualificados tem o condão de conferir transparência, previsibilidade e razoável duração aos processos, ao mesmo tempo em que confere mais racionalidade e isonomia ao sistema processual, com a inibição de decisões múltiplas sobre a mesma temática.
Ou seja, quando um tema se repete perante o Poder Judiciário, existem mecanismos processuais capazes de qualificar a jurisprudência, trazendo um precedente qualificado, um modelo a ser seguido nos demais casos, em que determinado órgão colegiado aprecia tão somente um processo, dando maior efetividade aos demais e maior previsibilidade do direito, conferindo racionalidade ao sistema processual, como no caso de repercussão geral.
Foi com base nesse raciocínio que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a repercussão geral no Recurso Extraordinário nº 1.338.750/SC, alhures mencionado (tema 1.177). Com isso, tem-se que os tribunais pátrios, ao apreciar a matéria nos demais processos, podem seguir o precedente qualificado, aplicando-lhe ao caso, sabendo que a matéria não será alterada posteriormente quando de recursos à Suprema Corte, porquanto seguiram o acórdão paradigma.
Analisando o sistema de jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, que é composto por duas câmaras cíveis, é possível observar que os Doutos Desembargadores já estão aplicando o tema 1.177.
Confira o seguinte aresto de nº 0009725-36.2021.8.27.2722, da 1ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, de relatoria da Desembargadora Jacqueline Adorno, julgado em 11 de novembro de 2022, já pela aplicação parcial do acórdão paradigma (tema 1.177):
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - DESCONTO DE CONTRIBUIÇÃO PARA PENSÃO MILITAR - ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO PARA INATIVIDADE E PENSÃO POLICIAIS E BOMBEIROS MILITARES ESTADUAIS - COMPETÊNCIA PARA A DEFINIÇÃO DE NORMAS PREVIDENCIÁRIAS DOS MILITARES - LEI FEDERAL Nº 13.954/2019 - INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - INEXISTÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESTADUAL QUE INSTITUA A CONTRIBUIÇÃO PARA OS MILITARES INATIVOS E SEUS PENSIONISTAS NO ESTADO DO TOCANTINS - SENTENÇA REFORMADA - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1 - A questão posta à análise pode ser resumida na perquirição da possibilidade (ou não) dos descontos das contribuições do segurado militar inativo sobre os proventos e pensão se efetivarem independentemente de legislação estadual regendo a matéria. 2 - Nos termos do previsto no artigo 24, XII e §1º da CF, a União detém competência para o estabelecimento de normas gerais sobre previdência social (competência concorrente) e, com a Emenda Constitucional nº 103/2019, coube-lhe também a competência privativa para expedir normas gerais sobre a inatividade e pensão dos servidores militares dos Estados e do Distrito Federal (Art. 22, XXI, CF), permanecendo os servidores militares estaduais sob a responsabilidade financeira e administrativa dos Estados e, a rigor, inseridos na previdência própria estadual, única e indivisível (Art. 40, § 20, da CF). 3 - O STF ao decidir o Tema 1177 (Leading Case 1338750) fixou a seguinte tese: "A competência privativa da União para a edição de normas gerais sobre inatividades e pensões das polícias militares e dos corpos de bombeiros militares (artigo 22, XXI, da Constituição, na redação da Emenda Constitucional 103/2019) não exclui a competência legislativa dos Estados para a fixação das alíquotas da contribuição previdenciária incidente sobre os proventos de seus próprios militares inativos e pensionistas, tendo a Lei Federal 13.954/2019, no ponto, incorrido em inconstitucionalidade." 4 - Em razão da declaração da inconstitucionalidade do dispositivo legal que alterou a alíquota da contribuição previdenciária aos militares inativos, de rigor o reconhecimento do direito da parte autora de continuar contribuindo com o percentual praticado antes da vigência da Lei 13.954/19. 5 - Sentença reformada. Recurso conhecido e provido. (Apelação Cível 0009725-36.2021.8.27.2722, Rel. JACQUELINE ADORNO DE LA CRUZ BARBOSA, GAB. DA DESA. JACQUELINE ADORNO, julgado em 09/11/2022, DJe 11/11/2022 08:50:06)
Um ponto a ser esclarecido, que será tema de detida análise no presente tópico, é que a referida câmara, ao aplicar o acórdão paradigma, deixou de aplicar a modulação dos efeitos.
Já a 2ª Câmara Cível, ao julgar os autos de nº 0002740-42.2021.8.27.2725, já em sede de embargos de declaração, decidiu por bem modular os efeitos quando do julgamento ocorrido em 04 de novembro de 2022, veja:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO NA APELAÇÃO. OMISSÃO. SANADA. ALÍQUOTA DE CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. MILITARES ATIVOS OU INATIVOS E PENSIONISTAS. MATÉRIA ATINENTE AO TEMA 1177 DO STF. DECISÃO EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO MODULANDO OS EFETOS DA DECISÃO PROFERIDA NO RE Nº 1.338.750/SC CONCEDENDO EFEITOS PROSPECTIVOS À DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 24-C DO DECRETO-LEI 667/1969, INSERIDO PELA LEI 13.954/2019, A FIM DE QUE SEJAM CONSIDERADAS VÁLIDAS TODAS AS CONTRIBUIÇÕES REALIZADAS COM FUNDAMENTO NA REFERIDA LEI FEDERAL ATÉ 1º DE JANEIRO DE 2023. DESCONTOS REALIZADOS NOS PROVENTOS DO DEMANDANTE VÁLIDOS ATÉ 01/01/2023. EMBARGOS PROVIDO. ACÓRDÃO REFORMADO. 1- Não encerra, em princípio, pretensão modificativa, sendo possível a alteração substancial do julgado somente quando consectário lógico da correção dos vícios elencados nos incisos do art. 1.022, do CPC, o que não vislumbrei nos presentes aclaratórios. 2- Não foi observado por esta corte, que diante do julgamento dos embargos de declaração opostos no recurso extraordinário, representativo da controvérsia RE 1338750 - TEMA 1177, que diante do parcial provimento ao ED, houve a modulação os efeitos da decisão proferida pelo STF, a fim de preservar a higidez dos recolhimentos da contribuição de militares, ativos ou inativos, e de seus pensionistas, efetuados nos moldes inaugurados pela Lei 13.954/2019, até 1º de janeiro de 2023, devendo, portanto, ser sanada tal omissão.
3- No voto condutor do acórdão proferido nos embargos de declaração opostos no recurso extraordinário, representativo da controvérsia RE 1338750 - TEMA 1177, restou consignado "ser suficiente a concessão de efeitos prospectivos à declaração de inconstitucionalidade do artigo 24-C do Decreto-Lei 667/1969, inserido pela Lei 13.954/2019, a fim de que sejam consideradas válidas todas as contribuições realizadas com fundamento na referida lei federal até 1º de janeiro de 2023". 4- Percebe-se que os descontos até então promovidos sobre os proventos de aposentadoria dos policias militares, conforme preceitua o art. 24-C da Lei n.º 13.954, de 16 de dezembro de 2019, que reestruturou a carreira militar dispondo sobre o Sistema de Proteção Social dos Militares, alterando o Decreto-Lei nº 667, de 1969, determinando incidência de contribuição previdenciária sobre a totalidade da remuneração dos militares estaduais, ativos ou inativos, e de seus pensionistas, com a mesma alíquota de contribuição estabelecida para as Forças Armadas, devem ser mantidos, todavia, até a data de 01/01/2023. 5- Embargos de declaração conhecido e provido. 6- Acórdão reformado. (Apelação Cível 0002740-42.2021.8.27.2725, Rel. EURÍPEDES LAMOUNIER, GAB. DO DES. EURÍPEDES LAMOUNIER, julgado em 26/10/2022, DJe 04/11/2022 16:08:01).
Contudo, já entrando no assunto da modulação dos efeitos perante o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, aplicável por extensão a outros tribunais pátrios, tem-se que embora divergentes, bem como o primeiro parcialmente contrário ao acórdão paradigma, haja vista que não modulou os efeitos, entende-se por todo o exposto que ele não viola normas de precedentes qualificados, tampouco foi julgado equivocadamente, uma vez que, como exposto acima, o tema 1.177 foi autuado em repercussão geral a partir de um recurso extraordinário, de modo que a sua declaração de inconstitucionalidade sobreveio na via incidental e não na via principal, o que impõe, portanto, sua aplicação inter partes, podendo qualquer magistrado, ao aplicar o aludido precedente qualificado, modular ou não os efeitos do decisum ao seu caso em apreço.
À vista disso, é possível concluir que em que pese o acórdão paradigma seja um precedente qualificado com observância obrigatória, tendo em vista o caráter dos efeitos da modulação dos efeitos na via incidental de inconstitucionalidade, alhures reforçado pela doutrina, magistrados de primeiro e segundo grau de jurisdição, poderão a fastar a modulação dos efeitos, porquanto o julgamento perante o Supremo Tribunal Federal sobreveio de modo incidental, inter partes, cabendo aos magistrados pacificar a matéria tão somente no que concerne à inconstitucionalidade da norma federal.
5.CONCLUSÃO
Ante o exposto, é possível concluir que embora a Emenda à Constituição nº 103/2019 tenha trazido para o texto constitucional a competência da União em legislar sobre as pensões das policias militares, quando do art. 22, inciso XXI, da Constituição Federal, que deu ensejo na alteração na alíquota e sistema de base de cálculo dos policiais militares da inativa estaduais, tem-se que por não ter tido reforma quanto ao art. 42, caput e §1º, também da Carta Magna Brasileira, deverá ser mantido o texto normativo de lei estadual no tocante, devendo ser afastada a lei advinda da aludida reforma.
Tal questão fora pacificada em precedente qualificado, ainda que em sede de Recurso Extraordinário, com declaração de inconstitucionalidade pela via incidental, devendo os tribunais pátrios, sempre que tratarem da matéria, observar tal precedente, contudo, não se vinculando quanto à modulação dos efeitos, como alhures detalhado, porquanto poderá o magistrado, no caso concreto, fazer o distinguishing do caso, tendo em vista que muito embora o precedente qualificado o tenha modulado, entende-se que os efeitos da declaração incidental de inconstitucionalidade é inter partes, devendo cada qual ingressar com ação judicial para ter afastada a norma federal, de modo que o magistrado irá aplicar a íntegra ou não o acórdão paradigma, com ou sem modulação, como nos autos julgados perante as câmaras do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, sobremaneira detalhados.
Por fim, à vista da matéria, foi possível observar pequena divergência acerca de competência nas comarcas de Palmas – TO envolvendo a matéria, haja vista que envolve crédito tributário, de modo que, nos termos da Resolução nº 89/2019, que instituiu nova Vara de feitos fazendários com competência plena em créditos tributários, magistrados dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, ainda que de maneira equivocada, se declaravam incompetentes, sem dar a efetiva observância ao valor da causa, violando norma federal, que atribui a si, Juizado Especial da Fazenda Pública, competência absoluta, conforme disposição do art. 2º, §4, da Lei Federal nº 12.153/2009.
À vista disso, tem-se como inconstitucional a contribuição com base em lei federal, bem como faculdade dos tribunais pátrios aplicar a modulação dos efeitos contidos no acórdão paradigma e, em questão de competência no âmbito dos limites jurisdicionais para processar e julgar a matéria na comarca de Palmas – TO, entende-se que quando preenchidos os requisitos contido em lei federal, será de competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública apreciar o feito, não havendo que se falar na resolução nº 89/2019 do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins.
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TJTO, 2ª Câmara Cível. Apelação Cível nº 0002740-42.2021.8.27.2725. Rel. Des. Eurípedes Lamounier, DJe 04.11.2022.
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TOCANTINS. Resolução nº 89, de 17 de maio de 2018. Palmas, TO, Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, 2018.
[1] Mestre em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade Federal do Tocantins - UFT. Pós-graduado em Gestão Pública pela Faculdade Suldamerica. Bacharel em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC. Advogado e Professor da Faculdade Serra do Carmo - FASEC.
Graduando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo - FASEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, HELIO FARIA DA. A judicialização da competência do Estado do Tocantins na fixação das alíquotas de contribuição previdenciária dos policiais e bombeiros militares. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 nov 2022, 04:13. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60265/a-judicializao-da-competncia-do-estado-do-tocantins-na-fixao-das-alquotas-de-contribuio-previdenciria-dos-policiais-e-bombeiros-militares. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Maurício Sousa da Silva
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