MS. ANTONIO JOSE ROVERONI[1]
(orientador)
RESUMO: A Pandemia da Covid-19 declarada em 2020 causou um grande abalo no mundo todo, que se mobilizou na busca pela diminuição dos casos e pela contenção do contágio. Como não existia vacina para esta doença, a principal medida de prevenção adotada em todos os países foi a restrição de circulação de pessoas para evitar a aglomeração em locais públicos. Como consequência dessas medidas, muitos estabelecimentos comerciais foram fechados e passaram a vender seus produtos pela internet. Com isso, o uso da internet tornou-se ainda mais essencial e a ampliação do seu uso acabou ensejando também o aumento de crimes cometidos no ambiente cibernético. Diante deste fato, a pesquisa objetiva discutir o aumento de crimes virtuais no período da pandemia da covid19 e apontar dados acerca do crescimento da criminalidade nas redes. Para atingir o seu fim, a pesquisa foi desenvolvida com base em material bibliográfico publicado no Brasil a partir do início da Pandemia, analisando as informações e dados já publicados em outras pesquisas científicas acerca do tema. Concluiu-se pelo estudo que de fato houve um aumento de crimes virtuais, contudo estes crimes não são impunes uma vez que estão sendo investigados e punidos pela legislação criminal em vigor, que tipifica a conduta ilícita praticada no mundo virtual e prevê penas para punir essa prática.
Palavras-chave: Covid-19. Pandemia. Internet. Crimes Virtuais. Aumento.
ABSTRACT: The Covid-19 Pandemic declared in 2020 caused a great shock around the world, which was mobilized in the search for the reduction of cases and the containment of contagion. As there was no vaccine for this disease, the main preventive measure adopted in all countries was restricting the movement of people to avoid crowding in public places. As a result of these measures, many commercial establishments were closed and began to sell their products over the internet. As a result, the use of the internet has become even more essential and the expansion of its use has also led to an increase in crimes committed in the cyber environment. Given this fact, the research aims to discuss the increase in virtual crimes in the period of the covid19 pandemic and point out data about the growth of crime in networks. To achieve its purpose, the research was developed based on bibliographic material published in Brazil from the beginning of the Pandemic, analyzing information and data already published in other scientific research on the subject. It was concluded from the study that in fact there was an increase in virtual crimes, however these crimes are not unpunished since they are being investigated and punished by the criminal legislation in force, which typifies the illegal conduct practiced in the virtual world and provides penalties to punish this practice.
Keywords: Covid-19. Pandemic. Internet. Virtual Crimes. Increase.
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. A Pandemia da Covid19 e as medidas para redução do contágio. 4. A prática delitiva no mundo virtual e o alcance da lei penal. 5. Os crimes virtuais: definição e principais leis de regulamentação do uso da internet no Brasil. 6. O aumento dos crimes virtuais durante a pandemia da covid19. 7. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
O artigo 1º do Código Penal Brasileiro (Decreto-Lei 2.848/1940) dispõe acerca do princípio da anterioridade penal ao determinar que somente pode ser considerado crime a conduta que já foi previamente tipificada pela Lei.
Nesse sentido, o direito penal é um ramo em constante mudança, criminalizando condutas ilegais na medida em que elas vão surgindo e descriminalizando outras quando reconhecida pela sociedade que aquela conduta não mais pode ser entendida como ilícita.
Isto posto, com o avanço da sociedade e o surgimento da internet foi necessário regulamentar o uso dessa ferramenta e impedir que ela fosse utilizada como instrumento para a prática de crimes, afastando a ideia de que o mundo virtual é um “território sem lei”.
Hoje em dia existem mecanismos legais que permitem a identificação do agente delituoso e a aplicação da lei penal pelas condutas praticadas através do uso de computadores bem como existem crimes específicos praticados na internet.
Com o surgimento da Pandemia do Coronavírus (COVID19), doença infecciosa de fácil proliferação que atingiu todo o mundo, foram tomadas medidas de restrição para conter o alastramento e o contágio da doença que avançava de forma assustadora no Brasil. Dentre essas medidas foi determinado o fechamento do comércio e a prestação de serviços de forma remota, o que intensificou ainda mais o uso da internet como meio de aquisição de bens e de serviços.
Como consequência do uso da internet de forma mais intensificada, já que não era permitida a abertura normal do comércio em razão do contágio da Covid19 ser maior em locais públicos, a ocorrência de crimes virtuais também aumentou, tornando o assunto de relevância para a sociedade e também para os operadores do direito.
Diante disso, a pesquisa tem como premissa discutir o aumento da prática de crimes no meio virtual em razão da utilização ainda maior da internet no cotidiano do brasileiro durante a Pandemia da Covid19, expondo os principais delitos cibernéticos cometidos e as causas para o seu aumento desde o ano de 2020, quando as medidas de restrição para conter o alastramento da covid19 foram tomadas em todo o território brasileiro.
2 METODOLOGIA
O estudo científico sobre o aumento dos crimes virtuais com o advento da pandemia da Covid19 se classifica como pesquisa do tipo bibliográfica, ao passo que foi desenvolvida com a finalidade de aprimorar o conhecimento sobre o tema tendo como base o acervo teórico e científico em doutrinas e jurisprudências já publicadas no Brasil.
Os materiais utilizados foram obtidos em livros e trabalhos científicos disponibilizados em livros impressos e revistas científicas disponíveis na internet e publicados a partir do ano de 2020, após declarada a Pandemia do Coronavirus pela Organização Mundial da Saúde, os quais foram analisados segundo o método descritivo e exploratório, sem qualquer intervenção ou risco a outros seres humanos.
A pesquisa foi desenvolvida segundo o método dedutivo, tendo como ponto de partida o estudo dos aspectos gerais acerca dos crimes virtuais previstos no ordenamento brasileiro para em seguida discutir o seu aumento em razão da Pandemia da Covid19.
3 A PANDEMIA DA COVID19 E AS MEDIDAS PARA REDUÇÃO DO CONTÁGIO
No final do ano de 2019 a Organização Mundial da Saúde (OMS) foi alertada sobre um índice elevado de casos de pneumonia ocorrido na cidade de Wuhan, localizada na província de Hubei, na China, ocasionada por um novo tipo de coronavírus. Essa nova cepa não havia sido identificada anteriormente entre os seres humanos, apesar de ser o coronavírus a segunda principal causa de resfriados, mas que raramente causava um agravamento na doença (OPAS, 2023).
O SARS-CoV-2, abreviação de síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2, é o vírus responsável pela doença da covid19, que teve casos registrado em todos os cantos do mundo e declarada sua pandemia pela Organização Mundial da Saúde no dia 11 de março de 2020 (OPAS, 2023).
Diante de sua gravidade e sua classificação como pandemia, os países foram alertados sobre a necessidade de tomarem medidas para tratamento das pessoas infectadas e ainda para prevenir o seu contágio.
Em atenção às determinações da OMS, o Conselho Nacional de Saúde editou a Recomendação nº 036/2020 indicando as seguintes medidas de distanciamento social para combater o contágio acelerado do novo coronavírus:
1) Que sejam implementadas medidas que garantam pelo menos 60% da população em distanciamento social, ou superiores a este, em se agravando a ocupação de leitos, de maneira progressiva e efetiva, como medida sanitária excepcional necessária;
2) Que sejam adotadas medidas de distanciamento social mais rigoroso, ou seja, a contenção comunitária ou bloqueio (em inglês, lockdown) nos municípios com ocorrência acelerada de novos casos de COVID-19 e com taxa de ocupação dos serviços atingido níveis críticos, agregando as seguintes providencias:
a) Suspensão de todas as atividades não essenciais à manutenção da vida e da saúde, apenas autorizando o funcionamento dos serviços considerados essenciais, por sua natureza;
b) Adoção de medidas de orientação e de sanção administrativa quando houver infração às medidas de restrição social, podendo serem aplicadas em áreas especificas de uma cidade (bairros, distritos, setores);
c) Restrição da circulação de pessoas e de veículos particulares (somente com uso de máscaras), salvo transporte de pessoas no itinerário e no exercício de serviços considerados como essenciais, com ampliação de medidas informativas e educativas (monitoramento do cumprimento) em veículos de transporte coletivo; e
d) Mobilização das Forças Armadas e de Segurança, pelos poderes Estaduais e Municipais, pela via de parcerias intersetoriais entre os órgãos, com vistas ao cumprimento dos protocolos de emergência para a adoção de bloqueio total (lockdown) quando necessário, com planejamento antecipado ao limite de ocupação de leitos na rede local de saúde (CNS, 2020).
Em atenção a esta recomendação, a circulação em estabelecimentos comerciais ficou restrita diante do lockdown instaurado. Muitos setores de comércio permaneceram fechados ou com funcionamento restrito a um pequeno número de pessoas, situação que acabou por ensejar a sua migração para o mundo virtual.
Como meio de manter as empresas em funcionamento, os estabelecimentos comerciais tiveram que se adequar à situação e fornecer a venda de seus produtos pela internet, através de aplicativos de entrega de mercadorias na residência dos consumidores.
Acontece que essa migração, apesar de trazer benefícios aos consumidores e ampliar as vendas das fornecedoras de serviço, acabou por ensejar também um aumento da prática de crimes no meio virtual, ao passo que uma parte da população que antes não utilizava essa ferramenta como meio de aquisição de bens foi forçada a se adequar a essa nova realidade.
Assim sendo, considerando o aparente aumento de crimes virtuais com o advento da pandemia é importante a discussão inicial acerca do alcance da norma penal no mundo virtual e os crimes nele cometidos.
4 A PRÁTICA DELITIVA NO MUNDO VIRTUAL E O ALCANCE DA LEI PENAL
Conforme ventilado acima, a internet que já era presente no dia a dia de grande parte da população mundial tornou-se ainda mais essencial durante o distanciamento social decorrente da pandemia da covid-19. Não só a prestação de serviço passou a ser remota, mas também a aquisição de bens e serviços básicos, que antes eram obtidos na sede das empresas e que passaram a ser adquiridas de forma virtual.
Consequentemente, aumentaram também os relatos de crimes cometidos de forma virtual, situação que abre um debate acerca da aplicação da norma penal também no meio cibernético.
O surgimento deste novo terreno que passamos a chamar de "mundo virtual" mudou drasticamente o nosso conceito de espaço físico e fronteira. Uma vez que, inevitavelmente, houve a migração de criminosos para este novo mundo, que vieram em busca dessas informações com o intuito de lesar e tirar proveito. Porém, diante dessas inovações tecnológicas, o crime adaptou-se à realidade informática e com isso surgiu um novo tipo de criminalidade no país, no qual os infratores encontraram na internet um meio para que pudessem praticar condutas ilícitas com mais facilidade, sendo mais dificultoso aos policiais encontrá-los. (LIMA, SAMPAIO e SILVA, 2023, p. 01).
Contudo, apesar de aparentar ser a internet um território sem lei, esta impressão não prospera em nosso ordenamento jurídico, ao passo que a conduta delitiva, ainda que praticada de forma não presencial, também é alcançada pela norma quando caracterizada como uma conduta delitiva.
Crime é, por definição de André Estefam, um “fato típico e antijurídico” (ESTEFAM, 2018, p. 206), de modo que a sua tipificação na norma penal é o principal fator para se responsabilizar penalmente aquele que comete uma conduta criminosa. Essa exigência está prevista no artigo 1º do Código Penal e também no inciso XXXIX do artigo 5º da Constituição Federal e consiste no princípio da legalidade, cujos efeitos são assim explicados por Estefam:
O efetivo respeito ao princípio da legalidade demanda não só a existência de uma lei definindo a conduta criminosa. Exige, também, que a lei seja anterior ao ato, que se trate de lei em sentido formal interpretada restritivamente e, por fim, que a lei tenha conteúdo determinado. Por tal motivo, se diz que o princípio da legalidade desdobra-se em quatro subprincípios: a) anterioridade da lei (lege praevia); b) lei escrita, lei no sentido formal ou reserva legal (lege scripta); c) proibição de analogia in malam partem (lege stricta); d) taxatividade da lei ou mandato de certeza (lege certa) ((ESTEFAM, 2018, p. 150).
Portanto, o primeiro passo para se punir a conduta ilícita praticada no meio virtual é a sua tipificação como crime pela norma brasileira, possibilitando a aplicação da lei penal tanto para os crimes que podem ser praticados de forma presencial ou não, como é o caso dos crimes previstos no Código Penal, quanto para aqueles tipificados em leis especiais voltadas para crimes praticados em condições específicas, como é o caso dos crimes virtuais.
Para atender ao princípio da legalidade e garantir a responsabilização dos delitos cometidos no cyberword e impedir sua impunidade, existem leis brasileiras que regulamentam e tipificam os crimes virtuais, isto é, aqueles praticados por meio de acesso a computadores.
5 OS CRIMES VIRTUAIS: DEFINIÇÃO E PRINCIPAIS LEIS DE REGULAMENTAÇÃO DO USO DA INTERNET NO BRASIL
Conforme é sabido, os crimes podem ser praticados de várias formas, sendo a utilização do meio cibernético uma delas. Neste sentido, os crimes comuns podem ser praticados através do meio virtual, mas não dependem do acesso ao sistema de informática e internet para que ocorram; enquanto que, existem aqueles delitos cuja existência advém somente em razão da utilização da tecnologia de informação.
Via de regra, tratam-se de delitos de sujeitos ativos comuns, podendo ser praticados por qualquer pessoa com acesso à internet. Assim, apesar de ser rotineira a associação dos hackers aos crimes virtuais, não necessariamente serão eles os autores do fato; ao passo que, aqueles que usam seus conhecimentos exclusivamente para violar sistemas e praticar crimes são denominados crackers (BARBOSA, 2020).
Em que pese sejam comuns os sujeitos ativos, outras características no cometimento de crimes virtuais podem ser observadas, tanto que, os cybercrimes são subdivididos segundo as classificações apresentadas a seguir:
O crime virtual puro seria toda e qualquer conduta ilícita que tenha por objetivo exclusivo o sistema de computador, pelo atentado físico ou técnico ao equipamento e seus componentes, inclusive dados e sistemas. Em contrapartida, podem ser considerados crimes virtuais mistos aqueles em que o uso de meios computacionais é condição necessária para a efetivação da conduta, embora o bem jurídico visado seja diverso do informático. Por fim, o crime virtual comum seria aquele em que se utiliza da Internet apenas como instrumento para a realização do delito já tipificado pela lei penal. (FIORILLO, 2016, p. 167)
Segundo LAURENTIZ (2022), acrescentam-se ainda os crimes virtuais próprios e impróprios, sendo os primeiros àqueles praticados exclusivamente através de computadores; enquanto que os últimos referem-se às condutas que podem ser praticadas por outros meios, mas se dá mediante o acesso à internet, atingindo a um bem comum.
Deste modo, além dos tipos previstos no Código Penal e Legislações Especiais, todas as condutas mencionadas são compreendidas na definição de crimes virtuais, posto que “crimes cibernéticos são quaisquer atividades ilegais por meios eletrônicos digitais efetuados via internet, através de celulares, notebooks, computadores e outros meios eletrônicos” (REDIVO, 2022).
Dentre as espécies delitivas típicas de crime virtual, são exemplos as seguintes:
Roubo de dados financeiros ou credenciais bancárias de terceiros; Invasão de computadores, sejam eles de uso pessoal, empresarial ou mesmo uma rede de computadores; Extorsão cibernética e ransomware[2]; Crime tipo phishing, onde a vítima é enganada de modo a compartilhar suas senhas, números de cartão de crédito e outras informações sensíveis; Cryptojacking, situações onde hackers invadem e utilizam os computadores das vítimas para minerar criptomoedas; Violação de direitos autorais; Jogos virtuais de azar ou ilegais em território nacional; Venda de itens ilegais na internet; Incitação, produção ou posse de pornografia infantil; Divulgação de discursos de ódio — com teor homofóbico, xenófobo e racista — e fazer apologia ao nazismo (LAURENTIZ, 2022, p. 01).
Como se observa, são incontáveis as possibilidades criminosas. Tanto que, no Brasil, não existe uma lei específica que apresente a totalidade dos crimes cibernéticos de forma concentrada; no entanto, apesar disso, existem legislações especiais que tipificam vários atos criminosos e prevê suas penas em caso de prática virtual.
Dentre as leis em vigor, se destacam a Lei Carolina Dieckmann, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados como as mais relevantes no assunto.
Fruto da ocorrência da exposição da atriz brasileira Carolina Dieckmann, decorrente da invasão do computador e divulgação não autorizada da imagem da vítima, a Lei nº 12.737/2012 resultou da necessidade em haver uma proteção às vítimas de crimes dessa natureza. Essa Lei inseriu no Código Penal o artigo 154-A, tipificando o crime de Invasão de Dispositivo Informático.
A lei tipifica como crime invadir dispositivo alheio, conectado ou não a rede de computadores, mediante violação de segurança com o fim de obter informações sem autorização, e tem como pena a detenção de três meses a um ano e multa. Tem ainda como agravante roubo de informação em que causa prejuízo econômico, aumentando a pena de detenção de três meses a um ano e quatro meses, obtenção de conteúdo de comunicações privadas de formas não autorizadas, tendo como pena de seis meses a dois anos e multa e por último divulgação e comercialização de conteúdo roubado de dispositivo informático, tendo como pena a reclusão de oito meses a três anos e quatro meses. (BARBOSA, 2020, p. 19-20)
Após a sanção da lei mencionada, apesar da sua relevância, ainda havia a necessidade de uma melhor regulamentação dos crimes virtuais. Assim, pouco tempo depois, a Lei 12.965, de 23 de abril de 2014 que instituiu o Marco Civil da Internet apresentou um significativo avanço para a regulamentação do uso da internet no Brasil.
Dentre as suas várias disposições, destacam-se as garantias conferidas aos usuários da internet, apresentadas no artigo 7º da mencionada lei, dentre os quais se destacam a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, do sigilo do fluxo de suas comunicações, assegurada a proteção e indenização pelos danos morais e materiais decorrentes da violação, entre outros; e os artigos 10 e 11 que dispõem sobre os dados pessoais e conteúdo de comunicações privadas dos usuários (BRASIL, 2014).
Por último, destaca-se a Lei Geral de Proteção de Dados, sancionada sob o título Lei nº. 13.709, de 14 de agosto de 2018, que regulamenta o tratamento dos dados pessoais de pessoas físicas e jurídicas, de direito público ou privado, visando a proteção dos direitos fundamentais de liberdade, privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade, conforme o artigo 1º deixa evidente (BRASIL, 2018).
6 O AUMENTO DOS CRIMES VIRTUAIS DURANTE A PANDEMIA DA COVID19
Assim como se deu em vários outros âmbitos da vida dos indivíduos, a pandemia também refletiu negativamente em relação ao uso indevido da internet e das plataformas digitais de relacionamento, tendo se tornado o meio virtual o principal instrumento para o cometimento de determinados crimes, principalmente daqueles em que se tem a fraude para a obtenção de vantagens ilícitas.
Com a redução do contato físico, houve a migração de muitas atividades, antes realizadas presencialmente, para o meio digital. Com isso, muitas pessoas, por desconhecimento das normas e sugestões de segurança, se tornaram vítimas de crimes cometidos através da utilização de redes sociais, aplicativos fraudulentos, entre outros.
Neste contexto, muitos crimes comuns obtiveram crescimento através do acesso à internet, e muitos outros, exclusivamente virtuais, surgiram no ordenamento jurídico, necessitando de uma resposta judicial diante dessas condutas.
Dentre os crimes cibernéticos mais praticados no país, dá-se destaque ao estelionato, previsto no artigo 171 do Código Penal. [...] Conjuntamente ao delito precedente, o denominado Phishing é análogo ao estelionato, pois não possui legislação própria. O Phishing é uma espécie de roubo de identidade online, descrito por tentar obter dados pessoais ilegais de terceiros, sejam senhas, dados financeiros, dados bancários, número de cartão de crédito ou dados pessoais (CRUZ, 2022, p. 01).
Segundo estudos apontam, o phishing se destacou durante a pandemia em razão do número de ocorrências, tendo sido uma das fraudes eletrônicas mais praticadas desde o início da pandemia, através do acesso a links compartilhados via aplicativo de mensagem ou rede social, que levam o usuário a sites falsos criados por golpistas (LIMA, SAMPAIO E SILVA, 2023, p.01).
Outro mecanismo para realização de crimes virtuais consiste na utilização dos malware, assim denominada a infecção de um sistema ou rede de computadores através de um vírus ou outro malware, dentre os quais, tem ganhado notoriedade o ransomware, por promover o sequestro de dados, tornando-os indisponíveis, até que a vítima realize o pagamento de um valor pelo resgate de informações, mantendo como reféns as informações pessoais (CRUZ, 2022).
Há ainda os crimes contra a honra presentes no meio virtual, quais sejam: calúnia, difamação e injúria, tipificados nos artigos 138 a 145 do Código Penal, muito praticados com a divulgação de notícias falsas, mensagens maldosas, etc. Em que pese a alegação de liberdade de expressão, o excesso é passível de responsabilização criminal e também indenizatória (LIMA, SAMPAIO e SILVA, 2023).
Outro delito recorrente é a prática de pornografia infantil, cuja ocorrência em meio virtual diverge um pouco da prática tipificada no Estatuto da Criança e do Adolescente, mas está compreendida no disposto nos artigos 240 e 241 da lei em comento.
Mas o que é a pornografia infantil virtual? Ao contrário pornografia real, em cuja produção são utilizados menores, na pornografia virtual não existe uma verdadeira utilização de crianças. O que pode ocorrer é uma de duas situações: “pornografia infantil que visualmente represente uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, tratando-se, contudo, de uma pessoa maior que aparenta ser uma criança” (pedopornografia aparente); “pornografia infantil que visualmente represente uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, tratando-se de representações geradas, simuladas, criadas e manipuladas, por exemplo, por computador” (pedopornografia virtual) (SILVA apud LIMA, SAMPAIO e SILVA, 2023, p. 01).
Em números, já não apenas suposições. Os efeitos criminosos da pandemia já são observados em vários estados brasileiros. No Distrito Federal, os números apontam o dito crescimento de crimes virtuais em relação ao período anterior à pandemia da Covid-19:
Em 2019, um ano antes da pandemia causada pelo novo coronavírus, o DF registrou 7.613 ocorrências por crimes praticados pela internet. Esse número ficou praticamente quatro vezes maior ao se comparar com os dois anos seguintes, em 2020 e 2021, período em que as pessoas ficaram mais em casa, chegando a um total de 30.273 notificações. [...] Os estelionatos aparecem em primeiro lugar no ranking dos crimes que apresentaram crescimento entre 2020 e 2021: das 7.484 ocorrências, o número passou para 9.621. As extorsões subiram em 26%, passando de 168 para 212. O stalking passou de 18 para 156; pedofilia, de cinco para 16 notificações; e os crimes de violência psicológica contra a mulher foram de duas para 19 ocorrências (DIOGO e MARTINS, 2022, p. 01).
Os dados nacionais são alarmantes:
Segundo o relatório do FortiGuard Labs (laboratório da Fortiguard), no decorrer do ano de 2020 o Brasil sofreu nada menos do que 8,5 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos, sendo que, 5 bilhões ocorreram apenas nos últimos três meses do ano (outubro, novembro e dezembro). No ano de 2021 o Brasil sofreu mais de 88,5 bilhões de tentativas de ataques cibernéticos, tendo um aumento de mais de 950% com relação a 2020 (com 8,5 bi), o Brasil ocupou o segundo lugar em número de ataques na América Latina e Caribe, atrás apenas do México (com 156 bi). A alta nos números foi constante durante o ano e ocorreu em toda a região, que chegou a registrar 289 bilhões de ataques no total, um crescimento de mais de 600% com relação ao ano anterior (com 41 bi) (SILVA e MARINHO, 2022, p. 13).
No estado do Tocantins o aumento também foi observado. Segundo informações da Secretaria de Segurança Pública do Estado do Tocantins, no primeiro semestre do ano passado “344 pessoas foram vítimas do crime de estelionato consumado. Se comparado ao mesmo período deste ano, o número cresceu 75,2%, confirmado pelo registro de 603 novos casos” (GOVERNO DO TOCANTINS, 2021).
Conforme os índices apresentados comprovam, os crimes cibernéticos não se limitam aos mencionados anteriormente, compreendendo ainda as práticas de maus tratos contra animais, crimes raciais de intolerância; delitos de discriminação contra mulheres, entre outros. A seguir, uma comparação entre os anos de 2019, 2020 e 2021:
Segundo os dados obtidos pelos Indicadores da Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos, apenas com relação as condutas abaixo: Maus Tratos Contra Animais, LGBTFobia; Neo Nazismo; Pornografia Infantil; Intolerância Religiosa; Xenofobia; Racismo; Violência ou Discriminação contra; Mulheres; Tráfico de Pessoas e Apologia e Incitação a crimes contra a Vida Em 2019, foram recebidas e processadas 75.671 denúncias anônimas envolvendo 39.864 páginas (URLs) distintas (das quais 24.319 foram removidas) escritas em 9 idiomas e hospedadas em 8.015 domínios diferentes, de 161 diferentes TLDs e conectados à Internet através de 7.258 números IPs distintos, atribuídos para 65 países em 6 continentes. Em 2020, foram recebidas e processadas 156.692 denúncias anônimas de 74.011 páginas (URLs) distintas (43.316 delas foram removidas) escritas em 10 idiomas e hospedadas em 9.236 domínios diferentes, de 173 diferentes TLDs e conectados à Internet através de 8.524 números IPs distintos, atribuídos para 63 países em 6 continentes. Em 2021, foram recebidas e processadas 150.095 denúncias anônimas envolvendo 71.095 páginas (URLs) distintas (das quais 32.538 foram removidas) escritas em 10 idiomas e hospedadas em 8.926 domínios diferentes, de 170 diferentes TLDs e conectados à Internet através de 9.900 números IPs distintos, atribuídos para 68 países em 6 continentes (SILVA e MARINHO, 2022, p. 14).
Está evidente que a pandemia causou o aumento dos crimes virtuais, cabendo ao Poder Público aplicar a sanção devida aos responsáveis pela conduta. Mas, mais que isso, é urgente a implementação das medidas de segurança na rede mundial de computadores, salvaguardando todos os cidadãos, conforme a Constituição Federal determina.
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim como se dá em vários outros ambientes, a evolução do meio digital, com a inclusão de novas possibilidades de comunicação, resolução de problemas, aquisição de produtos e celebração de contratos, apresenta não apenas fatores positivos, mas também possuem riscos aos usuários das redes e sistemas de computadores.
O aumento dos crimes virtuais em período de pandemia é o reflexo dessa afirmação, efeito evidente do crescimento exponencial dos usuários da internet, não se limitando ao acesso às redes sociais, mas também o uso crescente de aplicativos bancários, entre tantos outros dispositivos disponíveis.
Em que pese esteja marcada pela prática de fraudes, estelionatos, ataques à honra, crimes contra crianças e mulheres, a internet não é um local de impunidade. O ordenamento jurídico nacional compreende também o ambiente virtual e pode e será utilizado para punir aqueles que pratiquem as condutas tipificadas no Código Penal e nas leis especiais.
Além de já haver a previsão dos crimes, observa-se um desejo de aprimoramento da legislação para que nenhuma conduta fique isenta de punição, o que se comprova com a edição de leis especificamente destinadas ao uso do sistema mundial de computadores, aqui representada pela Lei Carolina Dieckmann, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados.
Contudo, apesar do exposto, não basta a punição posterior ao ocorrido, é preciso que a prevenção ocorra, a fim de impedir o dano às vítimas desses crimes. Com isso, a conscientização sobre o uso seguro da internet é necessária e deve ser feita através da implementação de políticas públicas de proteção, aliadas à imposição das leis penais.
REFERÊNCIAS
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GOVERNO DO TOCANTINS. Polícia Civil do Tocantins alerta para o aumento de crimes por estelionato em ambiente virtual. TO.GOV, Jéssica Sá/Governo do Tocantins, publicado: 08 jul. 2021. Disponível em: < https://www.to.gov.br/noticias/policia-civil-do-tocantins-alerta-para-o-aumento-de-crimes-por-estelionato-em-ambiente-virtual/1hjq7v3y4f8g#:~:text=Se%20comparado%20ao%20mesmo%20per%C3%ADodo,na%20tentativa%20de%20fazer%20v%C3%ADtimas.>. Acesso em: 25 abr. 2023.
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O que é Ransomware? Techtudo notícias, 2016. Disponível em: <https://www.techtudo.com.br/noticias/2016/06/o-que-e-ransomware.ghtml>. Acesso em: 25 abr. 2023.
REDIVO, Joslaine. Crimes cibernéticos: no mundo durante a pandemia covid-19 e seus impactos Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 01 jun 2022, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/58541/crimes-cibernticos-no-mundo-durante-a-pandemia-covid-19-e-seus-impactos. Acesso em: 21 mar. 2023.
SILVA, João Pedro Alves Tomaz; MARINHO, Luiz Eduardo Arruda. O Aumento dos Crimes Virtuais na Pandemia e os Limites da Liberdade de Expressão. Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Graduação da universidade Potiguar. Natal-RN, 2022. Disponível em: <https://repositorio.animaeducacao.com.br/bitstream/ANIMA/25232/1/O%20AUMENTO%20DOS%20CRIMES%20VIRTUAIS%20NA%20PANDEMIA%20E%20OS%20LIMITES%20DA%20LIBERDADE%20DE%20EXPRESS%C3%83O.pdf>. Acesso em 18 mar. 2023.
[1] Professor Mestre Orientador do Curso de Direito da Universidade de Gurupi – UnirG.
[2]O ransomware é um tipo de malware que sequestra o computador da vítima e cobra um valor em dinheiro pelo resgate, geralmente usando a moeda virtual bitcoin, que torna quase impossível rastrear o criminoso que pode vir a receber o valor. Este tipo de "vírus sequestrador" age codificando os dados do sistema operacional de forma com que o usuário não tenha mais acesso (TECHTUDO, 2016).
Acadêmica do Curso de Direito da Universidade de Gurupi- UnirG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Letícia Alves. O aumento dos crimes virtuais com o advento da pandemia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 maio 2023, 04:08. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61397/o-aumento-dos-crimes-virtuais-com-o-advento-da-pandemia. Acesso em: 22 nov 2024.
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