CARLOS EDUARDO FERREIRA COSTA[1]
ROSYVANIA ARAUJO MENDES[2]
(orientadores)
Resumo: O artigo apresentado possui o objetivo de discutir a plausibilidade da aplicação do Imposto sobre Transmissão de bens e direitos por Causa Mortis ou por Doação (ITCMD) no Brasil enquanto uma das ferramentas capazes de compensar a regressividade do recolhimento tributário. A discussão do tema demonstra-se essencial para a consecução de um modelo social mais equânime e justo, levando em conta mudanças conceituais que possam sustentar um sistema de justiça fiscal compatível com os princípios da capacidade contributiva e do progressismo. Assim, o presente escrito destaca aspectos passíveis de alteração de acordo com a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, que de fato atuam na redução da desigualdade social no Brasil, e sugere novas formas de pagamento de impostos sobre bens hereditários por meio do ITCMD. Para tanto, utiliza-se o método qualitativo e bibliográfico de pesquisa. É apresentado, inicialmente, uma síntese acerca do Direito das Sucessões, bem como, a apresentação dos aspectos gerais sobre a Herança e sua administração, e em seguida discute-se sobre a plausibilidade da aplicação da ferramenta de progressividade de alíquotas ao Imposto sobre Transmissão de bens e direitos por Causa Mortis ou por Doação (ITCMD) no Brasil. Como resultado, o estudo visa contribuir para o enriquecimento da discussão acerca do problema abordado e espera-se, portanto, que ele possa prover subsídios a novas pesquisas sobre o tema.
Palavras-chave: Direito sucessório; ITCMD; Sucessão hereditária; Tributos.
Abstract: The present article has the objective of discussing the plausibility of the application of the Tax on the Transfer of Goods and Rights by Cause Mortis or by Donation (ITCMD) in Brazil as one of the tools capable of offsetting the regressiveness of tax collection. The discussion of the theme proves to be essential for achieving a more equitable and fair social model, taking into account conceptual changes that can sustain a tax justice system compatible with the principles of contributory capacity and progressivism. Thus, this paper highlights aspects subject to change according to the Federal Constitution and the National Tax Code, which in fact act to reduce social inequality in Brazil, and suggests new forms of payment of taxes on hereditary assets through ITCMD. For that, the qualitative and bibliographic research method is used. Initially, a summary of Inheritance Law is presented, as well as the presentation of general aspects of Inheritance and its administration, and then it is discussed about the plausibility of applying the rate progressivity tool to the Tax on Transfer of goods and rights by Cause Mortis or by Donation (ITCMD) in Brazil. As a result, the study aims to contribute to the enrichment of the discussion about the problem addressed and it is expected, therefore, that it can provide subsidies for further research on the subject.
Keywords: Succession law; ITCMD; Hereditary succession; Tributes.
1 INTRODUÇÃO
A Receita Federal do Brasil demonstra que, no atual cenário brasileiro, o país possui uma carga tributária cujo percentual encontra-se abaixo da média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Em 2017, enquanto a referida média concentrava-se em 34,2% do PIB, a carga tributária brasileira alcançava um patamar pouco menor, de 32,3% (BRASIL, 2022).
Apesar disso, observa-se que a incidência desta carga se encontra concentrada, principalmente, na tributação sobre o consumo de bens e serviços, enquanto a tributação sobre a propriedade aparece abaixo da média. No mesmo ano, a tributação sobre bens e serviços no Brasil representou 14,3% da carga tributária, bem acima da média da OCDE que é de 11,1%, enquanto que a tributação sobre a propriedade representou apenas 1,5% da carga, sendo a média da OCDE nesta modalidade de 1,9% (BRASIL, 2022).
Diante dos dados apresentados, vê-se que a carga tributária brasileira total não pode ser considerada excessiva. Ela, inclusive, é menor do que a carga tributária de grande parte dos países desenvolvidos, como, por exemplo, França (46,2%), Alemanha (37,5%) e Reino Unido (33,3%) (DALPIZOLL; OLIVEIRA, 2022). O que cria, portanto, a noção de que a tributação no Brasil é exorbitante, em relação a distribuição que lhe é conferida.
Compreende-se que a tributação sobre o consumo de bens e serviços é uma modalidade que se caracteriza como regressiva, visto que atinge todos os contribuintes na mesma proporção, consequentemente onerando mais aqueles que possuem menor poder aquisitivo. Dessa forma, observa-se não somente, mas principalmente por isso, o seu papel de extrema relevância dentro da carga tributária nacional que acaba por contribuir na caracterização arrecadação tributária brasileira também como regressiva.
Assim, partindo do pressuposto de que a justiça da arrecadação tributária está em sua harmonia, ou seja, “está na adequada distribuição da carga tributária entre os detentores de patrimônio e renda de uma lado, e aqueles que nada tem, senão despesas, de outro” (RIBEIRO, 2017), o presente trabalho possui a finalidade de defender a importância de se repensar a aplicação do imposto sobre heranças (ITCMD) no Brasil enquanto uma das ferramentas capazes de compensar a regressividade do recolhimento tributário.
A discussão do tema demonstra-se essencial para a consecução de um modelo social mais equânime e justo, levando em conta mudanças conceituais que possam sustentar um sistema de justiça fiscal compatível com os princípios da capacidade contributiva e do progressismo. Assim, o presente escrito destaca aspectos passíveis de alteração de acordo com a Constituição Federal e o Código Tributário Nacional, que de fato atuam na redução da desigualdade social no Brasil, e sugere novas formas de pagamento de impostos sobre bens hereditários por meio do ITCMD.
A proposta empregada para tanto possui natureza qualitativa, a qual descreve uma relação entre o objetivo e os resultados que não podem ser interpretadas por meio de números (FERNANDES, 2018). E no que se refere ao levantamento de dados, destaca-se que a pesquisa foi fundamentada suplementarmente mediante consultas a livros, artigos de revistas especializadas e publicadas na internet e jornais, além do exame necessário da legislação pertinente. Classifica-se, dessa forma, como pesquisa bibliográfica, a qual possui a finalidade de obter resultados baseados em materiais já publicados, como em livros, periódicos, fotos, documentos, cartas etc. (FONTELLES, 2017).
Portanto, faz-se necessário realizar, introdutoriamente, uma síntese acerca do Direito das Sucessões, bem como, a apresentação dos aspectos gerais sobre a Herança e sua administração, para que em seguida seja possível discutir sobre a plausibilidade da aplicação da ferramenta de progressividade de alíquotas ao Imposto sobre Transmissão de bens e direitos por Causa Mortis ou por Doação (ITCMD) no Brasil.
2 NOÇÕES INTRODUTÓRIAS ACERCA DO DIREITO DAS SUCESSÕES
O Direito das Sucessões consiste no conjunto de normas que disciplina a transferência patrimonial de uma pessoa em função de seu falecimento, realizando a finalidade institucional de dar a continuidade possível ao descontínuo causado pela morte.
A sucessão hereditária, também chamada de sucessão “mortis causa”, ocorre quando, em virtude do falecimento de alguém (sucedido ou autor da herança), o seu patrimônio é transferido a determinadas pessoas, legitimadas a recebê-lo (sucessores), as quais, assim, substituem-no na titularidade desses bens ou direitos (TARTUCE, 2018).
O fundamento da transmissão causa mortis estaria não apenas na continuidade patrimonial, ou seja, na manutenção pura e simples dos bens na família como forma de acumulação de capital que estimularia a poupança, o trabalho e a economia, mais ainda e principalmente no fator de proteção, coesão e de perpetuidade da família. O Direito das Sucessões se alicerça no direito de propriedade, na sua função social e na dignidade humana.
2.1 Classificação da sucessão hereditária
Quanto à matriz normative, duas são as modalidades básicas de sucessão mortis causa, o que pode ser retirado do art. 1.786 do CC: sucessão hereditária legítima (arts. 1.829 a 1.856 do CC): Decorre da lei, que enuncia a ordem de vocação hereditária, presumindo a vontade do autor da herança. É também denominada sucessão ab intestato justamente por inexistir testamento. Vale dizer, são as regras do Código Civil que cuidam de disciplinar a ordem de chamamento dos sucessores, também denominada ordem de “vocação legal”. Sucessão hereditária testamentária (arts. 1.857 a 1.990 do CC): Tem origem em ato de última vontade do morto, por testamento, legado ou codicilo, mecanismos sucessórios para exercício da autonomia do autor da herança (TARTUCE, 2018).
Nas duas formas da sucessão, o regramento fundamental consta do art. 1.784 do CC, pelo qual aberta a sucessão – o que ocorre com a morte da pessoa, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Trata-se da consagração da máxima droit de saisine. Quanto ao conjunto de bens transmitidos: sucessão hereditária universal (arts. 1.829 a 1.856 do CC): O herdeiro sucede a título universal, pois a ele é deferida uma fração (quota-parte) ou toda a herança. Sucessão hereditária singular (arts. 1.912 a 1.940 do CC): Sucede a título singular o legatário, pois a ele é deferido bem ou direito determinado.
2.2 Princípios do direito sucessório
2.2.1 Princípio da Saisine
Consiste o droit de saisine no reconhecimento, ainda que por ficção jurídica, da transmissão imediata e automática do domínio e da posse da herança aos herdeiros legítimos e testamentários, no instante da abertura da sucessão, que ocorre com a morte (TARTUCE, 2018).
O princípio da “saisine”, portanto, à luz de todo o exposto, pode ser definido como a regra fundamental do Direito Sucessório, pela qual a morte opera a imediata transferência da herança aos seus sucessores legítimos e testamentários. Aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários (art. 1.784 do CC).
2.2.2 Princípio (non) ultra vires hereditatis
A expressão ultra vires hereditatis significa “além do conteúdo da herança”. Por força do art. 1.792 do CC, as dívidas do falecido devem ser pagas somente com seu próprio patrimônio, não ultrapassando as forças da herança. Ao herdeiro cabe o ônus de provar o excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demonstrando o valor dos bens herdados. Tal regra proíbe o alcance do patrimônio pessoal do herdeiro por dívida do falecido (DINIZ, 2021).
Registre-se que a expressão “herança danosa” ou “herança maldita” remonta ao Direito Romano, quando se o passivo hereditário superasse o ativo, ficava o herdeiro obrigado a pagar, com seus próprios bens, as dívidas deixadas pelo falecido, o que poderia até mesmo levar o herdeiro à ruína, daí derivando as expressões.
2.2.3 Princípio da Função Social da Herança
A herança possui função social na medida em que permite a redistribuição da riqueza do de cujus, transmitida aos seus herdeiros. Não se pode perder de vista que a sucessão mortis causa tem esteio na valorização constante da dignidade humana, seja do ponto de vista individual ou coletivo, conforme o art. 1.º, III e o art. 3.º, I, da Constituição Federal de 1988.
2.2.4 Princípio da Territorialidade
O CC estabelece que a sucessão é aberta no lugar do último domicílio do falecido (art. 1.785). Esta regra comporta as seguintes exceções:
- Se o falecido tinha mais de um domicílio, a sucessão poderá ser aberta em qualquer deles por prevenção;
- Se o extinto não tinha domicílio certo, será competente o lugar onde estejam situados os bens imóveis por ele deixados;
- Se não tinha domicílio certo e os imóveis estão situados em lugares diferentes, será competente qualquer deles, por prevenção;
- Se o morto não tinha domicílio certo e não deixou imóveis, qualquer dos lugares em que estejam os bens móveis, por prevenção (BRASIL, 2002).
Tal regra, que é de direito material, produz evidentes reflexos no direito processual, na medida em que define a competência para questões atinentes ao direito sucessório.
2.2.5 Princípio da Temporalidade
Conforme art. 1.787 do CC, regula a sucessão e a legitimação para suceder a lei vigente ao tempo da abertura daquela. Esse entendimento é reiterado no art. 2.041 do CC, ao estabelecer que “as disposições deste Código relativas à ordem da vocação hereditária (arts. 1.829 a 1.844) não se aplicam à sucessão aberta antes de sua vigência, prevalecendo o disposto na lei anterior”. Isto porque será válida a lei do tempo da abertura da sucessão. Assim, se o óbito tiver ocorrido antes da vigência do CC de 2002, será hipótese de ultratividade das normas do Código Civil de 1916, tendo em vista que o CC/1916 será aplicado mesmo depois de sua revogação a fatos ocorridos na sua vigência (DINIZ, 2021).
2.2.6 Princípio do Respeito à Vontade Manifestada
Conhecido como favor testamentati. Com efeito, o sentido de admitir a produção de efeitos post mortem em relação a determinado patrimônio está justamente no respeito à manifestação da declaração de vontade de seu titular originário. A vontade do testador deve prevalecer, inclusive, diante de meras irregularidades testamentárias formais ou de modificações supervenientes de situação de fato, se for possível verificar, inequivocamente, qual era a intenção do testador.
2.3 Da herança e da sua administração
A herança seria o conjunto de bens formado com o falecimento do de cujus (autor da herança), ou seja, o complexo das relações jurídicas de expressão econômico patrimonial e de caráter não personalíssimo deixadas pelo de cujus em razão de sua morte, que não se confunde com o patrimônio, tendo em vista que ao patrimônio são agregadas as relações de caráter personalíssimo, que ficam afastadas do complexo patrimonial que compõe a herança (DIAS, 2016).
De acordo com o art. 91 do CC/02, a herança tem natureza jurídica de universalidade de direito. Apesar da natureza personalíssima dos alimentos, o art. 1.700 do CC estabelece que “a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor”. A redação do artigo suscita críticas da doutrina, na medida em que não restringe o pagamento ao limite da herança, tornando possível que um herdeiro acabe por receber mais do que outro.
A fim de evitar a desigualdade, parte da doutrina entende que haverá transmissão das obrigações em favor de alimentandos apenas quando estes não sejam herdeiros do espólio deixado pelo falecido, sob pena de violação, por via oblíqua, do princípio constitucional de igualdade entre os filhos. O Enunciado 343 das Jornadas de Direito Civil, por sua vez, estabelece que “a transmissibilidade da obrigação alimentar é limitada às forças da herança”.
Como é notório, a administração do inventário cabe ao inventariante. É certo, no entanto, que o art. 1.797 do CC estabelece a quem incumbe a administração provisória da herança, dispondo que, até o compromisso do inventariante a administração da herança caberá, sucessivamente:
i) ao cônjuge ou companheiro, se com o outro convivia ao tempo da abertura da sucessão;
ii) ao herdeiro que estiver na posse e administração dos bens, e, se houver mais de um nessas condições, ao mais velho;
iii) ao testamenteiro;
iv) a pessoa de confiança do juiz, na falta ou escusa das indicadas nos incisos antecedentes, ou quando tiverem de ser afastadas por motivo grave levado ao conhecimento do juiz (BRASIL, 2002).
O patrimônio do falecido, considerado uma massa patrimonial indivisível, de titularidade conjunta de todos os herdeiros, passa a ser chamado de espólio, especialmente para fins processuais. Posteriormente, o juiz nomeará inventariante para administração do espólio, observada a ordem do art. 617 do CPC/2015, que poderá ou não coincidir com aquele que estava na administração provisória da herança. Tanto o administrador provisório quanto o inventariante devem responder juridicamente pelo espólio, bem como pela prática de atos que possam gerar danos à massa patrimonial (DINIZ, 2021).
O espólio não possui personalidade jurídica, mas tem reconhecida a sua capacidade postulatória, na forma consagrada pelo art. 75 do CPC/2015. Assim, o espólio, por meio de seu representante provisório ou definitivo, poderá figurar em juízo tanto como autor quanto como réu.
2.4 Da vocação hereditária
Vocação hereditária é o fenômeno por meio do qual se atribui a alguém as condições necessárias para a sucessão de pessoa determinada. Dessa forma, a sucessão depende da existência de sucessores e a existência de sucessores depende da existência de vocação hereditária. O art. 1.798 do CC apresenta a regra geral sucessória, segundo a qual “legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”.
2.5 Da aceitação da herança
Em razão do princípio da saisine, aberta a sucessão, a herança transfere-se desde logo aos herdeiros, por força da lei, independentemente de qualquer manifestação de vontade, formando entre os herdeiros um condomínio só dissolvido com a partilha (DIAS, 2016).
O herdeiro então terá a faculdade de aceitar ou não a herança. A aceitação ou adição da herança é o ato jurídico unilateral do herdeiro que confirma a transmissão da herança em caráter definitivo e irrevogável. Não se deve confundir a aceitação com a delação da herança, sendo esta expressão que caracteriza a situação em que, após a morte, a herança é colocada à disposição dos herdeiros, que, assim, poderão aceitá-la ou não. A aceitação é necessária porque ninguém pode ser herdeiro contra a sua vontade. São três as formas de aceitação da herança que podem ser retiradas dos arts. 1.805 e 1.807 do CC:
A aceitação poderá ser: a) expressa: mediante declaração escrita do herdeiro, por meio de instrumento público ou particular (BRASIL, 2002). b) tácita: quando resultar de atos próprios da qualidade de herdeiro; ou presumida, decorrente de situação provocada pelo interessado em juízo, a fim de obter do herdeiro, manifestação de vontade. Entretanto, não se admite que a aceitação se dê por partes ou de modo condicional ou a termo (BRASIL, 2002). c) presumida: tratada pelo art. 1.807 do CC, segundo o qual o interessado em que o herdeiro declare se aceita ou não a herança, poderá, vinte dias após aberta a sucessão, requerer ao juiz prazo razoável, não maior de 30 dias, para nele, pronunciar-se o herdeiro. Isso, sob pena de se haver a herança por aceita (BRASIL, 2002).
Entende-se que, como a aceitação da herança acrescenta ao patrimônio, não é necessária a vênia conjugal. A regra é que o próprio herdeiro manifeste sua aceitação em relação à herança. Não obstante, o CC apresenta hipóteses em que a aceitação poderá ser feita por terceiro. São elas: Sucessão no Direito de Aceitação (art. 1.809 do CC): Falecendo o herdeiro antes de declarar se aceita a herança, o poder de aceitar passa aos herdeiros, a menos que se trate de vocação adstrita a uma condição suspensiva, ainda não verificada (BRASIL, 2002).
Aceitação judicialmente permitida a terceiros em razão de fraude contra credores (art. 1.813 do CC): Quando o herdeiro prejudicar os seus credores, renunciando à herança, poderão eles, com autorização do juiz, aceitá-la em nome do renunciante. Entretanto, esta aceitação é limitada ao montante dos créditos (BRASIL, 2002).
2.6 Petição de Herança
O CC/2002 trata da ação de petição de herança (petitio hereditatis), que é a demanda que visa incluir um herdeiro na herança mesmo após a sua divisão. Por meio de ação de petição de herança, o herdeiro pode demandar o reconhecimento do seu status sucessório, visando obter a restituição de toda a herança ou de parte dela, contra quem indevidamente a possua, sendo, portanto, um meio por intermédio do qual alguém demanda o reconhecimento da sua qualidade de herdeiro, bem como pleiteia a restituição da herança, total ou parcialmente, em face de quem a possua (TARTUCE, 2018).
Isso é o que estabelece o art. 1.824 do Código, de que pode o herdeiro, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua. É o caso de um filho não reconhecido que pretende o seu reconhecimento posterior e inclusão na herança.
Trata-se de ação real imobiliária tendo em vista que a herança é considerada por lei um bem imóvel (art. 80, II, CC). A ação de petição de herança, ainda que exercida por um só dos herdeiros, poderá compreender todos os bens hereditários (art. 1.825 do CC). É que a herança, antes da partilha, constitui um bem indivisível, por força do art. 1.791 do CC.
Ocorrendo a devolução, o possuidor da herança está obrigado à restituição dos bens do acervo, sendo fixada a sua responsabilidade segundo a sua posse, se de boa ou má-fé (art. 1.826, caput, do CC). A partir da citação na ação de petição de herança, a responsabilidade do herdeiro possuidor será aferida de acordo com as regras concernentes à posse de má-fé e à mora (art. 1.826, parágrafo único, do CC).
A procedência da petição de herança gera o reconhecimento da ineficácia da partilha em relação ao autor da ação, dispensada a anulação da partilha, bastando simples pedido de retificação da partilha realizada anteriormente.
3 A INCIDÊNCIA DOS TRIBUTOS NA SUCESSÃO
A distribuição dos tributos que cada Ente pode impor foi realizada pela Constituição Federal, promulgada em 1988. De acordo com o artigo 155 da Carta Magna, Inciso I, o ônus do pagamento da transmissão da causa da morte e da doação permaneceu com os estados membros e/ou governo federal (TARTUCE, 2018).
Em vista da forma como é aplicado atualmente, pode-se dizer que o tributo em questão cumpre função meramente fiscal. Isso porque, sua faceta extrafiscal consiste no desestímulo à acumulação de riquezas, o que pode ser perpetrado através da aplicação de alíquotas progressivas ao imposto. Suas alíquotas incidirão sobre o valor do quinhão transmitido, e não sobre a totalidade dos bens transmitidos.
Desse modo, importante destacar que conforme a disposição do mesmo artigo, §1º, IV, da Constituição Federal de 1988, o ITCMD terá suas alíquotas máximas fixadas pelo Senado Federal. Atualmente, a alíquota máxima é de 8%, conforme a Resolução nº 09 de 1992 (BRASIL, 1992). Dispondo de tal maneira, a Carta Magna abriu brecha para que os Estados fixem as alíquotas de maneira progressiva, respeitando tão somente o teto máximo de cobrança.
A Resolução supracitada, portanto, dispôs em seu art. 2º que as alíquotas do imposto em questão “fixadas em lei estadual, poderão ser progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal”. Assim, a legislação reguladora conferiu ao ITCMD a possibilidade de pautar-se na chamada progressividade fiscal. Conforme leciona Eduardo Sabbag (2017):
A progressividade traduz-se em técnica de incidência de alíquotas variadas, cujo aumento se dá à medida que se majora a base de cálculo do gravame. O critério da progressividade diz com o aspecto quantitativo, desdobrando-se em duas modalidades: a progressividade fiscal e a progressividade extrafiscal. A primeira alia-se ao brocardo “quanto mais se ganha, mais se paga”, caracterizando-se pela finalidade meramente arrecadatória, que permite onerar mais gravosamente a riqueza tributável maior e contempla o grau de “riqueza presumível do contribuinte”. A segunda, por sua vez, fia-se à modulação de condutas, no bojo do interesse regulatório (SABBAG, 2017, p. 207).
Observa-se que a progressividade pode assumir duas facetas. A faceta da fiscalidade denota verdadeira expressão do princípio da solidariedade, o qual norteia o sistema tributário nacional, admitindo alíquotas maiores para bases de cálculo maiores, otimizando e tornando mais justa a arrecadação ao permitir que a exigência fiscal aumente conforme cresce a capacidade do indivíduo de contribuir com o orçamento do Estado.
Por outro lado, a faceta da extrafiscalidade tem o objetivo de aumentar as alíquotas com o fito de estimular ou desestimular alguma situação, situação esta que deve ser considerada contrária aos princípios e direitos fundamentais que legitimam o Estado. Sabe-se que a Constituição Federal prevê expressamente a progressividade extrafiscal para o IPTU, para o ITR e também para o IR (BRASIL, 1988).
Apesar do referido imposto visar principalmente atividades comerciais (compra, venda, consumo e transação), o governo tentou tributar também atividades não comerciais, como o incidente envolvendo doações e a causa da morte. Com isso, é simples perceber que o Ente Tributante apenas aguarda a transmissão patrimonial para retirar dos sucessores seu quinhão em troca de tributo quando se tratar do direito sucessório, de acordo com Flávio Tartuce (2015):
A herança é o conjunto de bens formado com o falecimento do de cujos (autor da herança). Conforme o entendimento majoritário da doutrina, a herança forma o espólio, que constitui um ente despersonalizado ou despersonificado e não de uma pessoa jurídica, havendo uma universalidade jurídica, criada por ficção legal, o direito a herança constitui bens imóveis por determinação legal, conforme consta do art. 80, do Código Civil. Isso ocorre mesmo se a herança for composta apenas por bens móveis, caso de dinheiro e veículos (TARTUCE, 2018, p. 1276).
Para ilustrar mais claramente esse ponto, e em relação ao fato gerador do ITCMD ter feito isso, a STF Súmula 112 já difundiu a situação ao afirmar que, de acordo com a lei, o proprietário de um patrimônio é obrigado a transferir integralmente sua propriedade para seus herdeiros à data do falecimento, tendo a transmissão apenas efeito declaratório.
Não há necessidade de discutir a compensação do ITCMD para o herdeiro que renuncia a sua cota-parte da herança em favor do quinhão, porque não haverá transferência de propriedade, pois apenas algumas pessoas têm o direito legal de possuir propriedade. Da mesma forma, o tributo em questão não incidirá nos casos de deserção ou indignidade, em que o herdeiro não se apossará dos bens do de cujus (TARTUCE, 2018).
Esclarecendo, a deserção do sujeito de teste é um ato unilateral que exclui antecipadamente o pastor necessário para a sucessão do sujeito de teste. A indignidade, por outro lado, consiste na impossibilidade daqueles herdeiros que foram autores, coautores ou participantes de crimes dolosos, consumados ou tentados diante do autor da herança, cônjuge ou companheiro desta, ascendente e descendente.
Em consequência, quem for considerado culpado de crime relacionado com a honra da vítima, a honra do seu superior, ou o companheiro com quem estiver, bem como quem impedir fraudulentamente a vítima do crime de receber os seus bens em acto último recurso, será duramente processado (TARTUCE, 2018).
A distribuição dos bens ao juiz ou empresa que sobreviver ao quinhão do falecido é a distribuição dos bens e não constitui a arrecadação de bens deixados pelo falecido aos seus sucessores. Desta forma, não haverá tributação da escassa cota porque não inclui o patrimônio efêmero do planeta; ainda, quando a doação for realizada, os benefícios recebidos pelos herdeiros necessários terão impacto no fator de controle do ITCMD.
Apesar de a matéria não ser da competência do ITCMD, uma vez que não há transmissão de direitos hereditários, mas sim divisão do patrimônio comum da família, é importante lembrar que a disputa pela sucessão inclui o direito ao juiz supremo ou empresa porque, segundo as definições legais, essa pessoa é considerada um herdeiro necessário junto com descendentes e ascendentes.
Quando aberta a sucessão o cônjuge sobrevivente ou companheiro concorrerá com os herdeiros se houver casado no regime convencional de bens, da participação final dos aquestos ou, ainda, se o casamento se deu no regime de comunhão parcial e havia bens particulares do de cujus (MAZZA, 2015, p. 1639).
Ao transferir a propriedade, o pastor deve ficar atento, pois a declaração desses bens a valor de mercado acarretará ganho em relação à declaração dos falecidos e acarretará a imposição do Imposto de Renda (IR) sobre o acréscimo patrimonial por causa de uma avaliação patrimonial ocorrido, que é o fator que gera o Imposto de Renda, conforme Lei 9.532/97.
Não é necessário discutir acréscimo patrimonial e, consequentemente, incidência de Imposto de Renda se o herdeiro declarar o mesmo valor constante na declaração de imposto renda do falecido. Portanto, nada mais seria necessário do que um cartaz, pois é provável que em algum momento no futuro, quando esse bem for vendido, o valor de mercado esteja sujeito a um impacto diferente do imposto federal (TARTUCE, 2018).
Ao longo da vida de uma pessoa, é possível estabelecer atitudes que alteram o valor e até a natureza da tributação. Essa ação do contribuinte é conhecida como elisão fiscal, na qual o contribuinte antecipa o fato de uma pessoa morrer e a exime de qualquer obrigação de restituir ou reduzir impostos de forma legal. Deixar claro que não há fraude contra o erário, mas sim uma mudança de percepção que impede a ocorrência da alta tributação relativa à fonte e, com isso, impede o surgimento da obrigação tributária, tornando-a imerecida ou menos oneroso.
Josiane Minardi (2015, p. 243), tutora, defende essa posição:
Quando o contribuinte age em conformidade com a legislação tributária e com atividades anteriores à ocorrência do fato gerador, de modo a impedir que o fato previsto em lei passível de tributação ocorra no mundo concreto, chama-se de elisão
fiscal, o que é vedado é a chamada evasão fiscal, na qual o contribuinte se utiliza de meios ilícitos para burlar a tributação.
Deve ficar claro que o método mais eficaz para reduzir a alta carga tributária é o que chamamos de "planejamento sucessório", que não pode ser entendido como mecanismo de sonar fiscal; pelo contrário, refere-se a ações ou mesmo omissões que, além de produzirem efeitos posteriores, também terão impacto no pagamento de tributos que incidem sobre a transmissão de propriedade dos bens do falecido, neste caso a entidade homônima.
Esta atitude deve ser incentivada por diversos motivos, incluindo o afeto mais forte de um herdeiro particular, o desejo de proteger um familiar após a sua morte, a prossecução da menor remuneração possível, e mesmo o desejo de evitar desavenças familiares provocadas pelos herdeiros insatisfação (TARTUCE, 2018).
No passado, manter a própria sobrevivência e a de seus parentes dependia da força bruta e da capacidade de armazenamento em cache. Atualmente, os objetivos mudaram, deixando a perseguição em favor da busca pelo acúmulo de riquezas. Não importa se estamos lidando com uma grande corporação ou um pequeno empresário, todos querem acumular riqueza e construir reservas que serão direcionadas para seus sucessores em caso de morte.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atual regressividade fiscal vivenciada pelo sistema tributário brasileiro possui raízes em uma longa história de colonialismo sustentada pelas classes políticas dominantes. Um papel crucial neste contexto de disparidades e acumulações patrimoniais está atualmente a ser promovido pela tributação da ascendência e das doações. Uma análise dos gráficos alimentados pelos dados da Receita Federal sobre concentração de renda mostra a disparidade entre o 1% mais rico dos brasileiros e a metade mais baixa da população e a necessidade urgente de redistribuir essas riquezas.
Nesse sentido, conforme discutido no decorrer do presente artigo, a aplicação da ferramenta da progressividade no caso do ITCMD, principalmente no que concerne à sua faceta extrafiscal, mostra-se como uma realidade palpável. A acumulação de riquezas, sem dúvidas, é contrária aos princípios e direitos fundamentais que legitimam o Estado brasileiro, não por si só, mas principalmente pela sua maior consequência – a pobreza.
A base de todo o processo de acumulação capitalista, como cediço, é a propriedade privada, que contribui, pela lógica do próprio sistema, para a concentração de riquezas na mão de uma parcela pequena da sociedade e, consequentemente, para o desenvolvimento das desigualdades. Entretanto, a propriedade privada encontra-se atualmente, muito vinculada à herança, ou seja, aos processos intergeracionais que ocorrem dentro da maior instituição social existente – a família.
A transferência intergeracional de riquezas com base no parentesco garante a possibilidade de que o de cujus deixe aos seus familiares certo bem-estar patrimonial. Isso significa, portanto, que a depender do fator sorte, a posição e o pressuposto de um indivíduo dentro da sociedade determina-se, em regra, por ser membro de família que lhe possibilitará bases patrimoniais para desenvolver-se dentro do sistema: a depender das circunstâncias, inclusive o trabalho pode ser dispensável para a vida do indivíduo.
Por tais razões, considerada a importância da herança no processo de acumulação de riquezas, se justifica a relevância da discussão trazida nesse trabalho. A progressividade, em sua faceta extrafiscal, é instrumento adequado para, além de otimizar a arrecadação de recursos pelo Estado, agregar ao ITCMD a capacidade de ser aplicado conforme ideais de justiça tributária e distributiva. Não somente, conforme exposição realizada no primeiro item, em um contexto de regressividade do sistema, é imprescindível refletir sobre formas de compensar tal característica.
Dessa maneira, privilegiar a progressão nos casos em que seja possível permite onerar os contribuintes de forma mais justa, fazendo com aqueles que tem maior capacidade contributiva e econômica financiem em maior peso o orçamento público. De toda sorte, da forma como foi dito ao início deste artigo, entende-se aqui que a discussão sobre justiça tributária não se esgota na análise da forma de cobrança do ITCMD, sendo indispensável considerar-se também a forma como o Estado trata o orçamento público.
A progressividade extrafiscal aplicada ao ITCMD só gerará efeitos quando a renda tributada for devidamente convertida em favor da coletividade. Dessa maneira, alcançando-se a conclusão de que o princípio da capacidade contributiva deve ser tido como norteador de todo o sistema tributário brasileiro, opina-se ser imprescindível que o poder público, do ponto de vista da justiça tributária, comece a pensar formas de aplicar a ferramenta da progressividade ao ITCMD, uma vez que ela decorre diretamente de observância àquele princípio. Portanto, faz-se necessário, neste contexto, discutir a necessidade ou não de regulamentação da matéria em âmbito federal e refletir sobre quais estratégias deveriam ser adotadas neste caso.
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[1] Orientador, Doutor em Direito/FADISP, Mestre em Desenvolvimento Regional /UNIALFA, Especialista em Direito Público/UNICAM, e-mail: [email protected].
[2] Coorientadora, Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional - UNITAL; Especialista em Docência do Ensino Superior e Direito Administrativo - FACIBRA, Professora do curso Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP, e-mail: [email protected].
Bacharelanda do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FACCO, Natascha Maria Pedroso. O Estado como real herdeiro dos direitos sucessórios no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 maio 2023, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61533/o-estado-como-real-herdeiro-dos-direitos-sucessrios-no-brasil. Acesso em: 22 nov 2024.
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