RESUMO: O presente artigo objetiva estudar os critérios utilizados para fixação dos valores de indenizações por dano moral na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Para tal, buscou-se compreender o instituto da responsabilidade civil, sua evolução histórica e aplicabilidade na legislação civilista e no Código de Defesa do Consumidor. Definindo o conceito de dano moral, os sujeitos passivos, como se faz a prova do dano e as diferenças de dano moral para um mero aborrecimento cotidiano. Como é feita a reparação pelo dano moral sofrido a partir da análise dos entendimentos jurisprudenciais do Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela uniformização da aplicação do direito infraconstitucional. A utilização do método bifásico como forma de objetivação dos valores indenizatórios.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Jurisprudência. Dano moral. Método Bifásico.
Sumário: Introdução. 2. Responsabilidade Civil. 3. O dano moral. 3.1. Diferenças entre Dano Moral e Mero Aborrecimento. 4. A Reparação Pelo Dano Sofrido. 4.1. O Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça. Considerações Finais. Referências
1. Introdução
O instituto da responsabilidade civil surgiu da necessidade de controlar os abusos de uns e garantir a reparação aos ofendidos. No tocante a responsabilidade por ofensa à honra, por ser um bem imaterial, abstrato e subjetivo surgem grandes dificuldades tanto para considerar o que é de fato uma ofensa indenizável, quanto para fixar o valor de uma indenização pecuniária.
Quanto vale a moral de um homem com sua honra ofendida por ter o nome colocado injustamente na lista de maus pagadores? Quanto vale a moral de alguém que não recebeu o produto comprado? Quanto vale a moral de quem teve sua imagem utilizada indevidamente? Estas são questões difíceis de serem respondidas. Diferentemente dos bens materiais onde impera a objetividade, fixar um valor para a moral é uma das matérias mais difíceis impostas ao julgador.
Esta pesquisa bibliográfica buscou essencialmente o entendimento jurisprudencial a respeito da fixação do dano moral. Através do entendimento do instituto da responsabilidade civil e conceituação de dano moral. Com o objetivo final de analisar como o Superior Tribunal de Justiça, em especial as Turmas de Direito Privado, formou seu entendimento na aplicação do método bifásico na fixação de indenização por danos morais.
2. Responsabilidade Civil
A função do direito é regular a vida em sociedade, assim, a responsabilidade civil surge na tentativa de assegurar o regular desenvolvimento dos atos jurídicos devido a importante exigência coletiva de manutenção da paz social. A origem da responsabilização civil está relacionada aos primeiros conflitos de interesses quando o homem se organizou em sociedade.
O significado jurídico da expressão responsabilidade é o dever legal de recomposição do dano. Portanto, é a obrigação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa, de ressarcir ou reparar danos, de suportar sanções penais, exprimindo sempre a obrigação de responder por alguma coisa. Sendo o dever contraído pelo causador do dano de assumir o prejuízo decorrente de seus atos seja judicial ou extrajudicialmente.
Quando a responsabilidade decorre de ato próprio, há a chamada responsabilidade direta ou objetiva, e a indireta ou subjetiva é aquela que decorre de ato ou fato alheio à sua vontade, mas de algum modo sob sua proteção e vigilância. As duas espécies de responsabilidade têm como ponto em comum, a obrigação de indenizar. Porém distinguem-se nos aspectos da culpa, do ônus da prova e das cláusulas de não indenizar.
O legislador do Código Civil de 2002 abordou o tema da Responsabilidade Civil no Título IX, artigos 927 a 954. Assim como no revogado Código de 1916 a regra é responsabilidade civil subjetiva, em que é relevante a culpa do agente, mas em determinadas situações é admitida a responsabilidade civil objetiva adotando a teoria do risco da atividade. Isto pode ser constato pela leitura do art. 927 do Código Civil:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
São elementos da responsabilidade civil: conduta (ato realizado pelo próprio agente ou ato de terceiro a quem o agente tem responsabilidade); o dano (prejuízo sofrido pela vítima de ordem patrimonial ou extrapatrimonial) e nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano sofrido.
Nas relações reguladas pelo Código de Defesa do Consumidor – CDC a regra é a responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços (art. 12, caput, do CDC). Ressalte-se que nas relações consumeristas a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos é prevista como direito básico do consumidor no art. 6º, VI, do CDC.
3. O Dano Moral
O dano encontra-se como um dos pressupostos da responsabilidade civil, juntamente com a conduta e o nexo de causalidade, pois “A responsabilidade civil diferentemente da responsabilidade penal, tem como fim exclusivo a reparação de um dano, restabelecendo-se uma relação de justiça” (SAMPAIO, 2007, p.86).
Conceitua-se então, o dano como sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma, dano é lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo daí a conhecida divisão do dano em patrimonial e moral. (CAVALIERI FILHO, 2007, p. 71).
Em uma conceituação simplificada são considerados danos patrimoniais aqueles que atingem interesses avaliáveis em dinheiro e danos não patrimoniais ou morais são os que se verificam em relação a interesses insuscetíveis de avaliação pecuniária.
Dano moral ou imaterial ou extrapatrimonial são sinônimos que se referem ao mesmo tipo de dano, muitas são as denominações encontradas na doutrina para caracterizá-lo. Sérgio Cavalieri Filho (2007, p. 77-78) o define como violação do direito à dignidade, estando desvinculado do aspecto psíquico da vítima, de modo que a dor, vexame, sofrimento e humilhação são apenas reflexos do dano moral sofrido que podem ou não ocorrer, e não o dano em si.
Assim, no momento atual, doutrina e jurisprudência dominantes têm como adquirido que o dano moral é aquele que, independentemente de prejuízo material, fere direitos personalíssimos, isto é, todo e qualquer atributo que individualiza cada pessoa, tal como a liberdade, a honra, a atividade profissional, a reputação, as manifestações culturais e intelectuais, entre outros. O dano é ainda considerado moral quando os efeitos da ação, embora não repercutam na órbita de seu patrimônio material, originam angústia, dor, sofrimento, tristeza ou humilhação à vítima, trazendo-lhe sensações e emoções negativas (BODIN, 2003, p. 157-158).
Desta forma, é de observar que se está diante do pior tipo de dano possível dentre todos compreendidos na seara jurídica, uma vez que ataca os sentimentos mais íntimos, os direitos da personalidade, em que não cabem desaprovação ou mensuração limitativa de terceiros.
O dano moral subjetivo é exatamente a dor e a humilhação decorrentes de determinado ato ilícito. O comprometimento da imagem, do nome, da boa-fama, que a pessoa lesada possui perante a sociedade, é denominado dano moral objetivo, que exige, em regra, ser provado.
O dano moral subjetivo e o objetivo podem coexistir, mas não necessariamente. Uma pessoa física pode sofrer abalo moral tanto subjetivo quanto objetivo. Porém, as pessoas jurídicas somente são passíveis de sofrer danos morais objetivos, eis que não têm os referidos sentimentos, mas têm uma credibilidade perante a sociedade que depende diretamente de sua imagem, conforme decidiu o STJ no AgInt no AREsp 913.343/RS de relatoria do Min. Marco Buzzi:
O que se protege é a honra objetiva da pessoa jurídica. Assim, quando se fala que a pessoa jurídica pode sofrer danos morais, o que se está dizendo é que ela pode sofrer danos contra seu bom nome, fama, reputação etc. Desse modo, é possível que a pessoa jurídica sofra dano moral, desde que demonstrada ofensa à sua honra objetiva (imagem e boa fama) (STJ. 4ª Turma. AgInt no AREsp 913.343/RS, Rel. Min. Marco Buzzi, julgado em 06/03/2018).
Historicamente os danos patrimoniais sempre foram indenizáveis, porém existia muita controvérsia sobre a licitude da indenização dos danos morais. A Constituição da Federal de 1988 acabou com as discussões ao inserir no art. 5º, V e X, a previsão de indenização por dano extrapatrimonial. Veja-se:
Art. 5º (...)
V: é assegurado o direito de resposta proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou a imagem. (....)
X: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Essa elevação constitucional da reparação dos danos morais deve-se ao fato da Constituição de 1988 ter adotado o princípio da dignidade da pessoa humana. Desta forma os direitos à honra, ao nome, à intimidade, à privacidade e à liberdade estão alçados a direitos fundamentais da pessoa humana.
3.1. Diferenças entre Dano Moral e Mero Aborrecimento
O conceito de ofensa à honra é muito subjetivo. É certo que cada um tem sentimentos próprios e reações diferentes aos fatos que ocorrem em sua vida. Contudo, na tentativa de qualificar o que é uma situação indenizável e o que não é o Superior Tribunal de Justiça passou a diferenciar danos morais de mero aborrecimento do cotidiano.
A principal diferença está no fato de que o dano moral tem maior gravidade e gera direito de reparação a vítima. O mero aborrecimento é algo facilmente superado, muitas vezes fútil, sem previsão legal de direito a indenização para a vítima. O simples descontentamento não altera o aspecto psicológico ou emocional de alguém, apenas causa sensações negativas e momentâneas. São fatos desagradáveis e que causam desconforto. Mas, fazem parte da vida em sociedade.
O único tipo de indenização possível nos casos de mero aborrecimento é a por danos materiais. Deve-se reconhecer que esta diferenciação surge em uma jurisprudência defensiva que visa reduzir o número de demandas no Judiciário pátrio.
A diferenciação é realizada caso a caso levado a julgamento. Tem sido formado ao longo dos anos um padrão nas decisões judiciais como forma de proteger o instituto do dano moral e não dar ensejo a ações judiciais em busca de indenizações pelos mais banais aborrecimentos.
Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça podem ser encontrados casos recorrentes que são, na maioria das vezes, considerados mero aborrecimento por esta corte:
- Travamento de porta giratória impedindo acesso a agência bancária, sem que o preposto do banco tenha agido de forma desrespeitosa (STJ - Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial, Processo: 200401341135, RJ);
- O saque indevido de numerário em conta corrente não configura dano moral in re ipsa (presumido), podendo, contudo, observadas as particularidades do caso, ficar caracterizado o respectivo dano se demonstrada a ocorrência de violação significativa a algum direito da personalidade do correntista. (REsp 1573859/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe 13/11/2017);
- O atraso, por parte de instituição financeira, na baixa de gravame de alienação fiduciária no registro de veículo não caracteriza, por si só, dano moral in re ipsa. (STJ. 2ª Seção. REsp 1881453-RS, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 30/11/2021).
Portanto, um simples transtorno e aborrecimento da vida social, apesar de desagradável, não têm relevância jurídica para caracterizar um dano moral. Cabe ao julgador avaliar, cada caso concreto, a extensão do fato e suas conseqüências para a pessoa, para que se possa verificar a ocorrência efetiva de um dano moral.
4. A Reparação Pelo Dano Sofrido
A indenização no Direito pátrio tem dupla finalidade: compensatório para a vítima e exemplar para a sociedade. A compensação do dano sofrido para a vítima é uma oferta de uma quantia capaz de proporcionar-lhe satisfações e alegrias que possam compensar a injusta agressão sofrida. Somente tem caráter reparador, já que, jamais a moral ferida poderá ser igual a anterior ao fato. Quanto ao caráter exemplar, é para evitar que o infrator volte a cometer atos atentatórios à dignidade.
São critérios utilizados para a fixação da indenização por danos morais:
- Graus de culpa: art. 944, parágrafo único, do Código Civil pode ser aplicado de maneira adequada para as hipóteses de dano moral quando houver grande desproporção entre a gravidade da culpa e o dano;
- A conduta do ofensor após o dano;
- Capacidade econômica do ofensor: para evitar que uma eventual condenação módica possa servir de estímulo para novas condutas lesivas. Também serve para evitar que uma imensa condenação possa levar um ofensor de poucos recursos a ruína, o que geraria um segundo dano à sociedade;
- Capacidade econômica da vítima: a compensação do dano moral deve ser de tal monta que produza na vítima uma sensação de reconforto. O valor da indenização do dano moral não pode ser como uma loteria;
- Repercussão Social da Lesão: deve-se levar em consideração qual parcela da sociedade ficou sabendo da lesão. Pois, é diferente difamar perante muitos e perante poucos.
A maior parte da doutrina entende que a reparação por danos morais é feita pagando-se um valor, uma quantia pecuniária. Mas, há uma parcela dos juristas que vem a cada dia questionando essa exclusividade ao pagamento em pecúnia. Pois, a Constituição Federal se refere à reparação que deve ser entendida como uma compensação, uma vez que o dano moral não pode ser quantificado objetivamente para gerar o direito a uma indenização.
Questiona-se a condenação exclusivamente em dinheiro nos casos repetitivos, de massa, principalmente nos casos frequentes dos Juizados Especiais Cíveis. As empresas de grande porte (bancos, seguradoras, planos de saúde, empresas de telefonia e aéreas) preferem pagar as baixas indenizações pelos danos a investir na melhoria dos sistemas que evitem erros causadores de danos morais aos seus clientes. Nestes casos, o caráter preventivo da reparação não surte qualquer efeito.
O ressarcimento, contudo, pode dar-se não só através de dinheiro, mas igualmente com a entrega de uma coisa ou com a prestação de uma atividade (ou de uma prestação de fato) que resulte adequada, em vista da situação concreta, para eliminar as consequências danosas do fato lesivo. Logo, a reparação não se limita às questões patrimonialistas.
Conforme o Enunciado nº 589 do Conselho da Justiça Federal: “A compensação pecuniária não é o único modo de reparar o dano extrapatrimonial, sendo admitida a reparação ‘in natura’, na forma de retratação pública ou outro meio.” Exemplo seria a da publicação da sentença em periódicos de grande circulação, levando ao conhecimento amplo da sociedade a condenação pelo ilícito.
4.1. O Posicionamento do Superior Tribunal de Justiça
No julgamento da quantia a ser paga a título de indenização por danos morais é dado ao juiz um excessivo poder discricionário. Devendo ele pautar suas decisões nos princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade. Mas, cada juiz é uma pessoa humana que tem sentimentos e opiniões próprias. Há muito não se admite mais entre os filósofos do Direito que exista a neutralidade completa e absoluta do magistrado como almejavam os positivistas. Deve o juiz buscar a neutralidade em suas decisões, mas impossível esta ser alcançada em sua plenitude.
Na falta de parâmetros legais mais objetivos, as diretrizes têm sido delineadas em cada processo pelos Tribunais e principalmente pelo Superior Tribunal de Justiça nacionalmente. Ele, por meio de seus acórdãos acaba por estabelecer padrões indenizatórios para casos de dano moral, uma vez que os juízes do país seguem as suas decisões. A jurisprudência desta corte tem atuado restringindo os exageros utilizando os critérios de proporcionalidade e razoabilidade de forma a impedir o enriquecimento sem causa. Com o objetivo de evitar que a apuração do valor da indenização se converta em medida exagerada e contrária à Constituição Federal.
Nos diversos julgados em que revê o valor da indenização por danos morais, o Superior Tribunal de Justiça ressalta que somente o faz quando o valor arbitrado nas instâncias ordinárias é irrisório ou exorbitante e que o quantum indenizatório deve atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Tais requisitos são muito criticados pelo alto grau de subjetividade.
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. RESPONSABILIDADE CIVIL. MAJORAÇÃO POR DANO MORAL. VALOR IRRISÓRIO FIXADO NA ORIGEM. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, o valor arbitrado pelas instâncias ordinárias, a título de danos morais, pode ser revisado na via especial apenas quando irrisório ou exorbitante. 2. O quantum indenizatório deve atender aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, com vistas a evitar o enriquecimento sem causa do demandante da ação indenizatória, sem, contudo, olvidar-se do caráter preventivo e pedagógico inerente ao instituto da responsabilidade civil. 3. Consideradas as peculiaridades do caso concreto, o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) fixado na origem afigura-se irrisório. 4. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp n. 1.998.761/TO, relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, julgado em 22/11/2022, DJe de 24/11/2022.)
Na tentativa de reduzir as disparidades nas decisões judiciais na fixação da indenização por danos morais o Superior Tribunal de Justiça desenvolveu o critério bifásico. No julgamento do Recurso Especial n. 1.152.541 de relatoria do Min. Paulo de Tarso Sanseveriano fixou-se que devem ser percorridas duas etapas para a fixação do valor dos danos morais.
“Na primeira etapa, deve-se estabelecer um valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes. Na segunda etapa, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para fixação definitiva do valor da indenização, atendendo à determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz”.
A consideração do grupo de precedentes na fixação do valor inicial demonstra uma preocupação em uniformização da jurisprudência em conformidade com o art. 926 do Código de Processo Civil. A segunda etapa considera as peculiaridades do caso concreto, fixando um valor definitivo mais adequado aos fatos. Nesta fase devem ser considerados como fatores a gravidade do fato em si, a culpabilidade do agente, a eventual culpa concorrente da vítima e a condição econômica das partes.
Nas razões de decidir do REsp 1.152.541 o relator rechaça a tarifação dos valores da indenização por afrontar diretamente o princípio da reparação integral. Ademais o próprio STJ já vinha há muito tempo rejeitando a ideia de tarifação.
Em análise da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que aplicou o método bifásico, observa-se tal método foi utilizado para majorar, manter ou reduzir os valores fixados nas instâncias ordinárias.
Na ementa do julgado do AgInt no REsp 1719756/SP extrai-se os detalhes de como é feita a aplicação do método bifásico pelo STJ, em que é fixado um valor inicial em conformidade com o que já vem decidindo a corte em casos semelhantes. Após, na segunda fase são indicados os pontos peculiares do caso, que fazem o valor básico ser majorado:
AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SEGURO SAÚDE. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. TRATAMENTO CONSISTENTE EM SESSÕES DE FONOAUDIOLOGIA PARA RECUPERAR A CAPACIDADE DE MASTIGAÇÃO E DEGLUTIÇÃO. RECUSA INDEVIDA. DANO MORAL IN RE IPSA. OCORRÊNCIA. INDENIZAÇÃO. ARBITRAMENTO. MÉTODO BIFÁSICO. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça perfilha o entendimento de que "conquanto geralmente nos contratos o mero inadimplemento não seja causa para ocorrência de danos morais, a jurisprudência desta Corte vem reconhecendo o direito ao ressarcimento dos danos morais advindos da injusta recusa de cobertura de seguro saúde, pois tal fato agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do segurado, uma vez que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada" (REsp 735.168/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 11/03/2008, DJe 26/03/2008). 2. A fixação do valor devido à título de indenização por danos morais, segundo a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, deve considerar o método bifásico, sendo este o que melhor atende às exigências de um arbitramento equitativo da indenização por danos extrapatrimoniais, uma vez que minimiza eventual arbitrariedade ao se adotar critérios unicamente subjetivos do julgador, além de afastar eventual tarifação do dano. Nesse sentido, em uma primeira etapa deve-se estabelecer um valor básico para a indenização, considerando o interesse jurídico lesado, com base em grupo de precedentes jurisprudenciais que apreciaram casos semelhantes. Após, em um segundo momento, devem ser consideradas as circunstâncias do caso, para a fixação definitiva do valor da indenização, atendendo a determinação legal de arbitramento equitativo pelo juiz. 3. Para fixação do quantum indenizatório, tendo em mira os interesses jurídicos lesados (direito à vida e direito à saúde), tenho por razoável que a condenação deve ter como valor básico R$ 15.000,00 (quinze mil reais), não destoando da proporcionalidade, tampouco dos critérios adotados pela jurisprudência desta Corte. 4. No que tange à segunda fase do método bifásico, para a fixação definitiva da indenização, partindo do valor básico anteriormente determinado, ajustando-se às circunstâncias particulares do caso, devem ser consideradas as seguintes circunstâncias: a) trata-se de caso envolvendo consumidor hipossuficiente litigando contra sociedade empresária de grande porte; b) o ato ilícito praticado pela ora recorrida e que deu ensejo aos danos morais suportados pela recorrente relaciona-se à graves problemas de saúde decorrentes de acidente automobilístico, demandando a recorrente de tratamento fonoaudiólogo de urgência para a recuperação da capacidade de mastigação e deglutição; c) a recusa à cobertura das despesas relacionadas às sessões de fonoaudiologia inviabilizaria o próprio tratamento médico, impedindo, a rigor, a utilização de meio hábil à cura e inviabilizando a própria concretização do objeto do contrato. 5. Indenização definitiva fixada em R$ 20.000,00 (vinte mil reais). 6. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp n. 1.719.756/SP, relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 15/5/2018, DJe de 21/5/2018.)
Veja-se que a grande importância da aplicação do método bifásico é fazer uma objetivação na fixação da indenização, uniformizando a jurisprudência de forma a trazer maior segurança jurídica, sem deixar de considerar as circunstâncias do caso concreto.
Considerações Finais
A moral corresponde ao íntimo de cada indivíduo. É um bem extrapatrimonial juridicamente tutelado, mas que para o cidadão comum, são apenas os seus sentimentos, que para ele são únicos. Diariamente cidadãos têm suas honras ofendidas, na maioria das vezes isto acontece numa relação comum do cotidiano.
O instituto da responsabilidade civil com sua origem nos primórdios do direito sofreu muitas mudanças e atualmente consagrado pelo Código Civil tem como finalidade reparar o dano.
A jurisprudência e a doutrina juntas estabeleceram alguns critérios, mas não de forma pacífica, para definir o valor a ser pago na indenização por danos morais. São eles: graus de culpa do ofensor, conduta do ofensor após o dano, capacidade econômica do ofensor, capacidade econômica da vítima e repercussão social da lesão.
Nesta falta dos critérios legais mais objetivos cada juiz ao julgar tem excessivo poder discricionário. O que gera muitas disparidades nas decisões judiciais. Havendo fixação de valores extremamente diferentes para casos muito semelhantes. Os excessos na fixação desses valores levam a dúvidas e aumentam a quantidade de recursos nos tribunais.
No entanto, para obtenção do direito a reparação por dano moral deve-se ter tido um abalo de maior monta. Um mero aborrecimento cotidiano não é passível de indenização. O julgador analisará o caso concreto, as condições em que se deram os fatos e a repercussão social e na vida da vítima. Há uma preocupação do Superior Tribunal de Justiça em evitar a banalização do instituto dos danos morais e de evitar a sobrecarga do Poder Judiciário com o excesso de ações ajuizadas.
Na busca de objetivação da fixação dos valores por danos morais e de ter maior isonomia, sem deixar de considerar as peculiaridades de cada caso, surge o critério bifásico na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Enxerga-se como uma saída para um problema que há muito assola o Poder Judiciário. Está longe de ser a solução para todos os problemas, mas é uma alternativa viável de evitar decisões conflitantes e garantir uma reparação justa para os danos morais.
Referências
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 13 de jan. 2023.
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.152.541/RS. Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO. DJe 21/09/2011
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no AREsp 913.343/RS. Relator Ministro Marco Buzzi. DJe 06/03/2018.
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 689213/RJ. Relator Ministro Jorge Scartezzini. DJ 11/12/2006.
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1573859/SP. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. DJe 13/11/2017.
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n. 1881453-RS. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. DJ 30/11/2021.
Brasil. Superior Tribunal de Justiça. AgInt no REsp n. 1.998.761/TO. Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze. DJe de 24/11/2022.
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 7 ed. São Paulo: Atlas, 2007.
LISBOA, Roberto Senise. Responsabilidade Civil nas Relações de Consumo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001.
MELO, Domingos Nehemias de. Dano Moral nas Relações de Consumo: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2008.
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Responsabilidade civil. v. IV. 6 ed. São Paulo: Atlas, 2002.
Especialista em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Maranhão. Analista Judiciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MIRANDA, Marília Nobre. Quanto vale a sua moral? Critérios de fixação da indenização por danos morais na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 fev 2023, 04:47. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61083/quanto-vale-a-sua-moral-critrios-de-fixao-da-indenizao-por-danos-morais-na-jurisprudncia-do-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 22 nov 2024.
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