RESUMO
Trata o presente trabalho da transmissão dolosa do vírus da Imunodeficiência humana (HIV) e a sua repercussão no Direito penal brasileiro, abordando as diversas formas ou meios de transmissão dolosas do vírus HIV. As principais formas de transmissão do HIV são sexuais, por relações homo e heterossexuais; com pessoas contaminadas sem uso do preservativo (camisinha); sanguínea, contato com sêmen e fluídos vaginais, em receptores de sangue ou hemoderivados em UDIV, há casos em que o HIV pode ser transmitido pelo sangue através de transfusões, uso de agulhas, seringas e material pérfuro-cortante (facas, navalhas, tesouras, bisturis, etc.), em resíduos de sangue contaminado; e a forma perinatal, abrangendo a transmissão da mãe para o filho durante a gestação, parto ou por aleitamento materno. São abordadas as diversas condutas de quem transmite dolosamente o vírus HIV, podendo, a princípio, configurar perigo de contágio de moléstia (artigo 131 do CPB), lesão corporal gravíssima (artigo 129, parágrafo 2º do CPB), ou seguida de morte (artigo 129, parágrafo 3º do CPB), ou ainda homicídio qualificado (artigo 121 parágrafo 2º do CPB) ou consumado (artigo 121 do CPB). O prisma da conduta é analisado em fases distintas, a primeira quando não houver o efetivo contágio pelo vírus HIV, a segunda após a contaminação da vítima pelo HIV e a terceira após o resultado morte da vítima.
Palavras-chave: Vírus HIV; Transmissão dolosa; Direito penal.
ABSTRACT
Treats the present work of the deceitful transmission of the virus of human (HIV) Imunodeficiência and repercussion in the Brazilian penal Right, approaching the several forms or transmission means deceitful of the virus HIV. The main forms of transmission of HIV are sexual, for relationships homo and heterosexual; with polluted people without use of the preservative (condom); sanguine, I contact with semen and flowed vaginal, in receivers of blood or blood in UDIV, there are cases in that HIV can be transmitted by the blood through transfusions, use of needles, syringes and Perforating - cutting (knives, razors, scissors, bistouries, etc.) material, in residues of polluted blood; and the form perinatal, including the mother's transmission for the son during the gestation, childbirth or for maternal breast feeding. The several conducts are approached of who transmits intentionally the virus HIV, being able to, at first, to configure danger of infection of disease (article 131 of CPB), bodily harm very serious (article 129, paragraph 2nd of CPB), or following by death (article 129, paragraph 3rd of CPB), or still homicide qualified (article 121 paragraph 2nd of CPB) or accomplished (article 121 of CPB). The prism of the conduct is analyzed in different phases, the first when there is not the cash infection for the virus HIV, Monday after the victim's contamination for HIV and the third after the victim's result death.
Word-key: Virus HIV; Deceitful transmission; Penal right.
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO
2 ORIGEM DO VÍRUS HIV
2.1 A AIDS NO BRASIL E A SUA EPIDEMIOLOGIA
2.2 O QUE É O HIV
2.3 FORMAS DE TRANSMISSÃO E TRATAMENTO
2.4 AS FASES DA EVOLUÇÃO CLÍNICA PELO HIV
2.4.1 Fase aguda
2.4.2 Fase assintomática
2.4.3 Infecção sintomática inicial
2.5 AIDS
2.6 QUAL A TIPIFICAÇÃO PENAL QUANDO NÃO HÁ O EFETIVO CONTÁGIO DO VÍRUS HIV?
3 CLASSIFICAÇÃO DAS INFRAÇÕES PENAIS
3.1 CRIMES COMISSIVOS, OMISSIVOS PUROS E OMISSIVOS IMPRÓPRIOS
3.2 CRIMES DE DANO E DE PERIGO
3.3 CRIME FORMAL
3.4 CRIMES INSTANTÂNEOS, E INSTANTÂNEOS DE EFEITOS PERMANENTES
3.5 CRIME COMUM, SIMPLES E DE FORMA LIVRE
4 CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E ELEMENTOS DA CONDUTA
4.1 RESULTADO E RELAÇÃO DE CAUSALIDADE
4.2 DA SUPERVENIÊNCIA CAUSAL DO CONTÁGIO
5 TEORIAS SOBRE O DOLO
5.1 CONCEITO E ELEMENTOS DO DOLO
5.2 TIPO DE DOLO NO CÓDIGO PENAL
5.3 DOLO GENÉRICO E DOLO ESPECÍFICO QUANDO NÃO HOUVER CONTAMINAÇÃO PELO VÍRUS HIV
5.4 DOLO GENÉRICO QUANDO HÁ CONTAMINAÇÃO PELO VÍRUS HIV
6.1 CRIME CONSUMADO
6.1 CONCEITO DE CONSUMAÇÃO
6.2 INTER CRIMINIS DO CONTÁGIO
6.3 CONCEITO DE TENTATIVA
6.4 ADMITE-SE A TENTATIVA QUANDO NÃO HOUVER O EFETIVO CONTÁGIO?
6.5 É ADMISSÍVEL A TENTATIVA QUANDO NÃO SOBREVÉM À MORTE EM RAZÃO DO CONTÁGIO DO VÍRUS HIV?
7 CRIME EXAURIDO COMO FORMA DE TIPIFICAÇÃO
7.1 ASPECTOS JURÍDICOS DO CRIME DE HOMICÍDIO
7.1.1 Homicídio Qualificado
7.2 ASPECTOS JURÍDICOS DO CRIME DE LESÕES CORPORAIS
7.2.1 Lesão Corporal Gravíssima
7.2.2 Lesão Corporal Seguida de Morte
8 DO CRIME PRATICADO: LESÃO CORPORAL OU HOMICÍDIO?
8.1 APÓS A CONTAMINAÇÃO DA VÍTIMA PELO HIV
8.2 APÓS A MORTE DA VÍTIMA
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
10 REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
O Vírus da Imunodeficiência humana (HIV) é o agente causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS). Estudos mostram que esse agente etimológico, conhecido como HIV-1, pode apresentar um outro agente, também retrovírus, estreitamente relacionado ao HIV-1, denominado HIV-2.
Tanto o HIV-1, quanto o outro o HIV-2 têm o condão de infectar linfócitos através do receptor CD4. Aparentemente o HIV-1 e o HIV-2 passaram a infectar o homem há várias décadas, pesquisas mostram que o HIV-1 tem se mostrado mais virulento do que o HIV-2, em decorrência de sua maior nocividade.
Precisamente, o vírus HIV ao penetrar no organismo humano, vai à procura de uma célula para conseguir sobreviver e se multiplicar. As células escolhidas pelo vírus HIV são exatamente aquelas que fazem parte do sistema imunológico, ou seja, células responsáveis pela defesa do nosso organismo.
É sabido que algumas pessoas infectadas pelo vírus, omitem dolosamente e conscientemente sua condição para as pessoas que praticam, com ele, sem a devida proteção, ou quando o infectado obriga moral ou materialmente a vítima não – infectada a manter relações sexuais. Talvez por um espírito de vingança o agente aja assim, deseja com tal conduta o falecimento aos poucos da vítima, já que a demora na produção do resultado é característica do próprio HIV. Não almeja, portanto, o resultado morte de imediato, por isso, escolhe a transmissão do vírus como meio idôneo para a prática do crime.
Verifica-se, que tal conduta está consagrada no Decreto – Lei n.º 2.848 de 07/12/1940, podendo ser tipificada nos crimes de perigo de contágio de moléstia grave, lesão corporal e homicídio, previstos respectivamente nos artigos 131,129 e 12 do decreto-lei.
Antes de tudo é indispensável à análise da conduta do agente, sob o prisma do dolo, de maneira objetiva, percorrendo as diversas teorias adotadas e os caminhos escolhidos para melhor entender de tal assunto extremamente complexo, onde não há um entendimento pacificado, seja pela doutrina como pelos tribunais. Evitando sobre maneira interpretações discricionária e contraditória.
Assim, em razão do princípio non bis idem, ter-se-á tipificada a conduta do sujeito em apenas um único tipo penal, onde a consciência e a vontade de transmitir estejam presentes em cada caso concreto. Ou seja, sendo o dolo do sujeito ativo analisado em relação as seguintes fases, após a contaminação da vítima pelo HIV e após o resultado morte.
2 ORIGEM DO VÍRUS HIV
A Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS) foi descoberta em meados de 1981 nos EUA, nas cidades de Los Angeles e Nova York. Constatou-se, nessas duas cidades que algumas pessoas estavam sendo atacadas por um tipo raro de pneumonia (por Pneumoystis Carinii), enquanto outros indivíduos eram atacados por um câncer chamado Sarcoma de Kaposi, também muito raro, e diversos casos de comprometimento do sistema imune.
Devido esse mal enfraquecer o organismo humano, onde o mesmo permanecia debilitado com pouca resistência às doenças; foi-lhe dada a seguinte denominação: Síndrome da Imunodeficiência Adquirida.
A AIDS, conhecida mundialmente pela sigla AIDS (Acquired Imunodeficiency Syndrome/ Síndrome da Imunodeficiência Adquirida), podemos conceituar cada uma dessas palavras como sendo:
Síndrome, de acordo com o dicionário Aurélio; Síndrome é a reunião de sinais que ocorrem em conjunto e que caracterizam uma doença ou uma perturbação. A AIDS é definida como síndrome porque não tem uma manifestação única ao contrário, caracteriza-se pelo surgimento de várias doenças sucessivas e simultâneas, que ocultam a sua verdadeira causa.
Imunodeficiência refere-se ao sistema imunológico “Imuno”, responsável pela capacidade natural que o corpo humano possui para se defender das doenças.
Adquirida, a maioria das deficiências imunológicas são hereditárias. No caso da AIDS, a imunodeficiência se dá por contágio com pessoas, dentre outras (sangue, esperma, etc.) em que o vírus esteja presente.
Em 1983, o agente etimológico foi identificado por cientistas franceses, mais precisamente por Luc Montagnier, depois de longas pesquisas, ficou constatado que passava de um retrovírus humano, ao qual deram o nome de LAV (Lymphadenopathy Associated Vírus ou Vírus Associado à Linfadenopatia).
Meses depois, cientistas americanos, Robert Gallo, também conseguiu isolar um vírus ao qual deram o nome de HTLV III (Human T- Lymphotrophu Vírus ou Vírus T – Linfotrópico Humano tipo III, causador da AIDS.
Como se tratava do mesmo vírus, a Organização Mundial de Saúde (OMS) apresentou proposta, que foi aceita, de denominá–lo de Vírus da Imunodeficiência Humana, HIV-1.
Em 1986, foi identificado um segundo agente etimológico, também retrovírus, estreitamente relacionado ao HIV-1, denominado HIV-2.
Tanto o HIV-1, quanto o outro o HIV-2 têm o condão de infectar linfócitos através do receptor CD4[1]. Aparentemente o HIV-1 e o HIV-2 passaram a infectar o homem há várias décadas, pesquisas mostram que o HIV-1 tem se mostrado mais virulento do que o HIV-2, em decorrência de sua maior nocividade.
Cientistas corroboram na tentativa de percorrer todos os caminhos que tentam reconstruir o percurso do HIV, sugerindo que ambos o HIV-1 e o HIV-2 evoluíram de uma origem comum, ou mais especificamente, por um tipo de macaco africano, o macaco “verde”. Diferentemente de outras espécies de macacos; os macacos “verdes” apresentam um vírus, o SIV (Vírus da Imunodeficiência Símia) muito idêntico com o HIV.
Existe a hipótese que o vírus do macaco tenha passado para o homem há muitas décadas atrás, quando o continente africano possuía uma vida predominantemente agrícola, sem muitos contatos com o mundo exterior. Diziam que através de rituais religiosos de sacrifício do animal com a posterior ingestão do sangue pelo homem, o vírus tenha sido assim transmitido, sofrendo apenas evoluções ao longo do tempo, devido à migração do vírus, ou melhor, dizendo quando “ganhou o mundo” a partir da década de 70, passando a atacar a espécie humana.
2.1 A AIDS NO BRASIL E A SUA EPIDEMIOLOGIA
A AIDS foi notificada pela primeira vez no Brasil em 1980. Na primeira metade da década de 80, a epidemia se manteve restrita a São Paulo e Rio de Janeiro, as maiores regiões metropolitanas do país. Portanto, a partir do final daquela década, observaram a disseminação da doença para suas diversas regiões. Apesar do registro de casos em todos os Estados, a epidemia da AIDS não distribuiu de forma homogênea, sendo verificado a maior concentração de casos nas regiões Sudeste e Sul, as mais desenvolvidas do Brasil.
Desde a identificação do primeiro caso de AIDS no Brasil em meados do ano de 1980 até junho de 2006 já foram identificadas cerca de 433 mil casos da doença[2].
AIDS tem se configurado para a sociedade brasileira como uma sub – epidemia, tendo atingido, principalmente os usuários de drogas injetáveis (UDI), gays e outros homens homossexuais (HSH) e, no início da década de 80, os indivíduos que receberam transfusão de sangue e hemoderivados (hemácias, plasma, plaquetas, etc.).[3]
A Organização Mundial de Saúde revela que a taxa e incidência da AIDS mantém-se, ainda, em patamares elevados – em 18 casos por 100 mil habitantes. Em relação aos menores de 05 (cinco) anos e no sexo masculino, apresentou declínio, com redução principalmente das taxas de incidência nas faixas etárias de 13 a 29 anos e crescimento nas faixas posteriores, principalmente a partir de 40 anos. A pesquisa demonstra que para o sexo masculino, houve uma estabilidade na proporção de casos devida à transmissão homo/bissexual, com o aumento proporcional da heterossexualidade e redução importante dos casos em usuários de drogas injetáveis. Entre as mulheres, observa-se, após 1998, a tendência à estabilidade entre aquelas na faixa de 13 a 24 anos, com crescimento em praticamente todas as outras faixas etárias[4].
Inexoravelmente, a falta de instrução por parte de populações menos favorecidas socioeconomicamente tem contribuído para o seu aumento em relação às categorias de raça/cor “preta” e “parda”, em ambos os sexos, entre 1998 e 2004, onde houve o crescimento persistente da produção de óbitos por AIDS.
Após a implementação de política de acesso universal ao tratamento anti – retroviral (ARV), inserido não somente no Brasil, mas em todo mundo, a combinação de diversos medicamentos “coquetéis”, com diferentes formas de ação (HAART), tem se observado uma importante queda na mortalidade devida o controle do vírus HIV, levando em conta, que pelos estudos científicos, a infecção pelo vírus HIV pode levar, em média 08 (oito) anos para se manifestar.
2.2 O QUE É O HIV
Os vírus são, portanto, micróbios infinitamente pequenos que se tornam parasitas de uma célula, para poderem sobreviver, desenvolver e multiplicar-se.
Nosso corpo é formado por um grupo de células, chamado de linfócitos[5] (glóbulos brancos), cuja função é de defender o nosso organismo das doenças que porventura invadem o nosso corpo.
Entretanto, quando sofremos um ataque de um micróbio (vírus, bactérias, fungos), que tenta invadir o nosso corpo, os sistema de defesa, conhecido de Sistema Imunológico, defende o nosso organismo contra ação desses invasores maléficos.
Precisamente, o vírus HIV ao penetrar no organismo humano, vai à procura de uma célula para conseguir sobreviver e se multiplicar. As células escolhidas pelo vírus HIV são exatamente aquelas que fazem parte do sistema imunológico. Além, dessas células, estudo comprovam, o vírus HIV também tem atrações pelas células do sistema nervoso central.
Ao entrar na célula, como o HIV, pertence a uma espécie denominada de retrovírus, ou seja, um vírus cujo código genético é formado por RNA (Ácido Ribonucléico)[6] que para se reproduzir precisa usar o DNA (Ácido desoxirribonucléico)[7] de outras células, por isso, o mesmo desenvolve a partir do código genético dessas células.
Contudo as células do sistema imunológico mais atingido pelo vírus são os linfócitos CD4+, que são responsáveis pela defesa do nosso organismo.
Consequentemente, essas células do sistema imunológico de uma pessoa infectada pelo vírus começam a funcionar com menos freqüência, e, com o tempo, ficam gravemente abalada e sem condições de reagir ao ataque de outras doenças, deixando a pessoa sujeita ao aparecimento de vários tipos de doenças e infecções. Surgindo, assim, as chamadas doenças oportunistas (infecções que têm a oportunidade de invadir o corpo quando suas defesas imunes estão fracas).
Quando um determinado indivíduo portador do vírus HIV, mas que não desenvolveu, ainda, a doença em si, e/ou nem apresenta os sintomas, são conhecidos pela medicina de soropositivos[8], portadores assintomáticos (que veremos em capítulo posterior).
Então, importante lembrar que o vírus HIV possui um longo período de incubação (latência)[9], ou seja, apesar de estar contaminado o portador do vírus não apresenta nenhum sintoma, nada que implique, indique o seu estado, podendo permanecer assim por um longo tempo, ou por toda a vida do indivíduo.
Embora não esteja comprovado cientificamente, qual seria o certo esse lapso temporal em que a doença poderia se manifestar, ou ao menos qual seria o certo deste período de incubação. Para alguns, o período dependeria da forma pela qual a pessoa se contaminou a carga (quantidade) virótica com que a pessoa entrou em contato; também o histórico clínico do indivíduo, de suas doenças adquiridas ao longo da vida, apontando assim para uma maior ou menor capacidade de resistir às doenças.
Convém ressaltar ainda, que ter HIV não é a mesma coisa que ter a AIDS. Há muitas pessoas soropositivas que vivem durante anos sem desenvolver a doença, ou sintomas da doença, ou até mesmo a AIDS propriamente dita (infecção aguda generalizada), ou estágio muito mais avançado.
Para finalizar, importante lembrar o seguinte; qualquer pessoa contaminada pode passar o vírus para outras pessoas, independentemente de estar ou não desenvolvendo sintomas ou mesmo a AIDS, ou ainda, de estar ou não consciente da condição de portador do vírus HIV.
2.3 FORMAS DE TRANSMISSÃO E TRATAMENTO
As principais formas de transmissão do HIV são sexuais, por relações homo e heterossexuais; com pessoas contaminadas sem uso do preservativo (camisinha); sanguínea, contato com sêmen e fluídos vaginais, em receptores de sangue ou hemoderivados em UDIV, há casos em que o HIV pode ser transmitido pelo sangue através de transfusões, uso de agulhas, seringas e material pérfuro-cortante (facas, navalhas, tesouras, bisturis, etc.), em resíduos de sangue contaminado, lembrando que o vírus HIV é muito frágil no contato com o ar e morre muito rapidamente, em poucos minutos (5 minutos, em média); e a forma perinatal, abrangendo a transmissão da mãe para o filho durante a gestação, parto ou por aleitamento materno.
Além destas formas mais freqüentes há também a transmissão ocupacional, por acidente de trabalho em profissionais da área de saúde, que sofrem ferimentos perfuro – cortantes contaminados com sangue de pacientes com infecção pelo HIV; e até casos mais raros como anilíngua[10], apesar de ser mais difícil de ocorrer, ainda sim, possível.
A principal forma de exposição é a sexual, sendo que a transmissão heterossexual através de relações sem o uso de preservativos é considerada, pela Organização Mundial de Saúde (OMS), como sendo a mais freqüente em todo mundo[11]. Outro meio de grande proliferação da doença é por compartilhamento de seringas e agulhas pelos usuários de drogas injetáveis. No Brasil, houve uma redução considerável e significativa em relação a essa forma de transmissão.
Infelizmente a AIDS é de cura improvável, até agora não foi produzida nenhuma droga ou vacina que cure a doença. Existem hoje, tratamentos à base de baterias de medicamentos que não produzem a cura, mas, ao menos aumentam a sobrevida dos pacientes ou tornem a AIDS mais uma doença crônica.
Os medicamentos mais utilizados para o seu tratamento é o AZT (Zidovudine) ou Retrovir que é em bloqueador de transcriptase reversa[12]. A principal função do AZT é impedir a reprodução do vírus HIV no organismo. A sua maior eficácia volta-se para pacientes que iniciaram o tratamento numa fase inicial assintomáticos.
Outros medicamentos usados no tratamento da AIDS são o DDI (didanosina), DDC (Zalcitabina), 3TC (Lamividina) e D4T (estavidina). São drogas residuais , ou seja, vêm sendo administradas para aqueles pacientes que não se adaptaram a terapia com AZT, ou ainda para aqueles em que o tratamento com AZT não produz mais efeitos. Essas drogas quando são utilizadas sozinhas têm produzido efeitos colaterais muito graves.
Igualmente, diante dos medicamentos supracitados acima, existem outras, que objetivam impedir a multiplicação do vírus, conhecidas de imunomoduladoras possuindo o alicerce de reconstruir ou estimular o sistema imunológico debilitado. Servem não para combater o vírus HIV ou as doenças oportunistas, mas ajudam a restabelecer algumas funções de defesa do organismo. Exemplo deste medicamento o DNCB, Cimetidina e Isoprinosine.
Inobstante, concluir que à custa de medicamentos anti – retrovirais, hoje possuindo uma considerável relevância na amenização do vírus HIV, sabe –se que algumas pessoas infectadas vivem (mesmo sem o uso de medicamentos), sem que os sintomas manifestem-se, enquanto que outras para tanto, necessitam do constante consume de “coquetéis” de remédios. Por fim, tanto num como no outro caso, é comum os pacientes darem a “volta por cima”. Uma coisa, pois, é certa: já são freqüentes os casos em que a doença embora letal e incurável, não leve o infectado efetivamente à morte[13].
2.4 AS FASES DA EVOLUÇÃO CLÍNICA PELO HIV
Após a contaminação pelo HIV o nosso organismo experimenta quatro fases diferenciais de manifestações clínicas da infecção. Que serão: infecção aguda, fase assintomática, também conhecida como latência clínica, fase sintomática inicial ou precoce, e por fim a AIDS (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida).
2.4.1 Fase aguda
A infecção aguda, conhecida de síndrome da infecção retroviral aguda ou infecção primária, de acordo com estudos clínicos essa fase manifesta-se em cerca de 50% a 90% dos casos. O tempo entre a exposição e a manifestação dos sintomas varia de 5 a 30 dias e duram em média 14 (quatorze) dias. Clinicamente ficou comprovado que é evidente o baixo índice de suspeição ou manifestação da doença nesta fase inicial.
Com dados da Organização Mundial da Saúde o processo desvincula, a partir de infecção aguda, caracterizando por viremia elevada como por resposta imune intensa. Durante o pico de viremia, ocorre a diminuição rápida dos linfócitos TCD4+, que posteriormente, aumenta, mas, geralmente, não retornam aos níveis prévios à infecção. Observa-se, um aumento do número absoluto de linfócitos TCD8+ circulantes, com a inversão da relação CD4+/CD8+, que se torna obsoleto, ou seja, menor que um.
Os sintomas aparecem durante essa fase de viremia e as manifestações clínicas podem variar desde quadro gripal até diversas doenças associadas, tais como febre, adenopatia, faringite, perda de peso, náuseas e vômitos. Conforme já foi dito, os sintomas têm uma duração média de 14 dias. Nada impede, contudo, a persistência dos sintomas por mais de 14 dias, indicando uma evolução mais rápida para a AIDS.
Com a resolução da fase aguda, ocorre em suma a estabilização da viremia em níveis variáveis (set point), definidos pela velocidade da replicação e clariamento viral. O set point é fator prognóstico de evolução da doença. A queda da contagem de linfócitos TCD4+, de 30 a 90 células por ano, está diretamente relacionada á velocidade da replicação viral e a progressão para a AIDS.
2.4.2 Fase assintomática
Na fase assintomática ou infecção precoce pelo HIV, os sintomas são poucos ou inexistentes as alterações no estado clínico geral. Alguns pacientes podem apresentar linfadenopatia[14] generalizada persistente, e indolor.
2.4.3 Infecção sintomática inicial
Nesta fase, podem surgir sinais e sintomas inespecíficos, de intensidade variável e processos oportunistas de pouca gravidade, principalmente em pele e mucosas. As alterações mais freqüentes são: Sudorese noturna, fadiga, emagrecimento, trombocitopenia. E os processos oportunistas mais comuns nesta fase que são dentre outras: Candidíase oral e vaginal, Leucoplasia pilosa oral, gengivite, úlceras aftosas, diarréia, sinusopatias, herpes simples recorrente e herpes zoster.
2.5 AIDS - SÍNDROME DA IMUNODEFICIÊNCIA ADQUIRIDA
É a fase final da infecção pelo HIV, ou seja, é a forma mais gravosa de infecção. Estudos mostram das pessoas contaminadas somente uma minoria irá desenvolver esta fase.
A AIDS se manifesta em razão do enfraquecimento muito acentuado das defesas orgânicas do nosso sistema imunológico, oportunidade em que os micróbios, bactérias, vírus, protozoários, etc, vivem em nosso meio – sem nos causar qualquer dano já que são neutralizados pelo sistema “imune”, agora agem com maior intensidade e levisividade danosa, atacam o organismo aproveitando-se da oportunidade criada pela ausência de defesas.
Concomitantemente, aparecem as doenças oportunistas, assim, consideradas porque desenvolvem somente nessas condições favoráveis, facilitando o surgimento de diversas doenças tais como meningites, encefalites, câncer e infecções generalizadas.
No Brasil as principais doenças oportunistas que acometem aqueles que desenvolvem a AIDS são: Candidíase, pneumonia por Pneumocistys Carinii, tuberculose, toxoplasmose, sarcoma de kaposi e herpes.
Importante salientar, em toda linha de raciocínio enfatizada, nota-se que estas fases não ocorrem necessariamente desta forma ou mesmo nesta seqüência, e nem, após passar por uma destas fases, a pessoa infectada desenvolverá obrigatoriamente a fase seguinte. Conforme discutido em tópicos anteriores, tudo dependerá em cada caso concreto, de uma forma subjetiva de cada pessoa, o que cada organismo individual suporta, ou seja, a histórica clínica do indivíduo, o histórico de doenças da pessoa ao longo da vida; isso, no entanto, determinará como aferição se a pessoa é ou não predisposta a maior ou menor capacidade de resistir às doenças.
2.6 QUAL A TIPIFICAÇÃO PENAL QUANDO NÃO HÁ O EFETIVO CONTÁGIO DO VÍRUS HIV?
De acordo com o art. 131 do CP, in verbis “Praticar, com o fim de transmitir a outrem moléstia grave de que está contaminado, ato capaz de produzir o contágio – Pena: reclusão, de 01 (um) a 04 (quatro) anos, e multa.”
O que vêm a ser moléstia grave e contagiosa, o vírus HIV pode ser considerado moléstia grave e contagiosa perante a legislação brasileira. Para esta resposta remeteremos à legislação extravagante especial, e também como não poderia faltar mencionarmos as normas técnicas utilizadas pela medicina, onde podemos encontrar a solução para tal resposta.
Art. 186 § 1º Consideram-se doenças graves, contagiosas ou incuráveis, a que se refere o inciso I deste artigo, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira posterior ao ingresso no serviço público, hanseníase, cardiopatia grave, doença de Parkinson, paralisia irreversível e incapacitante, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados do mal de Paget (osteíte deformante), Síndrome de Imunodeficiência Adquirida - AIDS, e outras que a lei indicar, com base na medicina especializada. (Grifo nosso). (BRASIL, Lei nº 8.112/90).
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
XIV - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidente sem serviços, e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose-múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (Redação da Lei nº 8.541/23.12.92) (Grifo nosso). (BRASIL, Lei nº 7.713/88).
Visualiza-se que a AIDS está descrita na categoria de doenças infecciosas e parasitárias, como sendo uma doença ocasionada pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV], cujo código internacional da doença é B20-B24, de acordo com a classificação internacional da doença este agrupamento de código contém as seguintes categorias:
B20 Doença pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV], resultando em doenças infecciosas e parasitárias;
B21 Doença pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV], resultando em neoplasias malignas;
B22 Doença pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV] resultando em outras doenças especificadas;
B23 Doença pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV] resultando em outras doenças;
B24 Doença pelo vírus da imunodeficiência humana [HIV] não especificada. (CÓDIGO INTERNACIONAL DE DOENÇA - CID).
Depreende-se do artigo transcrito que a moléstia deverá ser transmitida por meio de qualquer ato capaz de produzir o seu contágio, podendo o sujeito ativo utilizar-se de qualquer meio idôneo para a prática de tal crime.
Então o que seria esse meio idôneo implicitamente descrito no art. 131 do CP, capaz de produzir o contágio de moléstia grave. Podemos dizer que a norma penal é extensiva em relação aos modos em que o agente poderá praticar o crime, diferentemente de outros crimes que restringe os meios empregados pelo agente, exemplo o art. 130, onde somente admite a prática do crime por meio de relações sexuais ou qualquer ato libidinoso.
Contudo, em relação ao contágio de moléstia grave, precisamente o art. 131, a sua prática admite diversos meios ou modos, podendo ser diretos ou indiretos.
Meios diretos decorrem do contato físico do agente com a vítima, tendo o autor consciência de estar infectado, exemplo, amamentação do filho, tendo a mãe consciência de sua infecção pelo vírus HIV, manter relações sexuais sem o uso devido do preservativo, dividir com outros usuários seringas sabendo ser portador de tal moléstia etc.; e os meios indiretos, que decorrem da utilização de objetos, ou qualquer outro instrumento que o sujeito passivo pode utilizar para a transmissão da moléstia que porta. Nélson Hungria, sem, contudo, distingui - los expressamente em meios diretos ou indiretos, afirmava que os atos idôneos para produzir o contágio:
Podem consistir no contato direto entre o corpo do agente e o da vítima (contato do corpo infectado com uma mucosa ou descontinuidade epitelial, beijos, mordidas, aleitamento, etc.), ou no emprego de coisas ou objetos (copos, talheres, roupas, alimentos, seringas de injeção, etc.), que o agente infectou ou sabe infectados com os próprios micróbios ou germes patológicos de que é portador. (HUNGRIA, 1955, p. 412).
De acordo ainda com o tipo penal, além dos meios empregados para prática do crime, é preciso que o sujeito pratique com a finalidade de transmitir a outrem moléstia grave de que se encontra contaminado. É necessário que a moléstia seja grave e contagiosa, caso contrário, não haverá a tipificação do crime do artigo 131 do CP.
Não há duvidas que a AIDS seja considerada doença grave e contagiosa, podendo, inclusive, o seu contágio ser transmitida não somente pela via da relação sexual, mas sim sob diversos meios diretos e indiretos.
Diante disso, quando o agente dispõe de todos os atos capazes de produzir o contágio, e com o fim de transmitir a outrem moléstia grave que se sabe está contaminado, e se com tal conduta não consegue obter o êxito do contágio apenas desejando causar um perigo (dolo de perigo) e não um dano efetivo (dolo de dano) com a transmissão da moléstia o vírus HIV, responderá tão somente pela tipificação do art. 131 do dispositivo legal.
3 CLASSIFICAÇÃO DAS INFRAÇÕES PENAIS
3.1 CRIMES COMISSIVOS, OMISSIVOS PUROS E OMISSIVOS IMPRÓPRIOS
Crimes comissivos são os praticados por intermédio de uma ação, um verbo descritivo do tipo penal, uma atividade positiva do agente, um fazer, praticar, cometer etc. No crime do art. 131 do CP, a ação nuclear do tipo é praticar ato capaz de produzir o contágio de moléstia grave.
Crimes omissivos (ou omissivos puros) são praticados por intermédio de uma conduta negativa, uma abstenção de não fazer o que a lei determina, consistindo a omissão na transgressão da norma jurídica. Não sendo obrigatório a produção de um resultado real ou naturalístico. Para a ocorrência do crime basta que o autor se omita em relação ao caso concreto quando deveria agir de forma esperada.
Cometem crimes omissivos puros de acordo com Julio Fabbrini Mirabete “o médico que não comunica a ocorrência de moléstia cuja notificação é compulsória”, e conforme as lições de Cezar Roberto Bitencourt “a mãe contaminada por moléstia grave e contagiosa permite que o filho a toque, com a intenção de transmitir-lhe a moléstia.” (BITENCOURT, 2003, p. 228).
Há ainda outras modalidades de crimes omissivos, sendo conhecidos pela doutrina de modalidades anômalas dentre as quais são crimes de conduta mista, em que o tipo penal descreve uma fase inicial comissiva, de fazer, e uma fase final omissiva, de não fazer o que a norma típica impõe.
Nos crimes omissivos impróprios (ou comissivos por omissão), são delitos cometidos de regra na forma comissiva, mas, excepcionalmente podem ser praticados por via omissiva, ou seja, a omissão consiste na transgressão do dever jurídico de impedir o resultado (art. 13, parágrafo 2º do CP), podendo o agente praticar um crime omissivo como exceção, que em regra deveria ser comissivo.
E os crimes omissivos por comissão são cometidos sempre através de uma abstenção, mas, que excepcionalmente admitem ser praticados pela via da ação ou comissiva, conhecida também como crimes omissivos impróprios, onde a norma típica penal descreve uma conduta de fazer, mas o agente se nega a cumprir o dever de agir.
Entretanto, relevando a análise do tipo penal constante no art. 131do CP, o núcleo comporta tanto a forma comissiva quanto a omissiva. Em relação à modalidade comissiva o agente pode transmitir a moléstia grave, sempre quando o seu comportamento tenha o objetivo de praticar, transmitir, fizer algo dirigido à transmissão da moléstia. Seja a contaminação por diversos meios diretos, como transfusão de sangue, compartilhamento de seringas, relações sexuais ou por meios indiretos como utensílios previamente infectados.
A maioria da doutrina majoritária é unânime ao admitir a transmissão do vírus HIV pela via omissiva em sua modalidade imprópria, imagine-se a hipótese em que o agente, uma mãe portadora de AIDS que no período de amamentação de seu filho, não utiliza meios preventivos idôneos capazes de precaver o efetivo contágio do vírus HIV para o seu filho, tendo, portanto, o dever moral de impedir o resultado, mesmo assim não o faz. Seu dever, na qualidade de mãe era impedir que a vítima no caso o filho viesse a se contaminar.
Hoje, todos nós sabemos que existem métodos preventivos disponibilizado em toda rede pública de saúde, onde a mulher grávida é submetida há vários testes de HIV-1 e HIV-2. Assim, a conduta da mãe é reprovável, quando deixa de realizar qualquer um dos tipos de exames necessários para o seu conhecimento de ser ou não portadora do vírus HIV, diminuindo com tal conduta o risco de uma posterior contaminação de seu filho.
3.2 CRIMES DE DANO E DE PERIGO
Os delitos de danos são aqueles em que a consumação ocorre com a efetiva lesão ou violação a um bem jurídico tutelado pelo ordenamento jurídico pátrio, por exemplo, à vida no homicídio; a integridade física no crime de lesões corporais etc. Trata-se de uma consumação efetiva e real perceptível pelos sentidos humanos.
Os crimes de perigo trabalham com uma mera probabilidade de ocorrência de um dano efetivo, por isso a sua consumação se verifica apenas com o simples perigo criado para o bem jurídico protegido, exemplo, a exposição do bem a perigo de dano (crime de periclitação da vida ou saúde de outrem –art. (s) 130 a 137 do CP). Os delitos de perigo subdividem-se em
Perigo individual, quando expõe em risco o interesse de uma só pessoa ou determinado número de pessoas (art. 130 a 137 do CP).
Perigo Coletivo (comum): quando a probabilidade de dano envolve um número determinado de pessoas (arts. 250 a 259 do CP).
Crime de Perigo Concreto, quando deve ser provada mediante as circunstâncias concretas, a ofensa ao bem jurídico, exigindo a existência de uma situação de real perigo.
Crime de Perigo Abstrato, a situação de perigo já é presumida no tipo penal, não dependendo de provas das circunstâncias fáticas. Crime de Perigo atual é o que está acontecendo; crime de Perigo iminente, isto é, que está prestes a acontecer; crime de perigo futuro ou mediato é o que pode advir da conduta de modo inesperado e previsível.
Ante todo o exposto, o contágio de moléstia grave versa veemente de uma modalidade de perigo concreto, porque a simples prática da conduta expondo há perigo o bem jurídico já configurará o tipo penal. Porém, deve a ofensa neste caso ser provado mediante provas idôneas, principalmente à pericial, consoante o ensinamento do colimado Nélson Hungria (1955, p. 411): “A gravidade da moléstia, bem como a sua contagiosidade e a relação de causalidade entre a conduta do agente e o perigo concreto de contágio, tem de ser pericialmente averiguada.”
Nada impede que o agente responda pelo crime de dano, pois, como é sabido teoricamente estamos diante de um crime de perigo com dolo de dano, onde o tipo exige a finalidade de transmitir a moléstia grave, que, potencialmente, se porventura vier a ocorrer tal transmissão, essa conduta deverá ser considerada uma conseqüência do resultado lesivo, respondendo pelo crime de dano consubstanciado nos tipos do Código Penal.
3.3 CRIME FORMAL
È um crime que não precisa da ocorrência efetiva de um resultado lesivo a um bem tutelado, porém, esse resultado tem que ser ao menos previsível, em outras palavras, o resultado pretendido poderá ou não se verificar. Assim, é irrelevante que haja a efetiva consumação para a conduta ser considerada punível criminalmente. O resultado previsto no tipo ocorre ao mesmo tempo em que desencadeia a conduta.
Basta somente que o agente portador do vírus HIV pratique ato capaz de produzir o contágio mediante o emprego de qualquer meio idôneo, para que o crime atinja o seu momento consumativo. Vale ressaltar, não é necessário que o sujeito consiga o efetivo contágio, mas tão somente à finalidade de transmitir.
A doutrina classifica o crime formal em crime de consumação antecipada, ou seja, a própria lei já antecipada o resultado do crime, ficando desde já caracterizada a sua consumação no exato instante ou momento da conduta, independentemente se ocorrerá ou não a produção do resultado almejado pelo agente.
3.4 CRIMES INSTANTÂNEOS, E INSTANTÂNEOS DE EFEITOS PERMANENTES
Crimes instantâneos são aqueles que não se protrai no tempo, e no espaço, uma vez consumado, está encerrada a sua finalidade. A consumação não se prolonga ela se dá em um determinado instante, pouco importa o tempo decorrido entre a ação e o resultado. No caso do contágio de moléstia grave, o ato se consuma quando o agente além de praticar a ação, estando molestado, tem o especial fim de querer transmitir tal moléstia. Portanto, não necessita que ocorra o efetivo contágio para caracterizar a sua consumação.
Crime instantâneo de efeitos permanentes prevalece quando, consumada a infração em determinado momento, os seus efeitos prolongam no tempo, independentemente da vontade do autor, apenas perdurando as conseqüências produzidas por um delito já praticado. Por exemplo, em razão do vírus HIV destruir as defesas do organismo, tendo como conseqüência o enfraquecendo duradouro do sistema imunológico, diante disto, sabe-se que depois de consumado o crime previsto no artigo 131 do CP, as conseqüências produzidas pelo delito antes praticado pode perdurar ainda em dado momento futuro e incerto.
3.5 CRIME COMUM, SIMPLES E DE FORMA LIVRE
Considera-se crime comum, aquele crime praticado por qualquer pessoa, não exigindo a lei nenhuma condição especial para tanto.
Crime simples é o tipo fundamental, que contém os elementos básicos de seu conteúdo subjetivo sem quaisquer circunstâncias que aumente ou diminua sua conduta.
Crime de forma livre ou ação livre é um crime que exige por parte do sujeito ativo o emprego de diversos meios de execução para a prática de um delito, tais como, instrumentos, transfusões, agulhas, seringas, relações sexuais, etc.;
4 CONCEITO, CARACTERÍSTICAS E ELEMENTOS DA CONDUTA
É na vontade que encontramos o fim colimado pela conduta, por meio de um comportamento positivo (ação), ou de uma inaptidão omissão (um não fazer o que era preciso).
Mediante uma ação ou omissão ocorre a exteriorização da conduta, mas, por si só, esta conduta não é suficiente para o Direito Penal. Para que um comportamento humano possa ser considerado reprovável no âmbito jurídico, basta ainda que haja uma vontade manifesta do agente em cometer um ilícito penal.
Já que a vontade depende de singelas condutas que delas são inseparáveis, como a própria vontade, a finalidade e o dolo ou a culpa. No caso da conduta dolosa, à vontade e a finalidade já são as de produzir um resultado naturalístico, enquanto na culposa esse resultado é ao menos previsível. Por isso, no dizer de Francisco de Assis Toledo (apud PIERANGELLI, 1983, p. 77), “Que a conduta, ou ação em sentido amplo, é o comportamento humano, dominado ou dominável pela vontade, dirigido para a lesão ou para a exposição a perigo de lesão de um bem jurídico, ou, ainda, para a causação de uma possível lesão a um bem jurídico.”
Para conceituar a conduta a nossa legislação penal adota a teoria finalista, então podemos perfeitamente dizer, de acordo com as lições de Fernando Capez (2007, p. 117) como sendo: ”conduta penalmente relevante é toda ação ou omissão humana, consciente e voluntária, dolosa ou culposa, voltada a uma finalidade, típica ou não, mas que produz ou tenta produzir um resultado previsto na lei penal como crime.”
Ademais, visualizando criticamente o conceito abordado, conclui-se, os atos que não intervém da própria vontade não constitui a conduta. Assim, uma conduta praticada por meio de uma coação física irresistível, em que prevalece não a vontade do agente mais uma segunda vontade de outro agente, ou até mesmo no caso fortuito ou força maior; por força estranha à vontade do homem que não pode de alguma forma impedir, ou ser evitado por ele mesmo o resultado.
Para melhor compreensão utilizaremos o seguinte exemplo “quando, após uma quantidade exagerada de drogas, dois usuários de drogas, usuário A sendo soropositivo, e o usuário B sendo sadio, os dois em completo estado de overdose, sem discernimento algum com tal conduta praticada, estando os dois completamente fora de si, sem pleno juízo, ou consciência normal, compartilham entre si, seringa contaminada pelo vírus HIV.
No caso em tela não deixa de existir a conduta, mas não será ela atribuída ao agente “soropositivo” por ausência da vontade e do dolo no momento da transmissão do vírus HIV.
4.1 RESULTADO E RELAÇÃO DE CAUSALIDADE
Para a existência de um fato típico, por si só não basta somente uma conduta plausível, além disso, é conveniente que haja um segundo elemento de suma importância que faz parte integrante do mesmo, que é o resultado.
Para a teoria naturalista, resultado é a modificação provocada no mundo exterior pela conduta, ou seja, morte no homicídio, a ofensa à integridade corporal nas lesões corporais. De acordo com esse resultado, podem as infrações serem classificadas em crimes materiais e formais, vamos nos ater nesses crimes, uma vez é objeto de nosso estudo.
No crime material, o resultado naturalístico depende de sua consumação, como no homicídio, que só se consuma com a morte. Já no crime formal no caso o art. 131 do CP o resultado naturalístico, é previsível e até possível, mas, irrelevante, pois a sua consumação se verifica apenas com o simples perigo criado para o bem protegido, não dependendo da ocorrência de um resultado verossímil.
Segundo Damásio E. de Jesus (1999, p. 229), “o resultado pode ser físico (dano, por exemplo, fisiológico (lesão, morte) ou psicológico (temor, sentimento, etc.).”
Vale frisar, entre a conduta e o resultado tem que haver ainda uma relação entre causa efeito. Muitos defendem que a verificação dessa causa não é de natureza jurídica, decorre de fatos naturais, físicos, externo ao agente. A existência exclusiva da presença do dolo ou culpa neste caso para a ciência jurídica não é levado em conta em relação ao resultado produzido.
Prevendo o art. 13 do CP “O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.”
Todavia, como tomar conhecimento se uma causa deu resultado a um fato típico, como desvendar o escalonamento dessas causas, que podem partir da conduta do autor como também de outras condutas independentes. Para desvendar essa dúvida o CP adotou a teoria da equivalência das condições ou equivalência dos antecedentes causais. Para esta teoria, toda e qualquer conduta que, de alguma forma ainda que minimamente, tiver contribuído para a produção do resultado deve ser considerada sua causa.
Recorremos a uma outra teoria para melhor entendimento da questão, a conhecida teoria do processo hipotético de eliminação do CP, segundo a qual causa é todo antecedente que não pode ser suprimido sem afetar o resultado. Assim, suponha-se que A casou-se com B e tiveram um filho C, C com a vida desregrada e usuário de drogas contraiu o vírus HIV desde a adolescência, que porventura desgostoso com a vida, teve a vontade, o dolo e o fim de transmitir moléstia grave, consequentemente almejando o seu êxito de contaminação em relação a D. (JESUS, 1999).
Observe-se, então, a teoria da equivalência dos antecedentes, ou condição sine qua non leva em conta toda causa e efeito natural que deu causa ao resultado contaminação da vítima. Assim, partindo da premissa desta teoria, os pais igualmente com o filho deram causa ao crime em questão, crime este, já que nos convém, indiscutivelmente imputável somente ao filho. A justificativa desta teoria é o seguinte, se não tivesse existido os pais, o filho não nasceria e, portanto, não poderíamos falar em nenhum crime.
Indubitavelmente é evidente que os pais não serão responsabilizados por tal fato, ante a total falta de uma conduta dolosa por parte deles na prática do crime. Portanto, no caso in concreto os pais são partes ilegítimas ad causam para atuarem no pólo passivo do feito.
Importante lembrar, no direito penal é imprescindível para a existência de qualquer delito, relevância causal entre a conduta dolosa e o seu conseqüente resultado.
4.2 DA SUPERVENIÊNCIA CAUSAL DO CONTÁGIO
Junto com a conduta praticada pelo agente, poderão co-existir outras condutas, ou circunstâncias que interferem na cadeia causal, podendo ser de forma preexistente, concomitante ou superveniente, e de maneira relativa ou absolutamente independente ao comportamento do sujeito ativo.
Vamos melhor compreender o que são causas absolutamente e relativamente independentes. Causas absolutamente independente são aquelas que exclusivamente causam o resultado independentemente da conduta do agente, assim, a causa que contribuiu para a obtenção do resultado não partiu do sujeito ativo. No entanto nas causas relativamente independentes, como qualquer causa independente, também por si só produzem o resultado, sendo o seu diferencial quanto à primeira, é que nesta a causa produtora do resultado está indiretamente ligada à conduta anterior do agente.
Será causa preexistente absolutamente independente da conduta do sujeito, como o próprio nome diz existe antes da conduta praticada, de maneira que com ou sem a ação o resultado ocorreria do mesmo jeito. Exemplo: A dispara um tiro de revólver em B, que vem a falecer pouco depois, não em conseqüência dos ferimentos recebidos, mas porque antes ingerira veneno. (JESUS, 1999). Nota-se, o envenenamento não possui relação com os disparos, sendo diversa a sua causa. Além disso, produziu por si só o resultado, já que a causa mortis foi à intoxicação provocada pelo veneno e não hemorragia interna produzida pelos disparos.
Se no momento em que o agente estiver agredindo a vítima, esta tem um colapso cardíaco que causa exclusivamente a sua morte, teremos uma causa concomitante absolutamente independente. (JESUS, 1999). São aquelas que por coincidência, atuam exatamente no mesmo instante em que a ação é realizada. No caso relatado acima o colapso cardíaco tem origem totalmente diversa da conduta de agressão praticada pelo agente, estando inteiramente desvinculada da relação de causalidade entre a agressão e o colapso cardíaco.
“Um aidético que reage durante um assalto e é alvejado pelo bandido com dois tiros certeiros na cabeça, causa exclusiva do óbito” (JESUS, 1999, p. 24-25), exemplo, de uma causa superveniente absolutamente independente. Ou seja, a superveniência é uma causa que atua ou ocorre após a conduta. No caso citado, o estado doentio da vítima em nada contribuiu para a produção do resultado morte, não devendo, portanto, o agente que transmitiu responder pelo crime de homicídio, mas sim, o bandido que efetuou os disparos. Diz-se independente porque produziu por si só o resultado morte.
Em todos os casos apontados de causas absolutamente independentes, por não terem o resultado morte advindo da conduta praticada pelo agente, este não responderá criminalmente pelo resultado final, logo não responderá por homicídio consumado. Sendo apenas imputável os atos anteriormente praticados, qual seja tentativa de homicídio. Aplicável a espécie o art. 13 do CPB. (JESUS, 1999). Diferentemente, as causas relativamente independentes contribuem para a produção do resultado. Podendo também ser preexistente relativamente independente em relação à conduta do agente:
A golpeia B, hemofílico, que vem a falecer em face da conduta somada à contribuição de seu peculiar estado fisiológico. No caso, o golpe isoladamente seria insuficiente para produzir o resultado fatal, mesmo à hemofilia atuando de forma independente, produzindo por si só o resultado. Pode-se afirmar então, somente a partir da conduta que a hemofilia foi denotada, razão pela qual a sua independência é apenas relativa. (JESUS, 1999, p. 25).
Será concomitante relativamente independente quando a agressão ocorrer no mesmo momento de um ataque cardíaco, onde causalmente a lesão contribuiu indiretamente com o resultado letal. Trata-se de causa que por si só produziu o resultado (independente), mas que se originou a partir da conduta (relativamente), tendo atuado ao mesmo tempo desta (concomitantemente). (JESUS, 1999).
Se um ônibus que o sujeito dirige, colide com um poste que sustenta fios elétricos, um dos quais, caindo ao chão, atinge um passageiro ileso e já fora do veículo, provocando a sua morte em conseqüência da forte descarga elétrica, ter-se-á uma causa superveniente relativamente independente (JESUS, 1999). Nessa hipótese, a causa geradora do resultado somente atuou de modo inesperado devido o comportamento anterior do agente, sem a qual não existiria, pois a morte não ocorreu por si só, mas, de uma conduta indireta que contribuiu relativamente com o seu resultado.
Nos casos de causas relativamente independentes, quando preexistentes e concomitantes, como existe nexo causal entre conduta e resultado, o agente responderá por este, tendo em vista que colaborou para o acontecimento morte.
Em relação à causa relativamente superveniente, o agente não responde jamais pelo resultado consumado, mas tão somente pelos danos que produziu, aplicável a espécie a teoria da condicionalidade adequada (CAPEZ, 2007), consagrada no art. 13, parágrafo 1º do CPB “A superveniência de causa relativamente independente exclui a imputação quando, por si só, produziu o resultado; os fatos anteriores, entretanto, imputam-se a quem os praticou”.
Há quem o diga, na transmissão do vírus HIV poderá haver uma causa concomitante absolutamente independente, no caso em que o soropositivo embora omitida a doença para a vítima e consciente de ser portador do vírus vêm a transmiti-la, através da prática de relação sexual, ocasionando o contágio. Este contágio sobreveio, em decorrência de uma falha no mecanismo de proteção (rompimento do preservativo, p.ex), tendo em vista que o portador do vírus confiava na eficácia do dispositivo. Resta, desde já, excluída a imputação do resultado.[15]
5 TEORIAS SOBRE O DOLO
Sobre as teorias do dolo podemos deslumbrar a respeito de três teorias básicas aceita pelo nosso código penal pátrio.
Para a teoria da vontade, não basta somente à vontade manifesta do agente, mas que haja uma vinculação dessa vontade associada também à consciência de produzir um resultado. Portanto, sempre age dolosamente quem pratica um ilícito, mediante um comportamento voluntário, livre e consciente. Denominado de conceito finalista do dolo.
Teoria da Representação: dolo é a vontade de realizar a conduta, havendo a possibilidade de um resultado ocorrer, sem, contudo, desejá - lo de imediato. Bastando que o agente preveja a possibilidade do resultado para a conduta ser determinada como dolosa.
Teoria do Assentimento: dolo é a previsão do resultado com a aceitação dos riscos inerente de produzí-lo. Não é necessário que o agente queira praticar o resultado de forma direta, sendo relevante apenas o simples atos de assumir, de arriscar, antevendo a ocorrência do resultado. Teoria esta em apreço, consagrada na 2º parte do art. 18 do CP, classificada pela doutrina majoritária como sendo dolo eventual, in verbis:
Art. 18, inciso I, 2º parte do CP: “doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.” (grifo nosso).
Igualmente, conclui-se conforme a análise do art. 18, I do CP, foram adotadas as teorias da vontade e do assentimento pelo nosso sistema penal. A primeira usada em relação ao dolo direto e a segunda ao conceituar o dolo eventual.
De acordo com Miguel Reale Júnior (1974, p. 42), “o que irá determinar qual a teoria adotada para classificar o tipo penal subjetivo do crime de perigo de contágio venéreo mais precisamente a transmissão do vírus HIV, dependerá da teoria adotada do dolo.”
5.1 CONCEITO E ELEMENTOS DO DOLO
Aos adeptos da corrente finalista, a qual o CP adota, ao se examinar a conduta, verifica-se, segundo tal teoria, que o dolo é um comportamento voluntário, livre e consciente de praticar um ato ilícito e antijurídico, onde o conteúdo da vontade determina o seu fim. Nessa concepção, a vontade é o comportamento subjetivo da conduta, faz parte dela e dela é inseparável.
Melhor exemplo é o seguinte se A pratica com o fim de transmitir a outrem, moléstia grave, ato capaz de produzir o contágio a B, não se pode dizer ou afirmar de imediato que A praticou um fato típico descrito na norma penal (art 131 do CP), embora essa descrição esteja prevista no referido diploma legal. Ou em outras normas penais no caso se sobreviesse o efetivo contágio, resultando à morte da vítima (art. 121 do CP), ou lesões corporais (art. 129 do CP) quando não apurado o evento morte.
É indispensável que verifique o fim que estava contido na ação, já que a ação não pode se compreendida isoladamente, sem que se considere a real vontade do agente. Além do mais, toda ação consciente é dirigida pela consciência do que se quer e pela decisão de querer realizá-la.
Assim, melhor a definição do dolo como sendo à vontade e a consciência de realizar os elementos constantes do tipo legal incriminador. Ou ainda, mais precisamente como sendo a vontade manifestada pela conduta humana de realizar com o animus necandi algo, ou a vontade da ação orientada para a realização do tipo.[16]
São elementos do dolo, portanto, a consciência (conhecimento do fato – que constitui a ação típica) e a vontade (elemento volitivo de realizar esse fato). A consciência do autor deve referir-se a todos os componentes do tipo “praticar, matar, lesionar”, e, não podemos esquecer em especial, o resultado e a relação de causalidade entre ambos os elementos.
Já a vontade consiste em resolver executar todos os atos e meios tendentes à execução dos tipos objetivos da norma penal.
Para melhor exemplificar o conceito tão amplo do dolo ninguém melhor do que Sigmund Freud, inspirada na psicanálise em que tem definido o dolo como:
“A atitude interior de adesão aos próprios impulsos intrapsíquicos anti-sociais”, em que predomina a idéia do animus, ou seja, a má-fé criminosa.” (MORSELLI, 1994, p. 18).
O dolo inclui não só o objetivo que o agente pretende alcançar, mas também os meios empregados e as conseqüências resultantes de sua atuação. De acordo com a doutrina há duas fases na conduta do agente, uma interna e outra externa.
A interna opera somente no subconsciente do autor sendo penalmente irrelevante para o mundo jurídico, servindo apenas como uma fase de planejamento do crime. Exemplo no caso do agente contaminado pelo vírus HIV, o seu fim proposto será a escolha de uns dos meios diretos para a efetiva transmissão do vírus.
A fase externa consiste em exteriorizar a conduta, haverá relevância para o mundo jurídico, aqui há a efetiva exteriorização de sua conduta, ou de seu ato, devendo tal sujeito sofrer a imputação da norma penal com a suas conseqüências diretas tais (morte do inimigo, transmitir moléstia grave etc.)
5.2 TIPO DE DOLO NO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO
De acordo com o art. 18, inciso I, do CP: “Diz-se crime doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo.” Conforme se depreende do artigo supracitado podemos dizer que existem dois tipos de dolo, o direto ou determinado e o eventual (indireto ou indeterminado).
Na primeira parte do referido artigo vislumbra-se o dolo direto que é a vontade do agente dirigida especificamente à produção do resultado típico, melhor dizendo, quando a vontade se encaixa com perfeição ao resultado. Simplificando as palavras, no dolo direto o agente diz: eu quero e vou realizar, irei praticar, matar, subtrair etc.;
Na segunda parte do mesmo dispositivo, a lei faz referência ao dolo eventual. Nesta ao contrário do direto, a vontade do agente não está especificamente dirigida à produção de um resultado; ele quer é algo diverso com tal conduta, mesmo prevendo que o resultado possa ocorrer, assume o risco de causá-lo. Por isso a lei utiliza a expressão assumindo o risco de produzi-lo.
Na lição de Magalhães Noronha: “É indireto quando, apesar de querer o resultado, a vontade não se manifesta de modo único e seguro em direção a ele, ao contrário do que sucede com o dolo direto”.
No dizer do colimado doutrinador Nélson Hungria, para explicar o dolo eventual “Seja como for, dê no que der, em qualquer caso não deixo de agir”. (HUNGRIA, 1955, p. 289).
Neste mesmo sentido a doutrina classifica o dolo na modalidade eventual, em dolo alternativo. Dá-se quando o agente deseja qualquer um dos possíveis resultados, ou seja, ele pode tanto assumir um ou outro resultado pretendido, quer causar lesão corporal (lesões corporais) ou causar a morte (homicídio), um ou outro resultado já se satisfaz, como se diz o agente quer produzir um resultado e não “o resultado.”
5.3 DOLO GENÉRICO E DOLO ESPECÍFICO QUANDO NÃO HOUVER CONTAMINAÇÃO PELO VÍRUS HIV
Dolo específico é aquele em que a vontade do agente é dirigida para a realização de uma conduta visando um fim especial previsto no tipo, conhecido como tipos anormais.
Sabe-se, a presença do dolo é de fundamental importância na determinação de qualquer crime. Portanto, existem tipos penais, mais abrangentes, necessitam além deste dolo, como sendo a consciência e vontade de praticar os elementos objetivos do tipo, de uma finalidade especial por parte da conduta do agente, designado de elementos subjetivos do tipo.
Como estamos diante de um crime de perigo com dolo de dano, o agente além de praticar a ação, estando molestado, tem o especial fim de querer transmiti -lá. Em outras palavras, o tipo subjetivo do crime de perigo de contágio de moléstia grave é dividido em dois subtipos, que são dolo genérico, conhecido como elemento subjetivo geral do tipo, e o elemento subjetivo especial representado pelo especial fim, ou motivo de agir, conhecido como dolo específico. (BITENCOURT, 2003).
Consequentemente, o especial fim de agir ou motivo de agir, embora amplie ou esteja caminhando ao lado do dolo, não integra o dolo nem com ele se confunde, o que a princípio parece; esse especial fim integra determinados delitos que condiciona ou fundamenta a ilicitude do fato, consistindo basicamente em uma forma autônoma e independente do dolo.
Deste modo, sempre necessária se faz a simultaneidade entre o dolo genérico e o dolo específico, para que a conduta seja considerada típica, com o correspondente enquadramento legal ao tipo penal, no caso ao artigo 131 do CPB. No entanto, essa correspondência entre a conduta e os tipos penais, a doutrina denomina de congruência. Exemplo típico, quando o agente mesmo sabendo que está contaminado, não basta à mera vontade do agente, molestado, de praticar por meios diretos ou indiretos atos capazes de produzir o contágio, mas sim, também deverá ter o fim colimado de querer transmitir a outrem a moléstia grave (artigo 131 do CPB).
Assim, se o agente age dolosamente na transmissão da moléstia, sabendo que está contaminado com doença grave e contagiosa, e mesmo assim faltar o especial fim – de transmitir a moléstia da qual possui – o crime não existirá, não havendo o enquadramento legal da conduta ao tipo penal do artigo 131, e sim em outros tipos como art. 132 do CPB.
Claro, sempre levando em consideração a ocasião da não ocorrência do contágio, já que, a simples prática da conduta expondo a perigo o bem jurídico já configurará o tipo penal do contágio de moléstia grave, caso contrário, ocorrendo, ser-lhe-á considerada dolo genérico e não específico, praticando assim o agente outros delitos e não o descrito no art. 131 do CPB.
5.4 DOLO GENÉRICO QUANDO HÁ CONTAMINAÇÃO PELO VÍRUS HIV
O dolo genérico se consubstancia na mera vontade de praticar algo, matar, lesar, de forma adequada com o núcleo da ação típica (o verbo do tipo), não exigindo para isso um fim especial. Todavia, nos tipos que não têm elemento subjetivo especial, isto é, nos quais não consta nenhuma exigência especial vinculador a norma penal, expressões tais como “com o fim de transmitir a outrem moléstia grave” é suficiente a presença da figura do dolo genérico, especificamente dolo de dano.
Entretanto, vem à tona a seguinte discussão, e se através da transmissão desta moléstia grave, mais precisamente o vírus HIV, ocasionar a sua contaminação. Neste caso, aplica-se o princípio da subsidiariedade, onde não restará verificada a aplicação da norma descrita no artigo 131.
Por este princípio, deve haver uma relação de primariedade e subsidiariedade entre normas quando descrevem graus de violação do mesmo bem jurídico, de forma que a infração definida pela subsidiária, no caso o artigo 131 é de menor gravidade que a da principal, portanto, sendo absorvida por esta.
Daí resulta que a conduta deve ser analisada em concreto para que se determine o preceito em que se enquadra, por isso, em se tratando de transmissão, há de verificar em qualquer hipótese a simples vontade e consciência do agente quando da pratica do crime anterior, ou seja, se teve o dolo de matar, homicídio, art. 121 do CP (“matar alguém”) ou apenas o dolo de lesar, lesão corporal, art. 129 e seus parágrafos do CP, para que possa ser aplicada a pena principal correspondente a estes crimes.
6 CRIME CONSUMADO
6.1 CONCEITO DE CONSUMAÇÃO
Segundo preceitua o art. 14, inciso I do CP, “diz crime consumado quando nele se reúnem todos os elementos de sua definição legal”. Para exemplificar o conceito, consumam-se, assim, o homicídio e o infanticídio com a morte da vítima (art(s). 121 e 123), e a lesão corporal com a ofensa à integridade corporal ou à saúde (art. 129).
6.2 INTER CRIMINIS DO CONTÁGIO
Para chegar a uma conduta delituosa o agente tende a percorrer um caminho, um itinerário, praticando diversos atos puníveis ou não, como a formulação de uma idéia até o resultado final almejado pelo agente. A esse caminho dá-se o nome de Inter Crimins ou “ponte de ouro”, composto de uma fase interna (cogitação) e de uma fase externa (atos preparatórios, atos de execução até a sua consumação). Veremos a seguir cada uma das fases pormenorizadamente:
Fase de cogitação: O agente toma para si a sua conduta, fica armazenada em seu subconsciente, apenas idealizada, prevê, antevê. Nesta fase o crime é ainda impunível penalmente.
Atos Preparatórios: É uma fase em que antecede a fase executória, aqui o agente emprega meios necessários à execução do crime. O sujeito ainda não começou a realizar o verbo constante no núcleo do tipo penal, escapando da aplicação da lei penal. Exemplo de ato preparatório, quando o indivíduo seleciona a seringa, enchendo-a com o seu sangue capaz de transmitir o vírus HIV a outrem.
De qualquer forma, para Julio Fabbrini Mirabete “o ajuste, a determinação ou instigação e o auxílio, salvo disposição expressa em contrário, não são puníveis, se o crime não chega, pelo menos, a ser tentado”. (MIRABETE, 2003, p.157).
Atos de Execução: São condutas dirigidas diretamente à prática do crime, ocorre quando o bem jurídico a vida ou a integridade física de outrem começa a ser agredido. Nessa fase o agente inicia a ação constante do verbo do tipo objetivo da norma incriminadora “praticar, matar, lesionar, etc.” (BRASIL, CP).
A doutrina mais abalizada traz consigo uma enorme divergência a respeito do término da preparação e o início da execução de um crime. Tornando-se, assim, bastante difícil em precisar qual o exato momento em que o agente ainda está preparando ou já está executando um crime.
Os critérios mais aceitos pelo Código Penal são os critérios materiais, quando se verifica o perigo ao bem jurídico, e o critério formal, quando se inicia a realização da conduta típica, praticar, matar, etc.
Entretanto, não há um critério lógico adotado pela legislação pátria, convindo esclarecer o seguinte; a execução só inicia-se com a prática do primeiro ato idôneo e inequívoco capaz de consumar o crime. Enquanto os atos não forem aptos à efetivação do resultado ou ao menos não tiverem inequivocamente vinculados a ela, o delito permanece ainda em sua esfera de preparação, portando, não punível.
Em decorrência da parte final do artigo 131 fazer menção ato capaz de produzir o contágio. E como se trata de um crime de consumação antecipada conforme dito, a transmissão efetuada pelo autor pode ocorrer por meio de qualquer ato idôneo capaz de produzir o referido contágio.
Previamente, concluímos para se saber o exato instante em que o autor está adentrando na fase executória, devemos analisar sob o seguinte prisma; quais os meios empregados pelo autor na prática do contágio.
O contágio pode advir por diversos meios empregados conforme já foi dito, podendo ser diretos quando decorrem do contato físico do agente com a vítima, tendo o autor consciência de estar infectado, manter relações sexuais sem o uso devido de preservativo, dividir com outros usuários seringas sabendo ser portador de tal moléstia, etc.; e os meios indiretos, que decorrem da utilização de objetos, ou qualquer outro instrumento que o sujeito passivo pode utilizar para a transmissão do HIV.
Verifica-se a enorme dificuldade em comprovar exatamente qual o momento da consumação em cada caso concreto, e ainda como não bastasse, devemos verificar se a conduta do agente contribuiu para o resultado, se existe relação de causalidade entre eles.
Para elucidarmos questões tão controvertidas e complexas, convenhamos em buscar respostas para tais problemas, não apenas no campo da ciência jurídica, mas, em outros ramos da ciência médica, principalmente a pericial. Como bem observa Nélson Hungria
“A gravidade da moléstia, bem como a sua contagiosidade e a relação de causalidade entre a conduta do agente e o perigo concreto de contágio, tem de ser pericialmente averiguada.” (HUNGRIA, 1955, p. 411).
6.3 CONCEITO DE TENTATIVA
Para uma análise mais concreta da tentativa, vamos explicitar claramente o que seja a não – consumação por circunstâncias alheias a vontade do agente, consubstanciado no art. 14, inciso II do CP, in verbis, “diz crime tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à vontade do agente (grifo nosso).” De fundamental relevância para o nosso estudo.
Então, iniciada a execução de um crime ela poderá ser interrompida por dois motivos: Pela própria vontade do agente e por circunstâncias alheias a sua vontade.
Na primeira hipótese inadmissível se falar em tentativa, havendo in concreto apenas os institutos da desistência voluntária e o arrependimento eficaz (art. 15 do CP). Já em relação à segunda hipótese estará configurada a tentativa.
Mas o que seria certamente essa circunstância alheia à vontade do agente? Vou tentar explicar em palavras que apesar de breves, dará melhor persuasão para o nosso entendimento; assim, quando o agente mediante um ato idôneo, inequívoco e incontestavelmente destinado à produção do resultado, e este resultado pretendido não se consuma por circunstâncias alheais a sua vontade, ou seja, uma outra vontade sobrepõe a sua, o seu querer a um determinado fim ilícito não se idealiza devido o impedimento por outras forças estranhas que não seja propriamente dito a sua, mas de um terceiro qualquer.
6.4 ADMITE-SE A TENTATIVA QUANDO NÃO HOUVER O EFETIVO CONTÁGIO?
Se do ato de praticar a conduta com o fim de transmitir moléstia grave não advém sua efetiva transmissão (art. 131 do CP), conforme foi mencionado em tópico próprio, apesar de ser considerado crime formal com dolo de dano, e nestes crimes sabemos que a própria lei já antecipada o resultado do crime, ficando desde já caracterizada a sua consumação no exato instante ou momento da conduta, independentemente se ocorrerá ou não a produção do resultado almejado pelo agente.
Todavia, é admissível à forma tentada do crime descrito no art. 131 do CPB, já que esse crime apresenta um inter criminis que pode ser objeto de fracionamento, e esse fracionamento é que caracteriza a possibilidade de ocorrência da tentativa.
Desmembrando as teorias que melhor explicam a tentativa, vislumbra-se aplicar ao caso em questão a tentativa imperfeita ou tentativa propriamente dita, ou seja, quando o agente não consegue praticar todos os atos necessários à sua consumação, por interferência externa, estranha à sua vontade, como por exemplo: “Um enfermeiro portador do vírus HIV, retira o seu sangue mediante a utilização de uma seringa e com a vontade dolo de perfurar o paciente, e ainda tendo a finalidade de transmiti-lo tal moléstia contagiosa e letal, é agarrado pelos médicos no momento de sua conduta de perfurá-lo, não almejando o êxito de infectá-lo”.
6.5 É ADMISSÍVEL A TENTATIVA QUANDO NÃO SOBREVÉM À MORTE EM RAZÃO DO CONTÁGIO DO VÍRUS HIV?
Na maioria dos casos de transmissão dolosa do vírus HIV a doutrina e a jurisprudência têm decidido com unanimidade entendendo haver a incidência do crime de homicídio em sua forma tentada[17] (art. 121 c/c art. 14 do CPB) quando houver transmissão de moléstia grave eminentemente mortal. É neste ponto que vislumbra a discrepância do nosso entendimento.
Sabemos que algumas pessoas infectadas podem viver por um longo período sem que haja a manifestação dos sintomas. Devido às modernas terapias anti-virais ou tratamento a base de “coquetéis” de medicamentos vivência um prolongamento na sobrevida do indivíduo. Por fim, são comuns os pacientes darem a “volta por cima”. Uma coisa, pois, é certa: já são freqüentes os casos em que a doença embora letal e incurável, não leve o infectado efetivamente à morte.
Nesse sentido parece bastante óbvio que a morte até pode não se verificar, caso o tratamento seja corretamente realizado, então já que esse evento morte poderá ainda ocorrer em um dado momento futuro e incerto. Seria conveniente, então, afirmar que este tratamento faria parte de uma hipótese de circunstâncias alheias à vontade do agente, explicitado na parte final do artigo 14 do CPB. Claro que não, pois, como poderá alguém responder por um delito quando o resultado típico não seja causalmente controlável pelo sujeito ativo.
Contudo, devido às circunstâncias e os meios empregados o não acontecimento do evento morte não se deu por circunstâncias alheias à vontade do agente, mas ao contrário, não ocorreu justamente em razão da própria vontade do agente em concretizá-la. Não quis o autor que a vítima morresse imediatamente, mas que falecesse aos poucos. Se assim não fosse, teria utilizado outros meios, como a arma de fogo, por exemplo, “dar um tiro fatal na cabeça de outrem mediante o uso de um revólver”, neste caso, sabemos que este comportamento resulta numa potencialidade letal de causar a imediata morte da vítima, sendo tal conduta tipificada em tentativa de homicídio, claro quando não verificada a morte, o mesmo não se podendo afirmar em relação à transmissão da AIDS.
No caso da transmissão dolosa do vírus HIV, o autor desejando o falecimento aos poucos da vítima, já que a demora na produção do resultado é característica do próprio HIV, não deseja o resultado morte de imediato, por isso, escolhe a transmissão do vírus como meio idôneo para a prática do crime de homicídio.
A tentativa, entretanto, não poderá ser aceita, em virtude do evento morte não decorrer por circunstâncias alheias à vontade do agente, mas, contudo, da própria vontade do agente, que desejou a projeção de seu resultado para um momento futuro e incerto.
Para melhor persuasão de nosso entendimento utilizaremos os institutos da desistência voluntária e do arrependimento eficaz, consagrados na parte inicial do artigo 15 do CPB “o agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução, temos a desistência voluntária, ou impede que o resultado se produza, exemplo, de arrependimento eficaz, respondendo o sujeito pelos atos já praticados.”
Entrever o seguinte caso de desistência voluntária, o sujeito que, dispondo de vários projéteis no tambor de seu revólver faz apenas um único disparo contra a vítima, cessando a sua atividade, embora podendo continuar a atirar, praticando somente com tal conduta ferimentos na vítima. Entretanto, se após descarregar a arma socorre a vítima e esta não morre teremos o arrependimento eficaz.
Em ambos os casos, os agentes responderão pelos atos praticados, independentemente de terem evitado a consumação do crime que a princípio visavam o homicídio, mas praticaram o crime de lesões corporais.
Primordialmente, em relação à transmissão dolosa do vírus HIV, deve ser aplicado o instituto da tentativa qualificada consagrada na última parte do art. 15 do CPB, “se dá quando o delito que se pretende cometer abrange, simultaneamente, a consumação de outro delito” (ZAFFARONI; PIERANGELLI, 1992, p. 113), só respondendo o sujeito pelos atos já praticados. É o caso dos exemplos citados, onde visava à prática do crime de homicídio, mas consumou-se o crime de lesão corporal gravíssima.
Conclui-se, havendo o efetivo contágio pelo HIV, apesar de ter o animus necandi de causar a morte da vítima, não sobrevindo esse resultado, o agente responderá tão somente por lesão corporal gravíssima (enfermidade incurável) e não por homicídio e muito menos em sua forma tentada.
7 CRIME EXAURIDO COMO FORMA DE TIPIFICAÇÃO
Para alguns doutrinadores, esse crime não caracteriza uma nova tipicidade jurídica, um outro delito ou crime, sendo apenas um mero desdobramento de uma conduta já consubstanciada. Possuindo conseqüências mais gravosas que serão consideradas futuramente na aplicação da pena e na dosagem da mesma, como circunstância judicial desfavorável (CP, art 59, caput, do CP).
Levando em consideração o art. 131 do CP, a simples conduta de praticar ato capaz de produzir o contágio, aliada a intenção de transmitir a moléstia grave, já perfaz a sua consumação pela prática do delito tipificado no art. 131 do CP, embora não exigisse necessariamente que o agente consiga o efetivo contágio.
Contudo, se com tal ato o agente conseguisse almejar a contaminação da vítima, podemos dizer que houve um desdobramento de uma conduta comissiva ou omissa, mais com efeitos diversos, ou seja, no caso de efetiva transmissão do vírus HIV, se com tal conduta ocasionou conseqüências mais lesivas, o agente responderá por esta lesividade de forma gradativa, com desdobramento para uma outra figura típica. Nesse sentido leciona Nélson Hungria (1955, p. 412) “Tal como na hipótese do parágrafo 1º do art. 130, não se trata aqui, propriamente, de um crime de perigo, mas de um crime formal ou de consumação antecipada; é uma tentativa de lesão corporal grave, especialmente punida como crime sui generis ou autônomo.”
Ainda no mesmo sentido do nosso renomado doutrinador:
Se do efetivo contágio da moléstia grave advier à produção de um dos resultados do art. 129, parágrafos 1º e 2º, o agente responderá pelo delito de lesão corporal grave ou gravíssima, quanto às lesões leves, restam absorvidas pelo delito em estudo. Quanto ao resultado morte produzido pela contaminação da moléstia grave, o agente responderá, se teve a intenção de matar, por homicídio tentado ou consumado, conforme ocorra ou não a morte. Se não houver esse ânimo, mas a vítima vier a falecer, ocorrerá lesão corporal seguida de morte (art. 129, parágrafo 3º, do CP), desde que esse evento seja previsível. (Idem, ibidem).
Para saber em qual delito ou crime o agente será responsabilizado necessário se faz averiguação do animus necandi do autor. Por isso como trata de um crime formal, com probabilidade da produção do resultado ou de um dano, que caso sobrevindo tal dano, exaurirá o delito, em razão de suas conseqüências mais nocivas ao crime anterior, sendo-lhe aplicada à penalidade do crime mais grave.
7.1 ASPECTOS JURÍDICOS DO CRIME DE HOMICÍDIO
O crime de homicídio está tipificado no art. 121, caput, do CP “Matar alguém – Pena – reclusão, de 06 (seis) a 20 (anos) anos.”
A conduta típica de matar alguém consiste em eliminar a vida de outrem. Alguém significa outro ser humano que não seja o próprio agente, ou seja, o crime de homicídio exige, no mínimo, a existência e a inclusão no fato de dois sujeitos o que mata, e o outro que morre. Por isso, os sujeitos do delito pode ser qualquer pessoa, haja vista tratar-se de um crime comum, não exigindo uma forma especial para a sua prática, então qualquer pessoa independente de raça, cor, sexo, podem praticar o crime.
Tutela o mencionado dispositivo a vida humana, que é à base de tudo, bem mais importante, imprescindível a qualquer condição básica de todo direito individual, porque sem a vida não há que se falar em personalidade, e sem esta não haverá, portanto, direito individual, direito que deve ser protegido pelo Estado.
No homicídio a vontade do agente é orientada à realização do tipo objetivo, é à vontade e consciência de matar alguém, entende-se então que esta vontade, conhecido como animus necandi é dirigida por meio de uma ação denominada dolo, aceita tanto em sua forma direta como na modalidade indireta ou eventual, onde no dolo direto a vontade é dirigida para o resultado morte, enquanto no eventual, assume-se o risco de produzir tal resultado. Indiscutivelmente como foi dito em tópicos anteriores, o crime de homicídio é caracterizado como sendo dolo de dano e não de perigo, uma vez exige do sujeito ativo a intenção de realmente produzir um dano ao bem tutelado, nesse caso a vida.
Quando mediante a ação ou omissão humana resulta a morte da vítima, podemos dizer que o crime foi consumado. Aliás, a consumação, nos crimes materiais, é o último ato do agir criminoso, que passa pela cogitação, pelos atos preparatórios e finalmente pelos atos executórios materializando-se com a morte do sujeito passivo.
Sabe-se que o agente pode utilizar diversos meios, distintas formas ou modos e pelos mais diversos motivos para a prática do crime de homicídio, por isso considerado crime de forma livre, portanto, dependendo de cada caso, merecedora para o Código de uma maior ou menor reprovabilidade, sendo à causa determinante que levou o legislador a prescrever três figuras distintas de homicídio doloso: homicídio simples, privilegiado e o qualificado.
Aplica-se por exclusão o art. 121, caput do CP, toda vez, quando o fato não se adequar a qualquer uma das formas de homicídio privilegiado ou qualificado, admitindo assim, somente a sua forma de homicídio doloso simples.
Em situações especialíssimas pode acontecer uma diminuição na sanção aplicável ao homicídio, dizemos que estamos diante de uma figura típica conhecida de homicídio privilegiado, cuja norma está contida no parágrafo 1º do artigo 121 do CP, onde a pena será reduzida de um sexto a um terço; se o agente estiver impelido por motivo de relevante valor social ou moral; ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Por fim, falam em circunstâncias que qualificam o crime, dando-lhe uma majoração na pena a ser aplicada por apresentar maior periculosidade, e perversidade nos meios empregados pelo sujeito. As qualificadoras do crime estão elencadas no parágrafo 2º, nos incisos de I a V, do artigo 121 do CP, podendo ser praticado sob diversos motivos, mediante paga ou promessa de recompensa ou por outro motivo torpe; por motivo fútil; (art. 121, inciso I e II do parágrafo 2º do CP); por diversos meios tais como; com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum (art. 121, inciso III, do parágrafo 2º do CP); por diversas formas de execução, à traição; de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido (art. 121, inciso IV, do parágrafo 2º do CP); por diversos fins, para assegurar a execução; ocultação, impunidade ou vantagem de outro crime (art. 121, inciso V, do parágrafo 2º do CP), cuja pena cominada será de reclusão de 12 (doze) a 30(trinta) anos.
Doutrinariamente qualificar-se-á o homicídio como sendo crime comum, por ser praticado por qualquer pessoa independentemente de condição ou qualidade especial; é um delito material, que exige uma conduta e um resultado; é um crime de dano, pois exige a efetiva lesão ao bem juridicamente protegido, qual seja a vida de outrem; admite ser praticado por qualquer forma, comissivo e omissivo, materiais, morais, diretos e indiretos, por isso é crime de forma livre; é um crime simples na medida em que protege somente um bem jurídico e não vários, no caso em tela a vida; como se trata de um crime de dano a sua consumação ocorre em dado momento certo, a efetiva morte da vítima, não se prolongando no tempo como no caso do crime de perigo, no entanto, é um crime instantâneo podendo ser de efeitos permanentes.
7.1.1 Homicídio qualificado
Como exemplificamos os tipos de homicídio acima, em simples, privilegiado e qualificado, possui o homicídio qualificado importante relevância em nosso estudo. Estamos cientes que atualmente em relação ao homicídio qualificado existem 05 (cinco) incisos agrupados que qualificam o crime, admitindo serem praticados sob diversos motivos, quais sejam o primeiro e o segundo inciso; por diversos meios, tais como o inciso terceiro; por diversas formas de execução, inciso quarto; e por diversos fins, inciso quinto, todos contidos no parágrafo 2º, do art. 121 do CP, in verbis:
Se o homicídio é cometido: I – mediante paga ou promessa de recompensa; II – por motivo fútil; III – com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV – à traição, e emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; V – para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime. (BRASIL, CP).[18]
Não há dúvidas que o contágio do vírus HIV, pode inclusive, ser transmitida não somente pela via da relação sexual, mas sim sob diversos meios diretos e indiretos, citados em capítulos anteriores.
Em razão disso, como a transmissão dolosa do vírus HIV, pode decorrer por intermédio de qualquer meio idôneo direto ou indireto, onde a vítima desconhece a enfermidade do agente infectado, podendo ser qualificada em razão do meio empregado.
Então podemos aplicar a parte final do inciso III, parágrafo 2º, do art. 121 do CP, onde qualifica o crime de homicídio pelo meio utilizado para a execução do crime, qual seja outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; qualificando este meio insidioso ou cruel de maneira genérica e extensiva, não importando pelo meio utilizado para o contágio, exigindo apenas a norma penal que haja a sua contaminação.
Mas o que significa meio insidioso é o meio disfarçado, ardiloso, que objetiva surpreender a vítima desatenta e indefesa, ou ainda, aquela empregada na ocultação do verdadeiro propósito do agente, que, assim, age surpreendendo a vítima, que não sabe estar sendo atacada, (grifo nosso) tendo a sua defesa dificultada. (MIRABETE, 2003).
Nada impede que a conduta de matar alguém, precisamente através da transmissão dolosa do vírus HIV, provado o animus necandi de matar, e porventura mediante tal conduta ocasione a morte da vítima, independentemente do meio empregado, o agente responderá ainda pelo crime de homicídio qualificado pela insídia do art. 121, parágrafo 2º, inciso III, in fine, “outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum.” (grifo nosso).
7.2 ASPECTOS JURÍDICOS DO CRIME DE LESÕES CORPORAIS
O crime de lesão corporal está tipificado no artigo 129 do CP, descrevendo em seu caput “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem.”
O bem tutelado pela legislação pátria abrange não somente a integridade física, como sendo aquela prejudicial à normalidade funcional do organismo humano, mas também à saúde, abrangendo tanto à saúde do corpo humano como à saúde mental, compreendendo a integridade anatômica, fisiológica e psíquica do ser humano.
Qualquer pessoa pode ser sujeito, ativo ou passivo, do crime de lesões corporais. Trata-se de um crime comum, onde não exige condição especial dos seus sujeitos. Com exceções em relação ao sujeito passivo, encontrada nas figuras qualificadas dos parágrafos 1º, inciso IV, e no parágrafo 2º, inciso V, pois, somente a mulher grávida necessariamente deverá figurar como sujeito passivo do crime de lesões corporais.
O dolo é um elemento essencial para qualquer crime tanto no homicídio quanto nas lesões corporais, relembrando o que já dissemos em capítulos anteriores, o dolo no caso do crime de lesões corporais, consiste na vontade e consciência de ofender a integridade física ou a saúde de outrem. O que distingue o crime de lesões corporais para o crime de homicídio é exatamente o dolo, contudo, no crime de homicídio há o dolo de matar, enquanto nas lesões corporais há o dolo apenas de lesar, ofender, ferir a integridade corporal ou a saúde de outrem. Se, contudo, houver um agravamento diante do resultado pretendidodissemos varias epetir o que jualquer crime tanto no homicidio, no entanto, a vítima morre em decorrência da lesão, não podemos falar em hipótese alguma em homicídio, mas, em lesão corporal seguida de morte.
O Código Penal classifica as lesões corporais em leves e graves. Todavia, as doutrinas adotaram uma classificação tripartite – leve grave e gravíssima, dividindo o que o legislador chamou apenas de grave, elencada no art. 129, parágrafo 1º, agora passando abranger também as lesões gravíssimas, estas descritas no art. 129, parágrafo 2º, em decorrência de seu resultado ser mais intenso e lesivo.
A lesão corporal gravíssima não foi descrita na norma penal pelo legislador, diante disso, é conveniente utilizar a classificação mais técnica, onde é aquela que emprega lesão corporal grave como expressão genérica, abrangendo os parágrafos 1º e 2º, a lesão corporal grave estrito sensu e lesão corporal gravíssima como expressões restritas, a grave estando contida no parágrafo 1º, e a gravíssima estando contida no parágrafo 2º do art. 129 do CP.
Já a lesão corporal de natureza leve é conceituada através de critério negativo, configurando-se quando não ocorrer nenhum dos resultados enumerados nos parágrafos 1º e 2º do art. 129 do CP.
O tipo penal incriminador contém um tipo penal qualificado pelo resultado, onde o sujeito pratica um crime de lesão corporal punível a título de dolo, e o seu resultado qualificador a morte do agente punível a título de culpa, é a chamada lesão corporal seguida de morte, prevista no parágrafo 3º do art. 129 do CP.
7.2.1 Lesão corporal gravíssima
O CP impõe pena de reclusão, de 02 a 08 anos, caracterizando como forma qualificada do crime em virtude da ocorrência de um dos cinco resultados, ali prevista de forma mais rigorosa.
O legislador pátrio não utiliza a denominação lesão corporal gravíssima, mas somente “lesões corporais graves”, disciplinadas nos parágrafos primeiro e segundo do artigo. No entanto, a doutrina e a jurisprudência consagraram com tal nomenclatura gravíssima, tendo em vista as conseqüências dos resultados no parágrafo 2º, via de regra, serem mais graves e irreparáveis em relação ao parágrafo 1º, justificando, o porquê, de sua maior penalização.
Para que entendemos melhor o que dispõe o parágrafo 2º, do art. 129 do CP, transcrevemos in verbis as cinco hipóteses que qualificam a lesão corporal “quando resultam – incapacidade permanente para o trabalho; enfermidade incurável (grifo nosso); perda ou inutilização de membro, sentido ou função; deformidade permanente e aborto.”
Dentre as cinco qualificadoras abordar-se-à somente a qualificadora enfermidade incurável tendo relevância, sendo aplicada à infecção causada pelo vírus HIV. Melhor entendermos o que seja esta enfermidade incurável para a ciência médica:
Enfermidade é um processo patológico em curso. Enfermidade incurável é a doença cuja curabilidade não é conseguida no atual estágio da medicina, pressupondo um processo patológico que afeta a saúde em geral. A incurabilidade deve ser confirmada com dados da ciência natural, com um juízo de probabilidade. (BITENCOURT, 2003, p. 192-193).
Na lição de Cezar Enrico Altavilla (1934 apud BITENCOURT, 2003, p. 74), essa enfermidade incurável “deve ser entendida como o estado que duradouramente altera e progressivamente agrava o teor de um organismo.”
Infelizmente a AIDS é de cura improvável, até agora não foi produzida nenhuma droga ou vacina que cure essa doença. Existem hoje, tratamentos à base de baterias de medicamentos, coquetéis conhecido como terapias anti-virais, que não produzem a cura, mas, ao menos aumentam a sobrevida dos pacientes ou tornem a AIDS mais uma doença crônica.
Atualmente apesar do controle da doença, mediante a utilização de tratamentos à base de baterias de medicamentos, “coquetéis”, que aumentam a sobrevida dos pacientes, a vítima não está obrigada a submeter-se por intervenções cirúrgicas ou tratamentos duvidosos e arriscados em busca da cura, para tanto não deixaremos de aplicar a referida qualificadora.
Não restam dúvidas, portanto, que a infecção causada pelo HIV é um processo patológico em curso, agravando-se com o passar do tempo, em razão do enfraquecimento do sistema imunológico. Atualmente não tendo um tratamento capaz de eliminar a infecção do organismo humano, ensejo para tanto afirmar que o contágio de moléstia grave trata-se de uma lesão corporal gravíssima na modalidade enfermidade incurável.
7.2.2 Lesão corporal seguida de morte
Temos no art. 129, parágrafo 3º do CPB, “se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o risco de produzi-lo (grifo nosso) – pena reclusão de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.”
Conhecido como homicídio preterdoloso, como sendo aquele em que se tem dolo no antecedente, punindo o primeiro delito praticado no caso lesão corporal a título de dolo, e o resultado qualificador, a morte da vítima, sendo punível a título de culpa, chamada de culpa no conseqüente.
É necessário que as circunstâncias do fato evidenciem que o querer do agente não estava predestinado a querer o resultado morte nem assumir o risco de produzir tal resultado. Comprovado que o autor pretendeu agir com dolo direto ou eventual no tocante à produção do resultado morte (CPB, art. 18, inciso I), o mesmo responderá por homicídio doloso consumado (art. 121, caput do CPB e não pelo art. 129, parágrafo 3º, do mesmo dispositivo legal).
8 DO CRIME PRATICADO: LESÃO CORPORAL OU HOMICÍDIO?
A conduta em análise é aquela onde a transmissão não decorre somente por intermédio do relacionamento sexual mais por outros meios idôneos capazes de transmitir o contágio entre uma pessoa infectada e a sua vítima sadia, onde o portador soropositivo dolosamente, omite seu estado doentio e não utiliza, ou não permite a utilização de métodos que protejam seu parceiro sexual da contaminação.
Os doutrinadores, quando abordam o presente tema, não o fazem de maneira objetiva dando ensejo há várias divergências. Afirmam que, dependendo do caso em concreto, poderão se configurar vários crimes:
Torna grave a lesão à ocorrência de enfermidade incurável, ou seja, de qualquer estado mórbido de evolução lenta que não apresente maiores probabilidades de cura integral. A transmissão da AIDS pode constituir, portanto, o crime de lesão corporal gravíssima. (grifo nosso)”. (MIRABETE, 2003, p. 881).
Tratando-se de agente contaminado que, agindo com culpa, transmitiu a AIDS, igualmente não se configurará este art. 131 (que exige dolo direto), mas sim, lesão corporal culposa (art. 129, parágrafo 6º) ou homicídio culposo (art. 121, parágrafo 3º. Na hipótese do agente não contaminado (que não pode ser sujeito ativo do crime deste art. 131) e havendo efetiva transmissão AIDS, há que se distinguir se ele agiu com culpa ou dolo, bem como, no último caso, se houve animus necandi, para então verificar se a tipificação será de lesão corporal culposa, homicídio culposo, lesão corporal gravíssima, lesão corporal seguida de morte ou homicídio doloso tentado ou consumado. (grifos nossos) (DELMANTO, 2002, p. 282-283).
Quando o agente busca transmitir o vírus da AIDS, propositadamente, pela via da relação sexual ou outra admissível (ex.: atirando sangue contaminado sobre a vítima), deve responder por tentativa de homicídio ou homicídio consumado (conforme o resultado atingido). (grifo nosso). (NUCCI, 2005, p. 428).
Nota-se, de imediato, a dificuldade de se tipificar a presente conduta principalmente em face da complexidade das manifestações da infecção pelo vírus HIV, e da quase possível missão de se aferir o dolo do sujeito que pratica o crime. Visando solucionar o problema de interpretação existente, dividiremos a conduta do agente mediante duas fases distintas, quais sejam após a contaminação da vítima pelo vírus e após o resultado morte.
8.1 APÓS A CONTAMINAÇÃO DA VÍTIMA PELO HIV
Sobrevindo à contaminação pelo vírus HIV, após alguns anos, o organismo da pessoa contaminada sofrerá as conseqüências em razão do enfraquecimento das defesas orgânicas do sistema imunológico, oportunidade em que aparecem as infecções cuja intensidade é mais gravosa e lesiva para o organismo humano.
Assim, com a transmissão, a pessoa infectada sofre uma lesão em sua integridade física, comprometendo seu sistema fisiológico e anatômico, além de afetar a saúde mental, em decorrência das seqüelas sofridas em seu estado emocional e psicológico, por ter que conviver por toda vida com uma doença ainda de cura improvável.
É sabido que um dos resultados que torna a lesão corporal gravíssima é a enfermidade incurável, como sendo aquela cuja curabilidade não é conhecida pela medicina atual.
Só há de se falar em aplicação do art. 131 do CPB, naqueles casos em que o agente, sabendo ser soroposito, pratica ato tendente a contaminação, e o contágio não se verifica. O artigo 131 seria como um “soldado reserva” sendo utilizado para os casos em que o sujeito ativo não logrou êxito em seu intento, ou quando ele apenas desejava causar um perigo (dolo de perigo) e não um dano efetivo (dolo de dano).
Tal solução, na verdade, é um requisito da concepção naturalista da ação, já que a adequação típica da conduta estaria a depender, exclusivamente, da produção de um resultado, é não a finalidade do agente. Entretanto, ocorrido o contágio o agente responderá por lesão corporal qualificada (art. 129, parágrafo 2º, inciso II); e não havendo – o, subsistirá o crime perigo de contágio de moléstia grave (art. 131 do CPB).
Resumindo, deverá analisar o animus laedendi, a vontade livre e consciente de transmitir o vírus com objetivo de apenas lesar terceira pessoa, sempre levando com consideração a hipótese de não sobrevir o resultado morte. Teremos com tal conduta a tipificação do artigo 129, parágrafo 2º, inciso II, lesão corporal gravíssima, com a qualificadora enfermidade incurável, em virtude da incurabilidade do vírus.
8.2 APÓS A MORTE DA VÍTIMA
São freqüentes as situações em que o aidético contrai a doença em situações inesperadas, tais como intervenções cirúrgicas, doações de sangue, acidentes de trabalho ou até mesmo através de relações sexuais, não tendo sequer a noção de ser portador do vírus HIV.
Diante disso, é possível dividirmos a imensa gama de situações em dois grupos fundamentais, quando o portador não tem conhecimento da doença ou quando tal conhecimento está presente. Enquanto no primeiro grupo deparamo – nos, no máximo, com delitos negligentes, no segundo, ao contrário, poderemos ter fatos negligentes ou dolosos. Vamos nos preocupar somente em relação à conduta dolosa, matéria de nosso estudo.
Vale recordar o que foi dito no tópico sobre a AIDS descrita no primeiro capítulo “A fase final da infecção pelo HIV é a forma mais gravosa de infecção. Estudos mostram das pessoas contaminadas somente uma minoria irá desenvolver esta fase.” Portado, uma vez contaminada a vítima, esta poderá falecer com a progressão da infecção em tempo futuro e indeterminado.
Importante ser enfatizado que essa morte deve ter ligação com a infecção que lhe foi transmitida, pois se ocasionar de outra causa ou motivo teremos uma causa superveniente absolutamente independente. Utilizaremos o exemplo já citado no tópico a respeito da superveniência causal, ou seja, “um aidético que reage durante um assalto e é alvejado pelo bandido com dois tiros certeiros na cabeça, causa exclusiva do óbito.” Veja que o estado doentio da vítima não tem nada a ver com a produção do resultado morte, não devendo neste caso o agente que transmitiu responder por homicídio, sendo tal conduta de responsabilidade única do bandido.
Esse lapso temporal existente entre a transmissão do vírus e a morte da vítima dificulta, sobremaneira, a percepção do elo existente entre ambos. Como trata de um crime instantâneo, quando a sua consumação não se prolonga ocorre em dado momento certo, nada impede, portanto, de ter efeitos permanentes quando os seus efeitos prolongam no tempo, independentemente da vontade do autor, apenas perdurando as conseqüências produzidas por um delito já praticado como no exemplo exposto.
Como vimos não havendo uma excludente de ilicitude, e estando verificados o liame causal entre a conduta praticada pelo sujeito ativo e o resultado produzido no sujeito passivo a conduta será considerado um fato típico, punível penalmente.
Analisando o fato da transmissão do vírus HIV, o sujeito ativo é o portador, sujeito passivo é o de cujus e o resultado é o óbito, tendo como uma das causas à infecção pelo HIV. Claro está o nexo existente ligando a transmissão do HVI e a morte da vítima, não havendo dúvida, sendo o sujeito ativo responsabilizado pela tipificação dolosa do crime de homicídio.
Conclui-se, quando o portador do vírus sabendo ser portador de tal moléstia omite dolosamente e conscientemente sua condição para as pessoas que praticam, com ele, sem a devida proteção, ou quando infectado obriga moral ou materialmente a vítima não infectada a manter relações sexuais, e com tal conduta sobrevém o contágio e a conseqüente morte da vitima. Aqui, tendo em vista a atuação finalisticamente orientada à transmissão da doença (o autor tem conhecimento da sua qualidade de soropositivo), deve-se ainda, analisar a real intenção ao praticar a conduta que ensejou a morte da vítima.
Se houve dolo de praticar lesão corporal ao tempo que praticou o ato capaz de transmitir o vírus, o crime será o de lesão corporal seguida de morte (art. 129, parágrafo 3º, CPB), se teve a vontade livre e consciente de provocar a morte, o crime será o de homicídio qualificado pela insídia (art. 121, parágrafo 2º, inciso III, CPB).
Sendo adeptos a coerência da corrente do insigne doutrinador Nélson Hungria (apud DELMANTO, 2002), a qual sempre defendeu o dolo de matar na pessoa que dolosamente transmite doença letal, presumindo o animus necandi toda vez que o resultado morte é conseqüência normal da moléstia transmitida, chega-se à conclusão de que o crime praticado é o de homicídio qualificado pela insídia do meio empregado.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Viu-se que a conduta de quem transmite dolosamente o vírus da imunodeficiência humana (HIV), poderia, a princípio, ser tipificada como perigo de contágio de moléstia artigo 131 do CPB, lesão corporal, gravíssima artigo 129, parágrafo 2º do CPB, ou seguida de morte artigo 129, parágrafo 3º do CPB, ou ainda homicídio, qualificado artigo 121 parágrafo 2º do CPB ou consumado artigo 121 do CPB.
A conduta foi analisada em diversas fases distintas, a primeira quando não houver o efetivo contágio pelo vírus HIV, a segunda após a contaminação da vítima pelo vírus HIV e a terceira após o resultado morte da vítima.
No primeiro caso não resta dúvida que a conduta do agente será tipificada pelo crime de perigo de contágio de moléstia grave descrita no artigo 131 do CPB. Contudo, em relação a esse contágio, a sua prática admite diversos meios ou modos, podendo ser diretos ou indiretos.
De acordo ainda com o tipo penal, além dos meios empregados para prática do crime, é preciso que o sujeito pratique com a finalidade de transmitir a outrem moléstia grave de que se encontra contaminado.
Diante disso, quando o agente dispõe de todos os atos capazes de produzir o contágio, e com o fim de transmitir a outrem moléstia grave que se sabe está contaminado, e se com tal conduta não consegue obter o êxito do contágio apenas desejava causar um perigo (dolo de perigo) e não um dano efetivo (dolo de dano) com a transmissão da moléstia o vírus HIV, responderá tão somente pela tipificação do art. 131 do dispositivo legal.
Contudo, se com tal conduta de transmitir ocorrer à contaminação da vítima. Exclui-se, de imediato, o crime de perigo de contágio de moléstia grave, pois, na medida em que ocorra o contágio no sujeito passivo do crime, a infecção pelo HIV é incurável, resultado que qualifica a lesão corporal, já que não possui cura pela medicina atual. Portanto, o crime não será o tipificado no artigo 131 do CPB, e sim o de lesões corporais gravíssima.
Entretanto, quando um indivíduo soropositivo sabendo ser portador de tal moléstia omite dolosamente e conscientemente sua condição para as pessoas que praticam, com ele, sem a devida proteção, ou quando o infectado obriga moral ou materialmente a vítima não – infectada a manter relações sexuais, e com tal conduta sobrevém o contágio e a conseqüente morte da vítima. Aqui, tendo em vista a atuação finalisticamente orientada à transmissão da doença (o autor tem conhecimento de sua qualidade de soro – positivo) e o animus necandi ao praticar a conduta que ensejou a morte da vítima, não há dúvidas a respeito de sua penalização.
Todavia, sendo adeptos a coerência da corrente do insigne doutrinador Nélson Hungria, a qual sempre defendeu o dolo de matar na pessoa que dolosamente transmite doença letal, presumindo o animus necandi toda vez que o resultado morte é conseqüência normal da moléstia transmitida, chega-se à conclusão de que o crime praticado, no caso de morte do sujeito passivo, é o de homicídio qualificado pela insídia do meio empregado, qual seja outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum (art. 121, parágrafo 2º, inciso III, CPB).
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WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal – Uma introdução à doutrina da ação finalista. Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
ZAFFARONI, Eugênio Raúl; PIERANGELLI, José Henrique. Da tentativa. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992.
[1] Partícula da célula T4 que o HIV utiliza para se ligar à célula e destruí-la ou enfraquecê-la.
[2] Ano III nº 01 - 01ª à 26ª semanas epidemiológicas - janeiro a julho de 2006 - ISSN 1517 1159.
[3] Site: www.aids.gov.br
[4] Ano III nº 01 - 01ª à 26ª semanas epidemiológicas - janeiro a julho de 2006 - ISSN 1517 1159
[5] Glóbulos brancos cuja função é a defesa do organismo. Existem alguns tipos de linfócitos e cada um deles desempenha funções diferentes e interligadas.
[6] Ácido ribonucléico. Localiza-se no núcleo das células e no citoplasma. Participa da síntese de DNA quando as células se multiplicam.
[7] Ácido desoxirribonucléico. Moléculas que se situam no núcleo das células, em forma de dupla hélice. Contém o código genético (características hereditárias) de quase todos os seres vivos.
[8] Pessoa que possui anticorpos contra microorganismos. É considerado um soropositivo aquele sujeito que possui teste anti-HIV positivo.
[9] Período variável entre o momento a contaminação e o surgimento de sintomas da infecção.
[10] Wikipédia, a enciclopédia livre.
[11] Vide: http://www.aids.gov.br/livro/c105.htm.
[12] Enzima que auxilia na transformação do RNA do HIV em DNA quando o vírus entra na célula.
[13] “O programa de acesso universal à terapia anti-retroviral, junto com outras iniciativas como o uso mais difundido de quimioprofilaxia para as principais infecções oportunistas e a disponibilização de modalidades de assistência que visam à redução das internações hospitalares. No que diz respeito à redução das mortes observou-se nos últimos anos uma redução expressiva na mortalidade ocasionada por aids, de cerca de 38%, entre 97/95. Essa redução já alcança 54% em São Paulo e 48% no Rio de Janeiro, entre 95 e 99 - municípios que concentram 32% dos casos de aids do País. Observou-se também uma redução de aproximadamente 60-80% na ocorrência dos principais processos oportunistas relacionados com imunodeficiência grave em pacientes HIV+, tais como criptococose, citomegalovirose, Sarcoma de Kaposi e tuberculose”. (BRASIL. Ministério da Saúde. In: http://www.aids.gov.br/assistencia/politica_medic_aids_brasil.htm).
[14] Aumento dos gânglios linfáticos causado por processo infeccioso ou não.
[15] Nesse sentido: ANTOLISEI, Francesco. Manual de Derecho Penal. Parte Geral. 8 ed. Bogotá: Temis, p. 176; COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 1989, vol. 1, p 113. Em sentido contrário: BITENCOURT, Cezar Roberto. Manual de Direito Penal. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 222).
[16] Cf. WELZEL, Hans. O novo sistema jurídico-penal – Uma introdução à doutrina da ação finalista. Trad. Luiz Regis Prado. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 95 “Para alguns finalistas, porém, o dolo não é integrante da conduta mas está no mundo pré – jurídico, na conduta está a finalidade. Para esses, o dolo é a finalidade tipificada.”
[17] TJSP, RT 784/587.
[18] Vide art. 121, parágrafo 2º do CPB.
Advogado, Consultor Jurídico, Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Vila Velha (UVV). Pós-graduado - especialista lato sensu em Direito Material (Ministério Público e Cidadania) pela Escola Superior do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (ESMP/ES)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARMO, Patrick Pimentel do. Aspectos jurídicos da transmissão dolosa do vírus HIV e sua repercussão no Direito Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2009, 16:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/17500/aspectos-juridicos-da-transmissao-dolosa-do-virus-hiv-e-sua-repercussao-no-direito-penal. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Antoniony de Aquino Côrtes
Por: Leonardo Gomes Alves
Por: Winnie Sousa Cruz
Por: Alexandre Barbosa
Por: Naiara Michele Butsch
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