VERÔNICA SILVA DO PRADO DISCONZI[1].
(orientadora)
RESUMO: Esse estudo teve como base a discussão sobre a visão monocular e seus reflexos previdenciários. Essa deficiência é uma condição que pode sim comprometer a vida cotidiana e profissional de quem a possui. Tal condição passou a ser considerada deficiência pela Lei n° 14.126/2021, conferindo-lhes o direito a um tratamento jurídico diferenciado, de modo que o INSS não poderá negar a concessão de aposentadoria da pessoa com deficiência a essas pessoas, que se enquadram no critério de deficiência previsto na Lei Complementar n° 142/2013. Diante disso, essa pesquisa teve como objetivo discorrer sobre as consequências jurídicas e sociais da visão monocular no âmbito da Previdência. Na metodologia, tratou-se de uma revisão da literatura baseada em livros, artigos científicos e legislação ligada ao tema proposto. Nos resultados, ficou claro que a Lei nº 14.126/2021 reconheceu a visão monocular como deficiência visual. Isso sanou quaisquer dúvida sobre a sua entrada no entendimento do que seja uma deficiência visual. No geral, o INSS entende que a visão monocular não é considerada uma deficiência. Contudo, na Justiça o entendimento predominante é que esta condiação preenche a definição de deficiência informada pela Lei Complementar nº 142/2013.
Palavras-chave: Direito Previdenciário. Deficiência Visual. Efeitos jurídicos.
VISUAL DISABILITY IN SOCIAL SECURITY LAW: REFLECTIONS OF LAW Nº 14.126/2021
ABSTRACT: This study was based on the discussion about monocular vision and its social security consequences. This disability is a condition that can compromise the daily and professional life of those who have it. This condition is now considered a disability by Law No. 14.126/2021, granting them the right to a differentiated legal treatment, so that the INSS cannot deny the granting of retirement of the disabled person to these people, who fall under the disability criterion provided for in Complementary Law No. 142/2013. Therefore, this research aimed to discuss the legal and social consequences of monocular vision in the context of Social Security. In methodology, it was a literature review based on books, scientific articles and legislation related to the proposed theme. In the results, it was clear that Law nº 14.126/2021 recognized monocular vision as a visual impairment. This resolved any doubts about his entry into the understanding of what a visual impairment is. In general, the INSS understands that monocular vision is not considered a disability. However, in court, the prevailing understanding is that this condition fulfills the definition of disability informed by Complementary Law No. 142/2013.
Keywords: Social Security Law. Visual impairment. Legal effects.
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. Da deficiência: Aspectos gerais. 4. A visão monocular no Direito Previdenciário brasileiro. 5. Dos efeitos jurídicos em contexto. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
De acordo com o texto da Lei Complementar 142/2013, a pessoa com deficiência é entendida como sendo a que possui, a longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial onde, diante de variados obstáculos dificultem a sua interação social e que por essa razão não esteja em condições de igualdade com os demais (BRASIL, 2013).
A deficiência é amplamente amparada pelo Direito Previdenciário, ou seja, aqueles que se enquadram na definição legal de deficiência possui direitos e garantias previdenciários distintos dos demais, como por exemplo, a aposentadoria.
Dentro do rol daqueles que são considerados deficientes para fins de Previdência, encontra-se os que possuem deficiência visual. Como explica Santos e Araújo (2020) a deficiência visual é aquela onde se verifica a perda ou a diminuição da capacidade visual nos olhos de maneira definitiva, ou seja, não pode ser melhorada ou corrigida.
Em sua definição geral, nota-se que a deficiência visual é ligada a perda da visão de ambos os olhos. No entanto, nos últimos anos, tem-se discutido a inclusão da visão monocular dentro do entendimento sobre a deficiência visual. Caracterizada como sendo aquela onde apenas um olho possui a perda ou diminuição da capacidade de enxergar, discute-se se ela poderia ser amparada no Direito Previdenciário (MARQUES, 2017).
Cabe lembrar que a visão monocular, mesmo que considerada como uma deficiência visual, ainda encontra resistência para se enquadrar nas garantias previdenciárias. De todo modo, com essa temática, é importante citar a Lei nº 14.126/2021 que classificou a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual.
Mesmo tendo base legislativa, é possível verificar entendimentos jurídicos diversos sobre o seu enquadramento legal. Dessa forma, é preciso entender os reflexos jurídicos que esse reconhecimento possui no cenário jurídico e social.
No decorrer da análise desse tema procura-se responder a seguinte indagação: quais os reflexos jurídicos do reconhecimento da visão monocular para fins previdenciários?
Diante disso, o presente estudo teve o objetivo de analisar as consequências que o reconhecimento da visão monocular como deficiência visual acarreta não apenas no Direito Previdenciário, mas na jurisprudência, na doutrina e sobretudo, para aqueles que a possuem.
2. METODOLOGIA
A metodologia utilizada para a realização do presente estudo se pautou no método indutivo e qualitativo. Caracterizada como uma revisão de literatura, a pesquisa bibliográfica foi feita através de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos científicos relacionados ao tema proposto.
A presente pesquisa foi realizada mediante o levantamento de documentos. Assim, a coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google, dentre outros, no mês de janeiro de 2023.
3. DA DEFICIÊNCIA: ASPECTOS GERAIS
Para discorrer sobre o tema central deste estudo é preciso antes entender o que seja uma deficiência. Para isso, recorre-se o texto da Lei Complementar 142/2013 que traz de modo único o que seja uma deficiência:
Art. 2o Para o reconhecimento do direito à aposentadoria de que trata esta Lei Complementar, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas (BRASIL, 2013).
Dentro do rol de deficiências existentes para o âmbito previdenciário, observamos a deficiência visual. Para o seu conceito, tem-se as palavras de Garcia e Braz (2020, p. 02) que explica que a deficiência visual é “é a perda ou redução da capacidade visual em ambos os olhos em caráter definitivo, que não pode ser melhorada ou corrigida com o uso de lentes, tratamento clínico ou cirúrgico”.
Há critérios rígidos para definir uma deficiência. Portanto, uma pessoa com alto grau de miopia, por exemplo, não é uma pessoa com deficiência visual, uma vez que existem alternativas para correção desta limitação. No que tange a sua classificação, destaca-se:
· Baixa visão (leve, moderada ou profunda): quando o valor da acuidade visual corrigida no melhor olho é menor do que 0,3 e maior ou igual a 0,05 ou seu campo visual é menor do que 20º no melhor olho com a melhor correção óptica (categorias 1 e 2 de graus de comprometimento visual do CID 10). Pode ser compensada com o uso de lentes de aumento e lupas com o auxílio de bengalas e de treinamentos de orientação.
· Próximo à cegueira: quando a pessoa ainda é capaz de distinguir luz e sombra, mas já emprega o sistema braile para ler e escrever, utiliza recursos de voz para acessar programas de computador, locomove-se com a bengala e precisa de treinamentos de orientação e de mobilidade.
· Cegueira: quando esses valores encontram-se abaixo de 0,05 ou o campo visual menor do que 10º (categorias 3, 4 e 5 do CID 10). O uso do Sistema Braille, da bengala e os treinamentos de orientação e de mobilidade, nesse caso, são fundamentais.
(GARCIA; BRAZ, 2020, p. 02)
Na legislação brasileira, é importate citar a Lei nº 13.146/2015 que versa a respeito da integração e a readaptação da pessoa com deficiência em sociedade, vem como estabelece critérios no que tange os seus direitos fundamentais com pessoas com deficiência (BRASIL, 2015).
A presente norma em seu artigo 4º caput, destaca que toda e qualquer pessoa com deficiência é possuidora de direitos, assim como também deve ser tratada de forma digna e igualitária; deve-se compreender que a deficiência não impede as pessoas de terem uma vida normal: as pessoas com deficiência (em especial, visual) possuem a capacidade de se casar, constituir família, bem como de exercer direito a tutela, curatela e de atuar como adotante. Por fim, será dever do Estado e da família garantir às pessoas com deficiência acesso a: saúde, educação, trabalho, cultura, acessibilidade e comunicação (BRASIL, 2015).
No campo previdenciário, nos últimos anos, houve significativas mudanças na questão envolvendo as garantias previdenciárias. A princípio, cabe destacar a PEC nº 6/2019, ao qual o o legislador tratou de reformar alguns preceitos inerentes à aposentadoria e ao tempo de contribuição das pessoas com deficiência.
Nos casos das pessoas com deficiência, o que a PEC retrata é a diferenciação no grau de deficiência e no tempo de contribuição tanto para o homem quanto para mulher.
Antes da reforma previdenciária, o grau de deficiência para a aposentadoria por tempo de contribuição entre homem e a mulher era diferenciado; se a deficiência do homem fosse leve ele teria de contribuir 33 anos, assim como a mulher teria que contribuir 28 anos, logo, se a deficiência fosse moderada, teria o homem que contribuir 29 anos, e a mulher 24 anos, mas, se a deficiência fosse grave, teria o homem que contribuir 25 anos, e a mulher, 20 anos (BRASIL, 2019).
Já com a nova reforma, houve uma série de modificações, bem como para as pessoas com deficiência; como mencionado, deixou de haver a distinção sobre tempo de contribuição entre o homem e a mulher. Nos casos de deficiência de grau leve, tanto os homens quanto as mulheres contribuem por igual, devendo ambos contribuírem 35 anos, logo, se for a respectiva moderada, deverão contribuir por 25 anos, e, por fim, se for de natureza grave, deverão contribuir por 20 anos (BRASIL, 2019).
Dessa maneira, para que a pessoa com deficiência visual possa pleitear a aposentadoria deverá ser observada a gravidade da deficiência, o tempo de contribuição e a sua idade. A par dessas mudanças, que ainda sejam palco para inúmeras discussões, o que se vem discutindo atualmente é a entrada da visão monocular no âmbito previdenciário, o que será analisado no tópico a seguir.
4 A VISÃO MONOCULAR NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO BRASILEIRO
Em termos de nomenclatura, a palavra monocular pode ser dividida da seguinte maneira: Mono = um, ocular = olho/visão. Com essa divisão, entende-se inicialmente que a visão monocular é aquela visão de somente um olho (JUNIOR, 2019).
Como afirma Junior (2019), no geral, a visão monocular é conhecida pela cegueira de um olho. Ou seja, a pessoa consegue enxergar somente através de um olho. Em decorrência disso, não enxergar com um olho acarreta consequências negativas bastante significativas nas atividades diárias da pessoa.
Clementino (2018) explica que em estudos científicos e relatos pessoais afirmam que o indivíduo perde a noção de profundidade e também perde muito a sua visão periférica.
Nesse sentido, cita-se:
A pessoa que apresenta visão monocular é acometida por uma perda visual que afeta apenas um dos olhos. Isso acaba comprometendo a noção de profundidade (visto que indivíduos nessa condição têm a sensação tridimensional limitada), diminuindo o campo visual periférico, dentre outros sintomas. Tais sintomas geram dificuldade de localização espacial e, em razão disso, o indivíduo passa a enfrentar limitações em suas atividades diárias. Trata-se de condição geralmente causada por doenças infecciosas infra-oculares (como a toxoplasmose), anomalias congênitas, glaucoma, doenças da retina ou da córnea, tumores intraoculares ou traumatismos oculares (PAULA; LEITE, 2021, p. 06).
A grande discussão inicial sobre a visão monocular é entender se ela é de fato uma deficiência visual.
Com base no conceito já exposto no tópico anterior, a pessoa com visão monocular está em desigualdade com as demais pessoas da sociedade pelo fato de não conseguir enxergar em sua totalidade (BRASIL, 2013). Com esse entendimento é perceptível considerar que a visão monocular é de fato uma deficiência visual, conforme expresso na legislação brasileira.
Apesar disso, houve discordâncias em relação a esse entendimento. Após estas discussões, e com o Poder Legislativo percebendo que o Judiciário tinha o entendimento majoritário em relação à deficiência da visão monocular, foi sancionada a Lei nº 14.126/2021.
Esta norma é extremamente simples, possuindo somente dois artigos (na verdade, tem-se que considerar que é somente um, pois o segundo trata da vigência da Lei). A partir da Lei, ficou disposto que “fica a visão monocular classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, para todos os efeitos legais” (BRASIL, 2021).
Uma vez legislada em território brasileiro, o reconhecimento jurídico da visão monocular trouxe uma série de reflexos no âmbito do Direito. O primeiro deles, corresponde ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). A priori, o INSS não reconhecia, administrativamente, a cegueira de um olho como deficiência (BORGES, 2022).
Com isso, como o Instituto é uma autarquia previdenciária, pertencente à Administração Pública, eles só podem aplicar o que está disposto na Lei. Como, até a Lei nº 14.126/2021, não havia previsão legal que a visão monocular era uma deficiência, eles não poderiam, em tese, considerar esta condição como uma deficiência em si (BORGES, 2022).
No entanto, conforme explica Santos (2021) com a edição da norma, o INSS deve considerar a visão monocular como deficiência para fins de aposentadorias/BPC, pois existe uma previsão legal para isso.
De acordo com o Decreto n° 8145/2013, há duas aposentadorias diferenciadas para a pessoa com deficiência: a primeira é por tempo de contribuição; e a segunda é por idade. Na aposentadoria por tempo de contribuição, são três possibilidades, a depender do grau de deficiência (grave, moderada ou leve), cabendo ao Regulamento da Previdência Social defini-las e ao INSS atestar o grau de deficiência por sua perícia médica, observada a seguinte tabela:
|
Deficiência grave |
Deficiência moderada |
Deficiência leve |
Homens |
25 anos de TC |
29 anos de TC |
33 anos de TC |
Mulheres |
20 anos de TC |
24anos de TC |
28 anos de TC |
É importante que esses anos de contribuição sejam contribuição com deficiência, se não for com deficiência durante todo o tempo, permite-se a conversão do tempo especial em comum. Percebe-se que no tempo de contribuição a redução varia de acordo com o grau de deficiência (AMADO, 2021)
É possível que o grau de deficiência seja alterado ao longo do tempo. Uma deficiência leve pode progredir e se tornar moderada ou grave, ou vice-versa. Neste caso, se o segurado, após a filiação ao RGPS, tornar-se pessoa com deficiência, ou tiver seu grau de deficiência alterado, os parâmetros serão proporcionalmente ajustados, considerando-se o número de anos em que o segurado exerceu atividade laboral sem deficiência e com deficiência, observado o grau de deficiência correspondente (CASTRO; LAZZARI, 2020)
O Poder Executivo já publicou o Decreto n. 10.654/2021, que estabelece que a visão monocular será avaliada na forma prevista nos §1º e §2º do art. 2º da Lei n. 13.146/2015, para fins de reconhecimento da condição de pessoa com deficiência; a saber:
Art. 2º Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
§ 1º A avaliação da deficiência, quando necessária, será biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar e considerará:
I – os impedimentos nas funções e nas estruturas do corpo;
II – os fatores socioambientais, psicológicos e pessoais;
III – a limitação no desempenho de atividades; e
IV – a restrição de participação.
§ 2º O Poder Executivo criará instrumentos para avaliação da deficiência.
(BRASIL, 2021)
Assim, atualmente a visão monocular é considerada deficiência sensorial e será reconhecida através de avaliação biopsicossocial realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.
5. DOS EFEITOS JURÍDICOS EM CONTEXTO
Uma vez sancionada no Brasil, a Lei nº 14.126/2021 que trouxe o reconhecimento jurídico da visão monocular, se tornou pauta de discussões jurisprudenciais. Nesse caso, depois de sancionada, esta norma já vem sendo aplicada a determinados casos legais.
Primeiramente, a jurisprudência brasileira já afirma que em caso de comprovada deficiência (que no caso presente, é a visão monocular) deve ser concedida a aposentadoria por invalidez; a saber:
1. APELAÇÃO. AÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO DOENÇA ACIDENTÁRIO C.C CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ ACIDENTÁRIA. VISÃO MONOCULAR. TRABALHADOR RURAL. INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE. TRABALHADOR BRAÇAL. BAIXA ESCOLARIDADE. ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS, PROFISSIONAIS E CULTURAIS. PROVIMENTO.
1.1 Para a concessão de aposentadoria por invalidez devem ser considerados outros aspectos relevantes, além dos elencados no artigo 42 da Lei nº 8.213, de 1991, tais como, a condição socioeconômica, profissional e cultural do segurado.
1.2 Quando o segurado especial, acometido por cegueira monocular, possuir pouca instrução, residir num município onde a atividade rural é responsável pela movimentação da economia local e sendo inviável a reabilitação em outra atividade remunerada, deve ser concedida a aposentadoria por invalidez. (TJTO, Apelação Cível, 0002117-16.2018.8.27.2714, Rel. MARCO ANTHONY STEVESON VILLAS BOAS, 1ª TURMA DA 2ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 24/11/2021, DJe 07/12/2021 19:15:18). (grifo meu)
A justiça brasileira já vem concedendo a aposentadoria por invalidez quando comprovada a deficiência de visão monocular. É o que apresenta o seguinte julgado:
APELAÇÕES CÍVEIS. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO DOENÇA ACIDENTÁRIO C/C CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. VISÃO MONOCULAR. TRABALHADOR RURAL. INCAPACIDADE LABORAL PARA A PROFISSÃO. CONFIGURAÇÃO. SÚMULA 47 DA TNU. ASPECTOS PESSOAIS E SOCIAIS DO SEGURADO. INVIABILIDADE DE REABILITAÇÃO PARA O EXERCÍCIO DE OUTRA ATIVIDADE. SENTENÇA REFORMADA. RECURSO DO AUTOR PROVIDO. RECURSO DO REQUERIDO PREJUDICADO.
1. A jurisprudência é assente quanto ao entendimento de que para a concessão da aposentadoria por invalidez, o magistrado deve levar em consideração não apenas os elementos previstos no art. 42 da Lei nº 8.213/91, mas também aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo tenha concluído pela incapacidade somente parcial para o trabalho. Súmula 47 da TNU.
2. Na hipótese, considerando que demonstrada que a cegueira monocular, que inclusive é classificada como deficiência sensorial, do tipo visual, de acordo com a Lei nº 14.126/2021, trará dificuldade ao autor em exercer a função de vaqueiro ou qualquer outra que se dispor a realizar, o que, aliado ao seu histórico profissional, idade e grau de instrução, indica a inviabilidade de reabilitação para outra atividade que lhe garanta a subsistência, atento ao princípio da dignidade humana (art. 1º, III, da CF) e o direito fundamental à saúde (art. 196, da CF), a reforma da sentença é medida que se impõe, para o fim de conceder o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez ao recorrente.
3. Recurso do autor conhecido e provido. Recurso da autarquia previdenciária prejudicado, diante da reforma da sentença. (TJTO, Apelação Cível, 0017455-69.2019.8.27.2722, Rel. ADOLFO AMARO MENDES, 5ª TURMA DA 2ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 31/08/2022, DJe 13/09/2022 11:25:11). (grifo meu)
No caso acima apresentado, ficou evidente que o segurado, que exerce a função de vaqueiro, comprovou a situação de cegueira monocular, o que acabou por inviabilizar quaisquer atividades laborais que garanta a sua subsistência. Dessa forma, deve-se conceder o benefício previdenciário da aposentadoria por invalidez.
Insta salientar que a cegueira monocular não pode ser aplicada em outras situações. Na jurisprudência abaixo citada, ela não foi concedida em face da isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA); a saber:
APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE A PROPRIEDADE DE VEÍCULOS AUTOMOTORES. IPVA. ISENÇÃO. NORMA TRIBUTÁRIA. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. CEGUEIRA MONOCULAR. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. COMPROVAÇÃO. AUSÊNCIA. SENTENÇA MANTIDA. 1. O Mandado de Segurança, Via Constitucional Célere, a qual possui limites de cognição estreitos, é a medida judicial adequada para proteger direito líquido e certo não amparado por habeas corpus ou habeas data, nos termos do artigo 5°, LXIX, da Constituição Federal. 2. Nos termos do artigo 111, II do Código Tributário Nacional, a norma de isenção deve ser interpretada de forma restritiva. 3. Nem todo portador de cegueira monocular possui direito subjetivo à isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), apenas aqueles que se enquadrarem nas hipóteses taxativas elencadas na legislação distrital. 3.1. Logo, o fato de o Impetrante ser portador de cegueira monocular, por si só, não o isenta do pagamento do referido tributo. 3.2. A Lei Federal 14.126/2021 apenas classifica a visão monocular como deficiência sensorial, do tipo visual e, em nada altera a legislação distrital, no tocante à isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), de competência exclusiva do Distrito Federal. 4. Recurso conhecido e não provido. (07057479220228070018 - (0705747-92.2022.8.07.0018 - Res. 65 CNJ). 8º Turma Cível. Relator: EUSTÁQUIO DE CASTRO. Data de Julgamento: 13/09/2022. Publicado no DJE: 23/09/2022). (grifo meu)
Analisando o caso acima mencionado, o Decreto nº 34.024/2012, elenca as hipóteses de isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), ao passo que no seu art. 6º, inciso 2 afirma que para os efeitos deste Decreto, é considerada pessoa portadora de deficiência visual, aquela que apresenta acuidade visual igual a ou menor que 20/200 (tabela deSnellen) no melhor olho, após a melhor correção, ou campo visual inferior a 20º, ou ocorrência simultânea de ambas as situações.
Ocorre que, conforme aludido no julgado, nem todo portador de cegueira monocular possui direito subjetivo à isenção do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), apenas aqueles que preencherem os requisitos previstos na norma supracitada. Logo, o portador de cegueira monocular que não se enquadrar nas hipóteses taxativas previstas na legislação distrital, não faz jus à isenção do Imposto Sobre Propriedade de Veículos Automotores (IPVA).
A par desses casos, fato é que quando comprovada, o direito previdenciário acata os direitos previdenciários em razão da cegueira monocular.
Situação também que deve ser mencionada, diz respeito ao qual auxílio previdenciário o segurado poderá obter no caso de cegueira monocular. Para melhor entendimento sobre essa questão, apresenta-se a seguinte jurisprudência.
APELAÇÃO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO DOENÇA POR ACIDENTE DE TRABALHO. LAUDO PERICIAL QUE CONSTATOU INCAPACIDADE PARCIAL E PERMANENTE DO TRABALHADOR. IMPOSSIBILIDADE DE EXERCER AS MESMAS ATIVIDADES LABORATIVAS. VISÃO MONOCULAR. MOTORISTA PROFISSIONAL. NECESSIDADE DE REABILITAÇÃO EM OUTRA ATIVIDADE QUE LHE GARANTA SUBSISTÊNCIA. RECURSO PROVIDO.
1. Consta dos autos, que o apelante, em virtude do acidente do trabalho descrito na inicial, sofreu perda da visão do olho direito.
2. O laudo pericial esclarece que o apelante se encontra permanentemente incapacitado para realizar atividade de motorista profissional, não podendo, portanto, exercer a atividade de tratorista para qual estava até então habilitado, concluindo-se pela incapacidade "parcial e definitiva" para o trabalho.
3. No caso em análise, verifica-se que embora o laudo ateste que a lesão apresentada pelo autor o impede permanentemente de exercer sua atividade laborativa para o qual estava habilitado, por outro lado, permite que exerça atividade compatível com sua limitação funcional, devendo, portanto, o beneficiário, ser submetido a processo de reabilitação profissional pelo INSS. Situação fática descrita pelo perito judicial que se enquadra perfeitamente nas hipóteses previstas nos arts. 59 e 62 da Lei 8.213/91.
4. Desta forma, é o caso de concessão do auxílio doença acidentário com determinação de reabilitação profissional (art. 62 da Lei nº 8213/91), pois temos que a aposentadoria por invalidez, positivada no artigo 42 da Lei nº 8.213/91 relaciona-se a uma incapacidade "total" e permanente, ou seja, além do trabalhador não ter mais condições de exercer a atividade que até então desenvolvia também não tem a possibilidade de reabilitação para o exercício de atividade que lhe garanta a subsistência.
5. Não é o caso de auxílio acidente, pois este decorre da redução da capacidade laborativa anteriormente desenvolvida pelo acidentado e após estabilizada a lesão, o que não é o caso, já que o apelante/acidentado está completamente incapacitado para o exercício profissional que anteriormente desenvolvia (lavrador e operador de motosserra), devendo ser reabilitado à uma outra atividade laborativa para manter a sua subsistência.
6. Em vista disso, deve ser concedido ao apelante o benefício de auxílio doença acidentário a partir do indeferimento na via administrativa e até que seja ultimado o procedimento de reabilitação profissional ao qual deve ser submetido.
7. Recurso conhecido e provido a fim de restabelecer o auxílio-doença acidentário a partir da data da sua cessação (09/03/2020) e até a ultimação do processo de reabilitação profissional. (TJTO, Apelação Cível, 0002214-60.2020.8.27.2709, Rel. SILVANA MARIA PARFIENIUK, 2ª TURMA DA 2ª CÂMARA CÍVEL, julgado em 20/07/2022, DJe 03/08/2022 11:32:32). (grifo meu)
No caso acima, conforma mostra a ementa, no caso em análise, verifica-se que embora o laudo ateste que a lesão apresentada pelo autor o impede permanentemente de exercer sua atividade laborativa para o qual estava habilitado, por outro lado, permite que exerça atividade compatível com sua limitação funcional, devendo, portanto, o beneficiário, ser submetido a processo de reabilitação profissional pelo INSS.
Inexiste a possibilidade de auxílio acidente, pois este decorre da redução da capacidade laborativa anteriormente desenvolvida pelo acidentado e após estabilizada a lesão, o que não vem a ser o caso, já que o apelante/acidentado está completamente incapacitado para o exercício profissional que anteriormente desenvolvia (lavrador e operador de motosserra), devendo ser reabilitado à uma outra atividade laborativa para manter a sua subsistência.
Como conclusão desse caso, verificou-se que a cegueira monocular por si só não traz a garantia de aposentadoria por invalidez. A depender do caso, ela pode resultar, como mostrado, na concessão do benefício de auxílio doença acidentário.
Diante dos casos apresentados, fica evidente confirmar que no Direito Previdenciário, tendo como base a Lei nº 14.126/2021, a visão monocular, em que pese a divergência sobre esse tema, é amplamente possível de ser causa geradora de benefícios.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Temas como inclusão social e deficiência sempre foram pautas de inúmeras discussões sociais e jurídicas. O fato é que indivíduos de baixa renda ou que apresentem alguma deficiência ainda buscam igualdade social e jurídica perante os demais.
Dentre os problemas encontrados nesses temas, escolheu-se discorrer inicialmente sobre a deficiência visual. Ainda que reconhecidos pelo Direito pátrio, aqueles que possuem alguma deficiência visual não estavam plenamente seguros. Isso faz entender que de fato houve considerável tardamento no ato de reconhecimento dos mesmos Direitos e garantias que outrora foram reconhecidos às demais pessoas com deficiência.
Nesse cenário, para a realização desse estudo escolheu-se como temática a análise jurídica e social dos deficientes visuais. Por se tratar de um tema abrangente e já ter reconhecimento legal, limitou-se a examinar a visão oclusal, que é basicamente a cegueira de um olho.
Durante muito tempo, os indivíduos portadores da visão oclusal tem pleiteado na Justiça, os direitos previdenciários aos quais os deficientes visuais já vinham sendo consagrados. Ocorre que sempre existiu uma divergência doutrinária a esse tema, ao passo que esses indivíduos pouco ou quase nada tinham de reconhecimento, principalmente quando analisado sob a ótica previdenciária.
Com o advento da Lei nº 14.126/2021 que reconheceu a visão monocular como deficiência visual, e portanto, plausível de ser reconhecida o seu direito previdenciário, abriu-se espaço para que esses indivíduos portadores dessa deficiência possam conseguir as garantias requeridas. No entanto, ainda continuar o debate sobre essa questão.
Frente ao exposto, foi importante discutir sobre o reconhecimento da visão monocular na Justiça brasileira, principalmente quando se verifica um número alto de portadores.
Assim, o estudo sobre a visão monocular é de suma relevância, haja vista que os seus efeitos recaem não apenas aos cometidos com a deficiência, mas também ao Estado e à sociedade em geral.
Nos resultados aqui encontrados, a Lei nº 14.126/2021 reconheceu a visão monocular como deficiência visual. Isso sanou quaisquer dúvidas sobre a sua entrada no entendimento do que seja uma deficiência visual. Portanto, em decorrência desse reconhecimento, natural que os direitos previdenciários fossem reconhecidos.
No geral, o INSS entende que a visão monocular não é considerada uma deficiência. Contudo, na Justiça o entendimento predominante é que esta condição preenche a definição de deficiência informada pela Lei Complementar nº 142/2013.
7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AMADO, Frederico. Curso de Direito e Processo Previdenciário. 14. ed. Salvador: JusPodivm, 2021.
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[1] Advogada, e Docente do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG. E-mail: [email protected].
Bacharelanda em Direito pela Universidade de Gurupi – UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Amanda de Paula Sérgio. A deficiência visual no direito previdenciário: reflexos da Lei nº 14.126/2021 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 fev 2023, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61113/a-deficincia-visual-no-direito-previdencirio-reflexos-da-lei-n-14-126-2021. Acesso em: 22 nov 2024.
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