PRISCILLA VALOES MOREIRA
(coautora)
RESUMO: O presente trabalho tem como proposta apresentar uma discussão que está em voga no Congresso Nacional atualmente, a qual já obteve diversos projetos de lei acerca do assunto, que é a possibilidade de revogação/alteração da Lei de Alienação Parental. Sabe-se que, infelizmente, há relatos de pais e outros familiares que se utilizam da Lei de Alienação Parental para voltar a ter contato com o menor do qual abusou, ou para atingir a mãe como forma de vingança, por ter sido punido pela Lei Maria da Penha. Assim, insurgiram projetos de lei com o propósito de revogar/alterar a Lei 12.318/2010, com o objetivo de proteger de forma mais eficaz os direitos da criança e do adolescente.
Palavras Chave: Revogação. Alteração. Lei de Alienação Parental. Abuso.
ABSTRACT: The present work proposes to present a discussion that is currently in vogue in the National Congress, which has already obtained several bills on the subject, which is the possibility of repealing/amending the Parental Alienation Law. It is known that, unfortunately, there are reports of parents and other family members who use the Parental Alienation Law to get back into contact with the minor they abused, or to hit the mother as a form of revenge, for having been punished by the Law. Maria da penha. Thus, bills emerged with the purpose of repealing/amending Law 12.318/2010, with the aim of more effectively protecting the rights of children and adolescents.
KEYWORDS: Revocation. Amendment. Parental Alienation Law. Abuse.
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa abordar a possibilidade de revogação/alteração da Lei de Alienação Parental, através de projetos de leis proposto em relação à matéria, com o intuito de proteger de forma plena os direitos e garantias de crianças e adolescentes vítimas de abusos, uma vez que muitos abusadores se utilizam da lei para se beneficiar.
Lado outro, é importante frisar que o conceito de alienação parental foi criado através de uma pesquisa independente de um psiquiatra norte americano que afirmou que a alienação parental desenvolve uma síndrome em crianças e adolescentes, gerando problemas psicológicos devido a uma campanha de desmoralização promovida pelo genitor que detém a guarda em detrimento do outro.
Partindo desse pressuposto que em 2010 o Congresso Nacional editou e foi publicada a Lei 12.318/2010, conhecida como Lei de Alienação Parental, a qual objetivava proteger crianças e adolescentes dessa suposta síndrome. A Lei trouxe mecanismos severos para coibir essa prática, inclusive determinando a inversão da guarda, se o caso fosse muito grave.
Todavia, muitos pais começaram a utilizar a lei de maneira deturpada, uma vez que alegavam alienação parental quando mães denunciavam os abusos sexuais, psicológicos e físicos praticados por esses genitores contra seus filhos. Por essa razão, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Organização das Nações Unidas (ONU) recomendaram a extinção do termo Alienação Parental, por ausência de comprovação científica, bem como a revogação da Lei 12.318/2010.
Além disso, existem diversos projetos de lei acerca do assunto que pretendem reformar ou revogar a Lei de Alienação Parental, os quais serão discutidos e avaliados, tendo foco no Projeto de Lei 6371/19, que busca a revogação da Lei de Alienação Parental justamente por deixar crianças e adolescentes ainda mais vulneráveis frente aos abusos praticados por seus genitores.
Dessa forma, questiona-se: A revogação/reforma da Lei de Alienação Parental traria mais proteção para crianças e adolescentes que sofreram abusos? De que forma?
Assim, através da revisão bibliográfica, a presente pesquisa buscará resposta para o problema apresentando, demonstrando-se que a revogação da Lei de Alienação Parental é a melhor forma de se evitar que abusos continuem acontecendo contra crianças e adolescentes por parte de seus genitores.
2 Alienação Parental
A alienação parental é um conceito complexo que surgiu através de pesquisas implementadas por um psiquiatra norte americano chamado Richard Gardner, que defendeu a existência de uma síndrome que atinge crianças e adolescentes filhos de pais separados, quando um dos genitores, notadamente o guardião, faz uma campanha de desconstrução da imagem do outro, de forma negativa.
Segundo Almeida Jr. (2010, p. 08), a Alienação Parental é a campanha de desmoralização feita por um genitor em relação ao outro ou por alguém que possua a guarda da criança. É feita uma técnica de tortura psicológica no filho, para que esse passe a odiar e desprezar o genitor que não detém a guarda, e, dessa maneira, afaste-se do mesmo.
Destaca-se a diferença entre Alienação Parental e a Síndrome da Alienação Parental, sendo a primeira a campanha difamatória feita pelo alienador com objetivo de afastar os filhos do alienado, e a segunda consiste nos problemas comportamentais, emocionais e psicológicos que surgem na criança após o afastamento e a desmoralização do genitor alienado (MORAES, 2011, p. 37).
Para Gardner (2002), “síndrome, segundo a definição médica, é um conjunto de sintomas que ocorrem juntos” e que, mesmo que assim não ocorram, “justifica-se que sejam agrupados por causa de uma etiologia comum ou causa subjacente básica”.
Importante destacar que a distinção feita entre Alienação Parental e Síndrome da Alienação Parental é técnica, uma vez que, para a medicina, a utilização da palavra Síndrome deveria ser aplicada somente para os casos que configurassem o transtorno psicológico causado na criança em decorrência do ódio que a mesma passa a sentir por um dos genitores.
2.1 A Lei de Alienação Parental (Lei 12.318/2010)
Primeiramente, cumpre destacar que a Lei 12.318/2010 vem, em tese, preencher uma lacuna referente à proteção psicológica do menor, tendo em vista que ao dispor sobre a alienação parental, busca evitar esse tipo de comportamento tão prejudicial à formação da criança e adolescente.
Nessa esteira, verifica-se que o Art. 2º da Lei 12.318/2010 define de forma ampla a alienação parental da seguinte forma:
Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este (BRASIL, 2010).
A principal finalidade da lei 12.318/2010 é proteger os direitos fundamentais da criança e adolescente. De acordo com a disposição do art. 3º da referida lei: A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.
Todavia, ela pode estar prejudicando o direito de crianças e adolescentes conforme se verá adiante.
3 O uso distorcido da Lei 12.318/2010 (Alienação Parental)
A Lei de Alienação Parental (Lei 12.318/2010) foi formulada para proteger e resguardar os direitos de convivência da criança e do adolescente de forma harmônica com seus genitores, bem como seus direitos psicológicos. Todavia, muitos genitores abusadores se utilizam da lei para se vingar da ex companheira que os denunciou por violência doméstica ou, principalmente, por abuso sexual contra os filhos, deturpando a premissa para a qual a legislação foi criada.
3.1 Os abusos praticados utilizando a Lei de Alienação Parental
Primeiramente é importante destacar que a criança e o adolescente tem direito de proteção individualizada e integral, dessa maneira, lhe é garantido o princípio da proteção integral, uma vez que os menores encontram-se em posição privilegiada em razão da vulnerabilidade que estão submetidos, assim, eles têm prioridade absoluta na garantia de seus direitos.
O referido princípio foi consolidado com a aprovação da Convenção Internacional dos Direitos da Criança em 1989, o qual foi incorporado às legislações do Brasil. Assim, quando houver conflito de interesses de menores e de outras pessoas, o da criança e adolescente deverá sempre prevalecer.
Nessa toada, verifica-se que a Lei de Alienação vem de afronta com os princípios constitucionais e principalmente aos direitos da criança e do adolescente, tendo em vista que ela é utilizada de forma deturpada por pais abusadores.
Nesse aspecto, apontam-se questionamentos em relação à Lei de Alienação Parental, um ponto que se destaca é o que a promotora de Justiça Valéria Fernandes, do Ministério Público do Estado de São Paulo, questiona:
(...) quem a Lei 12.318/10 está protegendo? Muito comum encontrar doutrinas e no judiciário que a mãe denuncia o genitor de abuso sexual para implantar falsas memórias e utilizar como forma de “vingança”, pelo fato de não aceitar o fim da relação conjugal. Mas, isso faz com que proteja ainda mais os abusadores e agressores. O Brasil está se tornando o paraíso da pedofilia, o paraíso dos violadores dos direitos das mulheres (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 2018).
Através desse olhar que a promotora descreve a atual situação dos casos em que a genitora denuncia o pai de abuso sexual, é possível afirmar que esses abusadores estão cada vez mais amparados pela lei que deveria proteger o menor.
Vale lembrar que, de acordo com as palavras de Thaylla Isabella Souza Pinheiro:
(...) quando se trata de abuso sexual praticado pelo genitor, os meios de obtenções de provas são difíceis, pois esse crime acontece de forma silenciosa e planejada, na maioria dos casos não há ferimentos, a coleta o material genético do agressor na vítima deve ser realizada dentro de 24 horas, os depoimentos das crianças são difíceis de obter, pois para o menor é complicado entender tudo o que está acontecendo e assimilar toda essa situação drástica, com tudo isso, se torna fácil para a defesa rebater e argumentar sobre a acusação, com isso, fazendo com que a acusação de abuso sexual se inverta a outra parte como alienação parental (PINHEIRO, 2019, p. 04).
Além disso, o abuso sexual pode vir acompanhado de outros tipos de maus tratos, como violência física e psicológica, o que se torna mais fácil a comprovação do abuso. Ressalta-se, porém, que nem sempre há sinais óbvios de violência sexual, como marcas físicas, doença sexualmente transmissível e até mesmo gravidez, sendo de extrema importância observar a forma como o menor reagirá, há criança e adolescente que irá ter uma mudança no comportamento, afastando do abusador e repugnando-o, já outras se tornaram alienadas e terão proximidades excessivas. Pinheiro ainda alerta que:
Importante dizer que a violência sexual contra crianças e adolescentes são acima de tudo, considerada um grave problema de saúde pública. Contudo, o ato libidinoso, abuso sexual que envolva menores tem tipificação no Código Penal brasileiro, crime esse praticado longe dos olhos de testemunhas, em ambientes privados, ocorrendo na grande maioria no âmbito intrafamiliar, dificultando ainda mais o combate (PINHEIRO, 2019, p. 04).
Salienta-se que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 227, caput, traz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente à saúde, dignidade, respeito, liberdade e proteger de toda forma de negligência, exploração, violência, crueldade, opressão e para garantir o direito fundamental se fez necessário à elaboração de uma legislação específica, sendo editada a Lei nº 8.069/90, nomeada de Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, garantido aos menores de 18 anos direitos fundamentais. Portanto, a partir do momento que a Lei de Alienação Parental é utilizada para fins escusos, que acabam por prejudicar a criança ou adolescente, ela deve ser extinta do ordenamento jurídico.
Conforme já esclarecido, é tecnicamente difícil comprovar o abuso sexual infantil ainda mais quando praticado por um familiar. Nesse sentido, as mães que se encorajam a denunciar os abusos sexuais sofridos pelos filhos por parte do genitor ou outro membro da família, correm o risco de perder a guarda da criança e respondem por alienação parental.
É perceptível que, na maioria das vezes, o infrator sai impune, as mães saem prejudicadas e as vítimas, os menores, ficam reféns dos abusadores, uma vez que a guarda é revertida para eles.
Uma matéria publicada no dia 04 de setembro de 2018 pela “O Globo” traz os depoimentos de mães que passaram por todo esse processo. Uma das entrevistadas é Mayara (nome fictício), que é psicóloga, possuía 48 anos na época da entrevista, e se separou do pai de seu filho em 2014, ela relata que:
(...) o ex-marido praticou ato libidinoso por diversas vezes, o primeiro caso aconteceu quando o filho João Paulo (nome fictício) passou duas semanas de férias na casa do pai e poucos dias depois que retornou para a casa da genitora fez um apelo pedindo ajuda, ele com 5 (cinco) anos à época, disse que o pai o machucava constantemente, algumas das vezes só, as vezes diante da presença de um terceiro, introduzia o dedo no ânus do menor.
Na reportagem, Mayara relata qual foi a primeira decisão dela:
Naquele agosto de 2016, após a conversa no balcão da cozinha, Mayara saiu com o filho a tiracolo e correu a uma unidade do Conselho Tutelar do bairro em que viviam pronta a relatar o ocorrido. De lá, os dois foram encaminhados a uma delegacia. João Paulo foi ouvido sozinho. No relato descrito no inquérito, contou como o pai o penetrava com o dedo repetidas vezes ao dia, com o auxílio de uma pomada retirada de uma bisnaga branca e azul: "Meu pai fica enfiando o dedo com força no meu bumbum. Já pedi, chorando, para ele parar. Mas ele não para". João Paulo ainda disse que presenciava jogos sexuais entre o pai e outro homem: "Ele mostrou o pipi para o meu pai. Eu peguei uma faixa ninja e coloquei no meu olho, que eu não queria ver nada", relatava o menino. "A delegada não teve dúvidas: me orientou a interromper as visitas do pai de imediato", disse Mayara. "Seu filho é uma criança abusada, mãe. Ele, agora, é um problema do Estado", teria dito a policial, segundo Mayara.
Após oficializada a denúncia, a mãe do menor confiou que a situação iria resolver, mas, para a sua surpresa, o pai ajuizou uma ação e alegou que a genitora Mayara estava inventando toda essa situação, tratando-se de um caso de alienação parental.
Dessa forma, Mayara perdeu a guarda do filho, pois, segundo a justiça, ela era uma ameaça à saúde do menor e foi impedida de ter contato com ele. Isso demonstra que o julgador se preocupou muito mais com a vida do genitor do que a vida do menor, deixando-o ainda mais vulnerável ao invés de protege-lo, que foi o motivo precípuo da existência da Lei de Alienação Parental.
A matéria ressalta acerca da falta de números oficiais no que se refere ao assunto, pois como é relatado pela médica legista do Instituto Médico-Legal, que muitos laudos dão negativo para abuso sexual, e foi justamente o que aconteceu no caso de Mayara, ou seja, sem prova material dentro dos autos.
Noutro giro, destaca-se que a lei lista um conjunto de situações em que ocorre a alienação parental. Nesse aspecto, comete a falta o genitor que tenta dificultar o contato do ex-parceiro com a criança; que fala mal do ex-parceiro diante do filho ou que — em casos extremos — denuncia o ex-parceiro por um crime que não cometeu. As sanções vão de simples advertência até a reversão da guarda.
A reportagem apresenta também um outro caso semelhante:
Em 2014, depois de denunciar o ex-marido por abusar do filho, ela perdeu a guarda da criança. Lúcia se casou com um homem quase 20 anos mais velho. “Gentil e encantador”, segundo ela. O filho do casal tinha cerca de 1 ano quando ela soube que era traída. Seguiu-se um divórcio amigável e um acordo informal segundo o qual o filho dividiria o tempo igualmente entre as casas dos pais. Lúcia disse que tudo corria bem, até o dia em que o garoto voltou para a casa da mãe chorando e vomitando. A situação se repetiu algumas vezes. Na última delas, Lúcia foi dar banho na criança e percebeu lesões na região anal. “O papai mexe no seu bumbum?”, perguntou. “Sim. E dói muito.” Em desespero, procurou ajuda no hospital Pérola Byington, referência em casos de violência sexual. Foi avisada de que, antes de tudo, ela deveria fazer um boletim de ocorrência. Recuou. “Anos antes, meu ex-marido me contara que tinha sofrido abuso na infância”, disse ela. “Eu o via como uma vítima também. Não queria resolver a questão na esfera criminal.” Não registrou a ocorrência; preferiu confrontar o ex-cônjuge. Ele recorreu à Justiça, alegou ser vítima de alienação parental. Quando Lúcia registrou o boletim, seu filho passou por exame de corpo de delito, mas, àquela altura, não restavam mais sinais da violência. Ao fim do processo na Vara de Família, Lúcia foi considerada alienadora. O menino foi morar com o pai.
Diante das circunstâncias, Lúcia decidiu pesquisar casos semelhantes, onde conheceu Mayara, e juntas reuniram outras mães em situação análogas num grupo de WhatsApp. Descrentes do Judiciário, essas mães decidiram se amparar umas nas outras. Atualmente as mães coordenadas por Mayara e Lúcia pedem a revogação da lei da alienação parental; ou, ao menos, sua reformulação, de maneira a proteger quem porventura denuncie abusos sexuais.
Assim, é possível perceber que infelizmente são casos recorrentes, onde pais abusadores utilizam da Lei de Alienação Parental para perpetuar os abusos sem serem punidos, e revertendo a culpa para a mãe, que só quer proteger o filho.
4 A necessidade de revogação/alteração da Lei de Alienação Parental para se evitar abusos
Conforme verificou-se, a revogação/alteração da Lei de Alienação Parental é medida que se impõe, uma vez que abusadores vem se utilizando da legislação para se furtarem da responsabilidade de responder criminalmente pelos atos sexuais ilícitos cometidos contra seus próprios filhos, invertendo a culpa, e colocando-a na mãe, que tenta proteger o filho, alegando alienação parental.
4.1 A Recomendação do Conselho Nacional de Saúde (CNS) e da Organização das Nações Unidas (ONU)
O Conselho Nacional de Saúde (CNS), através da Recomendação Nº 003, de 11 de fevereiro de 2022, recomendou ao Congresso Nacional, a revogação do Projeto de Lei (PL) nº 7.352/2017, que objetiva alterar a Lei da Alienação Parental.
Para o CNS as mudanças propostas beneficiam os homens em detrimento das mulheres e crianças, mesmo quando são agressores ou abusadores da mãe ou dos filhos. Além do projeto, o Conselho também solicita aos parlamentares a revogação da lei 12.318/2010, pelo mesmo motivo.
O Conselho alega que a lei foi elaborada a partir da “síndrome de alienação parental”, conceito que não possui validação científica, não sendo reconhecido como síndrome pela American Medical Association, pela American Psychological Association e não constando no Manual de Diagnóstico e Estatística (DSM) da American Psychiatric Association como um transtorno psiquiátrico (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2022).
De acordo com o CNS, a Organização das Nações Unidas (ONU) orienta extinguir os termos ligados à “síndrome da alienação parental” nos tribunais, uma vez que entende que tal termo prejudica mulheres e crianças, especialmente aquelas em situações de violência doméstica e familiar, além dos casos de abuso sexual.
Nesse sentido, entre os países que receberam recomendações da ONU estão: Itália (2011); Costa Rica (2017); Nova Zelândia (2018); Espanha (2020). E ainda o Conselho Europeu recomendou a Áustria e a Espanha em 2020 (CONSELHO NACIONAL DE SAÚDE, 2022).
Dessa forma, verifica-se que a Lei de Alienação Parental, atualmente, não vem sendo utilizada da maneira correta, gerando, na verdade, prejuízos à crianças e adolescentes, uma vez que pais abusadores utilizam-se da Lei para se vingar da mãe que o denunciou. Além disso, o termo “síndrome de alienação parental” não é um termo científico. Por essa razão o CNS e a ONU recomendam que o termo seja abolido, juntamente com a lei.
4.2 As propostas legislativas que pretendem a revogação/alteração da Lei de Alienação Parental
Atualmente, existem em tramitação no Congresso Nacional, quatro projetos de lei relacionados à alteração ou revogação da Lei n. 12.318/2010 (Lei de Alienação Parental). Quais sejam: PLS n. 498/2018, PL 6.371/2019, PL 10.712/2018 e PLS 5.030/2019. Os dois primeiros buscam a revogação da Lei de Alienação Parental, enquanto os outros dois pretendem encontrar formas de solucionar o desvio de finalidade na aplicação da norma sem retirá-la do ordenamento jurídico brasileiro.
No ano de 2017 houve uma CPI no Congresso que tratou de investigar acerca dos maus tratos causados em crianças e adolescentes, inclusive acerca da alienação parental, onde foi percebido diversos casos em que o genitor abusador conseguia a guarda do menor de quem abusou utilizando-se da Lei de Alienação Parental.
Nesse sentido, a comissão da CPI entendeu que a Lei de Alienação Parental “não apazigua conflitos de interesse, nem estabelece normas de conduta social, nem protege as crianças e adolescentes das más condutas maternas ou paternas ao longo do processo de criação” (CPIMT, 2017, p. 44), apresentando como solução sua revogação, através do PLS n. 498/2018.
O Projeto de Lei 6371/19, idealizado pela deputada Iracema Portella (PP-PI) propõe a revogação da Lei de Alienação Parental, uma vez que muitos especialistas e membros das comunidades jurídica e científica afirmam que essa lei tem servido, em grande escala, como instrumento para que pais que abusaram sexualmente dos seus filhos possam exigir a manutenção da convivência com estas crianças, inclusive as retirando da presença das mães.
Portella reforça ainda a ideia de que a denúncia de abuso sexual vem, muitas vezes, desacompanhada de vestígios físicos, especialmente quando as vítimas são crianças ou adolescentes, considerando que os abusadores costumam praticar atos libidinosos com penetração de digital, manipulação das partes íntimas e sexo oral, sendo estas práticas perversas de difícil comprovação judicial, já que não deixam marcas físicas. Nesse sentido a parlamentar lamenta:
Nem sempre, mediante perícia e outros meios, consegue-se extrair a prova necessária do abuso praticado. O denunciante passa, via de regra, a ser considerado alienante à vista de ter apresentado denúncia não comprovada contra o genitor abusador (tida como falsa para obstar ou dificultar a convivência dele com a criança ou adolescente) e este consegue a manutenção da convivência com o filho menor, passando, por vezes, a repetir com o menor os mesmos abusos já praticados.
Destaca-se que o projeto, que tramita em caráter conclusivo, ainda será analisado pelas comissões de Seguridade Social e Família; de Constituição e Justiça e de Cidadania.
Lado outro, é importante dizer que a Constituição Federal de 1988 possui um princípio que veda a supressão ou redução de direitos fundamentais e sociais a níveis inferiores àqueles já conquistados e garantidos aos cidadãos brasileiros. De acordo com esse princípio, o legislador e o chefe do executivo não podem suprimir ou reduzir direitos injustificadamente e desproporcionalmente, pelo contrário, devem trabalhar para promover o cumprimento integral dos direitos e garantias previstos na Carta Magna do país.
Nesse diapasão, de acordo com Ricardo Lewandowski em um artigo publicado na Folha, intitulado “Proibição do retrocesso”, ele afirma que:
O princípio da proibição do retrocesso, portanto, impede que, a pretexto de superar dificuldades econômicas, o Estado possa, sem uma contrapartida adequada, revogar ou anular o núcleo essencial dos direitos conquistados pelo povo. É que ele corresponde ao mínimo existencial, ou seja, ao conjunto de bens materiais e imateriais sem o qual não é possível viver com dignidade.
Dessa maneira, é possível perceber que não se pode suprimir ou reduzir direitos já conquistados sobre qualquer pretexto. Todavia, no que tange à Lei de Alienação Parental, verifica-se que não há supressão de direitos ao se requerer sua anulação, tendo em vista que ela pode trazer mais malefícios para a vida de crianças e adolescentes do que benefícios.
Lado outro, o Projeto de Lei n. 10.712/2018, idealizado pela deputada Soraya Santos (PR/RJ), propõe a alteração dos arts. 4º, 5º e 6º da Lei de Alienação Parental e no art. 157 do Estatuto da Criança e do Adolescente, e está em tramitação na Câmara dos Deputados. O projeto modifica o parágrafo já existente no art. 4º para garantir tratamento psicológico a pais e filhos nessa situação, em conjunto com a visita assistida, assegurada pelo projeto.
Além disso, a proposta inclui a redução do prazo para que a perícia psicológica e/ou biopsicossocial seja feita. Essa perícia tem o intuito de avaliar a medida assecuratória de inversão liminar de guarda, e o projeto pretende reduzir o prazo para a sua realização de 90 para 10 dias, por se tratar de uma ação emergencial.
Outro projeto também tramita no Senado Federal, o Projeto de Lei n. 5.030, proposto pela senadora Leila Barros (PSB/DF), substitutivo ao Projeto de Lei do Senado n. 498/2018, o qual propõe a alteração do Código Penal e o Código de Processo Penal buscando elevar as penas dos crimes que envolvem vítimas menores de catorze anos.
No projeto, o art. 61 do Código Penal, também apresenta alteração para abarcar mais indivíduos nas hipóteses de circunstâncias agravantes das penas restritivas de direitos. Dessa forma, além de contemplar os descendentes, como faz a redação atual do Código, o projeto propõe que sejam contemplados também menores sob guarda ou tutela e, ainda, irmãos, cônjuges e companheiros.
O projeto também oferece alteração no tocante à pena do crime de maus tratos, prevista no art. 136 do Código Penal, e, nos casos de crimes contra a dignidade sexual, de menores de 14 anos, o aumento da pena de um terço a metade. Além disso, o PL n. 5.030/2019 quer adicionar ao Código de Processo Penal, a possibilidade de aplicação das medidas protetivas previstas na Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha) aos casos de crimes sexuais contra menores (BARROS, 2019).
4.4 A revogação da Lei de Alienação parental e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente
O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, segundo Camila Colucci (2014):
(...) adveio do instituto inglês parens patriae que tinha por objetivo a proteção de pessoas incapazes e de seus bens. Com sua divisão entre proteção dos loucos e proteção infantil, esta última evoluiu para o princípio do best interest of child.
De acordo com Gonçalves (2011), o referido princípio não possui previsão expressa na Constituição Federal ou no Estatuto da Criança e do Adolescente: ‘’Os especialistas do tema lecionam que este princípio decorre de uma interpretação hermenêutica, está implícito e inserido nos direitos fundamentais previstos pela Constituição no que se refere às crianças e adolescentes”.
O melhor interesse da criança, recepcionado pela Convenção Internacional de Haia, que trata acerca da proteção dos interesses das crianças e no Código Civil, em seus artigos 1.583 e 1.584 reconhece tal princípio, por exemplo, quando trata-se sobre a guarda do menor (FLORENZANO, 2021). Ressalta-se que este instituto tem força de princípio, uma vez que está previsto na Constituição Federal de 1988, em seu art. 227, caput:
É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (BRASIL, 1988).
Além disso, no Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA, previsto na Lei 8.069/2013, também reforça o que a própria Constituição, em seu art. 3º e 4°, sucessivamente, o ECA leciona:
A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Parágrafo único. Os direitos enunciados nesta Lei aplicam-se a todas as crianças e adolescentes, sem discriminação de nascimento, situação familiar, idade, sexo, raça, etnia ou cor, religião ou crença, deficiência, condição pessoal de desenvolvimento e aprendizagem, condição econômica, ambiente social, região e local de moradia ou outra condição que diferencie as pessoas, as famílias ou a comunidade em que vivem.” “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (BRASIL,2013).
Noutro giro, tal princípio também está inserido no ordenamento jurídico na grande maioria das decisões do judiciário, especialmente quando se trata sobre a guarda dos menores. No entanto, no que concerne ao decidir sobre a vida e guarda de um menor, ainda se observa bastante a falta de interpretação social que o melhor interesse carrega em sua essência.
Partindo desse pressuposto, verifica-se que a Lei de Alienação Parental, trata-se de lei inconstitucional, uma vez que viola o princípio da proporcionalidade, além de conflitar com os artigos 226 e 227 da Constituição Federal, bem como com tratados internacionais de proteção e erradicação de qualquer tipo de violência contra crianças e mulheres.
Referida lei foi aprovada sem os debates sociais necessários, com justificativa sexista que remete textualmente à suposta “tendência vingativa” de mães divorciadas, baseada em uma síndrome sem qualquer comprovação científica e que, conforme estudos, vem promovendo a supremacia entre pais e deixando crianças vítimas de abuso sexual desamparadas, assim como mulheres que sofreram violência de gênero.
Assim, a Lei de Alienação Parental viola o princípio do melhor interesse da criança, sendo incompatível com a promoção do bem estar da família. Por isso, tendo ciência do histórico da promulgação da lei e dos resultados práticos da sua aplicabilidade, é inegável perceber que a legislação representa um retrocesso aos avanços legislativos de proteção de mulheres e crianças.
Por fim, é necessário consignar que existe um arcabouço protetivo no Estatuto da Criança do Adolescente, bem como no Código Civil, suficientes e proporcionais ao enfrentamento do abuso do poder parental, uma vez que eles de fato existem. Porém, estes dispositivos não retiram a criança/adolescente do centro das discussões referentes às violações aos seus direitos, assim como não submetem/silenciam mulheres mães, como se tem promovido pela Lei de Alienação Parental. Afinal, se observar do ponto de vista macro, não existe direito social mínimo garantido constitucionalmente que seja tutelado pela Lei de Alienação Parental, que será suprimido e afrontará o princípio da vedação ao retrocesso legal.
5 CONCLUSÃO
O presente trabalho buscou, através da revisão bibliográfica, debater acerca da revogação da Lei de Alienação Parental, demonstrando-se que atualmente ela não protege o direito de crianças e adolescentes, mas de pais abusadores, devendo ser extinta do ordenamento jurídico brasileiro.
Iniciou-se a pesquisa abordando-se o conceito de Alienação Parental, deixando claro que foi um conceito construído por um psiquiatra norte americano chamado Richard Gardner, que foi o precursor nesse tema, em que alegou que o ato de alienação gera a Síndrome de Alienação Parental, que constitui em problemas psicológicos gerado aos filhos de casais separados em que um promove uma campanha de difamação contra o outro para que o filho do ex casal tenha ódio daquele que teve a imagem manchada.
Todavia, é uma síndrome não catalogada e nem amplamente estudada e aprofundada por outros pesquisadores, médicos, psicólogos e cientistas, foi por essa razão que o Conselho Nacional de Saúde (CNS) e a Organização das Nações Unidas (ONU) recomendaram que a Lei de Alienação Parental, aprovada sob o número 12.318/2010, vigente no Brasil, seja revogada.
Para além de ausência de comprovação científica, existe também uma questão ainda mais grave que envolve a manutenção da lei no ordenamento jurídico brasileiro, que é a viabilização do abusador ter a guarda do filho contra quem praticou violência sexual. A pesquisa demonstrou, através de casos veiculados na mídia, que quando a mãe denuncia o ex companheiro de abusar sexualmente do filho do ex casal, eles costumam entrar com pedido de alienação parental sob a justificativa de falsa acusação de crime. Como crimes de natureza sexual são de difícil comprovação, pois muitas vezes não deixam vestígios físicos, as mães acabam perdendo a guarda e os filhos ficam à mercê do abusador.
Com o intuito de coibir essa realidade, surgiram diversos projetos de lei, com destaque para o Projeto de Lei 6371/19, que possui o intuito de revogar a Lei de Alienação Parental, uma vez que a realidade demonstra que a lei está deixando crianças e adolescentes ainda mais vulneráveis. O projeto ainda está em tramitação no Congresso Nacional.
Por fim, verificou-se que dentro do próprio ECA e do Código Civil há punições previstas para quem abusa do pátrio poder, não havendo necessidade de manter no arcabouço jurídico uma legislação tão agressiva e perigosa.
Desse modo, conclui-se que a Lei de Alienação Parental precisa ser revogada, uma vez que ela não assegura de forma assertiva a proteção da criança e do adolescente, tão pouco observa o melhor interesse dos seus protegidos, pelo contrário, dá mais poderes ao abusador para manter o ciclo de violência.
REFERÊNCIAS
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Graduação, bacharel em Direito
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Liliane Santana de. A discussão legislativa acerca da alteração ou revogação da lei de alienação parental: uma análise sobre o melhor interesse da criança e do adolescente Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2023, 04:10. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61079/a-discusso-legislativa-acerca-da-alterao-ou-revogao-da-lei-de-alienao-parental-uma-anlise-sobre-o-melhor-interesse-da-criana-e-do-adolescente. Acesso em: 22 nov 2024.
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