RESUMO: O teletrabalho tem se tornado cada vez mais comum no mundo corporativo, especialmente após o início da pandemia de COVID-19. Apesar das vantagens que essa modalidade de trabalho pode trazer, como maior flexibilidade e redução de custos, é importante destacar que ela também pode expor os trabalhadores a novos riscos, como o assédio moral e respectivos impactos na saúde mental do trabalhador. Muitas condutas podem acarretar a prática de assédio, que devem ser combatidas pelas organizações adaptando-se à nova realidade de trabalho.
Palavras-Chave: Teletrabalho. Assédio Moral.
INTRODUÇÃO
A Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017, denominada de “Reforma Trabalhista”, trouxe alterações significativas à CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), acrescentando o Capítulo II-A intitulado “Do teletrabalho”, composto pelos artigos 75-A a 75-E. Especificamente no artigo 75-B, que trata das atividades de teletrabalho como aquelas realizadas fora da dependência do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que não se configure como trabalho externo[1].
Com a utilização de referidos meios para a execução das atividades, abre-se uma nova forma de comunicação, conexão entre empregado e empregador, novas formas de controle de atividades e mesmo subordinação jurídica.
Neste contexto, surge uma nova forma de assédio moral, no caso, de relações que envolvem o teletrabalho, que podem desencadear uma série de consequências danosas ao trabalhador e à sua saúde mental, decorrentes de reiteradas exposições que lhe causem sofrimento psicológico.
TELETRABALHO: CONCEITOS
Aduz o artigo 75-B, CLT[2]:
Considera-se teletrabalho ou trabalho remoto a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo.
Considerando a evolução da tecnologia e, portanto, a existência de meios telemáticos disponíveis, a atividade laboral por meio do teletrabalho é uma possibilidade encontrada por diversas organizações no desempenho e continuidade das atividades, como se verificou durante o estado de pandemia da COVID-19.
Neste formato de prestação de serviços, foi possibilitado a diversos trabalhadores o desempenho de suas atividades profissionais a distância, em locais diversos, utilizando-se preponderantemente de recursos eletrônicos (meios telemáticos e informatizados).
Diversos são os benefícios decorrentes da prestação de serviços por meio do teletrabalho, dentre as quais exemplifica-se a possibilidade de melhor aproveitamento do tempo, que diante do não deslocamento ao espaço físico da empresa, permite a realização de atividades diversas (esportes, família, estudos). Ainda, não se pode olvidar os benefícios e lucros alcançados pelo empregador, ao ser possível reduzir custos decorrentes de espaços físicos menores, redução de custos de energia, dentre outros.
Todavia, nas relações em que há a subordinação jurídica, qual seja, onde há a relação de emprego onde estão presentes os poderes de direção e organização de suas atividades, ainda que por meio telemáticos, podem surgir situações que acarretem práticas de assédio moral, causando impactos na saúde física e mental do trabalhador.
ASSÉDIO MORAL NO TELETRABALHO
O assédio moral é definido como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que pode manifestar-se através de gestos, palavras, comportamentos, atitudes e ações, que venham a prejudicar a autoestima, a integridade psíquica e a dignidade da pessoa humana.
O termo “violência e assédio”, de acordo com a Convenção n. 190 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), complementada pela Recomendação 206, refere-se a: “um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de suas ameaças, de ocorrência única ou repetida, que visem, causem, ou sejam susceptíveis de causar dano físico, psicológico, sexual ou econômico, e inclui a violência e o assédio com base no gênero”.[3]
A violência e assédio nas relações de trabalho é um tema de extrema relevância, onde a OIT criou um guia explicativo da Convenção n. 109 e a Recomendação 206[4], cuja finalidade é o esclarecimento quanto ao plano para transformar o direito de todos a um mundo do trabalho livre de violência e assédio.
Ademais, atos de violência e assédio não precisam necessariamente ocorrer exclusivamente em um local de trabalho físico tradicional para serem entendidos como comportamentos proibidos relacionados ao trabalho. Como o trabalho é realizado em vários ambientes e sob diferentes modalidades, inclusive através da tecnologia, estes instrumentos procuram garantir proteção em todos os locais ou circunstâncias relacionadas ao trabalho.
No teletrabalho, apesar da distância física entre empregado e empregador, a violência psicológica pode se concretizar por meios telemáticos, onde a vítima fica exposta a situações humilhantes e constrangedoras, sendo passível de ocorrer, por exemplo, por meio de mensagens de texto, e-mails, videochamadas, controles abusivos, sempre com a utilização de violência psicológica na relação laboral.
O que antes ocorria em relações presenciais, com a realidade do teletrabalho, muitas situações de assédio ocorrem atualmente de forma privada, velada, intensa, com uma blindagem decorrente da ferramenta de tecnologia utilizada que muitas vezes não é capaz de expor o assediador de forma pública.
Importante destacar ainda, que muitas práticas de assédio moral eletrônico podem ocorrer por meio da chamada hiper conexão, ou seja, disponibilidade virtual exaustiva, cujo efeito é a degradação da higidez psicofísica do ser humano que trabalha.[5] Neste sentido, exemplifica-se a necessidade imediata de retornos, disponibilização contínua disfarçadas de urgências, gerando e sua grande maioria o desequilíbrio de higidez mental e quadros de angústia e ansiedade. A submissão a controles e jornadas em desacordo com as regras e princípios protetivos do trabalho, resultam em violação à dignidade humana, levando o trabalhador ao adoecimento.
Ademais, conforme as palavras de NAHMIAS MELO (2019, p.5), “o conceito de meio ambiente do trabalho considerada todas as condições físicas e psíquicas de trabalho, relacionadas à sadia qualidade de vida do trabalhador empregado ou não. Neste viés, o empregado que atua em regime de teletrabalho não pode ter negado os direitos, constitucionalmente previstos, à saúde, ao descanso e ao lazer.”
É relevante notar que as consequências da prática de assédio moral no ambiente de trabalho, seja presencial ou por meio de teletrabalho, não se limitam ao custo diante de doenças, diminuição de produtividade, absenteísmo e outros, mas também ao custo social com afastamentos, medicamentos, surgimento de incapacidades para o trabalho, perda de recursos humanos e baixa no desenvolvimento da sociedade.
O DIREITO À DESCONEXÃO
Com o avanço e crescimento de meios tecnológicos nas relações de trabalho, há um agravamento de quadro de exigência quanto à produtividade e imediatidade, resultando em quadros de ansiedade e comprometendo a higidez mental dos trabalhadores.
O tempo ilimitado à disposição do empregador é uma forma de abuso, já que a desconexão indica o tempo essencial para o descanso e a promoção de bem estar físico e mental,
Por este motivo, o direito à desconexão, que resumidamente é o direito de se desconectar do trabalho, surge como forma imprescindível de preservação aos direitos fundamentais individuais e sociais, consagrados na Constituição Federal de 1988, conforme preleciona o artigo 6º: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados”[6].
O direito à desconexão está, portanto, relacionado aos direitos trabalhistas já asseguradas ao trabalhador, tais como: regulamentação da jornada de trabalho, direito ao descanso, intervalos intrajornadas, férias, dentre outras.
Frise-se, portanto, que o descumprimento aos direitos trabalhistas resulta na prática de assédio moral, causando impactos na higidez mental do trabalhador, bem como pode ser considerado como dano existencial, ou seja, obstar o direito do empregado de viver além das relações de trabalho.
Em decorrência do esgotamento mental e físico, muitos podem ser acometidos pela Síndrome de Burnout, e, neste sentido, vale ressaltar que foi incorporada à lista das doenças ocupacionais reconhecidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS), garantindo aos indivíduos diagnosticados as mesmas garantias trabalhistas e previdenciárias previstas para as demais doenças do trabalho. Frise-se que a síndrome de Burnout é resultante do estresse intenso e crônico mal gerenciado no local de trabalho, caracterizada pelo esgotamento mental e físico, sentimentos de negativismo relacionados ao trabalho e redução da eficácia profissional.[7]
MEDIDAS PREVENTIVAS
A necessidade de atenção à higidez mental dos trabalhadores no âmbito do teletrabalho é medida que se impõe para a adoção de prática que inibam e combatam a prática de assédio moral.
A preocupação com a saúde mental do trabalhador possui grande importância, mas tem sido bastante negligenciada, motivo pelo qual tornou-se necessário destacar este tema por diversos meios, como por exemplo a 110ª Conferência Internacional do Trabalho, neste sentido, acrescentou aos Princípios e Direitos Fundamentais a segurança e saúde do trabalhador.
A Convenção 109 da OIT e a Recomendação 206, defendem a adoção de medidas de treinamento e conscientização, ao considerar que a violência psicológica não é combatida apenas com repressão, mas principalmente com linha de diálogos claras, objetivas e acessíveis a todos. A ausência de informação e conscientização a respeito do que constitui assédio, muitas vezes é uma das razões para que não sejam realizadas denúncias de práticas de violência moral.
Ainda, a alteração da NR 05 – Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio – CIPA, ao acrescentar a obrigatoriedade de prevenção e combate ao assédio sexual e demais formas de violência do âmbito do trabalho (Portaria MTP nº 4.219, de 20 de dezembro de 2022).
No entanto, a caracterização do assédio moral no teletrabalho pode ser mais difícil do que em um ambiente de trabalho presencial, uma vez que as comunicações podem ser realizadas de forma virtual, sem deixar registros claros. Por essa razão, é importante que as empresas estabeleçam políticas claras de comunicação e relacionamento entre seus funcionários, de forma a evitar situações de assédio moral.
Nas palavras de FERREIRA (2022, p. 21), “acredita-se que existem várias maneiras de prevenir ou neutralizar o teleassédio moral, sendo a principal delas o acesso à informação, isto é, garantir que todos os atores envolvidos nas relações de trabalho saibam o que é assédio moral, quais são os comportamentos e ações inaceitáveis no ambiente laboral e quais são os reprováveis. Isso contribui para a redução e até para a eliminação dessa prática nefasta. O aperfeiçoamento de consciência crítica sobre a questão é essencial para conhecer o problema, fazê-lo cessar e adotar posturas diametralmente opostas, baseando-se, precipuamente, em respeito no ambiente laboral”.
Além disso, é fundamental que os trabalhadores que se sintam vítimas de assédio moral no teletrabalho procurem ajuda e denunciem a situação. As empresas devem garantir que haja um canal de denúncias efetivo e seguro, onde os funcionários possam relatar casos de assédio moral sem receio de retaliação ou de exposição indevida.
Destaque-se o artigo 9 da Convenção 190 da OIT, que recomenda aos empregadores a adoção de medidas adequadas, proporcionais ao seu grau de controle, para prevenir a violência e o assédio no mundo do trabalho, conforme alíneas abaixo:
a. Adotar e implementar, em consulta com os trabalhadores e seus representantes, uma política sobre violência e assédio no local de trabalho;
b. Levar em conta a violência e o assédio e os riscos psicossociais associados com a gestão da segurança e saúde no trabalho;
c. Identificar perigos e avaliar os riscos de violência e assédio, com a participação dos trabalhadores e de seus representantes, e tomar medidas para prevenir e controlar os mencionados perigos e riscos; e
d. Fornecer aos trabalhadores e a outras pessoas interessadas informações e treinamento, em formatos acessíveis e apropriados, sobre os perigos e riscos de violência e assédio identificados e as medidas de prevenção e proteção associadas, incluindo os direitos e responsabilidades dos trabalhadores e outras pessoas envolvidas em relação à política referida na alínea (a) do presente artigo.
De modo a permitir e encorajar a realização de denúncias de práticas de assédio, a Convenção 109 e Recomendação 206 da OIT, ainda, estabeleceram alguns princípios, de modo a garantir a efetividade das tratativas, quais sejam:
a. Garantir o fácil acesso, segurança, justiça e eficácia (sejam canais internos - por meio de canais de denúncia nas empresas, sejam os canais externos – Ministério Público, Ministério do Trabalho, dentre outros órgãos);
b. Proteção antes, durante e após a denúncia ou apresentação de uma queixa;
c. Serviços de apoio (jurídico, social, médico e administrativo);
d. Reparações apropriadas e eficazes;
e. Sanções (previsão de sanções, quando apropriado, em casos de violência e assédio no mundo do trabalho).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O avanço da tecnologia permite que as relações de trabalho alcancem atividades globalizadas de modo que sejam construídas relações benéficas e produtivas para as organizações e trabalhadores de modo geral.
Contudo, é necessário destacar que a utilização de meios telemáticos relacionadas ao poder diretivo do empregador tem resultado em práticas de assédio moral, trazendo inúmeras consequências, como o adoecimento mental e físico ao trabalhador.
Por este motivo, é imperioso que as empresas se conscientizem e adotem práticas de combate ao assédio, seja nas atividades presenciais ou por meios telemáticos. A forma mais eficaz no combate ao assédio é a conscientização e esclarecimentos para que o trabalhador tenha sua saúde mental preservada.
Deste modo, o combate ao assédio necessita ser uma prática onde todos os envolvidos nas relações de trabalho adotem políticas de combate à violência moral, buscando a melhoria das condições de trabalho, com a criação de medidas conscientizadoras, como a adoção de efetiva fiscalização, políticas públicas, criminalização de condutas, bem como na busca de relações de trabalho decentes, dignas e que proporcionem cada vez mais crescimento profissional de forma saudável.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
BRASIL. Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467
GASPARINI, Maria da Glória Spaziani Rinaldi. Assédio Moral no Trabalho: Causas, Tipos, Consequências e Prevenção no Serviço Público Federal. 2010. Disponível em: https://bibliotecadigital.economia.gov.br/bitstream/777/521639/1/Maria_da_Gloria_Spaziani.pdf
MELO, SANDRO NAHMIAS. Teletrabalho, Controle de jornada e Direito à Desconexão. Disponível em: https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/123429/2019_melo_sandro_teletrabalho_controle.pdf?sequence=6&isAllowed=y
TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO. Especial Teletrabalho: o trabalho onde você estiver. Disponível em: https://www.tst.jus.br/teletrabalho
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 190 sobre Violência e Assédio, 209. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/genericdocument/wcms_729459.pdf
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Violência e assédio no mundo do trabalho: Um guia sobre a Convenção nº 190 e a Recomendação nº 206. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_832010.pdf
BRASIL. Portaria MTP nº 4.219, de 20 de dezembro de 2022. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-mtp-n-4.219-de-20-de-dezembro-de-2022-452780351
[1] TST. Especial Teletrabalho: o trabalho onde você estiver. Disponível em: https://www.tst.jus.br/teletrabalho
[2] Lei nº 13.467, de 13 de julho de 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13467.htm
[3] ILO.ORG. Convenção nº 190 sobre Violência e Assédio, 209. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-lisbon/documents/genericdocument/wcms_729459.pdf
[4] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Violência e assédio no mundo do trabalho: Um guia sobre a Convenção nº 190 e a Recomendação nº 206. Disponível em: https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---americas/---ro-lima/---ilo-brasilia/documents/publication/wcms_832010.pdf
[5] FERREIRA, Versalhes Enos Nunes. FERREIRA, Vanessa Rocha. Revista Direito Mackenzie. Teletrabalho, Assédio Moral e Trabalho Decente. 2022. V. 16. Pág. 12. Disponível em: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/rmd/article/view/15533
[6] Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm
[7] Jornal Pucsp. Síndrome de Burnout já é classificada como doença ocupacional. Disponível em: https://j.pucsp.br/noticia/sindrome-de-burnout-ja-e-classificada-como-doenca-ocupacional
Pós graduanda Strictu Sensu em Direito do Trabalho, pós graduada em Direito do Trabalho, MBA em Gestão Empresarial. Atuou como voluntária em Projeto de inserção laboral de refugiados (Cáritas Arquidiocesana de São Paulo). Atua como Coordenadora Jurídica empresarial;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GALLEGO, Cibele Goncalves. Assédio Moral no Teletrabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 jun 2023, 04:14. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/61592/assdio-moral-no-teletrabalho. Acesso em: 22 nov 2024.
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