PEDRO NERY DE CARVALHO BARROS[1]
(coautor)
RODRIGO ARAÚJO SARAIVA
(orientador)
RESUMO: Historicamente, o trabalho no Brasil foi sempre concebido em conjunto com uma série de fatores que o assimilam à falta de organização, precarização, descuido e falta de regulamentação jurídica, o que já não é mais novidade. Gradativamente, diversos institutos legais foram surgindo, assim como novas formas de emprego.Um grande exemplo disso são os motoristas de aplicativos,como Uber. Diante disso, uma pergunta permanece, como garantir os direitos trabalhistas e regularizar novos modelos de trabalho mediante o fenômeno da uberização no Brasil? Diante disso, este estudo tem por objetivo analisar a precarização do direito do trabalho no Brasil e também o fenômeno da Uberização, de modo a averiguar se a doutrina e a jurisprudência reconhecem ou não vínculo empregatício entre tais prestadores de serviço e a respectiva plataforma ou aplicativo. A presente temática se faz de muita importância diante da constante mudança que vem ocorrendo nas relações de trabalho, juntamente ao desemprego que atormenta os brasileiros ao longo dos anos, agravada por conta da pandemia da COVID-19. Motivo esse que culminou no presente estudo desenvolvido através de uma pesquisa bibliográfica narrativa, com a intenção de esclarecer pelo entendimento jurídico e doutrinário a cerca das novas modalidades de trabalho que vem surgindo em nosso país, quais as principais mudanças e quais os impactos na relação de emprego e de trabalho diante desse cenário.
Palavras-chave: Direito do Trabalho; Flexibilização; Vínculo Empregatício; Uberização.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como objetivo discutir a regularização de novos modelos de trabalho no Brasil que luta contra o desemprego. Que surgiram com a chegada de novas plataformas digitais, permitindo a criação de novos modelos de prestação de serviço.
Nesse sentido, estamos diante de uma questão que envolve os Direitos trabalhistas e a regularização dos novos modelos de trabalho no Brasil, fenômeno este que vem sendo denominado como o Fenômeno da uberização no Brasil.
Então o que se indaga e o que os doutrinadores discutem é, como garantir os direitos trabalhistas e regularizar novos modelos de trabalho diante o fenômeno da uberização no Brasil?
O processo da uberização partiu inicialmente da análise das relações laborais entre motoristas e os aplicativos de transporte. Desse modo a contemporânea pesquisa bibliográfica baseia-se na análise de tal relação contratual tão emergente no cenário trabalhista brasileiro.
É cedido que o processo de uberização nasceu da necessidade de muitos brasileiros adentrarem no mercado de trabalho, de forma que rompam com a prejudicial taxa de desemprego presente nos pais nos últimos anos. Contudo o presente estudo tem como objetivo discutir os ônus e bônus de tal fenômeno.
O desemprego, como se sabe, é um dos piores males sociais ao qual uma nação possa enfrentar, pois prejudica tanto o indivíduo com relação ao atendimento das necessidades básicas do ser humano, bem como não permite a circulação de dinheiro no meio social ao qual se vive, adentrando num problema de cunho social.
Com isso, verifica-se nitidamente a interligação do desemprego ao início e constante crescente de adesão de brasileiros ao labor por meio de contratação de aplicativos. A análise aqui a ser discutida pairará no que diz respeito às consequências, positivas ou negativas, deste novo meio relacional trabalhista.
Tal discussão se demonstra pertinente à medida que tal situação ainda encontra-se totalmente sem regulamentação específica por parte do Poder Legislativo brasileiro, ao qual cabe, na sua função típica, ser sensível aos acontecimentos e transformações sociais e confeccionar normas jurídicas para regular as condutas sociais, em que a uberização no direito do trabalho deveria ser incluída.
Com isso, a prezada pesquisa entonará análise acerca das características que permeiam tal exercício laboral prestados por motoristas de aplicativos no plano fático, com tom crítico necessário à elucidação interpretativa de como a atividade é desenvolvida e os possíveis direitos advindos dessa.
2 CONTEXTO HISTÓRICO DO TRABALHO NO BRASIL
No Brasil, o trabalho vem ocorrendo de várias formas desde seu período colonial, a partir dos anos 1530, como, por exemplo, a economia agrícola como carro chefe dos postos de ocupação da época, alicerçada no trabalho escravo. Ao longo da história, diversas formas de regulamentação foram sendo feitas, gradativamente, até que se chegasse ao ponto que atualmente se encontra o entendimento acerca do trabalho e suas implicações.De acordo com Barros (2016):
No Brasil, de 1500 até 1888, o quadro legislativo referente ao trabalho registra, em 1830, uma lei que regulou o contrato sobre prestação de serviço dirigida a brasileiros e estrangeiros. Em 1837, há uma normativa sobre contratos de prestação de serviços entre colonos dispondo sobre justas causas de ambas as partes. Em 1850 é o Código Comercial, contendo preceitos alusivos ao aviso prévio.
Dessa forma, é perceptível a ausência de regulamentação, e a inércia de leis trabalhistas durante muitos anos seguidos, visto que se demorou mais de trezentos anos, desde a colonização, até o primeiro registro de regulamentação voltada aos interesses trabalhistas.
Primeiramente, deve-se atentar que é apenas a partir da extinção da escravatura (1888) que pode se iniciar uma pesquisa consistente sobre a formação e consolidação do trabalho no Brasil, como o conhecemos hoje.
Vale ressaltar que não se trata de sustentar que inexistisse no Brasil, antes de 1888, qualquer experiência de relação de emprego, qualquer experiência de indústria ou qualquer traço de regras jurídicas que pudessem ter vínculo, ainda que tênue, com a matéria que, futuramente, seria objeto do Direito do Trabalho. Trata-se, apenas, de reconhecer que nesse período anterior, marcado estruturalmente por uma economia do tipo rural e por relações de produção escravistas, não restava espaço significativo para o florescimento das condições viabilizadoras do ramo justrabalhista. Segundo Martins (2021), "a história do Direito do Trabalho identifica-se com a história da subordinação, do trabalho subordinado. Verifica-se que a preocupação maior é com a proteção do hipossuficiente e com o emprego típico".
Sendo assim, percebe-se que a partir do ano de 1888 temos um período que se caracteriza por uma maior importância dada à relação empregatícia e sua regulamentação. De acordo com Delgado (2019, p. 128):
Nesse quadro, o período se destaca pelo surgimento ainda assistemático e disperso de alguns diplomas ou normas justrabalhistas, associados a outros diplomas que tocam tangencialmente na chamada questão social. Ilustrativamente, pode-se citar a seguinte legislação: Decreto n. 439, de 31.5.1890, estabelecendo as “bases para organização da assistência à infância desvalida”; Decreto n. 843, de 11.10.1890, concedendo vantagens ao ‘Banco dos Operários’; Decreto n. 1.313, de 17.1.91, regulamentando o trabalho do menor(4). Nesse primeiro conjunto destaca-se, ainda, o Decreto n. 1.162, de 12.12.1890, que derrogou a tipificação da greve como ilícito penal, mantendo como crime apenas os atos de violência praticados no desenrolar do movimento.
Um segundo período que vale a pena ser citado, e que é o mais relevante até o momento, é o período compreendido dos anos de 1930 até o ano de 1945, durante a chamada Era Vargas.É nesse momento que ocorre uma intensa atividade administrativa e legislativa do Estado, através de políticas fortemente intervencionistas. Pontos importantes e que valem a pena ser citados, são por exemplo, a Constituição de 1934. Que, segundo Barros, foi a primeira a estabelecer que a lei promoverá o amparo da produção e estabelecerá as condições de trabalho na cidade e nos campos, tendo em vista a proteção social do trabalhador e os interesses econômicos do país.
Ela foi caracterizada pela criação da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho, criação de leis trabalhistas, instituindo jornada de trabalho de oito horas diárias, repouso semanal e férias remuneradas. Para além do texto constitucional de 1934, outras disposições acerca da regulamentação do trabalho foram sendo adotadas.
Dentre elas,o instituto legal estabelecido em 1943.Como principais características da CLT, podem ser citadas a regulamentação do Registro do Trabalhador e da carteira de trabalho, a jornada de trabalho, o período de descanso, as férias, a medicina do Trabalho, as categorias Especiais de Trabalhadores, a proteção do trabalho da Mulher, os contratos Individuais de Trabalho, a organização sindical, as Convenções Coletivas, a fiscalização, a Justiça do Trabalho e Processo Trabalhista.
Nascimento expõe que as leis trabalhistas se expandiram de forma desorganizada; eram espalhadas, de modo que cada profissão tinha uma lei específica, fato que, além de prejudicar muitas outras profissões que ficaram fora da previsão legal, pecava pela falta de sistema e pelos inconvenientes naturais dessa fragmentação.
O modelo justrabalhista então estruturado agrupou-se, anos após, em um único diploma normativo, a Consolidação das Leis do Trabalho (Decreto-lei n. 5.452, de 1.5.1943). Embora o nome reverenciasse a obra legislativa anterior (consolidação), a CLT, na verdade, também modificou e expandiu a legislação trabalhista existente, assumindo, desse modo, a natureza própria a um código do trabalho.
Apesar das críticas que vem sofrendo, a CLT cumpre seu papel, especialmente na proteção dos direitos do trabalhador. Entretanto, pelos seus aspectos burocráticos e excessivamente regulamentador, carece de uma atualização, especialmente para simplificação de normas aplicáveis a pequenas e médias empresas.
Vale por último ressaltar a diferença de relação de trabalho e relação de emprego, noção importante para os próximos capítulos. Em meio a esse cenário, Jorge Neto e Cavalcante (2013) conceituam a relação de trabalho nos seguintes termos:
[...] É a relação jurídica em que o prestador dos serviços é uma pessoa natural, tendo por objeto a atividade pessoal, subordinada ou não, eventual ou não, e que é remunerada (ou não) por uma outra pessoa natural ou pessoa jurídica. Portanto, a relação de trabalho é o gênero, sendo a relação de emprego uma de suas espécies.
A relação de emprego ocorre quando estão presentes os requisitos do art. 3º da CLT, ou seja, temos uma relação de emprego quando há a prestação de serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário. Destaca-se que a prestação de serviços tem que ser intuitu personae, ou seja, apenas aquela pessoa pode fazer, sendo a mesma insubstituível para aquela tarefa. A relação de trabalho ocorre quando se reconhece o vínculo empregatício, através requisitos legais e cumulativos,sendo eles que o empregado seja pessoa física, pois serviço deverá ser prestado sempre por pessoa física ou natural, o empregado não pode ser pessoa jurídica, pois o Direito do Trabalho objetiva tutelar apenas a pessoa física.Outro requisito importante é a pessoalidade na prestação de serviço, ou seja, o serviço deverá ser prestado pessoalmente pelo empregado não podendo este ser substituído por outro empregado. O terceiro requisito é a não eventualidade.
Conforme esse requisito, para que seja caracterizada a relação de emprego, o trabalhador deverá prestar serviço com habitualidade, de forma contínua. Para que se caracterize a relação de emprego, o empregado deverá trabalhar em favor de outrem, e este trabalho será compensado com um salário. E por fim a subordinação. É considerado um dos principais requisitos para caracterizar a relação de emprego, também é visto como um estado de dependência, ou seja, o empregado está sob ordens do empregador.A caracterização do vínculo empregatício se dá pela subordinação jurídica, ou seja, existe a vinculação do empregado ao poder empregatício.
Tais requisitos, quando presentes juntos, configuram a relação de emprego, que é vista como uma espécie da relação de trabalho. O exercício de trabalho é inclusive garantia constitucional presente no artigo 5°, inciso XIII , da Constituição Federal de 1988. De acordo com ela, o direito ao trabalho também configura um direito social, ao lado do direito à saúde, alimentação, moradia, dentre outros.Dessa forma percebe-se a grande importância dada pelo texto constitucional ao presente tema em questão.
O artigo 7° do mesmo dispositivo legal, estabelece em seguida uma série de outros direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, como por exemplo, o salário mínimo ; piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho ; irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo ; garantia de salário nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável ; décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria ; proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa, dentre tantas outras garantias. Todo esse respaldo faz com que o trabalhador convencional desfrute de grande segurança jurídica durante o exercício de seu emprego, segurança essa que como exposto a seguir, não se configura para todos os tipos de prestação de serviços em nosso país.
3 FENÔMENO DA UBERIZAÇÃO NO BRASIL
É fato que atualmente vive-se numa época em que o acesso vale mais que o acúmulo. Com um clique, é possível solicitar um motorista, um entregador, uma casa para alugar e até fazer um curso online. Tudo sem grandes negociações, apenas analisando reviews e notas. É o mundo da "economia compartilhada".
A chegada do Uber e outros tantos aplicativos fez a sociedade adotar para a vida o chamado serviço “peer-to-peer”, isto é, pessoas colaborando umas com as outras, como alternativa às grandes corporações que antes lideravam esses serviços. Tudo muito confortável, mas essa mudança de comportamento também fez consolidar de vez um novo modelo de negócio.
O fenômeno da “uberização” consolidou empresas que agora intermedeiam a demanda de trabalhadores cada vez mais informais. Se, por um lado, isso fomenta o surgimento de novos empregos, por outro há também um processo de precarização da mão de obra — afinal, esses trabalhadores passam a não ter mais vínculos empregatícios.
De acordo com Ricardo Antunes, sociólogo e autor do livro “O privilégio da servidão: o novo proletariado de serviços na era digital”, expõe que ‘“se homens e mulheres tiverem sorte hoje, o seu trabalho será precário”. Nesse sentido, para ele os trabalhadores serão servos, e isso ainda assim será um privilégio, em comparação com o desastre ainda maior, que é o do desemprego.
Deve-se entender que Uberização é o termo que, no campo do trabalho, diz respeito à economia do compartilhamento: define uma relação de trabalho contemporânea em que se "vende" um serviço para alguém de forma independente, sem intermediação de empresas, em geral via internet.O próprio termo deriva do nome da empresa ‘’Uber’’ , na qual os motoristas possuem essa liberdade e atuam de acordo com a demanda dos clientes, se aceitarem a corrida (ou o trabalho). O modelo é visto como uma forma mais eficiente de atuação em meio as demandas atuais do mercado de trabalho.
No princípio, esse fenômeno consistia numa operação de empréstimos e trocas entre iguais; em pouco tempo, com a chegada da Uber, essa dinâmica ganhou o nome da plataforma e passou a explicar a relação entre autônomos e contratantes. A uberização é uma forma paralela de atuação e funcionamento econômicos, à margem dos controles do Estado. Para Abílio (2019), a uberização do trabalho é uma forma de gestão que traz novos modelos organizacionais e de controle laboral e que vem como uma grande tendência global.
Por ter diferentes usos, é difícil saber sua origem. Sabe-se apenas que o termo vem da inovação trazida pela empresa Uber no mundo dos aplicativos — e acabou virando a terminologia para explicar como essas novas empresas gerenciam seus negócios. Assim como a Uber, muitas empresas utilizam tecnologia semelhante, visando sempre colocar consumidores e fornecedores em contato direto. Nesse sistema, os intermediários não atuam diretamente no processo. A única função deles é garantir que aqueles que procuram um serviço possam encontrar pessoas dispostas a oferecer essa demanda. O termo é usado internacionalmente e popularizado no Brasil desde pelo menos 2017, quando passou a ser incorporado em pesquisas e estudos da área do trabalho.
Apesar de as empresas de tecnologia reforçarem que os "parceiros" podem trabalhar quando e quanto quiserem, essa liberdade acaba negada quando há um dever de cumprir objetivos definidos num programa de serviço. Quem vai entregar ou quantos serviços cada trabalhador pode aceitar num dia: tudo isso é decidido de forma unilateral por algoritmos. Passa-se a ter um trabalhador reduzido à força de trabalho: ele é utilizado somente quando necessário e não conta mais com nenhuma garantia, nem mesmo sobre quanto vai ter de trabalhar num dia para alcançar uma remuneração mínima. Não há margem de negociação.
Acaba por ser uma enorme transferência de custos, de riscos e de responsabilidades. Por exemplo, duzentas mil pessoas trabalhando informalmente sem qualquer pré-definição sobre horário, e uma empresa controlando todo esse trabalho. Eles trabalham como querem, de fato, mas estão subordinados a uma série de regras que são onipresentes, sem garantia sobre remuneração, tempo de trabalho, custos e até acidentes.
Para Franco e Ferraz (2019), a uberização pode ser vista como uma saída ao crescente desemprego considerando seu potencial de utilizar bastante mão de obra, todavia, de forma mais complexa, é notório que enquanto as empresas tendem a obter um lucro maior os direitos trabalhistas tendem a ser mais precarizados.
Sendo assim, a grande questão envolvendo o termo ‘’Uberização do trabalho’’ é saber se em tal prática, os ‘’parceiros’’ possuem garantias trabalhistas previstas em dispositivos legais e assim estão amparados pelas normas trabalhistas, ou se tal fenômeno não confere tais condições às pessoas que a ele aderem, cada vez mais e mais em nosso país, na busca incessante por melhores oportunidades e condições de emprego, e também de vida.
4 TRABALHO CONVENCIONAL E O FENÔMENO DA “UBERIZAÇÃO”
Nos dias atuais existe uma grande discussão no meio jurídico em geral sobre a existência ou não de alguma espécie de vínculo de emprego entre as empresas que tem sua funcionalidade através de aplicativos, como o Uber, por exemplo, e os trabalhadores, que prestam seus serviços para essas novas modalidades de empreendimentos.
Diante esse cenário, é importante observar as posições dos sujeitos dessa relação, pois, de um lado os administradores das plataformas justificam que fazem apenas o papel de intermediários entre os consumidores e os prestadores de serviços cadastrados, não reconhecendo assim nenhuma espécie de vínculo empregatício. Situação essa que por muitas vezes faz com que os prestadores de serviços não se sintam protegidos nas relações no qual ele fornece seus serviços, causando uma sensação de liberdade por um lado e da falta de uma segurança por outro.
Em palestra promovida pela Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (CE), no dia 14 de fevereiro, afirmou o juiz do trabalho Fausto Siqueira Gaia: “Nós estamos diante de um grande paradoxo no mundo do trabalho. Trabalhadores que se encontram em situação de informalidade acabam excluídos da proteção do Direito do Trabalho”.
Segundo o magistrado, as movimentações econômicas e trabalhistas cada vez mais tem sido palco de transformações que possuem o objetivo de computar as responsabilidades dos riscos do para o trabalhador. Tendo como comparação o século 20, época em que o empregador já fornecia os meios necessários para a realização do trabalho e o empregador tinha como objetivo único apenas disponibilizar a sua mão de obra. Bem como a partir da década de 1970, onde se originou e começou-se a utilização da chamada terceirização do trabalho, a força de trabalho ainda sim continuava sendo o principal elemento em poder do empregado, porém, os meios de produção não ficam concentrados somente na mão do empregador, que transfere parte deles para um prestador de serviço.
Com o processo de “uberização do trabalho”, a partir do século 21, as empresas do ramo de prestação de serviços quem como base a utilização de tecnologias, abrem mão da posição de detentora dos meios de produção, e acabam por transferir todo ou quase todo o risco de negócio para o trabalhador. Esse novo modelo que rege a organização do trabalho do século atual, exige por parte do trabalhador, que ele disponha, além de sua força trabalho, também os meios de produção, que no caso dos aplicativos de motoristas de empresas de aplicativos, é o carro juntamente com todas as despesas decorrentes de seu uso, como combustível, manutenção e impostos.
Diante dessa situação, existe uma corrente de pensamento e opiniões onde tem-se a visão de que no futuro, ocorra provavelmente a extinção da figura do trabalhador, não havendo assim o emprego, teremos apenas o trabalho. Com isso, o estado deve ter a devida preocupação em garantir uma sistemática de proteção para os prestadores de serviços, visando evitar situações que venham a ferir a personalidade dos mesmos. Pois muitos deles, com conta da precarização do trabalho e também do baixo valor oneroso vem a receber , acabam por esta fora do sistema de proteção social, e em caso de acidente, por exemplo, ficariam sem assistência, benefícios que o trabalhador costuma ter no “trabalho convencional”.
No chamado trabalho convencional, o empregado mantém o vínculo empregatício, sendo assim, mantendo-se protegido por todas as regras que discorrendo sobre o regramento da relação de trabalho, o empregado não tem que se preocupar em contribuir mensalmente ao INSS, tem a garantia do seguro desemprego caso seja despendido, tem direitos e deveres claros e tipificados em normas trabalhistas vigentes.
De acordo com isso existe uma linha de entendimento que não se pode descartar e nem extinguir a figura da relação de trabalho, com o empregador e o empregado devidamente cientes de seus direitos e deveres um para com o outro, visto isso, defende-se que somente dessa forma o direito do trabalho poderá dar uma maior segurança jurídica para as relações de trabalho que venham a surgir nesse novo século.
É cediço que as fontes do direito refletem a nascente do instrumento de controle social que o Direito representa em sociedade, fazendo assim surgir a necessidade de estar sempre em constante atualização com os novos modelos de relações jurídicas.
Visto isso, o presente trabalho aborda, em sua grande parte, fontes legislativas e doutrinárias para embasar o estudo em voga, entretanto, como forma de abarcar a situação discutida no meio jurídico-prático necessário se faz demonstrar jurisprudências, que são decisões judiciais reiteradas dotadas de uniformidade e segurança jurídica aos jurisdicionados.
No caso em questão, como ponto de partida, colhe-se julgado que denota inovação no meio decisório judicial acerca da temática abordada, qual seja o fenômeno da Uberização ou não. Visto isso, destaca-se um importante avanço decisório perpetrado pelo Egrégio Tribunal Superior do Trabalho:
RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI 13.467/2017 . UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA. NATUREZA JURÍDICA DA RELAÇÃO MANTIDA ENTRE OS TRABALHADORES PRESTADORES DE SERVIÇOS E EMPRESAS QUE ORGANIZAM, OFERTAM E EFETIVAM A GESTÃO DE PLATAFORMAS DIGITAIS DE DISPONIBILIZAÇÃO DE SERVIÇOS DE TRANSPORTE AO PÚBLICO, NO CASO, O TRANSPORTE DE PESSOAS E MERCADORIAS.
(RR-100353-02.2017.5.01.0066, 3ª TURMA, RELATOR MINISTRO MAURICIO GODINHO DELGADO, DEJT 11/04/2022).
Como visto na decisão acima, foi reconhecido o vínculo empregatício, onde que para os magistrados, na relação entre aplicativos de transporte como Uber e motoristas dessas plataformas estão presentes os cinco elementos que configuram o vínculo empregatício. Sendo ela considerada muito importante, pois, abre um precedente inédito no país, haja vista que, pela primeira vez, o TST reconheceu o vínculo empregatício de um motorista de aplicativo.
Por outro lado, a 17ª Turma do TRT da 2ª Região (SP) não reconheceu o vínculo empregatício entre um motorista e o aplicativo de intermediação de serviços de transporte 99. Com isso, foi mantida a decisão tomada em 1º grau, que não observou subordinação na relação estabelecida.
TECNOLOGIA. VÍNCULO DE EMPREGO. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AUTONOMIA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS.
É consenso que a reestruturação do capitalismo e a criação de novas tecnologias da informação ocorridas no cenário contemporâneo trouxeram transformações socioeconômicas que repercutiram no mercado de trabalho A liberdade do reclamante em escolher as horas de trabalho,desconectando-se do aplicativo ao seu alvitre,a possibilidade de recusar viagens e conceder descontos e o fato de arcar sozinho com as despesas do veículo afastam a caracterização de subordinação,revelam a autonomia e a assunção dos riscos com que o trabalhador conduzia seu trabalho.A aquisição originária da força de trabalho não se deu por conta alheia.Vínculo de emprego não caracterizado.
(TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO TRT-2: 1000514-62.2021.5.02.0019 SP)
Apesar do tribunal ter reconhecido a necessidade de se discutir e reformular uma melhor regulamentação para que seja extinta as situações de caráter precário das relações entre os motoristas e as empresas de aplicativo, o juízo de origem não deferiu o vínculo. Pois no entendimento em questão, o motorista tinha total liberdade para se desconectar da plataforma, não se obrigava à exclusividade aquela prestação de serviço, e ficava com 80% do valor de cada serviço.
Podemos assim, ter uma noção da importância de regulamentar esses novos tipos de relações ente prestadores de serviços e as plataformas digitais. Pois apesar do reconhecimento inédito que pôde ser visualizado no estudo em questão, ainda existem entendimentos contrários, que causam divergência no ordenamento, prejudicando assim a segurança jurídica do mesmo em nosso país.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O propósito desse artigo científico foi analisar com base em livros, artigos e legislações, a situação dos prestadores de serviço juntamente com as novas empresas de tecnologias, e a eventual relação de trabalho existente entre eles a fim de estabelecer a existência ou não do vínculo empregatício, sendo assim possível determinar se esses trabalhadores podem gozar de todos os direitos trabalhistas regidos na CLT.
Para isso, foi importante inicialmente falar sobre o direito do trabalho no Brasil, trazendo a importância das leis trabalhistas e todos os direitos dos trabalhadores conquistados ao logos dos anos.
Logo após, foi abordado sobre esse novo fenômeno de que criou diferentes modelos de trabalhos, que está sendo denominado como “uberização”, foi tratado sobre o seu conceito e as principais diferenças que tem com o trabalho convencional, além da sua significativa relação com a diminuição do desemprego em nosso país.
Por fim, foi esclarecido os pontos positivos e negativos encontrados nesses novos modelos de trabalho, além de expor a ocorrência da precarização da mão de obra. Ainda, fora abordado a comparação entre jurisprudências, na qual diferentes tribunais discordaram em relação à existência de vínculo trabalhista de motoristas de uber e prestadores de serviço com o respectivo aplicativo.
É evidente que o prestador de serviço necessita de garantias respaldadas em lei para a devida segurança jurídica no exercício de sua profissão, sabendo assim que poderá usufruir futuramente de direitos como jornada de trabalho, férias remuneradas, seguro desemprego, dentre outras.
REFERÊNCIAS
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BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 10. ed. São Paulo: LTr, 2016.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. Disponível em
: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm Acesso em 29 de out. de 2022
BRASIL. Decreto-lei nº 5.452, de 1 de maio de 1943. Aprova a consolidação das leis do trabalho. Lex: coletânea de legislação: edição federal, São Paulo, v. 7, 1943. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del5452.htm Acesso em 29 de out. de 2022.
DELGADO, Godinho, Curso de direito do trabalho,18ª Edição, São Paulo: LTr, 2019.
FRANCO, David Silva. FERRAZ, Deise Luiza da Silva. Uberização do trabalho e acumulação capitalista. Cad. EBAPE.BR [online]. 2019, vol.17, n.spe, pp.844-856. Epub 09-Dez-2019. ISSN 1679-3951. Disponível em : https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-39512019000700844 Acesso em: 29 de out. de 2022.
“Uberização” do trabalho: caminhamos para a servidão, e isso ainda será um privilégio. Entrevista com Ricardo Antunes.Disponível em:https://www.ihu.unisinos.br/categorias/591102-uberizacao-nos-leva-para-a-servidao-diz-pesquisador Acesso em 29 de outubro de 2022
JORGE NETO, Francisco Ferreira; CAVALCANTE, Jouberto de Quadros Pessoa. Direito do trabalho. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
MARTINS, Sergio Pinto. Direito do trabalho. 37. ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 26. ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
RR-100353-02.2017.5.01.0066, 3ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 11/04/2022 Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tst/1685725991/inteiro-teor-1685725992 Acesso em 29 abr. 2022.
Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região TRT-2: 1000514-62.2021.5.02.0019 SP Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-2/1385465655 Acesso em 29 abr. 2022.
[1] bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
bacharelando em Direito pelo Centro Universitário Santo Agostinho - UNIFSA
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TEIXEIRA, Enzo Vinícius Luz. Direitos trabalhistas e a regulamentação dos novos modelos de trabalho: o fenômeno da uberização no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 dez 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/60402/direitos-trabalhistas-e-a-regulamentao-dos-novos-modelos-de-trabalho-o-fenmeno-da-uberizao-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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