RESUMO: O artigo aborda a Lista Suja do Trabalho Escravo, regulamentada pela Portaria Interministerial MTE/MDHC/MIR nº 18, de 2024, destacando seu papel como instrumento essencial na luta contra condições de trabalho análogas à escravidão no Brasil. Após contextualizar o histórico da escravidão no país e os compromissos internacionais firmados, o texto detalha as legislações e portarias que regulamentaram a Lista Suja, enfatizando o processo de fiscalização, inclusão e monitoramento dos empregadores infratores. Também são analisados os mecanismos administrativos e jurídicos, como o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e os impactos dessa lista, incluindo restrições financeiras, comerciais e sociais para empregadores listados. Além disso, o artigo examina o conceito de trabalho análogo à escravidão em suas dimensões penal e administrativa, enfatizando a proteção da dignidade humana e o papel do Estado no combate a essa prática.
Palavras-Chave: inspeção do trabalho; condições degradantes; trabalho análogo a escravo; trabalho escravo contemporâneo; Lista Suja.
Sumário: Introdução; 1. O Conceito de Trabalho em Condição Análoga à de Escravo; 2. Conceito Administrativo de Trabalho Escravo; 3. O Cadastro de Empregadores que tenham Submetido Trabalhadores a Condições Análogas à De Escravo; Conclusão; Bibliografia.
Há pouco mais de cento e trinta e seis anos, a Lei 3.353, de 13 de maio de 1888, conhecida como Lei Áurea, aboliu a escravatura no Brasil.
Durante o século XX, o Brasil ratificou normas internacionais que definem e proíbem tanto a escravidão quanto o trabalho forçado. Dentre elas, a mais importante e a Convenção nº 29, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, onde, através do Decreto nº 41.721 de 1957, o Brasil se comprometeu a abolir o trabalho forçado ou obrigatório em todas as suas formas. Outro Decreto, o de nº 58.563 de 1966, promulgou a Convenção sobre Escravatura de 1926, emendada pelo protocolo de 1953, assim como a Convenção Suplementar sobre a Abolição da Escravatura de 1956, obrigando-se perante a comunidade internacional a abolir todas as formas de escravidão, incluindo a servidão em geral e, particularmente, a servidão por dívida.[i]
O Brasil promulgou também a Convenção nº 105 da OIT, através do Decreto nº 58.822, de 1966, comprometendo-se a suprimir o trabalho forçado em todas as suas modalidades; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de são José da Costa rica), através do Decreto nº 678, de 1992; e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, através do Decreto nº 4.388, de 2002, instrumentos normativos que também proíbem a escravatura e o trabalho forçado.[ii]
O Brasil também aderiu à Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas - ONU, cuja meta 8.7 estabelece o compromisso de erradicar de erradicar o trabalho infantil, o trabalho forçado, a escravidão moderna e o tráfico de pessoas até 2025. Para apoiar o cumprimento dessa meta, foi criada a Aliança Global para Erradicar o Trabalho Forçado, a Escravidão Moderna, o Tráfico de Pessoas e o Trabalho Infantil – Aliança 8.7, com participação ativa do Brasil.
Além dos instrumentos internacionais, a legislação brasileira tutela de forma objetiva a dignidade da pessoa humana, os direitos humanos, a igualdade de pessoas, os valores sociais do trabalho e a proibição da tortura e de tratamento desumano ou degradante. O conceito de trabalho em condição análoga à de escravo, bem como sua vedação no território nacional, decorrem dos preceitos da Constituição Federal, que podem ser encontrados nos Arts. 1º, 4º, 5º, 170 e 186.
Entretanto, mesmos tendo ratificados a todos estes tratados e convenções internacionais, e com todas as garantias constitucionais à dignidade da pessoa humana ainda assim surgiam denúncias da submissão de trabalhadores ao trabalho escravo.
A primeira denúncia pública ocorreu em 1971 através da Carta Pastoral de D. Pedro Casaldáliga, Bispo de Prelazia de São Félix do Araguaia/MT. A Carta Pastoral – “Uma Igreja da Amazônia em Conflito com o Latifúndio e a Marginalização Social” – foi o primeiro texto público a tratar do tema e expor a realidade dos trabalhadores submetidos ao trabalho escravo.[iii]
A comissão Pastoral da Terra, criada em 1975, foi a primeira instituição não governamental voltada para o combate ao trabalho escravo moderno. E em fez um pronunciamento sobre o trabalho escravo no Brasil no plenário da Subcomissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas – ONU, em Genebra, a convite da Federação Internacional dos Direitos Humanos. Em junho do mesmo ano, a OIT, em sua Conferência anual cobrou explicações do Governo Brasileiro acerca das diversas denúncias encaminhadas àquela Organização desde 1985. O Governo tentou contestar os dados fornecidos pelas entidades denunciantes com frágeis argumentos relacionados às dificuldades de aplicação da legislação e dificuldades operacionais. Em 1993, a OIT, em relatório, apresentou dados relativos a 8.986 denúncias de trabalho escravo no Brasil. No mesmo ano, o diretor do Escritório da OIT no país contatou os representantes da CPT para o início de um trabalho conjunto. Neste ano, a Central Latino-Americana de Trabalhadores – CLAT apresentou reclamação contra o Brasil por inobservância das Convenções 29 e 105, da OIT.[iv]
Em 16 de dezembro de 1994, as organizações não governamentais Américas Watch e Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL) apresentaram uma petição à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, contra o Brasil, na qual alegaram fatos relacionados com uma situação de trabalho “escravo”, e violação do direito à vida e direito à justiça na zona sul do Estado de Pará. Com base nos fatos denunciados, as peticionárias aduziram que o Brasil violou os artigos I (direito à vida, à liberdade, à segurança e integridade pessoal), XIV (direito ao trabalho e a uma justa remuneração) e XXV (direito à proteção contra a detenção arbitrária) da Declaração Americana sobre Direitos e Obrigações do Homem (doravante denominada a Declaração); e os artigos 6 (proibição de escravidão e servidão); 8 (garantias judiciais) e 25 (proteção Judicial), em conjunção com o artigo 1(1), da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.[v]
As peticionárias alegaram que José Pereira foi gravemente ferido, e que outro trabalhador rural foi morto quando ambos tentaram escapar, em 1989, da Fazenda “Espírito Santo”, onde tinham sido atraídos com falsas promessas sobre condições de trabalho, e terminaram sendo submetidos à trabalhos forçados, sem liberdade para sair e sob condições desumanas e ilegais, situação que sofreram juntamente com 60 outros trabalhadores dessa fazenda. As peticionárias alegaram falta de proteção e garantias do Estado brasileiro, ao não responder adequadamente as denúncias sobre essas práticas que, segundo elas, eram comuns nessa região, e permitir de fato sua persistência. As peticionárias também alegaram desinteresse e ineficácia nas investigações e nos processos referentes aos assassinos e os responsáveis pela exploração trabalhista.[vi]
Em 18 de setembro, as peticionárias e o Estado assinaram um acordo de solução amistosa, no qual o Estado reconheceu a responsabilidade internacional e estabeleceu uma série de compromissos relacionados com o julgamento e punição dos responsáveis, medidas pecuniárias de reparação, medidas de prevenção, modificações legislativas, medidas de fiscalização e punição ao trabalho escravo, e medidas de conscientização contra o trabalho escravo.
Em outro caso emblemático, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), ao julgar o caso Trabalhadores da Fazenda Brasil Verde vs. Brasil, em sentença de 20 out. 2016, examinou a questão da escravidão contemporânea e reconheceu a responsabilidade do Estado pela violação do direito a não ser submetido à escravidão e ao tráfico de pessoas, estabelecido no art. 6.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Neste diapasão, o trabalho análogo ao de escravo no Brasil é uma realidade incontestável, o que pode ser comprovado através das estatísticas atualizadas do Ministério do Trabalho e Emprego, as quais revelam que entre 1995 e 2023 foram resgatados de condições análogas a de escravo 54.783 trabalhadores num total de 7.323 estabelecimentos inspecionados[vii].
Neste contexto, surge uma profusão de fatos, diplomas e normas que comporão nosso instrumental contemporâneo de combate ao trabalho escravo, um dos mais modernos do mundo. Dentre estes instrumentos destacamos o CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TENHAM SUBMETIDO TRABALHADORES A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO, conhecido como “lista suja do trabalho escravo
1.O CONCEITO DE TRABALHO EM CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO
Existem diversas denominações dadas ao fenômeno de exploração ilícita e precária do trabalho, ora chamado de trabalho forçado, trabalho escravo, exploração do trabalho, semiescravidão, trabalho degradante, entre outros, que são utilizados indistintamente para tratar da mesma realidade jurídica. Apesar das diversas denominações, qualquer trabalho que não reúna as mínimas condições necessárias para garantir os direitos do trabalhador, ou seja, cerceie sua liberdade, avilte a sua dignidade, sujeite-o a condições degradantes, inclusive em relação ao meio ambiente de trabalho, há que ser considerado trabalho em condição análoga à de escravo.[viii]
As condições degradantes podem ser caracterizadas pelo constrangimento físico e/ou moral a que é submetido o trabalhador, seja na deturpação das formas de contratação e do consentimento do trabalhador ao celebrar o vínculo, seja na impossibilidade desse trabalhador de extinguir o vínculo conforme sua vontade, no momento e pelas razões que entender apropriadas; ou pelas péssimas condições de trabalho e de remuneração: alojamentos sem condições de habitação, falta de instalações sanitárias e de água potável, falta de fornecimento gratuito de equipamentos de proteção individual - EPI e de boas condições de saúde, higiene e segurança no trabalho; jornadas exaustivas; remuneração irregular, promoção do endividamento pela venda de mercadorias aos trabalhadores (truck system).
Como podemos ver, o trabalho em condição análoga à de escravo não se caracteriza apenas pela restrição da liberdade de ir e vir, pelo trabalho forçado ou pelo endividamento ilegal, mas também pelas más condições de trabalho impostas ao trabalhador.
O artigo 149, do Código Penal, tipifica penalmente o trabalho em condição análoga à de escravo diante de 5 (cinco) condutas específicas:
1) sujeição da vítima a trabalhos forçados;
2) sujeição da vítima a jornada exaustiva;
3) sujeição da vítima a condições degradantes de trabalho;
4) restrição, por qualquer meio, da locomoção da vítima em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto; e
5) retenção no local de trabalho em razão de:
a) cerceamento do uso de qualquer meio de transporte;
b) manutenção de vigilância ostensiva; ou
c) apoderamento de documentos ou objetos pessoais.
Cada uma das condutas típicas, embora caracterizem o crime isoladamente, podem ser encontradas, na realidade das relações de trabalho, combinadas entre si. Vejamos a significado de cada uma delas em separado.
1.a) Sujeição da vítima a trabalhos forçados:
O item 1 do artigo 2º da Convenção nº 29 da OIT define trabalho forçado ou obrigatório como “todo trabalho ou serviço exigido de um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não se ofereceu de espontânea vontade”[ix]. No mesmo sentido, o art. 208, I, da Portaria MTP n.º 671/2021[x] define trabalho forçado como aquele que “é o exigido sob ameaça de sanção física ou psicológica e para o qual o trabalhador não tenha se oferecido ou no qual não deseje permanecer espontaneamente”.
Nesta hipótese o trabalhador não tem o poder de decidir sobre a aceitação do trabalho ou sobre sua permanência nele, o trabalho é forçado. Outro caso que também se enquadra na hipótese e o trabalho inicialmente consentido que, posteriormente, torna-se forçado.
O principal elemento desta modalidade de sujeição do trabalhador à condição análoga à de escravo é a coação, que pode ser moral, psicológica ou física. A coação é moral quando o trabalhador é induzido a acreditar ser um dever a permanência no trabalho; é psicológica quando a coação decorre de ameaças; e física, quando é consequência de violência física.[xi]
2.b) Sujeição da vítima a jornada exaustiva
A jornada exaustiva não se refere exclusivamente à duração da jornada, mas à submissão do trabalhador a um esforço excessivo ou a uma sobrecarga de trabalho que o leve ao limite de sua capacidade.
O art. 208, II, da Portaria MTP n.º 671/2021[xii] define jornada exaustiva como “toda forma de trabalho, de natureza física ou mental, que, por sua extensão ou intensidade, acarrete violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os relacionados à segurança, à saúde, ao descanso e ao convívio familiar e social”.
É importante ressaltar que o excesso de jornada e a jornada exaustiva favorecem a ocorrência de acidentes de trabalho, pois o cansaço decorrente das atividades diminui o estado de vigília do trabalhador, tornando mais propenso a cometer erros e mais lento a responder a situações de risco.
Os excessos de jornada são especialmente significativos nas atividades remuneradas por produção, como é o caso, por exemplo, do corte manual de cana-de-açúcar, derrubada de árvores e oficinas de costura. Para melhorar sua remuneração, os trabalhadores laboram ininterruptamente e de forma esgotante, desde o início da manhã até o início da noite, durante toda a semana, aumentando os riscos de acidentes e doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho e chegando, em casos mais extremos, à morte por exaustão.
2.c) Sujeição da vítima a condições degradantes de trabalho
A Sujeição de trabalhadores a condições degradantes de trabalho é a conduta típica mais verificada na configuração da redução de trabalhadores a condição análoga à de escravo.
O art. 208, III, da Portaria MTP n.º 671/2021[xiii] define condição degradante de trabalho como “qualquer forma de negação da dignidade humana pela violação de direito fundamental do trabalhador, notadamente os dispostos nas normas de proteção do trabalho e de segurança, higiene e saúde no trabalho.”
O trabalho degradante possui diversas formas de expressão sendo a mais comum delas a subtração dos mais básicos direitos à segurança e à saúde no trabalho. São exemplos desse tipo de vulneração a jornada de trabalho que não seja razoável e que ponha em risco a saúde do trabalhador, negando-lhe o descanso necessário e o convívio social, as limitações à uma correta e saudável alimentação, à higiene e à moradia.
Uma pesquisa realizada pela Clínica de Trabalho Escravo e Tráfico de Pessoas da UFMG, analisando os dados de fiscalizações realizadas entre 2004 e 2017 por Auditores-Fiscais do Trabalho em Minas Gerais, concluiu que em 94,90% dos casos de trabalho degradante, estava presente o que se denominou “tripé da degradância”, que consiste em alojamentos precários, ausência de instalações sanitárias e falta de água potável[xiv].
Não é o cerceamento da liberdade o elemento configurador dessa modalidade de trabalho análogo ao de escravo, mas a supressão dos direitos mais essenciais do trabalhador, de seu livre arbítrio, de sua liberdade de escolha, mesmo de sua condição de ser humano. [xv]
2.d) Restrição, por qualquer meio, da locomoção da vítima em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto.
Esta hipótese, considerada na parte final do caput do artigo 149, traduz uma das mais conhecidas e reiteradas formas de escravidão, o sistema de barracão ou “truck system”.
Nessa conduta, o trabalhador é obrigado a contrair dívidas com o empregador ou preposto deste e é impedido de deixar o trabalho em razão do débito. A contração das dívidas pode ocorrer no momento da arregimentação, quando o “gato” preposto do empregador ou o próprio empregador paga as dívidas pendentes do trabalhador ou antecipa parte do salário para manutenção da família do trabalhador por algum período. Também é muito comum a cobrança das despesas com transporte do trabalhador até o local de trabalho; e no momento da prestação do serviço, quando o empregado é obrigado a pagar pelas ferramentas, vestimentas, alimentação e alojamento utilizados.
O art. 208, IV, da Portaria MTP n.º 671/2021[xvi] define a restrição, por qualquer meio, da locomoção do trabalhador em razão de dívida como a “limitação ao direito fundamental de ir e vir ou de encerrar a prestação do trabalho, em razão de débito imputado pelo empregador ou preposto ou da indução ao endividamento com terceiros.”
2.e) Retenção no local de trabalho.
A retenção no local de trabalho pode ocorrer de três formas: pela cerceamento do uso de qualquer meio de transporte, pela manutenção de vigilância ostensiva e pelo apoderamento de documentos e objetos pessoais.
O cerceamento do uso de qualquer meio de transporte é caracterizado pela limitação ao uso de meio de transporte existente, particular ou público, possível de ser utilizado pelo trabalhador para deixar local de trabalho ou de alojamento;
Por sua vez, a vigilância ostensiva no local de trabalho é qualquer forma de controle ou fiscalização, direta ou indireta, por parte do empregador ou preposto, sobre a pessoa do trabalhador que o impeça de deixar local de trabalho ou alojamento; e
Por fim, o apoderamento de documentos ou objetos pessoais é qualquer forma de posse ilícita do empregador ou preposto sobre documentos ou objetos pessoais do trabalhador.
3. CONCEITO ADMINISTRATIVO DE TRABALHO ESCRAVO
O conceito de trabalho escravo para fins administrativos é mais amplo do que aquele previsto no Código Penal. O Direito Penal é indicado por princípios próprios como o da fragmentariedade. Ou seja, conforme a lição da teoria do direito penal mínimo, a sanção à liberdade deve ser utilizada como última ratio em toda e qualquer sociedade, sob pena de o próprio ordenamento jurídico perder legitimidade ao se tornar inaplicável pela grande gama de situações que condena.
Doutra forma, o Direito Administrativo Sancionador admite o tipo com certa abertura, para que o Poder de Polícia possa alcançar situações que o legislador não previu. Assim, pela interpretação teleológica, é possível determinar, com certeza, o sentido da norma, a fim de alcançar certo fato.[xvii]
Desse modo, fica evidente tanto a possibilidade de o Poder Executivo editar medidas necessárias à repressão do trabalho escravo, o que se encontra previsto nas leis ordinárias, como também o fato de que o conceito utilizado pela Administração Pública se reporta às convenções internacionais, isto é, embora possua elementos comuns ao tipo previsto no art. 149 do Código Penal, em momento algum se confundem os conceitos utilizados na esfera pena e na esfera administrativa.
Nos termos do art. 16 do Decreto n° 10854/2021, compete exclusivamente aos Auditores-Fiscais do Trabalho, autoridades trabalhistas no exercício de suas atribuições legais, a fiscalização do cumprimento das normas de proteção ao trabalho e de saúde e segurança no trabalho.
Sendo o Auditor-Fiscal do Trabalho o agente público com competência para coibir essas práticas abusivas, poderá caracterizar, no caso concreto, a condição degradante e se utilizar dos instrumentos administrativos para regatar os trabalhadores.
Vale ressaltar que a Portaria MTP n.º 667, de 08 nov. 2021, traz, em seu art. 6º, parágrafo único, a exigência de fazer constar em todos os autos de infração lavrados em decorrência da constatação de trabalho em condições análogas às de escravo a seguinte informação: "Diante da decisão administrativa final de procedência do auto de infração ou do conjunto de autos de infração que caracterize submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravo estará o autuado sujeito a ter seu nome incluído em listas ou cadastros de empresas, conforme preceitos estabelecidos na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011”.
4. O CADASTRO DE EMPREGADORES QUE TENHAM SUBMETIDO TRABALHADORES A CONDIÇÕES ANÁLOGAS À DE ESCRAVO
O Brasil adota uma série de políticas públicas para combater o trabalho escravo contemporâneo, envolvendo ações de prevenção, fiscalização, repressão e reparação às vítimas. Essas medidas, implementadas por diferentes órgãos governamentais em cooperação com organizações da sociedade civil, incluem: o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM); o Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo; e o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condições análogas à escravidão, mais conhecido como “Lista Suja”.
É através das equipes do Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM), coordenados pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) e das Equipes Regionais das Superintendências Regionais do Trabalho, e com a participação de diversos órgãos (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Militar, Polícia Civil ou outra autoridade policial, Ministério Público do Trabalho, Ministério Público Federal e Defensoria Pública da União) que são flagradas condições análogas à de escravo, com o resgate dos trabalhadores e a lavratura dos autos de infração pertinentes.
É esse conjunto de autos de infração que, após procedimento administrativo, onde são assegurados o contraditório e a ampla defesa, se julgados procedentes, decorrerá a inclusão do nome do empregador na “Lista Suja”.
Para garantir a transparência do procedimento administrativo desde a lavratura dos autos de infração, a Portaria MTP n.º 667, de 08 nov. 2021, traz, em seu art. 6º, parágrafo único, a exigência de fazer constar em todos os autos de infração lavrados em ação fiscal onde houver a constatação de trabalho em condições análogas às de escravo a seguinte informação: "Diante da decisão administrativa final de procedência do auto de infração ou do conjunto de autos de infração que caracterize submissão de trabalhadores à condição análoga à de escravo estará o autuado sujeito a ter seu nome incluído em listas ou cadastros de empresas, conforme preceitos estabelecidos na Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011”.
Assim, o empregador não pode alegar que foi surpreendido com sua inclusão na “Lista Suja” e que não teve a oportunidade de se defender adequadamente.
A lista suja do trabalho escravo teve sua regulação inicialmente prevista pela Portaria MTE nº 1.234/2003, que previa o encaminhamento semestral da relação de empregadores que submetem trabalhadores a formas degradantes de trabalho ou os mantêm em condições análogas à de trabalho escravo para os seguintes órgãos: Secretaria Especial de Direitos Humanos; Ministério do Meio Ambiente; Ministério do Desenvolvimento Agrário; Ministério da Integração Nacional; e Ministério da Fazenda. O encaminhamento tinha como finalidade subsidiar ações no âmbito de suas competências.
Posteriormente, a Portaria MTE nº 540/2004 revogou a Portaria MTE nº 1.234/2003 e criou o “Cadastro de empregadores que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à de escravo”. Esta portaria ampliou a relação de órgãos comunicados, incluindo o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Federal e os Bancos Públicos.
A comunicação aos Bancos Públicos objetivava a suspensão das operações de crédito rural e arrendamento mercantil no segmento rural das pessoas físicas e jurídicas inscritas na “Lista Suja”[xviii], o que fortaleceu sobremaneira este instrumento.
A Portaria MTE nº 540/2004, por sua vez, foi revogada pela Portaria Interministerial n.º 2, de 12 de maio de 2011, que pouco inovou em relação à anterior. Na sequência, a Portaria Interministerial MTE/SEDH n.º 2, de 31 de março de 2015 revogou a Portaria de 2011.
Entretanto, a Portaria Interministerial MTE/SEDH n.º 2 de 2015 mudou a sistemática de divulgação da lista, não prevendo a remessa da lista para outros órgãos do governo e Bancos Públicos, mas apenas sua divulgação no sítio eletrônico do Ministério do Trabalho e Emprego - www.mte.gov.br (art. 1º, §1º).
Em 2016 foi publicada a Portaria Interministerial MTPS/MMIRDH n.º 4, que revogou a Portaria Interministerial nº 2/2015. A Portaria de 2016 manteve a publicação da “Lista Suja” no sítio eletrônico oficial do então Ministério do Trabalho e Previdência Social (MTPS) e inovou ao prever, no art. 5º, a possibilidade de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial com o administrado sujeito a constar no Cadastro de Empregadores. Este TAC ou acordo teria como objetivo a reparação dos danos causados, saneamento das irregularidades e adoção de medidas preventivas e promocionais para evitar a futura ocorrência de novos casos de trabalho em condições análogas à de escravo, tanto no âmbito de atuação do administrado quanto no mercado de trabalho em geral.
O empregador que celebrasse o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou acordo judicial na forma disciplinada no art. 5º não integraria a “Lista Suja", mas uma segunda relação, localizada topicamente logo abaixo da primeira, no mesmo documento e meio de divulgação.
Em 2017 foi publicada a Portaria MTB n.º 1.129 que, alterando a Portaria Interministerial n.º 4, previu que a organização da “Lista Suja” ficaria a cargo da Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT), mas a divulgação somente ocorreria com a determinação expressa do Ministro do Trabalho. Esta regra foi considerada como uma ingerência política na área técnica da Inspeção do Trabalho, o que foi objeto da ADPF 489/DF. A Ministra Rosa Weber deferiu o pedido liminar e suspendeu a eficácia da Portaria 1.129 até apreciação definitiva pelo plenário do Supremo Tribunal Federal.
Após a decisão cautelar foi editada a Portaria MTB n.º 1.293, que revogou integralmente a Portaria 1.129, não repetindo os dispositivos questionados. A Portaria 1.293 estabeleceu que a organização e divulgação do cadastro ficariam a cargo do corpo técnico do Ministério do Trabalho, excluindo a previsão de ingerência do ministro do Trabalho. Por essa razão a ADPF 489 foi extinta por perda superveniente do objeto.
A Portaria Interministerial n.º 4 foi revogada pela Portaria Interministerial MTE/MDHC/ n.º 15, de 26 jul. 2024, que, por sua vez, foi rapidamente revogada pela Portaria Interministerial MTE/MDHC/MIR n.º 18, de 13 set. 2024. O rápida revogação da Portaria nº 15 ocorreu devido a um pedido do Ministério Público do Trabalho para resguardar suas atribuições institucionais. Assim, a Portaria n.º 18 estabeleceu no art. 5º, §6º, que a Secretaria de Inspeção do Trabalho deve informar ao Ministério Público do Trabalho e à Defensoria Pública da União a data da audiência com o empregador ou administrado que solicitou a celebração de TAC ou acordo judicial.
Pelas regras atuais (art. 2º, §§1º e 2º), a inclusão do nome no cadastro acontece após a prolação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do auto de infração lavrado na ação fiscal em razão da constatação de exploração de trabalho em condições análogas à escravidão. É assegurado ao empregador o exercício do contraditório e da ampla defesa a respeito da conclusão da Inspeção do Trabalho de constatação de trabalho em condições análogas à escravidão, na forma dos arts. 629 a 638 da CLT e da Portaria MTP nº 667/ 2021.
A “Lista Suja” conterá o nome do empregador ou administrado, seu número de inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas - CNPJ ou no Cadastro de Pessoas Físicas - CPF, o ano da fiscalização em que ocorreram as autuações, o número de pessoas encontradas em condições análogas à escravidão e a data da decisão definitiva prolatada no processo administrativo do auto de infração lavrado.
O nome do empregador permanecerá na “Lista Suja” por um período de 2 (dois) anos, durante o qual a Inspeção do Trabalho realizará monitoramento a fim de verificar a regularidade das condições de trabalho. Caso seja constatado, no curso dos 2 (dois) anos, reincidência ou nova identificação de trabalhadores submetidos a condições análogas à escravidão, com a prolação de decisão administrativa irrecorrível de procedência do novo auto de infração, o empregador ou administrado permanecerá no cadastro por mais 2 (dois) anos, contados a partir de sua reinclusão (art. 3º, caput e parágrafo único).
A atual Portaria prevê a possibilidade de exclusão da “Lista Suja” imediatamente após a finalização do processo administrativo com a consumação do Termo de Ajustamento de Conduta – TAC celebrado entre o empregador e a União, representada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, ou acordo judicial com representação da Advocacia Geral da União.
4.2 Termo de Ajustamento de Conduta e Acordo Judicial
Como dito no final do tópico anterior, o art. 5º da Portaria n° 18 prevê a possibilidade de celebração de Termo de Ajustamento de Conduta entre o empregador e a União, representada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, ou um acordo judicial, neste caso com a representação da Advocacia Geral da União.
O acordo judicial pode ser celebrado no bojo de ação judicial que vise impugnação, anulação ou afastamento da eficácia dos efeitos legais dos autos de infração lavrados na ação fiscal em que foi constatado trabalho análogo ao de escravizado. Nesta hipótese, deve ser resguardada a atribuição do Ministério Público do Trabalho para tutela coletiva inibitória e tutela reparatória por dano difuso e coletivo.
O empregador que celebrar TAC ou acordo judicial não integrará a “Lista Suja”, mas o cadastro denominado Cadastro de Empregadores em Ajustamento de Conduta - CEAC, que conterá o nome do empregador ou administrado, acompanhado de seu número de inscrição no CNPJ ou no CPF; o ano da fiscalização em que ocorreu a autuação por constatação de trabalho em condições análogas à escravidão; e a data de celebração do TAC ou acordo judicial com a União (art. 6º).
O art. 7º relaciona os compromissos que o empregador deverá assumir no TAC ou no acordo judicial, que são os seguintes:
I - renúncia a qualquer medida, na esfera administrativa ou judicial, que vise impugnação, invalidação ou afastamento da eficácia dos efeitos legais dos autos de infração lavrados na ação fiscal em que houve constatação de trabalho em condições análogas à escravidão;
II - pagamento de eventuais débitos, atualizados pela taxa de Sistema Especial de Liquidação e de Custódia - SELIC, quando inexistente regulamentação específica: a) trabalhistas, inclusive referentes ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS, apurados pela Inspeção do Trabalho durante a ação fiscal em que houve constatação de trabalho em condições análogas à escravidão e ainda não quitados; e b) previdenciários decorrentes;
III- pagamento ou parcelamento de indenização por dano moral, individual aos trabalhadores encontrados pela Inspeção do Trabalho em condições análogas à escravidão, na forma disciplinada no art. 15.
IV - ressarcimento à União do valor de seguro-desemprego devido a cada um dos trabalhadores escravizados resgatados pela Inspeção do Trabalho, na forma disciplinada no art. 2º C da Lei nº 7.998, de 11 de janeiro de 1990, pela submissão a condições análogas à escravidão;
V - pagamento à União para a execução de políticas públicas voltadas à assistência a trabalhadores resgatados de trabalho em condições análogas à escravidão, ou especialmente vulneráveis a este tipo de ilícito, cujo valor será fixado em, no mínimo, 2% (dois por cento) do faturamento bruto do empregador ou administrado referente ao último exercício anterior à celebração do TAC ou acordo judicial, conforme estabelecido em ato do Ministro de Estado do Trabalho e Emprego;
VI - como medida preventiva e promocional, elaboração e implementação de monitoramento continuado do respeito aos direitos humanos e trabalhistas na cadeia de valor do empregador ou administrado, incluídos todos os trabalhadores que lhe prestem serviço, sejam eles contratados direta ou indiretamente, e que tenha por objetivo não somente eliminar as piores formas de exploração, como o trabalho análogo ao de escravizado, mas promover o trabalho decente, através de um Programa de Gerenciamento de Riscos e Resposta a Violações de Direitos Humanos e Trabalhistas - PGRVDHT.
O valor do aporte financeiro de que trata o inciso V, do caput não será inferior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais) nem superior a R$ 25.000.000,00 (vinte e cinco milhões de reais), atualizados, anualmente, pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo e Especial - IPCA-E.
O TAC ou acordo judicial deverão conter ainda as seguintes disposições previstas no art. 8º:
I - previsão expressa de que o cumprimento dos compromissos assumidos representará quitação restrita aos títulos expressamente delimitados no TAC ou acordo judicial, não implicando quitação geral, nem o reconhecimento, pela União, de reparação a quaisquer outros danos, individuais, coletivos ou difusos, eventualmente decorrentes da conduta do empregador ou administrado, tampouco de obrigações específicas de fazer, não fazer e pagar, inclusive o dano moral coletivo, pleiteadas por outras instituições legitimadas;
II - previsão expressa de que o TAC ou acordo judicial não constituirá óbice, sob qualquer aspecto, à atuação administrativa ou judicial da União ou de outros órgãos legitimados no caso de existência de outros danos causados e não reparados pelo empregador ou administrado ou de constatação de outras violações do empregador ou administrado à legislação;
III - previsão expressa de que o TAC ou acordo judicial não produz efeitos em relação a terceiros que não tenham participado de sua celebração, inclusive o Ministério Público do Trabalho e a Defensoria Pública da União;
IV - previsão expressa de que o pagamento do dano moral individual pactuado não impedirá que os próprios trabalhadores escravizados exerçam o direito de pleitear eventuais valores que entendam ainda devidos sob este título, nem prejudicará ações coletivas ou individuais com o mesmo objeto;
V - imposição de multa pelo eventual descumprimento de cada cláusula contratual, em valor equivalente ao conteúdo econômico da obrigação ou, quando esta aferição for impossível, em valor a ser fixado entre as partes; e
VI - previsão expressa de que, constatada violação pelo empregador ou administrado à cláusula do TAC ou acordo judicial, terá ele prazo de 15 (quinze) dias para impugnar e comprovar o saneamento da irregularidade, quando for possível, bem como de que, não aceita a impugnação, ou não comprovado o saneamento integral da violação, o TAC ou acordo judicial será executado e o empregador incluído na “Lista Suja”.
Nos termos do art. 13, em caso de reincidência, a União, por intermédio do Ministério do Trabalho e Emprego, não celebrará com o empregador ou administrado novo TAC ou acordo judicial. Será considerado reincidência se um novo auto de infração for lavrado dentro do prazo de 2 (dois) anos, contado da inserção do empregador ou administrado no CEAC, em razão da constatação de trabalho em condições análogas à escravidão.
Há ainda a previsão de um piso de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para a indenização por dano moral individual a ser paga a cada um dos trabalhadores encontrados pela Inspeção do Trabalho em condições análogas à escravidão. Esse valor será atualizado, anualmente, pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo e Especial - IPCA-E.
Este valor deve ser acrescido de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) para cada período de 12 (doze) meses durante os quais o trabalhador permaneceu submetido a condições análogas à escravidão.
Importante destacar que de acordo com art. 10, o TAC ou acordo judicial celebrado perante o Ministério Público do Trabalho ou a Defensoria Pública da União poderá gerar regulares efeitos para a elaboração dos dois cadastros disciplinados nesta Portaria, desde que seu conteúdo atenda integralmente às condições previstas na Portaria n.º 18, mediante pedido do empregador ao Ministério do Trabalho e Emprego.
O MTE publicou a Instrução Normativa GM/MTE n.º 7, de 14 out. 2024, disciplinando os procedimentos de que trata a Portaria Interministerial MTE/MDHC/MIR nº 18.
4.2 Eficácia da “Lista Suja”
A eficácia da “Lista Suja” se deve principalmente a três aspectos: dificuldade na obtenção de financiamento em bancos públicos e privados, restrições comerciais impostas por empresas com responsabilidade social e o impacto negativo na imagem do empregador perante a sociedade.
As consequências de inclusão do nome no Cadastro são efeitos naturais da cautela que os órgãos públicos e agências de financiamento devem tomar ao contratarem com sujeitos privados.
O Estado, no exercício do poder discricionário, pode estabelecer regras e condições gerais sobre como, com quem e quando contratar, considerando a constatação administrativa da existência de trabalho escravo ou de condição análoga à de escravo, para a concessão de financiamento oficial ou a contratação de maneira privilegiada com o Poder Público.
4.2.1 Dificuldade na obtenção de financiamento em bancos públicos e privados
O principal temor dos empregadores em relação ao ingresso na “Lista Suja” é a não concessão de crédito pelos bancos públicos e privados. O Manual de Crédito Rural – MCR do Banco Central do Brasil – BACEN, no item 10 da seção 2 (Beneficiários) que é vedada às instituições financeiras a contratação ou renovação, ao amparo de recursos de qualquer fonte, de operação de crédito rural, inclusive a prestação de garantias, bem como a operação de arrendamento mercantil no segmento rural, a pessoas físicas e jurídicas inscritas no Cadastro de Empregadores que mantiveram trabalhadores em condições análogas à de escravo, gerido por órgão da administração pública federal, em razão de decisão administrativa final relativa ao auto de infração. (Res CMN nº 4.883 art. 1º)
Ainda no MCR, o item 9 da Seção 9 (Impedimentos Sociais, Ambientais e Climáticos), estabelece que não será concedido crédito rural a pessoa física ou jurídica inscrita no cadastro de empregadores que mantiveram trabalhadores em condições análogas à de escravo instituído pelo Ministério responsável pelo referido registro, em razão de decisão administrativa final relativa ao auto de infração (Res BCB 140, art. 1º).
Temos ainda a Resolução n.º 4.557, de 23 fev. 2017, do Banco Central do Brasil, que dispõe sobre a estrutura de gerenciamento de riscos. O art. 38-A desta resolução define “risco social” como a possibilidade de ocorrência de perdas para a instituição ocasionadas por eventos associados à violação de direitos e garantias fundamentais ou a atos lesivos a interesse comum. Um dos exemplos de eventos de risco social, dado pelo §2º do art. 38-A, é a ocorrência ou, conforme o caso, os indícios da ocorrência de prática relacionada ao trabalho em condições análogas à escravidão.
No mesmo sentido, a Resolução n.º 4.606, de 19 out. 2017, do Banco Central do Brasil possui dispositivo semelhante – art. 27-A. O art. 32-A desta Resolução estabelece que caso o Banco Central do Brasil identifique inadequação ou insuficiência no gerenciamento de riscos da instituição financeira, poderá determinar seu aperfeiçoamento sem prejuízo da determinação da adoção de medidas prudenciais preventivas previstas na Resolução nº 4.019, de 2011.
O Sistema de Autorregulação Bancária da Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, instituiu o Normativo de Criação e Implementação de Política de Responsabilidade Ambiental – Normativo SARB 014/2024, que formaliza diretrizes e procedimentos fundamentais para as práticas socioambientais dos seus signatários nos negócios e na relação com as partes interessadas. O art. 15 deste normativo determina que os bancos gerenciem os impactos socioambientais de suas atividades, considerando o combate ao trabalho análogo à escravo, infantil e à exploração sexual.
Os contratos dos bancos devem prever a obrigação do tomador do crédito de inexistência de trabalho análogo à escravo e o vencimento antecipado da operação de crédito no caso de sua constatação (art. 11).
4.2.2 Restrições Comerciais – O Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo no Brasil
No ano de 2004, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República solicitou à Organização Internacional do Trabalho - OIT em parceria com a ONG Repórter Brasil, que fosse realizado um grande estudo de identificação das cadeias produtivas do trabalho escravo. Foi mapeado, durante um ano, o relacionamento comercial de 100 fazendas da "Lista Suja" do trabalho escravo. O resultado foi uma rede de 200 empresas nacionais e estrangeiras que comercializam produtos dessas fazendas.
Com o mapeamento pronto, o Instituto Ethos, a OIT e a Repórter Brasil coordenaram reuniões com as empresas detectadas na pesquisa. As conversas iniciadas evoluíram, levando ao lançamento do Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo, em maio de 2005, para enfrentar economicamente o trabalho escravo no país.
Os signatários do pacto acordam em incrementar esforços visando dignificar e modernizar as relações de trabalho nas cadeias produtivas dos setores comprometidos no “Cadastro de empregadores Portaria MTE 540/2004” que tenham mantido trabalhadores em condições análogas à escravidão.
Dentre os compromissos assumidos, destacamos a aplicação de restrições comerciais àquelas empresas e/ ou pessoas identificadas na cadeia produtiva que se utilizem de condições degradantes de trabalho associadas a práticas que caracterizam escravidão e o estabelecimento de metas específicas para a regularização das relações de trabalho em suas cadeias produtivas, o que implica na formalização das relações de emprego pelos produtores e fornecedores, no cumprimento de todas as obrigações trabalhistas e previdenciárias e na execução de ações preventivas referentes à saúde e a segurança dos trabalhadores;
O Pacto beneficia o setor empresarial, pois este ganhou instrumentos para manter os setores em que estão inseridos longe de empregadores que utilizam escravos, podendo assim se antecipar a sanções que mercado e governos podem gerar. Mas os principais beneficiários são os trabalhadores, uma vez que o Pacto Nacional faz com que os maus empregadores pensem duas vezes antes de submetê-los a condições análogas à escravidão, uma vez que podem perder clientes com isso.
Em 2014, foi formalizado o Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo (InPACTO), que assumiu a gestão e ampliação da iniciativa, fortalecendo o compromisso do setor privado na luta contra o trabalho escravo contemporâneo. Este instituto trabalha com a adesão voluntária de empresas e desenvolve ações para melhorar as condições de trabalho nas cadeias produtivas. Ele atua na promoção de políticas empresariais voltadas à erradicação do trabalho escravo e no fortalecimento de compromissos multilaterais envolvendo governo, sociedade civil e o setor privado.
4.2.3 Impacto negativo na imagem do empregador perante a sociedade
Além da restrição a financiamentos públicos e privados e sanções comerciais de empresas comprometidas com a responsabilidade socioambiental, o empregador está sujeito a ampla divulgação de sua inclusão na “Lista Suja” do trabalho escravo. O MTE promove a divulgação da “Lista Suja” através de seu site institucional[xix], além de encaminhá-la a vários órgãos já citados anteriormente.
O principal objetivo da divulgação dos nomes é expor os listados à censura social, partindo do princípio de que é possível alcançar uma penalização ética fundada na reprovação social.[xx]
A “Lista Suja” impõe prejuízos financeiros e de imagem às empresas, que buscavam justamente baratear seus custos de produção ao escravizar a mão de obra.
A “Lista Suja” conta atualmente com cerca de 717 empregadores[xxi].
4.2.3 O risco da perda da efetividade pela possibilidade de celebração de TAC e acordo judicial
A Lista Suja do Trabalho Escravo enfrenta um risco significativo de perda de efetividade devido à possibilidade de celebração de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC) e acordos judiciais. Esses mecanismos, previstos na Portaria Interministerial MTE/MDHC/MIR nº 18/2024, permitem que empregadores flagrados em práticas de trabalho escravo sejam excluídos do cadastro principal da lista, desde que assumam compromissos de reparação e prevenção de novas violações.
A exclusão imediata da lista principal mediante a celebração de TAC ou acordo judicial pode minar o caráter punitivo e preventivo da Lista Suja. A inclusão na lista gera sanções reputacionais e comerciais que desincentivam práticas de exploração. A transferência para um cadastro paralelo, o Cadastro de Empregadores em Ajustamento de Conduta (CEAC), diminui a visibilidade da infração, reduzindo seu impacto dissuasivo.
O TAC pode ser utilizado por empregadores como uma forma de evitar sanções mais severas, sem necessariamente garantir mudanças estruturais em suas práticas. Embora o TAC imponha obrigações, como pagamento de indenizações e implementação de programas de monitoramento, sua eficácia depende da fiscalização constante, o que nem sempre ocorre de maneira sistemática.
A possibilidade de acordos judiciais ou TACs pode gerar a percepção de que a legislação permite “negociar” a inclusão na lista, enfraquecendo a credibilidade do mecanismo perante a sociedade e órgãos internacionais. Isso pode comprometer o alinhamento do Brasil com os padrões estabelecidos pela Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A Lista Suja do Trabalho Escravo demonstra a capacidade do Brasil em implementar políticas públicas modernas e eficazes na erradicação do trabalho análogo à escravidão, alinhando-se aos compromissos internacionais de direitos humanos. Regulamentada por sucessivas portarias, a lista se consolidou como ferramenta indispensável para penalizar economicamente infratores e conscientizar a sociedade sobre a gravidade desse problema. Apesar de desafios políticos e econômicos, o mecanismo proporciona transparência, promovendo justiça social e fortalecendo as relações trabalhistas dignas. Assim, o combate ao trabalho escravo no Brasil depende da continuidade e ampliação dessas ações, combinadas com fiscalização eficiente e a colaboração entre Estado, sociedade civil e setor privado.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Radar SIT - Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Disponível em <https://sit.trabalho.gov.br/radar/> acessado em 15 dez. 2024.
BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução BACEN nº 3.876, de 22 jun.2010.
BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução BACEN nº 4.557, de 23 fev. 2017.
BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução BACEN nº 4.606, de 19 out. 2017.
BRASIL. Consolidação das Leis do Trabalho: aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego, Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: Referências para estudos e pesquisas. 2012. p.03.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo Disponível em < https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/areas-de-atuacao/combate-ao-trabalho-escravo-e-analogo-ao-de-escravo > Acesso em: 15 dez. 2024;
BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Portaria MTP n.º 671, de 08/11/2021. Regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção do trabalho, às políticas públicas e às relações de trabalho.
BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Portaria MTP n.º 671, de 08/11/2021. Regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção do trabalho, às políticas públicas e às relações de trabalho.
CARVALHO, José Luciano Leonel de. A auditoria-fiscal do trabalho no combate ao trabalho escravo moderno no setor sucroalcooleiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2493, 29 abr. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14741>. Acesso em: 15 dez. 2024.
Comissão Interamericana de Direitos Humanos, RELATÓRIO Nº 95/03, CASO 11.289, SOLUÇÃO AMISTOSA, JOSÉ PEREIRA vs BRASIL, 24 de outubro de 2003.
FERNANDES, Iêda Andrade, Eficácia da Lista Suja no Combate ao Trabalho Escravo, Belém: Universidade Federal do Pará, 2006. 82 f.
HADDAD, Carlos H. B; MIRAGLIA, Lívia M. M. (Organizadores). Trabalho escravo: entre os achados da fiscalização e as respostas judiciais. Tribo da Ilha: Florianópolis, 2018, p. 38.
Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo. Brasília: MTE, 2011.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 29 da OIT;
SILVA, Marcelo Ribeiro. Trabalho Análogo ao de Escravo Rural no Brasil do Século XXI: novos contornos de um antigo problema. Goiânia: UFG, 2010. 280 f. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário) - Programa de Mestrado em Direito, área de concentração em Direito Agrário, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2010.
[i] SILVA, Marcelo Ribeiro. Trabalho Análogo ao de Escravo Rural no Brasil do Século XXI: novos contornos de um antigo problema. Goiânia: UFG, 2010. 280 f. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário) - Programa de Mestrado em Direito, área de concentração em Direito Agrário, Universidade Federal de Goiás, Goiânia, 2010.
[ii] (idem)
[iii] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego, Trabalho Escravo no Brasil em Retrospectiva: Referências para estudos e pesquisas. 2012. p.03.
[iv] Idem
[v] Comissão Interamericana de Direitos Humanos, RELATÓRIO Nº 95/03, CASO 11.289, SOLUÇÃO AMISTOSA, JOSÉ PEREIRA vs BRASIL, 24 de outubro de 2003.
[vi] Idem
[vii] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Radar SIT - Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil. Disponível em <https://sit.trabalho.gov.br/radar/> acessado em 15 dez. 2024.
[viii] Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo. Brasília: MTE, 2011. 96 p.
[ix] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção nº 29 da OIT;
[x] BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Portaria MTP n.º 671, de 08/11/2021. Regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção do trabalho, às políticas públicas e às relações de trabalho.
[xi] Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo. Brasília: MTE, 2011. 96 p.
[xii] BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Portaria MTP n.º 671, de 08/11/2021. Regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção do trabalho, às políticas públicas e às relações de trabalho.
[xiii] BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Portaria MTP n.º 671, de 08/11/2021. Regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção do trabalho, às políticas públicas e às relações de trabalho.
[xiv] HADDAD, Carlos H. B; MIRAGLIA, Lívia M. M. (Organizadores). Trabalho escravo: entre os achados da fiscalização e as respostas judiciais. Tribo da Ilha: Florianópolis, 2018, p. 38.
[xv] Manual de Combate ao Trabalho em Condições análogas às de escravo. Brasília: MTE, 2011. 96 p.
[xvi] BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Portaria MTP n.º 671, de 08/11/2021. Regulamenta disposições relativas à legislação trabalhista, à inspeção do trabalho, às políticas públicas e às relações de trabalho.
[xvii] CARVALHO, José Luciano Leonel de. A auditoria-fiscal do trabalho no combate ao trabalho escravo moderno no setor sucroalcooleiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 15, n. 2493, 29 abr. 2010. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/14741>. Acesso em: 15 dez. 2024.
[xviii] BRASIL. Banco Central do Brasil. Resolução BACEN nº 3.876, de 22.06.2010, DOU 23.06.2010.
[xix] BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Combate ao Trabalho em Condições Análogas às de Escravo Disponível em < https://www.gov.br/trabalho-e-emprego/pt-br/assuntos/inspecao-do-trabalho/areas-de-atuacao/combate-ao-trabalho-escravo-e-analogo-ao-de-escravo > Acesso em: 15 dez. 2024;
[xx] FERNANDES, Iêda Andrade, Eficácia da Lista Suja no Combate ao Trabalho Escravo, Belém: Universidade Federal do Pará, 2006. 82 f.
[xxi] Consulta ao cadastro atualizado em 13/12/2024.
Atua como Auditor-Fiscal do Trabalho desde 2007 na área de Segurança e Saúde do Trabalho. Foi Diretor do Departamento de Segurança e Saúde do Trabalho do Ministério do Trabalho (DSST) e Coordenador da Comissão Tripartite Paritária Permanente (CTPP) de 2018 e 2019. Atualmente é Chefe da Seção de Fiscalização de Segurança e Saúde do Trabalho da Superintendencia Regional do Trabalho de Mato Grosso do Sul. Possui a seguinte formação: Bacharel em Ciências Militares, AMAN/1997. Engenheiro Aeronáutico, ITA/2004. Engenheiro de Segurança do Trabalho, Logatti, 2008. Bacharel em Direito, UNIARA, 2012. Especialista em Direito e Processo do Trabalho, UNIARA, 2014. Especialista em Processo Civil, DOM ALBERTO, 2020. Especialista em Direitos Humanos Internacionais, FACUMINAS, 2024. Especialista em Direitos Difusos e Coletivos, FACUMINAS, 2024. Especialista em Direito Ambiental, FACUMINAS, 2024.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E. A lista suja do trabalho escravo de acordo com a Portaria Interministerial MTE/MDHC/MIR nº 18/2024 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 mar 2025, 04:32. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/68077/a-lista-suja-do-trabalho-escravo-de-acordo-com-a-portaria-interministerial-mte-mdhc-mir-n-18-2024. Acesso em: 02 abr 2025.
Por: Joao vitor rossi
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
Por: DAYVISSON CRISTIANO MOREIRA
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
Por: KLEBER PEREIRA DE ARAÚJO E SILVA
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