RESUMO: A sucessão trabalhista decorre da transferência de titularidade de empresas ou estabelecimentos, assim como na transmissão de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre o alienante e o adquirente. Segundo jurisprudência pacificada do Tribunal Superior do Trabalho, há possibilidade de aplicação de prezado instituto frente à alteração de titularidade das serventias notariais e registrais, mesmo tratando-se de uma investidura com caráter originário – proveniente de outorga realizada diretamente pelo estado –, desde que preenchidos os requisitos de transferência da unidade econômico-jurídica e continuidade na prestação laboral pelo preposto. De modo distinto são tratadas as serventias que se encontram sob intervenção estatal, porquanto a sucessão trabalhista não ocorrerá com a perda da delegação e a sub-rogação do interventor à condição de interino. Saliente-se que o titular afastado responde exclusivamente pelos débitos trabalhistas quando dos contratos de trabalho rescindidos no curso da intervenção, cabendo ao interventor apenas repassar os valores e contabilizá-los como despesas da serventia. Demais disto, no que se refere à responsabilidade pelos débitos trabalhistas quando caracterizada a perda da delegação, pode-se concluir que o atual entendimento dos tribunais é no sentido de que prezado fato ensejará a reversão da serventia ao poder delegante e, por consequência, será o Poder Público o responsável por quaisquer débitos trabalhistas enquanto a serventia persistir “vaga”.
Palavras-chave: Sucessão trabalhista. Serventias extrajudiciais. Intervenção estatal.
1 INTRODUÇÃO
A temática da sucessão trabalhista no âmbito das serventias extrajudiciais foi reascendida por ocasião da realização de concursos públicos para delegação.
Neste contexto, verifica-se que, inobstante tratar-se de um tema corriqueiro nas serventias notariais e registrais do país, pouco tem sido explorado pela doutrina.
O presente artigo possui o condão de expor, de maneira clara e objetiva, os aspectos que envolvem a sucessão trabalhista, aqui incluído sua concepção e requisitos, bem como a possibilidade ou não de sua incidência no âmbito da delegação de serventias extrajudiciais sob intervenção em que haja investidura à condição de interino pelo interventor e, consequentemente, os seus reflexos.
2 CONCEPÇÃO E REQUISITO PARA A CONFIGURAÇÃO DA SUCESSÃO TRABALHISTA
O termo “sucessão”, em sentido jurídico, consiste no ato pelo qual uma pessoa substitui outra em seus direitos e obrigações, desde que na mesma relação jurídica. Desta forma, a identidade da relação e a diversidade dos sujeitos acabam por caracterizar a verdadeira sucessão (COVIELLO, 2005, p. 305)[1].
O doutrinador Maurício Godinho Delgado[2] (2013, p. 432-434), por sua vez, assevera que, sob o enfoque trabalhista, a sucessão, aqui compreendida como a de empregadores, consiste na transferência de titularidade de empresas ou estabelecimentos – há uma alteração na estrutura jurídica do titular da empresa e não na estrutura jurídica da empresa propriamente dita –, oportunidade em que também há transmissão de créditos e assunção de dívidas trabalhistas entre o alienante e o adquirente.
Prezado instituto está disciplinado nos artigos 10[3] e 448[4], ambos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), e fundamenta-se nos princípios da continuidade do contrato de trabalho, despersonalização do empregador e na inalterabilidade do contrato de trabalho.
Os artigos de lei supracitados, resumidamente, asseveram que qualquer alteração na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não possui o condão de afetar os direitos adquiridos pelos empregados, assim como os próprios contratos de trabalho. Isso porque quem responde pelos créditos trabalhistas é a empresa – através do conjunto de bens materiais e imateriais – e não quem está em seu comando.
À título de exemplificação, pode-se caracterizar como hipóteses típicas de sucessão trabalhista, a saber: fusão, incorporação e cisão de empresas; transferência da titularidade da empresa; e contratos de concessão e arrendamento.
De mais a mais, insta consignar que, para a concretização do instituto da sucessão trabalhista, é necessário que haja a transferência total ou parcial de uma unidade empresarial econômica de produção de um titular para outro, em atendimento ao que versa os artigos 10 e 448, da CLT.
Segundo entendimento doutrinário – são adeptos desta corrente Maurício Godinho Delgado e Jorge Luiz Souto Maior – e jurisprudencial, que, diga-se de passagem, encontra-se em consonância com o princípio protetor e proporciona uma maior garantia de satisfação do crédito trabalhista, o preenchimento do requisito acima citado, por si só, é suficiente para a configuração do instituto, uma vez que não há necessidade de que o empregado tenha prestado serviços para a empresa sucessora.
Veja-se julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região sobre o tema:
SUCESSÃO TRABALHISTA. REQUISITOS. NÃO OCORRÊNCIA. A sucessão trabalhista, a teor do quanto disposto nos artigos 10 e 448 da Consolidação do Trabalho e em consonância com a doutrina e jurisprudência atuais a respeito do tema, somente se caracteriza quando há transferência do acervo patrimonial da empresa sucedida para outra - a sucessora. Assim, inexistindo essa transferência, não há como se reconhecer a sucessão. (TRT-5 – Rec. Ord.: 00008544320145050291. BA. 0000854-43.2014.5.05.0291, Relator: DÉBORA MACHADO, 2ª. TURMA, Data de Publicação: DJ 11/11/2015.)”[5].
Há que se salientar, ainda, que a regra geral aplicável aos envolvidos na sucessão trabalhista consiste no fato de o sucessor responder pela integralidade da dívida, salvo comprovada fraude, ocasião em que a empresa sucedida responderá solidariamente – inteligência do art. 9º, da CLT[6] e art. 942, do Código Civil[7].
Visando ampliar a hipótese de reponsabilidade solidária pelos créditos trabalhistas, há doutrina que defenda o entendimento de sua aplicabilidade nos casos em que não há fraude, já que não poderia estar o sucedido desobrigado desta responsabilidade quando se busca a proteção aos direitos dos empregados (SENA, 2000, p. 282)[8].
Noutro norte, entretanto, a jurisprudência, de forma dominante, tem se posicionado no sentido de que a responsabilidade do crédito trabalhista é apenas da empresa sucessora, porquanto é possuidora do fundo de comércio e do patrimônio.
Neste sentido, é o julgado do Tribunal Superior do Trabalho, abaixo colacionado:
RECURSO DE REVISTA - SUCESSÃO TRABALHISTA. RESPONSABILIDADE EXCLUSIVA DA SUCESSORA. Prevalece nesta Corte o entendimento de que cabe unicamente à sucessora a responsabilidade pelos débitos trabalhistas dos empregados e ex-empregados da empresa sucedida. Precedentes. Recurso de revista não conhecido. (...). (TST - RR: 14111620135090562, Relator: Márcio Eurico Vitral Amaro, Data de Julgamento: 28/10/2015, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 03/11/2015)[9]. (recortado).
Ademais, embora tímida, uma quarta corrente sobre o tema assevera que a responsabilidade da empresa sucedida é subsidiária quando a sucessora não dispor de ativos suficientes à solver os créditos trabalhistas. Tal linha substancia-se através de princípios constitucionais, à exemplo do princípio da dignidade da pessoa humana do trabalhador e dos valores sociais do trabalho (DELGADO, 2012, p. 428)[10].
Nesta esteira, feitas as considerações iniciais sobre o instituto da sucessão trabalhista e uma vez esclarecido o requisito necessário à sua configuração, bem como os reflexos decorrentes aos envolvidos, de rigor adentrar ao cerne do presente artigo, qual seja, a análise da aplicabilidade deste instituto na esfera das Serventias Registrais e Notariais, em especial, às que se encontram sob intervenção estatal.
3 REGIME ESPECIAL PREVISTO AOS PREPOSTOS DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES
Conforme o comando constitucional, a obtenção da delegação do serviço notarial e registral depende de aprovação em concurso público de provas e títulos, além do preenchimento de outros requisitos específicos, à exemplo da nacionalidade brasileira, capacidade civil, quitação com as obrigações eleitorais e militares, entre outros (inteligência do art. 236, §3º, da Constituição Federal[11]). Caracterizado a condição de novo titular, o acervo da serventia é repassado aos seus cuidados – o titular é mero guardião do acervo das serventias, porquanto pertencem ao Estado – e com ela a responsabilidade para com o investimento e montagem da estrutura necessária à prestação dos serviços públicos.
Frise-se que, inobstante o exercício da atividade em caráter privado por delegação do Poder Público, não é retirado deste serviço o caráter público; situação que se confirma, em especial, com a atribuição de “fé pública” aos notários e registradores, nos termos do art. 3º, da Lei Federal n.º 8.935/94[12].
De mais a mais, a fim de que se desempenhe as funções públicas, ao delegatário é permitido a contratação, em número que lhe for conveniente, de escreventes e auxiliares como empregados, com remuneração livremente ajustada e sob o regime celetista, regido pela Consolidação das Leis do Trabalho. Em verdade, torna-se responsabilidade exclusiva do titular o gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços, estando este submetido à égide das leis trabalhistas e seus institutos, quando aplicáveis à espécie de contrato (SOUZA, 2011, p. 25-26)[13].
Com efeito, constatada a submissão da relação jurídica entre notários e registradores e seus prepostos às leis trabalhistas, exsurge o questionamento no sentido de aplicação do instituto da sucessão trabalhista em detrimento do titular que assume a serventia.
4 O CARÁTER ORIGINÁRIO DA INVESTIDURA DO DELEGATÁRIO QUE ASSUMIR A SERVENTIA E ESPECIFICIDADES SOBRE AS SERVENTIAS QUE SE ENCONTRAM SOB INTERVENÇÃO ESTATAL
Como bem explicado em tópico anterior, hodiernamente, a investidura de titularidade junto às serventias notariais e registrais no país dependem, incialmente, de aprovação em concurso público de provas e títulos (art. 236, §3º, da Constituição Federal[14]).
Destarte, o delegatário aprovado em concurso público não recebe a delegação através de transmissão do antigo titular, mas diretamente do Estado – de maneira originária. Tal circunstância afasta, de per si, a responsabilidade que o novo titular poderia ter por obrigações pretéritas. Isso porque as transmissões de titularidade das serventias não possuem o condão de, por si só, caracterizarem, também, a transmissão de obrigações de qualquer natureza (JUNIOR, 2004, p. 75)[15].
Entretanto, ao atuarem como colaboradores do Poder Público, os titulares – pessoas físicas –, são responsáveis civil e criminalmente pelos atos que eles e seus prepostos praticam no exercício das atividades típicas das serventias, sujeitando-se, inclusive, às hipóteses de sansões disciplinares elencadas no art. 32 e seguintes, da Lei Federal n.º 8.935/94[16], e às hipóteses de extinção das delegações, conforme art. 39, do mesmo diploma legal[17].
A perda da delegação, espécie de pena aplicável aos titulares que cometem faltas graves no exercício da atividade notarial e registral, encontra previsão no inciso IV do art. 32 da Lei Federal n.º 8.935/94, e consubstancia-se no afastamento permanente do Oficial Registrador ou Tabelião da serventia para a qual havia sido designado, desde que haja sentença judicial transitada em julgado ou decisão decorrente de processo administrativo instaurado pelo juízo competente, assegurado sempre um amplo direito à defesa.
Calha anunciar que, visando a continuidade da prestação dos serviços públicos (princípio da continuidade do serviço público) ou, ainda, garantir a segura apuração das faltas imputadas ao delegatário, é franqueado ao juízo competente designar interventor pessoa que, sem ser delegatário do Poder Público, passa a interferir na vida da serventia, impondo-lhe seu próprio ritmo de trabalho. Trata-se, em verdade, de agente público, que, em caráter emergencial e provisório, torna-se responsável pela serventia, situação que enseja o encerramento da responsabilidade do titular pelos atos praticados durante a intervenção estatal, com exceção da responsabilidade para com os contratos de trabalho mantidos (CENEVIVA, 2010, p. 286-296).[18]
Frise-se, ainda, que prezado comando deriva da Lei Federal n.º 8.935/94, cujo bojo expressa pertencer ao Poder Judiciário a fiscalização dos serviços notariais e registrais, nos termos dos artigos 37 e 38[19].
Em casos tais, a intervenção estatal não enseja, por si só, a rescisão dos contratos de trabalhos havidos entre os prepostos e o titular, uma vez que o titular não perdeu, durante este período, a delegação da serventia. Tanto que ainda continua percebendo renda proveniente dos serviços executados.
De mais a mais, imperioso esclarecer que, durante o período de afastamento – aqui compreendido o período para consecução do processo, seja administrativo ou judicial –, o titular perceberá metade da renda líquida da serventia, e a outra metade será depositada em conta bancária. Uma vez absolvido, o titular poderá levantar prezado valor e, na hipótese de condenação, caberá esse montante ao interventor, inteligência do art. 36, da Lei Federal n.º 8.935/94[20].
Findado o período de intervenção estatal, sob a hipótese de condenação do titular afastado, o interventor sub-rogar-se-á na condição de interino até a assunção de um novo titular, devidamente aprovado em concurso de provas e títulos. Saliente-se, contudo, que mesmo havendo sub-rogação à condição de interino pelo interventor, o caráter de precariedade e provisoriedade prevalecem, a partir da interpretação do art. 39 § 2º, da Lei Federal n.º 8.935/94[21].
Uma vez esclarecido o caráter originário da investidura do delegatário e algumas especificidades acerca das serventias que se encontram sob intervenção estatal, resta trazer à baila os reflexos dos contratos de trabalhos finalizados durante o período de intervenção e, finalmente, pontuar a possibilidade de sucessão trabalhista em tais contratos.
5 REFLEXOS DAS RESCISÕES DOS CONTRATOS DE TRABALHOS OCORRIDOS DURANTE O PERÍODO EM QUE A SERVENTIA ENCONTRA-SE SOB INTERVENÇÃO
Partindo do pressuposto que ao titular das serventias notariais e registrais, pessoa física, pertence a responsabilidade de gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços (art. 236, §1º, da Constituição Federal[22] e art. 22, da Lei Federal n.º 8.935/94[23]), não há que se falar, então, na possibilidade de transferência de obrigações trabalhistas à serventia extrajudicial, em especial porque esta não é detentora de personalidade jurídica
Também não há se falar, nestes casos, em responsabilidade direta do Estado. Neste sentido, o Tribunal Superior do Trabalho é assente sobre a matéria. Veja-se:
CARTÓRIO. OBRIGAÇÕES TRABALHISTAS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO ESTADO NÃO CARACTERIZADA. Seguindo diretriz traçada no artigo 256 da Constituição Federal e no artigo 22 da Lei Federal nº 8.935/94, são de responsabilidade exclusiva da pessoa física do notário e do oficial de registro, e não do Poder Público, a organização interna e a gestão dos serviços delegados. É incumbência de titulares de serviços notariais e de registro público contratar direta e pessoalmente empregados que os auxiliem no desempenho de suas funções, remunerá-los livremente com os valores arrecadados na prestação de serviços e até demiti-los de acordo com sua conveniência. (...). Destaca-se, ainda, que, relativamente à fiscalização dos atos notariais e de registro público, essa é feita exclusivamente pelo Poder Judiciário, e não por órgão ou entidade do Poder Executivo, conforme dispõe os artigos 236, § 1º da Constituição Federal e 37 da Lei nº 8.935/94. Contudo, ainda que não exista na lei ou na jurisprudência explicitação sobre o âmbito dessa fiscalização, se diz respeito apenas aos serviços notariais e de registro propriamente ditos ou inclui os serviços internos referentes à estrutura administrativa e organizacional desses serviços, não se reconhece responsabilidade, de qualquer natureza, do Poder Público, pelo vínculo de emprego formado entre os titulares de serviços notariais e de registro público e seus empregados. É oportuno frisar que há julgados desta Corte superior, nos quais se discutiu a ausência de personalidade jurídica do "cartório" e a responsabilidade pessoal dos titulares dos "cartórios" pelo pagamento de obrigações trabalhistas por eles assumidas, bem como a inaplicabilidade da Súmula nº 331, itens IV e V, do TST e a ausência de responsabilidade subsidiária do Poder Público por contratos de trabalho firmados entre notários e oficiais registros e seus respectivos empregados. Nessas decisões, ainda que não se tenha enfrentado a questão da responsabilidade objetiva do Estado por atos cometidos pelos titulares de serviços notariais e de cartórios públicos, revelou-se, de forma expressa, o entendimento do TST, de que os notariais e registradores são exclusivamente responsáveis pelos débitos trabalhistas oriundos de contratos de emprego firmados com escreventes e auxiliares para desempenho das atividades delegadas do Estado. Recurso de revista conhecido e provido. (Processo: ARR-978-65.2010.5.04.0203, data de julgamento: 25/3/2015, Relator Ministro: José Roberto Freire Pimenta, 2ª Turma, data de publicação: DEJT 10/4/2015).[24] (recortado).
Daí restar aos titulares sucessores a responsabilidade pela sucessão trabalhista. Contudo, frise-se que a sua configuração pressupõe, além do requisito da transferência de unidade econômico-jurídica (já tratado em tópico anterior), a continuidade na prestação laborativa, porquanto a extinção da delegação tem por corolário, ao menos em regra, a extinção das obrigações inerentes ao titular afastado. Destarte, caracterizar-se-á sucessão trabalhista quando o empregado do antigo titular permanece prestando serviços ao novo titular da serventia.
Sobre o assunto, veja-se o seguinte julgado, que expõe os requisitos para caracterização da sucessão trabalhista do âmbito das serventias extrajudiciais:
RECURSO DE REVISTA CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. MUDANÇA DE TITULARIDADE. CONTINUIDADE NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NÃO EVIDENCIADA. SUCESSÃO TRABALHISTA. INEXISTÊNCIA. TRANSCENDÊNCIA. RECONHECIDA. Considerando a possibilidade de a decisão recorrida contrariar jurisprudência pacificada por esta Corte Superior, verifica-se a transcendência política, nos termos do artigo 896-A, § 1º, II, da CLT. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. MUDANÇA DE TITULARIDADE. CONTINUIDADE NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS NÃO EVIDENCIADA. SUCESSÃO TRABALHISTA. INEXISTÊNCIA. PROVIMENTO. Nos termos da jurisprudência desta Corte Superior, para que se verifique a sucessão de empregadores é necessária a coexistência dos seguintes requisitos: a modificação da estrutura jurídica na titularidade da empresa e a continuidade da prestação de serviços pelo empregado ao novo empregador (artigos 10 e 448 da CLT). Precedentes. No caso , conquanto houvesse a transferência da titularidade do cartório, não houve continuidade na prestação de serviços, sendo incontroverso que o autor não trabalhou para a nova titular, ora reclamada, ficando afastada a possibilidade de aplicação da sucessão trabalhista, prevista nos artigos 10 e 448 da CLT. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (TST - RR: 10009332120175020020, Relator: Guilherme Augusto Caputo Bastos, Data de Julgamento: 09/03/2021, 4ª Turma, Data de Publicação: 19/03/2021)[25]
Nesse âmago, uma vez caracterizada a sucessão trabalhista, a pessoa responsável pelo débito será o novo titular da serventia, e não a própria Serventia Extrajudicial ou o Estado, enquanto ente delegante do serviço.
A seu turno, nos casos em que a serventia notarial ou registral se encontrar sob intervenção estatal, com a manutenção dos contratos de trabalho para com o titular afastado, é possível concluir que, ocorrendo a rescisão do contrato durante este período, o responsável exclusivo pelos débitos será o próprio titular afastado, porquanto continua percebendo rendimentos advindos da execução dos serviços extrajudiciais.
Saliente-se que ao interventor, na situação supracitada, caberá apenas a responsabilidade de saldar os débitos, já que se encontra frente à gerencia da serventia. Para tanto, deduzirá o valor como despesa da serventia, antes de apurar o valor líquido e repassar a quota parte pertencente ao titular afastado.
Situação distinta ocorrerá na hipótese de perda da delegação e sub-rogação do interventor à condição de interino. Explica-se. Os substitutos ou interinos designados para o exercício da função delegada não se equiparam aos titulares das serventias extrajudiciais, uma vez que estão inseridos na categoria de agentes estatais, mais precisamente como agentes públicos administrativos e, nesta qualidade, estarão limitados ao teto remuneratório constitucional.
Esse foi o entendimento exarado pelo Supremo Tribunal Federal em Recurso Extraordinário com fixação de tese de repercussão geral, nos termos:
EMENTA Direito Constitucional. Notários e registradores. Titulares e substitutos. Equiparação. Inviabilidade. Inteligência dos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da CF/88. Remuneração dos interinos designados para o exercício de função delegada. Incidência do teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da CF/88. Obrigatoriedade. Recurso extraordinário provido. 1. Os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal, para o ingresso originário na função. Jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Federal. 2. Diferentemente dos titulares de ofícios de notas e registros, que se classificam como agentes delegados, os substitutos ou interinos de serventias extrajudiciais atuam como prepostos do Estado e se inserem na categoria genérica dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da Republica. 3. Tese aprovada: “os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da Republica.” 4. Recurso extraordinário provido. (STF - RE: 808202 RS, Relator: DIAS TOFFOLI, Data de Julgamento: 24/08/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 25/11/2020)[26] (grifado)
Com efeito, quando desprovido de delegatário titular, o serviço é revertido ao poder delegante. Em consequência, os direitos, privilégios e obrigações inerentes à delegação passam a pertencer ao Poder Público, e não ao oficial interino.
Por tal razão, concluiu o Supremo Tribunal Federal que é possível haver a responsabilização do Estado pelos débitos trabalhistas devidos a empregados de serventias extrajudiciais administradas por oficiais interinos, uma vez que o Poder Público acaba por auferir, como rendimentos próprios, todo o valor excedente ao teto remuneratório constitucional obtido.
O recente posicionamento do STF ensejou a revisão da matéria junto ao Tribunal Superior do Trabalho que, até então, manifestava-se no sentido de não ser possível a responsabilização do Estado por tais débitos, afinal os serviços seriam exercidos em caráter privado, sob o regime de delegação, nos termos do art. 236 da Constituição Federal. Colaciona-se recente julgado do Tribunal Superior do Trabalho versando sobre a alteração de entendimento, a saber:
[...] RECURSO DE REVISTA. RECLAMANTE. LEI Nº 13.467/2017. CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. SUCESSÃO TRABALHISTA. OFICIAL INTERINO. CRÉDITOS TRABALHISTAS. DISCUSSÃO QUANTO À RESPONSABILIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS . 1 - O que se discute no caso dos autos é se o Poder Público seria ou não responsável pelos créditos trabalhistas devidos à reclamante decorrentes de suas atividades em cartório extrajudicial, administrado por oficial interino. 2 - Recentemente, o Supremo Tribunal analisou a questão ao proferir o julgamento do RE 808.202, com repercussão geral reconhecida. Entendeu o STF ser possível sim responsabilizar o poder Público pelos créditos trabalhistas devidos a empregados de cartório administrados por oficial interino. Em acórdão, o Supremo assentou a tese de que os oficiais interinos, em controle do cartório, não se equiparam aos titulares notariais, tratando-se na verdade de um preposto do Estado, mais precisamente um agente público administrativo. Cita-se trecho da decisão do STF: "Trata-se, na origem, de mandando de segurança contra ato da Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, em cumprimento à Resolução nº 80, de 9 de junho de 2009, do Conselho Nacional de Justiça e ao Ofício-Circular nº 25/2010, da Corregedoria Nacional de Justiça, determinou a aplicação do teto constitucional aos substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada em serventias extrajudiciais. Submetida a matéria ao Plenário, sob a sistemática da repercussão geral, a Corte afastou a equiparação desses substitutos ou interinos com os titulares das serventias extrajudiciais e entendeu ser aplicável àqueles o teto constitucional, por integrarem a categoria de agentes estatais. A tese foi assim definida: "os substitutos ou interinos designados para o exercício de função delegada não se equiparam aos titulares de serventias extrajudiciais, visto não atenderem aos requisitos estabelecidos nos arts. 37, inciso II; e 236, § 3º, da Constituição Federal para o provimento originário da função, inserindo-se na categoria dos agentes estatais, razão pela qual se aplica a eles o teto remuneratório do art. 37, inciso XI, da Carta da República". 3 - O entendimento dessa Relatora era no sentido de não ser possível responsabilizar o Poder Público por obrigações trabalhistas decorrentes do serviço notarial e de registro, já que exercidas em caráter privado, sob o regime de delegação, nos termos do art. 236 da CF. Todavia, consoante recente posicionamento do STF, necessária a revisão do posicionamento dessa Corte Superior no tocante a essa questão. Julgados. 4 - Recurso de revista a que se dá provimento. (TST - RR: 00102602120195030113, Relator: Katia Magalhaes Arruda, Data de Julgamento: 12/04/2023, 6ª Turma, Data de Publicação: 14/04/2023)[27] (recortado e grifado)
Verifica-se, pois, que a impossibilidade de haver sucessão trabalhista em detrimento de pessoa que exerce a atividade na condição de interino – aplicabilidade na hipótese de intervenção estatal e perda da delegação –, mas haverá responsabilização do Estado pelos créditos trabalhistas decorrentes do exercício de atividade nestas serventias extrajudiciais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo possibilitou concluir pela possibilidade do instituto da sucessão trabalhista no âmbito das serventias notariais e registrais – mesmo que haja investidura originária pelo titular que assumi-la –, desde que preenchidos os requisitos da transferência de unidade econômico-jurídica e continuidade na prestação laboral.
Por sua vez, no que concerne às serventias que se encontram sob intervenção estatal, restou demonstrado a impossibilidade de sucessão trabalhista em relação ao oficial interino. Afinal, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, a perda da delegação enseja a reversão da serventia ao Poder Público, fazendo com que os oficiais interinos recebam qualificação distinta dos oficiais titulares, uma vez que assumem a posição de meros agentes estatais, não podendo, portanto, serem responsabilizados pelos débitos trabalhistas. Uma vez caracterizada essa hipótese, caberá ao Poder Público a responsabilização por todos os débitos da serventia, inclusive os trabalhistas.
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SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial. São Paulo: Saraiva, 2011.
[1] COVIELLO. Doctrina General del Derecho Civil. Trad. Mexicana, 1938, p. 337. In: Délio Maranhão et al. Instituições de Direito do Trabalho. Volume I. 22. ed. São Paulo: LTr, 2005, p. 305.
[2] DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 432-434.
[3] Art. 10 - Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.
[4] Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
[5] Disponível em:<< https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/trt-5/254267019>>, acessado no dia 10.01.2024.
[6] Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
[7] Art. 942 - Os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se a ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação.
[8] SENA, Adriana Goularte de. A nova caracterização da sucessão trabalhista. 1ª ed. São Paulo: Editora Ltr, 2000, p. 282.
[9] Disponível em:<<https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tst/253072680>>, acessado no dia 10.01.2024.
[10] DELGADO, Mauricio Godinho. Introdução ao Direito do Trabalho. 4. ed. São Paulo: LTr, 2013, p. 428.
[11] Art. 236 - Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. (...). §3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
[12] Art. 3º - Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, aquém é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.
[13] SOUZA, Eduardo Pacheco Ribeiro de. Noções Fundamentais de Direito Registral e Notarial. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 25-26.
[14] Art. 236, § 3º - O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses.
[15] JUNIOR, Wellington Luiz Viana. Sucessão Trabalhista e a Delegação de Serviços Notariais e de Registro Públicos. 2004. Disponível em:<<https://juslaboris.tst.jus.br/handle/20.500.12178/73338>>, acessado no dia 10.01.2024.
[16] Art. 32 - Os notários e os oficiais de registro estão sujeitos, pelas infrações que praticarem, assegurado amplo direito de defesa, às seguintes penas: I - repreensão; II - multa; III - suspensão por noventa dias, prorrogável por mais trinta; IV - perda da delegação. (...).
[17] Art. 39. Extinguir-se-á a delegação a notário ou a oficial de registro por: I - morte; II - aposentadoria facultativa; III - invalidez; IV - renúncia; V - perda, nos termos do art. 35; VI - descumprimento, comprovado, da gratuidade estabelecida na Lei no 9.534, de 10 de dezembro de 1997.
[18] CENEVIVA, Walter. Leis dos Notários e dos Registradores Comentada. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
[19] Art. 37. A fiscalização judiciária dos atos notariais e de registro, mencionados nos artes. 6º a 13, será exercida pelo juízo competente, assim definido na órbita estadual e do Distrito Federal, sempre que necessário, ou mediante representação de qualquer interessado, quando da inobservância de obrigação legal por parte de notário ou de oficial de registro, ou de seus prepostos.
Parágrafo único. Quando, em autos ou papéis de que conhecer, o Juiz verificar a existência de crime de ação pública, remeterá ao Ministério Público as cópias e os documentos necessários ao oferecimento da denúncia.
Art. 38. O juízo competente zelará para que os serviços notariais e de registro sejam prestados com rapidez, qualidade satisfatória e de modo eficiente, podendo sugerir à autoridade competente a elaboração de planos de adequada e melhor prestação desses serviços, observados, também, critérios populacionais e sócio-econômicos, publicados regularmente pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.
[20] Art. 36. Quando, para a apuração de faltas imputadas a notários ou a oficiais de registro, for necessário o afastamento do titular do serviço, poderá ele ser suspenso, preventivamente, pelo prazo de noventa dias, prorrogável por mais trinta.
§ 1º Na hipótese do caput, o juízo competente designará interventor para responder pela serventia, quando o substituto também for acusado das faltas ou quando a medida se revelar conveniente para os serviços.
§ 2º Durante o período de afastamento, o titular perceberá metade da renda líquida da serventia; outra metade será depositada em conta bancária especial, com correção monetária.
§ 3º Absolvido o titular, receberá ele o montante dessa conta; condenado, caberá esse montante ao interventor.
[21] Art. 39, §2º - Extinta a delegação a notário ou a oficial de registro, a autoridade competente declarará vago o respectivo serviço, designará o substituto mais antigo para responder pelo expediente e abrirá concurso.
[22] Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.
§ 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário.
[23] Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.
[24] Disponível em:<<https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tst/180426790>>, acessado no dia 10.01.2024.
[25] Disponível em: << https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tst/1212504325>>, acessado no dia 10.01.2024.
[26] Disponível em:<< https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/1131259237>>, acessado no dia 10/01/2024.
[27] Disponível em: << https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tst/1810919479>>, acessado em 10/01/2024.
Advogado inscrito na OAB/MT 17779, Auditor Estadual de Controle Externo no Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul – TCE/MS, especialista em Direito Constitucional e Direito Administrativo pela Fundação Escola Superior do Ministério Público de Mato Grosso.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Joder Bessa e. Sucessão trabalhista e a delegação nas serventias extrajudiciais sob intervenção Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jan 2024, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/64468/sucesso-trabalhista-e-a-delegao-nas-serventias-extrajudiciais-sob-interveno. Acesso em: 22 nov 2024.
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