A Lei Complementar nº 214, sancionada em 16 de janeiro de 2025, instituiu os pilares do novo sistema tributário brasileiro sobre o consumo, materializados no Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), na Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) e no Imposto Seletivo (IS). Dentre as inovações promovidas, um dos pontos mais sensíveis diz respeito à forma como se dará a tributação da energia elétrica. A relevância econômica e social do setor impõe uma abordagem atenta e precisa, capaz de compreender as especificidades do novo regramento e suas repercussões no contexto da transição tributária.
Inicialmente, cumpre destacar que a energia elétrica, nos termos do §1º do art. 3º da LCP 214/25, equipara-se a bem material dotado de valor econômico, o que atrai a incidência do IBS e da CBS. O fornecimento desse bem, quando realizado mediante contraprestação, configura operação onerosa sujeita aos novos tributos sobre o consumo, nos termos do art. 4º da referida Lei.
No tocante à sujeição passiva e ao momento de incidência, a LCP 214/25 traz disciplinamento específico para o setor de energia, nos artigos 28 e 29. O responsável pelo recolhimento do IBS e da CBS varia de acordo com a modalidade da operação e a natureza do adquirente. No ambiente de contratação regulada, a incumbência recai sobre a distribuidora. Por sua vez, nas operações livres ou quando o consumidor final não estiver sujeito ao regime regular dos tributos, a responsabilidade passa ao alienante. Vale observar que, em aquisições multilaterais, a obrigação tributária desloca-se para o adquirente com balanço energético devedor, conforme previsto no §9º do art. 11.
Um ponto particularmente sensível reside na delimitação do fato gerador. A regra geral está disciplinada no art. 10, segundo o qual o fato gerador ocorre no momento do fornecimento. Entretanto, nos serviços de energia, a LCP 214/25 inova ao dispor, em seu §3º, que, em operações de execução continuada ou fracionada — como é o caso do abastecimento de energia — o fato gerador se considera ocorrido no momento em que o pagamento se torna exigível. Tal disposição adequa-se à natureza contínua do serviço e oferece maior previsibilidade ao contribuinte e ao fisco.
A LCP 214/25 também introduz o mecanismo de antecipação do pagamento, nos casos em que houver adiantamento de valores antes do fornecimento, prevendo a apuração de créditos e débitos conforme a diferença entre os valores efetivamente pagos e os devidos (art. 10, §4º). Em eventual distrato, abre-se a possibilidade de apropriação de créditos pelo fornecedor, com base nos valores restituídos.
Outro aspecto que merece análise atenta é a determinação do local da operação, elemento essencial para a repartição da receita do IBS entre os entes federados. De acordo com o art. 11, §7º, considera-se como local da operação o local da entrega ou disponibilização da energia nas operações destinadas ao consumo. Contudo, nas operações de geração, distribuição, comercialização e transmissão, o local da operação corresponde ao do estabelecimento principal do adquirente.
A base de cálculo do IBS e da CBS segue a regra geral estabelecida no art. 12, correspondendo ao valor integral da operação, compreendendo os tributos incidentes, encargos, juros e demais valores cobrados a qualquer título. Ressalte-se que os valores relativos ao próprio IBS e à CBS são excluídos da base de cálculo, conforme disposto no §2º do mesmo artigo.
A LCP 214/25 trata, ainda, da isenção em situações específicas, em especial quando a energia for compensada pela mesma unidade consumidora. Essa regra se estende a operações no âmbito do Sistema de Compensação de Energia Elétrica, disciplinado pela Lei nº 14.300/2022, desde que se trate de micro ou minigeração (art. 28, §3º e §4º). Tal previsão visa fomentar a produção descentralizada de energia e a sustentabilidade ambiental, em consonância com as diretrizes de políticas públicas voltadas ao setor.
No que se refere ao Imposto Seletivo (IS), a LCP 214/25 é clara ao dispor, em seu art. 413, inciso II, que as operações com energia elétrica estão excluídas do campo de incidência desse tributo. Tal exclusão reflete o reconhecimento do caráter essencial do insumo e busca evitar o agravamento da carga tributária sobre um setor já onerado pelos tributos sobre o consumo. Alinha-se, ainda, à proibição de tributação seletiva sobre bens e serviços considerados essenciais ou com alíquota reduzida, nos termos do §1º do art. 9º da Emenda Constitucional nº 132/2023.
Por fim, cumpre mencionar que, na aquisição de serviços de transmissão, a LCP 214/25 estabelece que o local da operação corresponde ao estabelecimento principal do adquirente (art. 11, §7º, II, "a"). Nessas operações, a responsabilidade pelo pagamento do IBS e da CBS recai sobre a transmissora, sendo o fato gerador caracterizado pelo efetivo pagamento do serviço (art. 28, §2º).
Em síntese, a Lei Complementar 214/25 promove uma regulamentação minuciosa da tributação sobre a energia elétrica, harmonizando-se com os princípios da neutralidade e da não-cumulatividade que informam o novo sistema. Ao conferir tratamento específico para as peculiaridades do setor, a norma busca assegurar a eficiência econômica, garantir a segurança jurídica e preservar o caráter essencial do serviço de energia, elementos fundamentais para a estabilidade e previsibilidade das relações tributárias no contexto da Reforma.
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