JOHILSE TOMAZ DA SILVA
(orientador)
“A morte está perto e quero aproveitar ao máximo este momento para aprender com a própria vida e com a morte”. (Renato Russo).
RESUMO: Este trabalho de conclusão de curso intitulado a eutanásia à luz da constituição federal e do direito penal moderno: uma abordagem histórica, sociológica, cultural e jurídica, apresenta o panorama atual da eutanásia, que vem a ser um procedimento que promove a morte antecipadamente por motivo de compaixão diante de um sofrimento insuportável e penoso, à luz da legislação brasileira. Tornar legal o ato de ceifar a vida de alguém em estágio final de vida ou em estado vegetativo irreversível através da eutanásia tem sido a pretensão de diversos países. Alguns já experimentam a legalização da eutanásia, como é o caso da Bélgica, Suíça e Holanda. A experiência destes países ainda é controversa, por isso organismos internacionais têm estudado como o processo de eutanásia está sendo feito nesses países, para que todos os outros Estados conheçam os benefícios e os malefícios da prática. No Brasil, a discussão, que apesar de aparecer nos projetos dos primeiros códigos penais brasileiros, ainda não chegou ao fim. Ao contrário, em 2012 foi encaminhado ao Senado brasileiro o Projeto de Lei do Novo Código Penal que vem trazendo no seu bojo a eutanásia, bem como a ortotanásia. O tema é polêmico e em razão disso várias audiências públicas foram realizadas para que a sociedade discutisse o tema e apresentasse seu posicionamento. O maior desafio dos legisladores brasileiros que estão discutindo sobre o novo Código Penal brasileiro será harmonizar os direitos e garantias constitucionais dos cidadãos brasileiros, tais como direito a vida, liberdade, dignidade e saúde, aos princípios norteadores da eutanásia.
Palavras-chave: eutanásia, vida, liberdade, dignidade, morte.
ABSTRACT: This course conclusion work titled legal aspects of euthanasia in Brazilian law provides a current overview of euthanasia, which happens to be a procedure that promotes early death because of compassion in the face of unbearable suffering and painful in the light of Brazilian law. Making legal the act of mowing someone's life in the final stages of life or irreversible vegetative state through euthanasia has been the claim of many countries. Some are already experiencing the legalization of euthanasia, as is the case in Belgium, Switzerland and the Netherlands. The experience of these countries is still controversial, so international organizations have studied how the process of euthanasia is being made in these countries, so that all other states know the benefits and harms of the practice. In Brazil the discussion, those despite appearing in the projects of the first Brazilian penal codes have not yet come to an end. Unlike in 2012 was sent to the Brazilian Senate bill of the new penal code that has brought in its wake euthanasia and orthothanasia. The subject is controversial and for this reason several public meetings were held to discuss the theme of society and present its position. The biggest challenge of Brazilian legislators who are discussing the new Brazilian Penal Code is to harmonize the rights and constitutional guarantees of Brazilian citizens, such as the right to life, liberty, dignity and health, the guiding principles of euthanasia.
Keywords: euthanasia, life, freedom, dignity, death.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. A eutanásia, considerações gerais. 1.1 Conceito. 1.2 Tipos de eutanásia. 1.2.1 Eutanásia em sentido estrito. 1.2.2 Ortotanásia. 1.2.3 Distanásia. 1.2.4 Suicídio Assistido. 1.2.5 Mistanásia. 1.3 Consentimento da vítima. 3. A eutanásia e a Constituição Federal Brasileira. 2.1 Direito à vida. 2.2 Direito à liberdade. 2.3 Direito à Dignidade. 2.4 Direito à Saúde. 3. Aspectos Jurídicos. 3.1 A vida e a morte na história. 3.2 A legalidade da norma proibitiva. 3.3 O direito de morrer dignamente. 3.4 Casos Contemporâneos. 3.5 Eutanásia no Novo Código Penal. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
INTRODUÇÃO
A discussão acerca da Eutanásia é muito antiga no mundo, e o termo possuía conotações diferentes do que possui hoje. Desde as civilizações mais antigas, das quais o homem tem conhecimento, a discussão da morte antecipada é abordada. No Brasil o tema rende muitas discussões acaloradas, posto ser um assunto polêmico nos meios jurídicos, religiosos, filosóficos e médicos, um tema que ainda não há consenso. Notadamente porque esta discussão ultrapassa as fronteiras da área jurídica, adentrando em todos os ramos da ciência humana. No entanto, este texto tem a pretensão de analisar a eutanásia apenas sob o enfoque jurídico.
Tornar legal o ato de ceifar a vida de alguém em estágio final de vida ou em estado vegetativo irreversível através da eutanásia é a pretensão de muitos países. Alguns já legalizaram a prática da eutanásia, como é o caso da Bélgica, Suíça e Holanda. A experiência destes países com a eutanásia ainda é controvertida, alguns afirmam que foi uma decisão acertada, outros, que a situação fugiu do controle das autoridades.
Ainda na antiguidade, Hipócrates, pai da Medicina, repudiou tanto a eutanásia quanto o aborto, pois afirmava que não cabe ao médico decidir sobre a vida ou morte de alguém. Hodiernamente, é possível apontar vários médicos que são favoráveis à eutanásia sob os argumentos de que os pacientes em estado terminal ou vegetativo não possuem qualidade de vida, sofrem com os tratamentos que apenas prolongam uma vida com dores e sofrimento, além de, no mais das vezes, os pacientes não possuem condições de custear o tratamento. Mas, há também os que são contra o método de eliminar a vida pela eutanásia, estes sob os mais diversos argumentos.
As religiões trazem suas manifestações sobre o tema eutanásia nas mais diversas filosofias. Enfim, todos os ramos da sociedade se manifestam sobre a eutanásia por ser tema atual e relevante, sobretudo por tratar daquilo que para todos é consenso: a vida e a morte. Vida e morte são fenômenos naturais, todavia consideram-se fatos jurídicos quando deles surgem direitos, deveres, obrigações, responsabilidades e faculdades para os cidadãos.
Filósofos do mundo inteiro estudam os comportamentos humanos ligados à eutanásia, sua função social e interferência na vida em sociedade.
Os juristas são tão divididos no tema quanto todos os outros profissionais estudiosos, não havendo um entendimento que norteie a celeuma acerca da eutanásia. Existem juristas que defendem o direito à vida pura e simplesmente, mesmo quando o enfermo decide interromper a vida. Assim como também existem os juristas que defendem a vida, mas uma vida digna, com condições mínimas de dignidade, respeitando acima de tudo os direitos e garantias individuais, concedendo á vítima o direito de escolha pela morte ou pela vida.
A dignidade da pessoa humana é fundamento da nossa República Federativa do Brasil, verdadeiro valor-fonte, pilar do ordenamento constitucional brasileiro e sob a óptica do direito constitucional à liberdade, para os que defendem o método, se ergue o direito ao método mortal.
Assinale ainda que nossa Constituição Federal de 1988 tutela, no caput do artigo 5º, a inviolabilidade do direito à vida. Assegurando a todos os brasileiros natos e naturalizados esse direito, punindo todas as formas de lesão ou perigo de lesão a esse bem jurídico. Inclusive nosso Código Penal (Lei nº 2848/40) traz, em seu artigo 121, o conceito do tipo penal homicídio, qual seja, matar alguém.
Contudo, sem uma análise hermenêutica mais profunda poderia se presumir que a eutanásia consistiria no tipo penal do referido artigo, todavia não é nesse sentido, precisamente, que alguns juristas têm entendido a eutanásia. Mas, devido a suprema garantia do direito à vida emanado da CF/88, a lei penal pune com severidade todo aquele que arbitrariamente elimina a vida de outrem.
Atualmente no Brasil não existe nada além de discussões acerca do tema eutanásia no ordenamento jurídico. Quando ocorre no caso concreto um fato que se assemelhe à eutanásia o agente é processado pelo crime de homicídio privilegiado (na eutanásia ativa) ou pelo delito de omissão de socorro (eutanásia passiva). Porém, o Novo Código Penal brasileiro que está em fase de elaboração traz o próprio tipo criminal de eutanásia, passando assim a existir a figura típica da eutanásia no nosso ordenamento jurídico pátrio.
Para o direito, a personalidade jurídica inicia com o nascimento com vida e extingue-se com a morte, conforme arts. 4º e 10 do Código Civil brasileiro. Mas, a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro. Assim como, o falecido tem garantido o respeito à sua memória - Capítulo II, do Código Penal brasileiro que trata dos crimes contra o respeito aos mortos. Além disso, nosso ordenamento garante a todo cidadão o direito fundamental ao gozo de saúde da melhor forma possível, sem distinção de religião, crença, raça, condição econômica, política ou social.
A dualidade entre a preservação da vida e o alívio do sofrimento do doente em estado terminal ou vegetativo constitui o cerne das discussões acerca da eutanásia. E, diante dos preceitos elencados na nossa Constituição Cidadã, todo cidadão tem o direito a uma gestação digna, um nascimento digno, uma vida digna e, por conseguinte, uma morte digna.
O certo é que, não há como escapar da discussão numa sociedade que busca sempre uma melhor qualidade de vida e onde os direitos individuais são cada vez mais assegurados.
1– A eutanásia, considerações gerais
1. Conceito de Eutanásia
O conceito de eutanásia evoluiu com o tempo. Modernamente consta no livro Historia vitae et mortis de 1623 de autoria do inglês Francis Bacon o conceito que conhecemos hoje de eutanásia, descrevendo-a como um tratamento dado a portadores de enfermidades incuráveis.
Ocorreu que, durante algum tempo, qualquer procedimento dirigido à morte de um enfermo através de intervenção humana, era denominado de eutanásia. Com o advento da bioética, conceitos mais bem delineados começaram a surgir e definir os procedimentos médicos destinados à morte do enfermo, com efeito, surgiram os termos eutanásia, distanásia, ortotanásia e suicídio assistido.
A natureza jurídica da eutanásia está no biodireito, ramo do Direito Público que estuda as relações jurídicas entre o direito e as novas tecnologias medicinais, particularmente relacionadas ao corpo e à dignidade da pessoa humana.
Anna Kleine Neves Pereira[1] cita em seu texto intitulado Bioética, biodireito e a dignidade da pessoa humana MELLO:
O Biodireito surge na esteira dos direitos fundamentais e, nesse sentido, inseparável deles. O Biodireito contém os direitos morais relacionados à vida, à dignidade e à privacidade dos indivíduos, representando a passagem do discurso ético para a ordem jurídica, não podendo, no entanto, representar “uma simples formalização jurídica de princípios estabelecidos por um grupo de sábios, ou mesmo proclamado por um legislador religioso ou moral. O Biodireito pressupõe a elaboração de uma categoria intermediária, que se materializa nos direitos humanos, assegurando os seus fundamentos racionais e legitimadores. (MELLO, Celso de Albuquerque, et al. 1999, p. 410. Apud PEREIRA Anna Kleine Neves, 2009)
É necessária a análise e estudo dos diversos ramos que envolvem a eutanásia para que se determinem condutas, posturas e sanções cabíveis a todos aqueles que infringirem a norma social e legal.
Promover a morte de alguém antecipadamente por motivo de compaixão diante de um sofrimento insuportável e penoso é o conceito mais difundido e adequado à eutanásia.
Porém, muitos são os que conceituam a eutanásia, como o fez Piva e Carvalho[2],
A eutanásia, propriamente dita, é a promoção do óbito. É a conduta (ação ou omissão) do médico que emprega (ou omite) meio eficiente para produzir a morte em paciente incurável e em estado de grave sofrimento, diferente do curso natural, abreviando-lhe a vida. Distinguem-se, "(...) em função do tipo de atitude tomada, duas modalidades de eutanásia: a ativa, que seria provocar a morte rápida, através de uma ação deliberada, como, por exemplo, uma injeção intravenosa de potássio; e a passiva, que seria deixar morrer através de suspensão de uma medida vital, e que levaria o paciente ao óbito em um espaço de tempo variável. Ambas as medidas, filosoficamente, têm o mesmo significado." (PIVA e CARVALHO. 1993).
Luciana dos Santos LOSCHI[3] cita Gisele Mendes de Carvalho que conceitua eutanásia natural e a provocada,
Eutanásia natural é sinônimo da morte que sobrevêm sem artifícios e padecimentos. Eutanásia provocada ou voluntária, de seu turno, implica o emprego de quaisquer meios pelos quais, a conduta humana, seja aquela do próprio moribundo ou de um terceiro, contribui para dar cabo ao padecimento da agonia, aliviando temporariamente o sofrimento do paciente ou abreviando a vida direta ou indiretamente. (CARVALHO, p.17. Apud LOSCHI, 2002)
Além das referidas conceituações, existem estudiosos que classificam os diferentes tipos de eutanásia, como explicitado por Gisele no trecho acima exposto, sem embargo de outras definições existentes na doutrina jurídica, filosófica e médica.
O ilustre doutrinador Rogério Greco conceitua eutanásia como,
A eutanásia diz respeito à prática do chamando homicídio piedoso, no qual o agente antecipa a morte da vítima, acometida de uma doença incurável, com a finalidade, quase sempre, de abreviar-lhe algum tipo de sofrimento. Em geral, a eutanásia é praticada a pedida ou com o consentimento da própria vítima. A eutanásia também tem sido traduzida com “morte serena, boa morte, morte sem sofrimento”. (GRECO. 2009, p.197)
Assim como Greco, que conceitua a eutanásia, o faz Luciana dos Santos LOSCHID em seu trabalho define eutanásia como sendo “(...) a privação da vida alheia perpetrada por razões humanitárias, a requerimento do interessado, que sofre de uma enfermidade terminal incurável ou de uma situação de invalidez irreversível”.
Outro nome expressivo na doutrina jurídica é Roxin, citado por Carvalho e Horta (2001)[4] que assim fala da eutanásia,
Claus Roxin, uma das maiores autoridades em direito penal do mundo conceitua eutanásia como a “ajuda prestada a uma pessoa gravemente doente, a seu pedido ou pelo menos em consideração à sua vontade presumida, no intuito de lhe possibilitar uma morte compatível com a sua concepção de dignidade humana”. (ROXIN, Claus. 2008. Apud CARVALHO e HORTA, 2001).
Os médicos no Brasil, sob o juramento de Hipócrates, não possuem autorização para empregar o método da eutanásia em pacientes, mesmo que haja pedido nesse sentido do próprio doente. Assim, como profissionais juramentados, os médicos limitam-se a assistir seus pacientes e ministrar-lhes o tratamento necessário.
Eutanásia deriva do “eu” que significa bem, e “thanasia” que significa morte. Assim conceituada como a conduta (ação ou omissão) de médico que ministra ou deixa de ministrar tratamento a doentes para produzir a morte. Também chamada de homicídio compassivo, homicídio médico, homicídio misericordioso ou caritativo, homicídio consensual, sanicídio ou benemortásia.
É de bom alvedrio citar GUIMARÃES que preceitua:
(...) para que se aperfeiçoe a figura da eutanásia (própria em sentido estrito) seria necessária, pois, a presença dos seguintes requisitos: que a morte seja provocada, entendendo-se que seja essa provocação havida por ação positiva de terceiro; que a provocação da morte se dê por piedade ou compaixão; que o sujeito passivo da eutanásia esteja acometido de doença incurável (irreversibilidade do mal com a consequente ausência de esperança de cura); que o incurável tenha dirigido o doente a um estado terminal; que este estado terminal da doença incurável faça com que o indivíduo padeça de profundo sofrimento (nele compreendendo-se a dor intolerável e o estado agônico em geral); e que a ação provoque encurtamento do período natural da vida. (GUIMARÃES, 2011. p. 94)
Assim, conforme Guimarães existem requisitos para que se aperfeiçoe a eutanásia.
Que a morte seja provocada. Aqui se pode dizer que a ação pode tanto ser da própria vítima, como do médico. A morte decorrente da própria doença em si não configura eutanásia, posto que essa deve ser provocada. É a antecipação do óbito natural.
A provocação da morte se dê por piedade ou compaixão. A figura do homicídio qualificado, o qual se amolda à eutanásia, estabelece como critério a piedade ou compaixão para justificar a conduta. A piedade e compaixão exteriorizam a reação dos que assistem ao definhamento do enfermo em doloroso e penoso sofrido em decorrência da doença e do tratamento, sem previsão de melhoras. É esse sentimento nobre de piedade e compaixão que se refere a lei quando versa em relevante valor moral.
O sujeito passivo da eutanásia esteja acometido de doença incurável. O mal que aflige o doente deve ser irremediável, sem qualquer esperança de cura. A inutilidade do tratamento é que leva o cidadão ao desespero, pois é consciente que toda dor e sofrimento que esta passando é inútil. Em razão disso, muitos abrem mão do prolongamento da vida, para viver intensamente os últimos dias que lhe restam ao lado das pessoas que lhe querem bem. Buscam dessa forma uma qualidade vida um pouco menos sofrida.
Cumpre referenciar o Estado terminal. A doença dirigiu o enfermo a um estado terminal de vida. Onde não há, sequer, a mínima esperança de melhora ou alívio. A morte agora é iminente e traz tanto dores físicas quanto psíquicas.
Também o profundo sofrimento é requisito. O paciente sofre maus físicos e psicológicos, chegando a um estado de dor intolerável e agônica. O sofrimento é geral, tanto familiares, amigos, como a própria equipe médica que se vê inutilizada, vendo seu paciente morrer lentamente sem poder fazer absolutamente mais nada.
Por fim, o encurtamento do período natural da vida. O ser humano pode viver muitos anos; muitos hoje em dia chegam aos cem anos. Porém o próprio corpo humano vai perdendo qualidade com o passar dos anos. Porém, no caso em apreço, a doença encurta ainda mais o tempo de vida do enfermo.
Apresentados os critérios para que se proceda à eutanásia, segundo Guimarães. É possível perceber que há uma preocupação para que a eutanásia não se torne a legalização do homicídio, posto que, a eutanásia requer sejam atendidos certos critério, como os arguidos alhures. E assim trabalha o legislador, que ao discutir e estabelecer a legalidade da eutanásia deve estipular em lei os critérios para o devido uso, evitando-se os abusos na aplicação de tal método letal.
1.2 Tipos de Eutanásia
As técnicas de procedimento da eutanásia variam conforme o estado de saúde e a necessidade do paciente. Por essa razão, é necessário agora expor as modalidades de eutanásia[5].
Eutanásia ativa é a modalidade em que o fim desejado é a causar a morte antecipado do enfermo. O objeto colimado é a morte, e para que esta venha a ocorrer são utilizados métodos terapêuticos que irão provocar a morte antecipada da vítima. É o caso de injeção letal de substância no organismo do paciente; uso de veneno, ou qualquer outro ato que provoque antecipadamente a morte do doente.
É aquela modalidade em que é necessária uma ação ativa para que a morte que é iminente seja provocada imediatamente, para livrar o doente e familiares do sofrimento e dor causados pela enfermidade.
Na eutanásia passiva, ocorre o inverso da eutanásia ativa. Nesta modalidade passiva o médico deixa de ministrar qualquer tipo de tratamento ou recurso terapêutico com o intuito de provocar a morte imediata do paciente. Há, na verdade, uma omissão de cuidado ou atendimento médico. Pode ocorrer também, a suspensão de um tratamento sem o qual a vida não seria possível, como é exemplo desligar os aparelhos que mantêm vivo o enfermo.
Outro exemplo da eutanásia passiva, e que tem sido utilizado com mais frequência nos casos noticiados pela mídia, é a suspensão de qualquer forma de nutrição do paciente, deixam de alimentar o enfermo ou de dar-lhe água para que cause a morte por inanição.
É preciso ressaltar que o médico que omitir socorro ou tratamento a enfermo é processado criminalmente pelo delito de omissão de socorro previsto no artigo 135 do Código Penal brasileiro.
Há, ainda, a eutanásia de duplo efeito. Ocorre quando deixam de ministrar ao enfermo algum tratamento com o objeto de evitar-lhe a dor e sofrimento, mas sem querer a morte.
Porém, a falta do tratamento, por consequência, acaba provocando a morte antecipada do paciente, mesmo não sendo este o desejo daquele que deixou de tratar o doente.
A eutanásia de duplo efeito é uma forma de eutanásia passiva, mas sem elemento principal que é a finalidade morte. Nestes casos, sobrevém a morte mesmo que não desejada por quem deixou de ministrar o tratamento que causava sofrimento ao doente.
Existe também uma classificação que prepondera o consentimento do enfermo.
A eutanásia voluntária vem a ser uma morte antecipada a pedido do próprio enfermo que, por motivos diversos como não suportar mais sofrimento e dor, não querer se tornar um fardo psicologicamente e financeiramente para a família, decide abreviar a morte e deseja a morte imediata.
Outra modalidade de eutanásia que leva em consideração o consentimento do enfermo é a eutanásia involuntária, cuja definição é forma de eutanásia em que a morte é provocada contra a vontade do paciente. O paciente não deseja sua própria morte, mas um terceiro acaba provocando-lhe a morte; os motivos são os mais diversos, inclusive, os alhures citados na eutanásia voluntária.
Na modalidade involuntária o paciente expressamente não deseja a própria morte, mesmo com sofrimento ou dor o enfermo prefere a vida indigna à morte.
Por último, tem-se a eutanásia não voluntária, modalidade em que a morte é provocada sem que o paciente tivesse manifestado sua posição em relação a ela. O enfermo, muitas vezes, encontra-se em estado vegetativo, sem possibilidade de manifestar qualquer reação ou exprimir seu desejo. São os casos mais comuns que se vislumbra quando se trata do tema eutanásia. Em razão desta situação vegetativa, o enfermo não exprime seu verdadeiro desejo e a morte lhe é causada, não para aliviar um possível sofrimento, porque somente o próprio enfermo poderia se manifestar a respeito, mas é causada por desejo da família ou pessoas próximas motivadas pelo sentimento de misericórdia, de não desejar ver o ente querido em estado tão degradante e indigno.
Todas essas modalidades de eutanásia somente estão versadas na medicina e na doutrina jurídica, não há qualquer previsão legal para estas formas de eutanásia, sendo todas amoldadas em tipo penais já existentes, como é o caso do homicídio privilegiado (eutanásia ativa), omissão de socorro (eutanásia passiva), por exemplo.
1.2.1 Eutanásia em sentido estrito
A eutanásia, em sentido estrito, é definida como sendo uma ação que provoque a morte do enfermo. Um terceiro, que pode ser até o próprio médico, administra doses letais de substâncias no organismo do paciente para que lhe provoque a morte. Essas substâncias podem ser tóxicas, ou mesmo substâncias não tóxicas, mas administradas em doses capazes de levar o corpo humano à falência de seus órgãos.
Outro procedimento da eutanásia em sentido estrito é provocar a morte do enfermo pelo desligamento dos aparelhos que o mantém vivo. Aqui merece ser explanada uma questão muito relevante e usual no próprio território brasileiro, qual seja o desligamento dos aparelhos em pacientes que têm a morte cerebral detectada.
Para o direito brasileiro a morte se dá com a morte encefálica, esse é o entendimento tanto jurídico quanto médico. A lei nº 9.343/97 dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento, e no seu artigo 3º preceitua que:
Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
Desta forma, diante do que estabelece o artigo supramencionado, o marco legal da morte é a constatação da morte encefálica. Ocorre que, ao tempo em que a lei e a norma social não permitem a antecipação da morte – a eutanásia – questiona-se se a morte encefálica e o desligamento dos aparelhos que mantêm os demais órgãos humanos em pleno funcionamento não seria uma forma de eutanásia? Porque em todo caso, o ser humano permanece vivo enquanto todos os seus órgãos ainda funcionarem.
Poderíamos supor que a morte não é a perda das funções vitais somente, mas sim, a morte cerebral. A medicina inclusive diferencia os vários tipos de morte, que merecem destaques a Morte cerebral que é a destruição das células cerebrais, já a Morte encefálica é a paralisação irreversível das funções cerebrais em decorrência da destruição do cérebro superior e do tronco encefálico.
De maneira que, se se é possível antecipar a morte dos demais órgãos humanos quando o cérebro perde sua função, não caberia analogia quando o enfermo mantém-se vivo apenas com ajuda de aparelhos?
Haveria dignidade em manter um corpo que só funciona com ajuda artificial?
1.2.2 Ortotanásia
A origem etimologicamente da expressão ortotanásia advém do grego orthos “normal, correta” e thánatos, “morte”, portanto, ortotanásia é a “morte natural ou correta”, a morte sem intervenção humana, a morte sem abreviações (eutanásia) nem prolongamentos (distanásia).
Nas palavras de Rogério Greco,
“Ortotanásia, de acordo com as lições de Genival Veloso de França, diz respeito à suspensão de meios medicamentosos ou artificiais de vida de um paciente em como irreversível e considerado em ‘morte encefálica’, quando há grave comprometimento da coordenação da vegetativa e da vida de relação”. (GRECO, Rogério. 2009, p.197)
É o processo de suspensão de todo tratamento inútil, extraordinário e desnecessário, ante a iminência da morte do paciente, morte esta inevitável, permitindo o curso natural da morte. Portanto, medicamentos e aparelhos que dão suporte à manutenção da vida são dispensados.
Como a morte é iminente e inevitável, ou seja, é irreversível, o médico, quando solicitado pelo paciente, passa a tomar medidas apenas paliativas, permitindo inclusive que o paciente possa morrer em casa na presença dos familiares e amigos; sem todo um tratamento que se torna inútil, doloso, caro e desnecessário. O médico se abstém de prolongar o curso normal da morte iminente, permitindo ao paciente apenas que decida por uma morte digna e menos sofrida.
Na ortotanásia o bem-estar físico, psíquico, social e espiritual do paciente é o mais importante. Posto que, todo e qualquer procedimento médico que prolongue a morte do enfermo incurável torna-se indigna e dolorosa. que é o conceito atual de saúde.
Alguns critérios devem ser observados quanto ao emprego da ortotanásia. Inicialmente a morte deve ser iminente e inevitável, isto é, não há salvação nem tratamento eficiente que evite a morte. Além disso, o paciente deve estar consciente de sua situação para que possa consentir ou solicitar o procedimento ao medico ou familiares. Desta forma, o consentimento é requisito para ortotanásia. Não havendo a possibilidade de o paciente manifestar livremente a sua vontade o médico só poderá obtê-la através dos familiares. Ademais, a presença e participação do médico no desencadear da morte, para que garanta ao enfermo o possível quanto ao um bem-estar físico, psíquico, social e espiritual.
A igreja sempre se mostrou contrária a prática da eutanásia, mas em 1995 o então Papa João Paulo II na Encíclica Evangelium vitae[6] ou Evangelho da Vida, faz menção à tal prática a ponto de torna-la aceitável.
Distinta da eutanásia é a decisão de renunciar ao chamado excesso terapêutico, ou seja, a certas intervenções médicas já inadequadas à situação real do doente, porque não proporcionadas aos resultados que se poderiam esperar, ou ainda porque demasiado pesadas para ele e para sua família. Nessas situações, quando a morte se anuncia iminente e inevitável, pode-se em consciência renunciar a tratamentos que dariam somente um prolongamento precário e penoso da vida, sem, contudo interromper os cuidados normais devidos ao doente em casos semelhantes. [...] A renúncia a meios extraordinários ou desproporcionados não equivale ao suicídio ou à eutanásia; exprime, antes, a aceitação da condição humana diante da morte.
Continua, ainda, o Pontífice a dizer que:
[...] Ora, se pode realmente ser considerado digno de louvor quem voluntariamente aceita sofrer renunciando aos meios lenitivos da dor, para conservar a plena lucidez e, se crente, participar de maneira consciente na Paixão do Senhor, tal comportamento „heróico‟ não pode ser considerado obrigatório para todos. Já Pio XII (1957) afirmava que é lícito suprimir a dor por meio de narcóticos, mesmo com a conseqüência que limita a consciência e abreviar a vida, „ se não existem outros meios e se, naquelas circunstâncias, isso em nada impede o cumprimento de outros deveres religiosos e morais‟. É que, neste caso, a morte não é querida ou procurada, embora por motivos razoáveis se corra o risco dela: pretende-se simplesmente aliviar a dor de maneira eficaz, recorrendo aos analgésicos postos à disposição pela medicina. Contudo, não se deve privar o paciente da consciência de si mesmo, semmotivo grave, quando se aproxima a morte, as pessoas devem estar em condições de poder satisfazer as suas obrigações morais e familiares, e devem sobretudo poder preparar-se com plena consciência para o encontro definitivo com Deus. (JOÃO PAULO II, 1995)
O Papa João Paulo II mostra-se preocupado com a condição humana em situação em que a morte é inevitável, posto que recomenda aos médicos que avaliem cuidadosamente cada paciente e sua situação em particular para que possa contribuir com a decisão do paciente em não prologar a vida, diante de uma morte que se faz certa e iminente.
No Brasil a prática da Ortotanásia é permitida, em razão de não haver proibição legal quanto à prática. Assim, não há crime que defina a prática de ortotanásia evidenciando ser um fato atípico para o mundo jurídico.
Senão vejamos:
Homicídio simples
Art 121. Matar alguém:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.
§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima, ou juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.
Omissão de socorro
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.
Pelo exposto, a lei penal não se refere à conduta da ortotanásia como proibida. Tão pouco a legislação especial trata do tema. Isto posto, se não há norma proibitiva o cidadão é livre para a prática ou não do procedimento.
O médico tem o dever de agir para resguardar a saúde do todo e qualquer cidadão. Porém, na ortotanásia o profissional da área médica não tem o dever de agir, porque neste caso não terá o poder de salvá-lo. No caso do crime de omissão de socorro alhures mencionado é necessária uma conduta omissiva imprópria, mas não é visível na ortotanásia uma conduta omissiva que comine no resultado morte. A morte é decorrente da própria situação do enfermo, o medico não dispõe de meios para evitá-la.
A punição ao omitente surge quando este pode evitar o resultado, agindo sem por em risco a própria vida como bem preleciona o artigo 13 do nosso diploma incriminador. Senão vejamos:
Art. 13 - O resultado, de que depende a existência do crime, somente é imputável a quem lhe deu causa. Considera-se causa a ação ou omissão sem a qual o resultado não teria ocorrido.
[...]
§ 2º - A omissão é penalmente relevante quando o omitente devia e podia agir para evitar o resultado. O dever de agir incumbe a quem:
a) tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância;
b) de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado;
c) com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
É o que não ocorre no caso da ortotanásia, onde o médico não se omite no trato ao paciente, mas apenas deixa de aplicar-lhe os tratamentos desnecessários que apenas prolongariam o seu sofrimento e não reverteria o fato da morte.
Cumpre mencionar, oportunamente, que não se configura também o dolo, Capez (2008): “é a vontade livre e consciente de realizar os elementos constantes do tipo penal”. Dito isto, nota-se que como não há previsão legal ao crime de ortotanásia, não há que se falar, portanto, em vontade livre e consciente de praticar conduta criminosa.
Assim como, não se pode visualizar culpa posto não haver crime, a ortotanásia ser fato atípico, conduta não prevista como crime na lei penal. Para o direito penal brasileiro age com culpa todo aquele que deixa de observar um dever objetivo de cuidado. A culpa pode acontecer sob a forma de: negligência, imprudência ou imperícia.
Somente é possível a punição em casos onde o médico, sem o consentimento do enfermo ou de seus representantes legais, deixasse de prestar a assistência necessária, abreviando assim a sua vida ao invés de seu sofrimento.
Portanto, o paciente que for diagnosticado clinicamente com mal incurável e cuja morte é iminente e inevitável pode solicitar que não seja submetido à tratamento doloso, ineficaz e ineficiente. Direito assegurado pela Constituição Federal no seu artigo 5º que cuida dos direitos e garantias fundamentais, qual seja, “ninguém será submetido a tratamento desumano ou degradante”.
Desta forma, o enfermo pode usar seu direito de liberdade de escolha e dispor sobre sua condição de morte, não ferindo o direito á vida, que é indisponível, ao fazer uso da ortotanásia no Brasil.
Disso resulta a diferença da ortotanásia para a eutanásia. Nesta a morte não é iminente nem inevitável, enquanto que naquela, o é. Por isso, o paciente possui o direito de decidir apenas como quer morrer, posto que isso é um fato consumado. Na eutanásia o enfermo está vivo e a morte não lhe é esperada.
Se o médico não atender ao pedido do enfermo, ou de seus familiares, e deixa-lo morrer naturalmente, pelo processo de ortotanásia, pode responder criminalmente pelo tipo incriminador conhecido como Constrangimento Ilegal previsto no artigo 146 do Código Penal brasileiro.
1.2.3 Distanásia
A vida é um clico que se inicia com o nascimento e termina com a morte. Existem técnicas médicas que antecipam o nascimento, interrompem o nascimento, e há ainda procedimentos que prorrogam a gestação, isso quando o feto não se desenvolveu o suficiente para sobreviver em condições normais.
O mesmo fato ocorre com relação à morte. A medicina possui procedimentos que interrompem a vida causando a morte (eutanásia) e procedimentos que prologam a vida, independente da qualidade que esta possua (Distanásia). Bem como já fora citado, há a ortotanásia que é a inércia, a não intervenção no curso normal da morte.
Dito isso, urge trazer a baila o conceito de Distanásia. Que vem a ser uma prática em que se prolonga ao máximo possível a vida de um enfermo, por meios de métodos artificiais, e que não garante nem uma qualidade de vida digna, tão pouco uma morte menos sofrida.
O termo é um neologismo em que o prefixo dys significa ato defeituoso, e thanatos, significa morte. De outro modo, a eutanásia interrompe a vida que definha enquanto a Distanásia prolonga o processo doloroso e sofrido de morte.
Também conhecida como obstinação terapêutica, o termo eutanásia foi proposto primeiramente em 1904 por MORACHE para definir tratamento em que o enfermo tem sua vida prolongada por meio de tubos, aparelhos e medicamentos em unidades de terapia intensiva, onde o doente fica totalmente isolado do mundo exterior, privado de sua liberdade, e o mais importante num momento de fraqueza – distante da família e amigos. O que torno o processo de Distanásia traumático e sofrido fisicamente, psicologicamente e moralmente.
Maria Helena Diniz (2001 p.207)[7] em sua obra intitulada O estado atual do biodireito citada por Borges (2005) ensina que distanásia "trata-se do prolongamento exagerado da morte de um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mas sim o processo de morte".
Citando ainda Greco que define distanásia,
‘A distanásia importa em uma morte lenta, prolongada, com muito sofrimento, a exemplo daqueles pacientes que são mantidos por meio de aparelhos, sem qualquer chance de sobrevida caso esses aparelhos venham a ser desligados. Como bem observado por Léo Pessini, “trata-se da atitude médica que, visando salvar a vida do paciente terminal, submete-o grande sofrimento. Nesta conduta não se prolonga a vida propriamente dita, mas o processo de morrer”’. (GRECO, Rogério. 2009, p.197)
As motivações para a adoção da técnica de Distanásia são muitas. O próprio enfermo acredita em uma possível recuperação e precisa manter-se vivo para usufruir disto, prolongando sua vida artificialmente até o momento em que o corpo fica dependente do tratamento e sem ele a vida fica inviável. A família acompanha o sofrimento do enfermo na medida em que fica na expectativa de melhora, ou não; um gasto psicológico tão cruel quanto o do enfermo, além do gasto financeiro que a família acaba tendo que arcar.
Cumpre arguir que existem ainda clínicas e médicos que se aproveitam da situação do doente para auferir renda, posto que a manutenção do enfermo no estabelecimento médico converte-se em receita, exceto, quando se trata de hospital público. Uma prática nefasta, que deve a todo modo ser combatida, em nome da dignidade da pessoa humana do paciente e seus familiares.
A distanásia não é crime de acordo com o nosso Código Penal. A decisão de sua prática cabe ao médico, em primeiro lugar, bem como ao paciente e na sua impossibilidade, a família.
Na distanásia existe uma verdadeira obstinação terapêutica pelo tratamento e pela tecnologia, de modo que a condição humana é negligenciada a ponto de ser evidente o sofrimento e inutilidade do tratamento a que o enfermo é submetido, mesmo sabendo que o procedimento distanásico é infrutífero, e não reestabelecerá a saúde nem o bem estar do enfermo.
1.2.4 Suicídio Assistido
Uma das primeiras propostas de Código Penal a implantar o delito de auxilio ao suicídio sucedeu em 1822 e apresentou uma influência decisiva sobre o Código Criminal Brasileiro de 1830. Em sua cláusula 196 punia-se a contribuição ao suicídio. Assim era a exposição: "Ajudar alguém a suicidar-se ou fornecer-lhe meios para este fim como conhecimento de causa". Entretanto o Código Penal de Império não previa a acusação do suicídio ou da busca pelo suicídio.
O Código Penal de 1890 já inseria na demarcação do crime o feitio de distorcer: "Induzir ou ajudar alguém a suicidar-se, ou para esse fim fornecer lhe meios com conhecimento de causa" (art. 299).
O suicídio é o ato voluntário de eliminar a própria vida para se livrar de algum fardo. Segundo DURKHEIM[8], todo o caso de morte que resulta, direta ou indiretamente, de um ato, positivo ou negativo, executado pela própria vítima, e que ela sabia que deveria produzir esse resultado, caracteriza o suicídio.
Outra forma de pôr fim à vida em razão de situação grave de enfermidade é o suicídio assistido, cuja conceituação é o procedimento em que o enfermo tem o auxílio de alguém para cometer o suicídio. O auxílio pode ser material ou psicológico.
O paciente deve solicitar ajuda para praticar o suicídio e deve obter esta ajuda de um terceiro. Diante do fracasso dos meios terapêuticos para manter uma vida digna, o enfermo perde o ânimo para continuar a viver e prolongar tanta dor e sofrimento.
No suicídio assistido, a morte depende da ação ou omissão do paciente que através de auxílio de um terceiro, que pode ser médico ou familiar ou amigo, resolve abreviar a vida. O suicídio assistido é permitido na Bélgica, no Luxemburgo, na Holanda e na Suíça.
Em Zurique (Suíça) funciona uma famosa clínica de suicídio assistido, a Dignitas, que até hoje se noticia que mais de 1.041 pessoas cometeram suicídio na referida clínica, uma estatística que não é comprovada pela clínica. Há registro de brasileiros inscritos como membros da entidade que farão uso do método. Sendo a grande maioria dos inscritos alemães. Em razão disso, as autoridades de Zurique estão providenciando mudanças, tais como a proibição da prática, posto que, a cidade incentive o turismo suicida.
1.2.5 Mistanásia
Cumpre mencionar, para melhor balizar o presente trabalho, mencionar a Mistanásia, também conhecida como eutanásia social, ou miserável, em que causas sociais influenciam o resultado morte nos pacientes com enfermidades graves e irremediáveis.
Nos dizeres de Martin[9],
[...] Dentro da categoria de mistanásia pode-se focalizar três situações, primeiro, a grande massa de doentes e deficientes que, por motivos políticos, sociais e econômicos não chegam a ser pacientes, pois não conseguem ingressar efetivamente no sistema de atendimento médico; Segundo, os doentes que conseguem ser pacientes, para, em seguida, se tornar vítimas de erro médico e, terceiro, os pacientes que acabam sendo vítimas de má-prática por motivos econômicos, científicos ou sociopolíticos [...] (MARTIN,1998, p.172).
Na visão de Martin, a mistanásia é a morte ocorrida também devido à falhas nas políticas sociais, econômicas e de saúde pública. Este tipo de eutanásia pode se confundir com muitos temas dentro da esfera jurídica, não permitindo uma análise aprofundada da relação entre as políticas públicas e as causas de homicídio/suicídio na forma de eutanásia.
1.3 Consentimento da Vítima
A tutela jurídica da vida entra em confronto direto com a dignidade da pessoa humana, por mais contraditório que isso possa soar. A vida como bem supremo exige sua preservação acima de tudo, assim como a lei também fala em dignidade da pessoa humana, ou seja, viver, mas viver dignamente, não apenas viver. Haja vista tal entendimento, como é possível harmonizar o direito de viver e o viver dignamente para doentes graves irremediáveis, cuja morte é iminente?
É necessário diálogo entre as diversas correntes e setores sociais quanto ao assunto eutanásia para que se chegue ao mínimo de consenso no que se refere viver dignamente. Buscar uma solução socialmente mais adequada.
Ressalte-se que o corpo humano é indisponível, por conseguinte é vedado dispor sobre a vida de outrem. Ainda que haja consentimento por parte da vítima, ninguém está autorizado, pela lei brasileira, a tirar-lhe a vida.
Portanto, para que haja consentimento válido para o mundo jurídico o sujeito precisa estar esclarecido de todas as circunstâncias e fatos que determina a situação jurídica, pois somente assim estará apto a manifestar-se. Deve possuir capacidade de compreender os fatos, discernir e manifestar-se de modo livre e espontâneo.
Conforme relembra Raquel Elias Ferreira Dodge[10]:
A eutanásia vem sendo entendida, nos tribunais brasileiros, como hipótese de homicídio privilegiado, ou seja, cometido por motivo de relevante valor moral, quer dizer, cometido em decorrência de interesse particular e, por isso, é causa de atenuação da pena inicialmente prevista para o crime (Código Penal, art. 65-III-a e art. 121-§1º) (RTJSP, 41:346 e TJPR: Acrim 189, PJ, 32:201). (Eutanásia: aspectos jurídicos. p. 03)
Portanto, mesmo não havendo um tipo específico que defina eutanásia no Código Penal, a conduta letal está configurada no artigo 121, § 1º, do mencionado códex – homicídio privilegiado.
Depreende-se que, mesmo havendo consentimento do doente para que lhe seja usado o método da eutanásia, ainda assim haverá crime, não importando em nada seu consentimento.
Nas palavras de Luiz Inácio de Lima[11],
Muitas pessoas com doenças terminais são mantidas vivas contra a sua vontade, recorrendo, por vezes, a outros meios para tentarem prolongar a sua vida, causando mais sofrimento a si e a quem as rodeiam. A sociedade mergulhada nos arcaísmos do passado talvez devesse superá-los e reconhecer que, nos casos extremos, provados, se possível, cientificamente, os indivíduos com doenças terminais pudessem escolher como e quando morrer. Se não pode ser negado o respeito àquele que em agonia opta por adiar o momento da sua morte ao mesmo tempo deveria ser respeitado o direito que assiste ao médico de recusar tal prática mesmo em situações terminais.
Em que pesem as respeitáveis opiniões dos juristas brasileiros, é preciso harmonizar viver, com viver dignamente. Prolongar um sofrimento físico e psicológico a pessoa que não deseja é ir de encontro à liberdade fundamental trazida na lei brasileira.
Luíz Flávio Gomes[12] conceitua anuência como sendo “a anuência ou adesão do ofendido (da vítima) que autoriza a lesão a algum bem jurídico que lhe pertence (e que está inserido no âmbito da sua autonomia pessoal)”.
O referido autor ainda complementa afirmando:
Consentimento exclui a tipicidade fática-legal (o lado fático/legal da tipicidade penal), ora a tipicidade axiológica (porque retirar o desvalor do fato), ora, enfim, exclui a antijuridicidade (constituindo, nesse caso, causa supra legal de exclusão de antijuridicidade). E às vezes ainda funciona como causa de diminuição da pena.
Pelo estudo de todo o direito penal e seus tipos incriminadores é que se conclui, como fez Luiz Flávio Gomes, que o consentimento, de acordo com o caso concreto, pode excluir a tipicidade, a antijuridicidade e pode atuar como causa de diminuição de pena ao agente que praticou a conduta contra o consentido.
Além da lei, é preciso sopesar os costumes, dado que a lei nada mais é que a manifestação positivada dos comportamentos comuns a uma determinada sociedade. Desta feita, o valor dos costumes deve nortear a discussão acerca da eutanásia na medida em que direito também é norma de valores.
Assim, o consentimento esclarecido e informado é fundamental, posto que o método eutanásico é irreversível e terminal, devendo haver por parte da doente consciência livre e espontânea para que possa decidir sobre a aplicação ou não do procedimento letal. Apesar de, no direito brasileiro, o consentimento da vítima é irrelevante para a caracterização do crime de homicídio privilegiado.
2 – A eutanásia e a Constituição Federal Brasileira
2.1 Direito à vida
O Estado Democrático brasileiro garante o direito soberano à vida, classificando-o como bem indisponível. Cumpre lembrar que a Constituição Federal traz sob seu manto uma única exceção ao direito à vida, é o que preceitua o artigo 5º, XLVII, “a” não haverá pena de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do artigo 84, XIX. A regra é o direito a vida, que é requisito à existência, assim como para o exercício dos demais direitos fundamentais.
Uma questão que se impõe é que o enfermo, o qual não dispõe de meios terapêuticos que consiga evitar a morte penosa e sofredora, devia ter o direito de escolher a morte. Escolher uma morte digna não é necessariamente renunciar à vida, posto que, não é mediano alguém desejar a própria morte se não por motivo relevante e grave. Escolher a morte não é uma decisão fácil.
Para muitos enfermos o tratamento é mais doloroso e penoso que a própria doença. É temeroso imaginar uma morte lenta, de intensa dor e sofrimento. O quão digno é viver em estado vegetativo ou em intenso sofrimento físico e psicológico que não vislumbra nenhum resultado?
Canotilho (2000, p. 526)[13] aduz que o direito à vida é um direito subjetivo de defesa, pois é indiscutível o direito de o indivíduo afirma o direito de viver, com a garantia da “não agressão” ao direito à vida, implicando também a garantia de uma dimensão protetiva deste direito à vida. Ou seja, o indivíduo tem o direito perante o Estado de não ser morto por este, o Estado tem a obrigação de se abster de atentar conta a vida do indivíduo, e por outro lado, o indivíduo tem direito à vida perante os outros indivíduos estes devem abster-se de praticar atos que atendem contra a vida de alguém. E conclui: o direito à vida é um direito, mas não é uma liberdade.
No leito de morte toda pessoa ainda é livre, tem desejos. Acatar os “últimos desejos” do enfermo é resgatar sua dignidade, sua memória, é respeitar seu poder de decisão. Não é toda e qualquer situação que ensejará a morte por eutanásia; a lei deve estipular requisitos para se evitar mortes indiscriminadas de pessoas doentes de enfermidades simples e de fácil recuperação e terapia. A eutanásia é para casos extremos, enfermos de doenças extremas, dores extremas, sofrimento psicológico e físico extremo e de cura inviável. Não se deve legalizar a morte egoísta, per si, aquela em que não há situação de intenso sofrimento físico e mental irreversível, atroz e intolerável.
Os médicos devem ser curadores, não carrascos. Devem lutar pela preservação da vida digna, não da morte.
O Código Civil trouxe o direito à disposição do corpo para depois da morte “é válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte” (art.14, CCB).
Portanto, a lei prevê dispor do próprio corpo após a morte, mas não permite o mesmo direito enquanto o cidadão está vivo. A fundamentação para essa questão é muito profunda. Explicar que direito à vida é indisponível ao mesmo tempo em que o princípio da dignidade da pessoa humana seria subsidiária é tema para um trabalho mais profundo.
A “última vontade” também foi legalizada pelo Código Civil, senão vejamos:
Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
[...]
§ 2º São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
Depreende-se o supramencionado artigo que, qualquer pessoa pode dispor de seus bens da forma que lhe convir, respeitada a legítima, que vem a ser a parte da herança que será obrigatoriamente destinada aos herdeiros necessários, como o cônjuge supérstite e filhos.
O nosso Código Civil disciplina não apenas bens, como também qualquer disposição desejada pelo testamentário. Inclusive o reconhecimento de filiação pode ser incluído no testamento.
Dito tudo isso, fica evidente que o Direito brasileiro cuida dos direitos dos mortos, respeitando suas vontades quando ainda eram vivos. De forma semelhante o direito poderia respeitar decisão consciente e voluntária daquele que não deseja continuar tratamento médico em caso de doença terminal e irreversível. Ou mesmo ter o direito de ser-lhe administrada substância que antecipe a morte iminente.
É salutar citar os casos em que o paciente não deseja se submeter a tratamento médico e se socorre em casa, apenas com a ajuda familiar nos últimos dias que lhe restam de vida. Seria esse um caso de eutanásia? Rejeitar tratamento médico contra enfermidade é um tipo de eutanásia?
Quantos questionamentos podem ser arguidos em tão complexo tema como o é a eutanásia. Mas o que se tem até hoje no Brasil é apenas uma legislação que proíbe tal prática e que não permite ao cidadão ter uma vida digna no leito de morte, ou mesmo, diria, uma morte digna.
Insta salientar que a decisão sobre vida e morte está vinculada à vários ângulos, jurídico, ético, religioso, filosófico, sociológico e etc., além de envolver diversos fatores como família, condições de manter tratamento que prolongue a vida, o diagnóstico da enfermidade e etc.
2.2 Direito à Liberdade
Ter dignidade é ter liberdade para exercer direitos e obrigações perante a sociedade, sem incorrer em violação de direito do próximo. Em razão disto, o princípio da liberdade é tão importante quanto o da dignidade da pessoa humana.
Nossa Constituição Federal contempla isto princípio no seu artigo 5º, II, que diz in verbis que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Numa clara demonstração de que todos são livres para fazer ou deixar de fazer o que quiser, desde que não defeso em lei. O Brasil recepcionou a Declaração Universal dos Direitos do Homem, no que se refere à liberdade, o referido diploma estatui no seu artigo III que todo homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal.
A liberdade também é inerente ao homem, e condição para sua existência. Por isso, cuidou a CF/88 de exemplificar no seu artigo 5º várias liberdades, a exemplo da liberdade de expressão, locomoção, pensamento, trabalho, associação, credo, reunião, etc., como forma de solidificar e demonstrar a necessidade de liberdade ao homem.
O artigo 5º, XV, CF, dispõe que "é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens". O pensamento é livre, cada indivíduo tem o seu modo de pensar sobre as coisas, devendo ser respeitado seu pensamento. Por conseguinte, há a liberdade de manifestação de pensamento, expressando-se como exteriorização do pensamento de forma, escrita, oral ou outros meios. A CF/88 veda apenas o anonimato, posto que, a ofensa deve ser reparada quando houver – direito de resposta proporcional.
Ainda no artigo 5º, IX "é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença". A própria carta magna traz remédios para que o acesso à informações seja respeitados, como exemplo temos o habeas data. Processo pelo qual se assegura ao impetrante o direito ao acesso às informações de registros pessoais constantes de bancos de dados de entidades públicas ou particulares, quando dotadas de caráter público.
Pela liberdade religiosa "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias". Cumpre lembrar que tal liberdade se coaduna com o princípio da laicidade do Estado brasileiro, em que o Estado não possui religião oficial.
O constituinte originário tratou de enumerar vários direitos inerentes ao homem, inclusive o direito à vida. Mas, deu-lhe também a liberdade para decidir sobre o uso de seus direitos.
No dizer sempre expressivo de César Beccaria, "não existe liberdade onde às leis permitem que, em determinadas circunstâncias, o homem deixe de ser pessoa e se converta em coisa". (BECCARIA, 2000. p. 145.)
Com efeito, Beccaria ensina que a lei não pode tornar o homem apenas um ser obediente ao estritamente imposto em lei. O homem deve viver da maneira que achar conveniente, fazendo suas escolhas livre e conscientes, usufruindo de suas liberdades, sem, no entanto, ferir direito alheio. Pergunta-se: ao decidir pela própria morte, que se tornou único alívio para o sofrimento do enfermo grave, fere direito alheio?
O Estado não legislou especificamente sobre a morte, limitando-se aos crimes contra o respeito aos mortos no Capítulo II do Título V do Código Penal brasileiro. Porém, o livre arbítrio acerca da morte digna, não há precedentes na nossa legislação brasileira. Havendo apenas a proibição à prática da eutanásia praticada por outrem, semelhante ao que ocorre com o suicídio, que não é crime, mas seu induzimento ou auxílio é.
Há, ainda o princípio da autonomia que se alicerça na liberdade de decisões, na deliberação, pelo homem, de suas vontades voluntariamente e consciente. É o que a ciência chama de autodeterminação, onde o cidadão para si o que melhor lhe convêm. No caso da eutanásia é a determinação do paciente para que seja encerrada sua dor e sofrimento através da prática da eutanásia.
Os conceitos e valores do paciente não devem ser questionado nem pelo médico, nem pela lei, que deve prevê liberdade de pensamento e crença, o que de fato ocorre no Brasil, conforme artigo 5º da Constituição Federal.
É necessário, portanto, que o enfermo tenha plena capacidade para decidir, que não esteja coagido ou incitado a praticar a eutanásia, ou outro método semelhante para por fim à vida. Por isso, a figura do médico é muito importante para que o enfermo tome a decisão de morrer apenas em último caso, e quando findo todos os métodos paliativos. Diante disso, a lei que hoje incrimina a conduta da eutanásia somente prevê a dimunição de pena se o agente praticar o crime por relevante valor social.
A intervenção terapêutica contra a vontade do paciente é um atentado contra sua dignidade. A pessoa tem a proteção jurídica de sua dignidade e, para isso, é fundamental o exercício do direito de liberdade, o direito de exercer sua autonomia e de decidir sobre os últimos momentos de sua vida. Esta decisão precisa ser respeitada. Estando informado sobre o diagnóstico e o prognóstico, o paciente decide se vai se submeter ou se vai continuar se submetendo a tratamento. Ele pode decidir pelo não tratamento, desde o início, e pode também decidir pela interrupção do tratamento que ele considera inútil. (CONSTANZI, 2005. Apud. BORGES, 2005)[14].
Nenhuma liberdade é irrestrita ou plena, existem limites que a própria lei estabelece as liberdades individuais para que esta não venha ferir a liberdade de outro cidadão. Como exemplo, temos os direitos do menor, do incapaz, do presidiário, do doente mental, que sofrem restrições estabelecidas pela própria norma jurídica.
2.3 Direito à Dignidade
A dignidade da pessoa humana é fundamento da República Federativa do Brasil, tornando o ser humano figura central do Estado. Tal princípio fundamental é inerente a todo pessoa, e conforme artigo 5º, caput, da CF/88 sem qualquer tipo de distinção, devendo o estado tutelá-lo, tendo em vista que é pressuposto necessário à existência. Não é surpreendente que seja assim, pois é questão magna sobre a qual edifica-se todos os outros princípios individuais do ser humano.
Canotilho[15] faz uma conceituação simplista e ao mesmo tempo densa de dignidade da pessoa humana, a saber:
(...) perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República. (CANOTILHO, 1998 p. 221)
Para Canotilho o respeito a integridade física e espiritual da pessoa humana é precedente para garantir o desenvolvimento da personalidade de cada cidadão. O Estado acima de tudo deve proteger o humano em suas leis, posto que o centro de todo o mundo jurídico é o ser humano. Nesta mesma seara, dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que traz em seu artigo I o mesmo respeito à dignidade humana, quando preceitua que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Nesta esteira, presume-se que todo ser humano é livre, e a dignidade torna-se fundamento da liberdade e igualdade. A Constituição Federal não permite que nenhuma pessoa renuncie à dignidade, pois a condição de sua existência é a própria vida. Desta forma, não existe pessoa sem dignidade. O que prevalece, de fato, é o livre arbítrio do indivíduo, para que decida sobre seu destino dentro dos limites imposto por lei, e sempre respeitando seus próprios limites – elemento da dignidade da pessoa humana.
Pelo princípio da dignidade da pessoa humana o homem não pode torna-se objeto do Estado e de terceiros.
Dignidade efetivamente constitui qualidade inerente de cada pessoa humana que a faz destinatária do respeito e proteção tanto do estado, quanto das demais pessoa, impedindo que ela seja alvo não só de quaisquer situações desumana ou degradantes, como também lhe garantido direito de acesso a condições existenciais mínimas. (MARTINS, 2005, p.120. apud CONSTANZI, 2005.).[16]
A dignidade humana é um conjunto de valores, direitos, liberdades e garantias individuais e coletivas, sejam direitos pessoais, sociais, políticos, culturais, ou econômicos, de interesses da vida humana.
É mister citar Alexandre de Morais quando douto doutrinador argumenta acerca do princípio da dignidade da pessoa humana.
O principio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em uma dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. Esse dever configura-se pela exigência do individuo respeitar a dignidade de seu semelhante tal qual a Constituição federal exige que lhe respeitem a própria. A Concepção dessa noção de dever fundamental resume-se a três princípios do direito romano: honestere (vive honestamente), alterum nonlaedere (não prejudique ninguém) e suum cuique tribuere (dê a cada um o que lhe é devido)" (MORAES, Alexandre de pp. 50, 51.)
Para exercer plenamente sua dignidade o cidadão deve incluir-se no convívio social. Ter dignidade é exercer suas liberdades sem influir na liberdade do próximo. A existência do Estado objetiva-se a estar serviço da pessoa humana, para suprir as suas necessidades.
No que se refere à eutanásia poderíamos suscitar o princípio da dignidade da pessoa, posto que tal método eutanásico é usado em doentes cujas enfermidades são graves e irreversíveis, e cujo sofrimento é intenso e penoso. Além, claro, dos enfermos em estado vegetativo, que nem mesmo possuem autonomia para decidir sobre sua vida ou morte.
A invocação do princípio da dignidade da pessoa humana torna-se imperiosa em razão da situação pela qual passa o cidadão acometido de moléstia grave e irreversível que lhe causa muita dor e sofrimento. A vida para pessoas que se encontram nesta situação parece não fazer mais sentido em virtude de tanto sofrimento que de nada adiantará passar.
A prática da Eutanásia agride o direito fundamental à Vida. Por outro lado, ao vetar o cidadão de fazer uso da prática letal da eutanásia, a lei cerceia o direito de liberdade de escolha, a liberdade de opinião, pensamento e de autonomia. Um verdadeiro degladiamento de princípios fundamentais da República Federativa do Brasil.
Ainda assim, o direito brasileiro já se manifestou pela inaceitabilidade do uso da eutanásia em cidadãos brasileiros. Disso decorre uma conclusão indubitável – a sobreposição do direito a vida sobre a Dignidade da pessoa humana. É a legalização do viver por viver, do viver objeto fim, mesmo não possuindo, o cidadão, o mínimo de condição de uma vida digna, de qualidade de vida, de uma vida onde possa exercer qualquer direito que seja autonomamente.
Pelo princípio da dignidade da pessoa humana o homem não é somente um cidadão participante de um Estado, “um entre vários”, mas sim pessoa única no meio em que vive, com seus anseios, pensamentos e autonomia particular, e com poder de decidir de que forma pretende usar todos os direito e garantias fundamentais que lhe foram dados pela Constituição, inclusive no que se refere à vida.
Flademir Jerônimo Belinati Martins ressalta que,
(...) em síntese, temos que a dignidade efetivamente constitui qualidade inerente de cada pessoa humana que a faz destinatária do respeito e proteção tanto do Estado, quanto das demais pessoas, impedindo que ela seja alvo não só de quaisquer situações desumanas ou degradantes, como também garantindo-lhe direito ao acesso a condições existenciais mínimas (MARTINS, 2003, p. 120).
Portanto, mais do que ter direito à vida, o cidadão, tem direito a uma vida digna, onde exerça com autonomia e consciência seus direitos. Sem embargo, a decisão pelo fim da própria vida é direito de cunho pessoal, particular, em nada devendo intervir o Estado, posto que esta decisão não afeta diretamente a estrutura e funcionamento do deste.
O princípio da dignidade da pessoa humana tenta resguardar e proteger os direitos e garantias fundamentais do cidadão. Do contrário, o Estado e o próprio homem não trataria com prioridade suprema a vida, não lhes dariam, inclusive, o devido respeito que enseja.
5º, III, também da Constituição da República, que expressa que "ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante",
2.4 Direito à Saúde
O avanço científico desde o século XX têm sido rápido e eficaz. A medicina avançou com novos tratamentos, drogas e terapias que aumentaram, e muito, a qualidade de vida das pessoas. Mas, grande número de doenças continuam sem cura, ou com tratamento difícil, e por muitas vezes muito dispendioso. O Estado chamou pra si a responsabilidade de promover a saúde dos seus cidadãos e com isso ele interfere diretamente nos tratamentos dos doentes. É o caso da eutanásia, onde o Estado tutela a vida, não permitindo a o uso da técnica da eutanásia em doentes terminais.
Existem tratamentos clínicos em que os médicos mantêm vivos pacientes que em condições naturais a vida seria inviável. São vários aparelhos que são ligados ao corpo do enfermo para reestabelecer suas funções vitais funcionando da melhor forma possível, mesmo que isso provoque imensa dor e sofrimento. Além disso, a indústria farmacêutica evoluiu a tal ponto de existirem drogas para quase todas as enfermidades, inclusive para dores. O efeito de tantos medicamentos no organismo humano é de inevitável fragilidade, e assim um remédio vai sendo aplicado para combater a enfermidade, outros para combater os efeitos dos remédios.
A própria Constituição Federal traz a saúde como um direito de todos e dever do Estado, senão vejamos:
Art. 196 - A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Diante disto, o Estado interfere na saúde dos cidadãos porque ela, a Constituição Federal de 88, trouxe para si a responsabilidade de cuidar dos seus concidadãos. Em razão disto, e da previsão do Estado recuperar os enfermos, é que se justifica a interferência da lei no que diz respeito à distanásia. O Estado deve garantir a pronta recuperação do enfermo, administrar-lhe tratamento adequado e juntamente com o direito à vida, usar de todos os meios para manter vivo o doente tutelado, mas sempre sob condições dignas.
Será que a medicina com todo o avanço que vem passado está garantindo o direito de morrer dignamente? O quanto prolongar o sofrimento e a dor de uma enfermidade é digno? O quanto não respeitar uma decisão consciente e esclarecida de um doente terminal é digno e constitucional? Muitas são as indagações que só discussões como esta, que se apresenta agora por meio deste trabalho, é capaz de responder.
A lei, portanto, fala em recuperar os enfermos. Aqui é necessário lembrar que o termo correto deveria ser “cuidar”, “aliviar” o sofrimento. É preciso cuidar do doente, não só da doença. É preciso tratar com dignidade quem esta se submetendo a tratamentos, pois ao tentar recuperar o doente, ou tratar a doença, o enfermo pode estar sendo tratado com indignidade, numa verdadeira afronta à Constituição Federal que é nossa lei máxima.
3 – Aspectos Jurídicos
Como é sabido, a lei é imperativa e sancionadora. Influi diretamente na consciência pública. Quando uma lei entra no meio social, tem o condão de nortear o comportamento dos cidadãos. A eutanásia legalizada será praticada pelos cidadãos sem remorso, fragilizando a solidez da garantia fundamental á vida preceituada na nossa Constituição Cidadã.
Não existe previsão expressa da figura da eutanásia no Código Penal Brasileiro. Os doutrinadores, em sua maioria, concordam com a tipificação da referida conduta, em sua modalidade ativa direta e passiva, na primeira parte do §1º, do artigo 121, do Código Penal Brasileiro, que trata do homicídio privilegiado, eis o teor:
Art. 121 - Matar alguém:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.
§1º - se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima.
Assim, no caso de homicídio praticado por motivo de relevante valor social ou moral, que em princípio seria o caso da eutanásia, o magistrado pode reduzir a pena de um sexto a um terço. Assim, os motivos do crime definiriam a diminuição da pena, não sendo o caso aqui de exclusão da tipicidade ou da antijuridicidade.
Cabe notar que o motivo, causa de diminuição de pena, tem que ser relevante, ou seja, deve possuir significativa importância no meio individual do paciente. Portanto, se não for relevante, não haverá privilégio, ou seja, não será causa de diminuição de pena.
Por relevante valor moral, entende-se aquele referente aos interesses particulares do agente, em regra, ligado a um sentimento de misericórdia e compaixão daquele que, diante da tragédia pessoal de outrem, tenta de qualquer forma minorar seu sofrimento.
Ressalte-se, ainda, por oportuno, que nem sempre os motivos que levaram o agente a praticar homicídio contra paciente em estado terminal são fundados em relevante valor moral. Ocasiões há em que a justificativa é outra, podendo, a depender de cada caso, ser tipificada a conduta como homicídio simples, ou até mesmo qualificada, no caso do motivo torpe (Artigo 121, § 2º, I, CP).
Isto posto, é de absoluta procedência a observação de Rogério Greco (GRECO, 2010, p 46):
Quando o agente causa a morte do paciente já em estado terminal, que não suporta mais as dores impostas pela doença a qual acometido, impelido por esse sentimento de compaixão, deve ser considerado um motivo de relevante valor moral, impondo-se a redução obrigatória da pena. Merece ser ressaltado que, em ambas hipóteses, a diminuição deve ser aplicada, em decorrência do menor juízo de censura que recai sobre a conduta do agente que atua amparado por uma dessas motivações.
Corroborando com esse entendimento, a exposição de motivos do Código Penal[17], de modo expresso, se referiu à eutanásia para explicar o que se poderia entender por “motivo de relevante valor social, ou moral”, eis o teor:
Ao lado do homicídio com pena especialmente agravada, cuida o projeto do homicídio com pena especialmente atenuada, isto é, o homicídio praticado "por motivo de relevante valor social, ou moral", ou "sob o domínio de emoção violenta, logo em seguida a injusta provocação da vítima". Por "motivo de relevante valor social ou moral", o projeto entende significar o motivo que, em si mesmo, é aprovado pela moral prática, como, por exemplo, a compaixão ante o irremediável sofrimento da vítima (caso do homicídio eutanásico), a indignação contra um traidor da pátria, etc. (Código Penal. 1940)
Resta claro, portanto, que a eutanásia, ao menos no código penal, é uma conduta típica, recebendo privilégio obrigatório em razão dos motivos determinantes do crime, embora haja divergência, em especial quando se leva em conta a defesa constitucional da morte digna.
É possível também, considerando o caso em que há consentimento da vítima, configurar-se, no momento da fixação da pena pelo juiz, a circunstância judicial do art. 59, quando fala do comportamento da vítima, ou mesmo a atenuante genérica do art. 66, em razão de circunstância relevante, não prevista em lei, anterior à conduta.
O crime aqui pode ocorrer tanto na modalidade comissiva como na omissiva. No primeiro caso, que é o mais comum, o agente abrevia a vida do paciente, mediante uma conduta positiva, pondo fim ao sofrimento da vítima, movido por um sentimento de compaixão.
Neste caso, para caracterizar a responsabilidade, mostra-se necessário a prática do fato típico, ou seja, da conduta causadora do dano, e do nexo de causalidade entre a conduta e o resultado morte
No segundo caso, necessário se faz a presença do dever legal de agir, ou seja, o agente devia e podia agir para evitar o resultado. Segundo o art. 13, §2º, incisos I, II e III, este dever incumbe a quem tenha por lei obrigação de cuidado, proteção ou vigilância, ou de outra forma, assumiu a responsabilidade de impedir o resultado, ou com seu comportamento anterior, criou o risco da ocorrência do resultado.
A doutrina é unanime em afirmar que, nestes casos, o médico, em razão dos deveres da profissão, bem como do próprio juramento, ou da relação contratual, estaria na posição de garante, sendo a omissão, nestes casos, penalmente relevante.
Mesmo concordando com o exposto acima, existem aqueles que defendem a eutanásia ativa indireta, onde se utilizando de meios necessários para amenizar o sofrimento insuportável, em razão dos meios empregados, tem-se como inevitável a morte do paciente.
Assim, diante do caso sofrimento excessivo do paciente, o médico se vê num dilema: manter a vida do paciente apesar do sofrimento insuportável, ou aliviar seu sofrimento por meio de medicamentosos que abreviarão a sua vida.
Aqui pode-se facilmente defender a inexistência de culpabilidade, em razão da inexigibilidade de conduta diversa por parte do autor. Neste caso, diferentemente da eutanásia ativa direta, em que é possível aliviar a dor do paciente por meios não letais, na indireta, o sofrimento insuportável é irremediável.
Se a própria Constituição Federal veda qualquer forma de tortura ou tratamento desumano ou degradante, não cabe ao médico escolher a “tortura física”, máxime quando há súplica do paciente no sentido contrário. Ressalte-se que alguns constitucionalistas defendem ainda a existência do princípio da não tortura, que estaria acima do princípio da vida, pois conforme consta da Constituição, o primeiro, diferentemente do segundo, seria um princípio absoluto, não podendo ser relativizado.
Apesar de todo o exposto, se observarmos a problemática à luz dos princípios constitucionais, máxime o da dignidade da pessoa humana, a eutanásia revela-se como uma garantia do paciente, não havendo na conduta do agente nenhuma violação a direito, e sim em garantia constitucionalmente assegurado, o da morte digna.
Sobre o assunto, tenho por oportuno trazer à colação os ensinamentos de Marcelo NOVELINO:
No caso da eutanásia voluntária e do suicídio assistido a questão é mais delicada. Todavia, entendemos que no caso concreto, de acordo com as circunstâncias fáticas envolvendo o paciente, outros princípios (dignidade, liberdade, privacidade...) poderão justificar a sua realização e afastar a ilicitude da conduta. Vale lembrar que a constituição consagra o direito à vida com dignidade, razão pela qual não se justifica a manutenção da vida humana a qualquer custo. Isso não significa a manutenção da vida, mas a necessidade de considerar, ainda que em hipóteses excepcionais, a vontade do paciente e as circunstâncias fáticas do caso concreto. Este como um ser moral capaz de fazer escolhas e assumir responsabilidades (NOVELINO, 2011, p. 434).
A opinião o ilustre professor é sustentada por outros diversos autores, porém, carece de respaldo legal, pelo menos no que se refere à legislação infraconstitucional.
Vários seriam os ordenamentos maculados com tal conduta, tais como o próprio artigo 121 do Código Penal, no qual o tipo é ‘matar alguém’. Assim como o artigo 122:
Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.
Também infringiria o artigo 135 do mesmo diploma incriminador:
Art. 135. Deixar de prestar assistência, quando possível faze-lo sem risco, à criança abandonada ou extraviada, ou a pessoa inválida ou ferida, ao desamparado ou em grave e eminente perigo; ou não pedir, nesses casos socorro da autoridade pública:
Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.
A guisa dos exemplos é de se afirmar que seriam necessárias uma reforma em vários artigos do Código Penal, notadamente nos supramencionados, posto que todos se enquadram no conceito de eutanásia.
Como é cediço, para o Direito brasileiro, a eutanásia configura crime de homicídio. Com efeito, é conduta típica, ilícita e culpável. Nada tem de relevante o consentimento da vítima para a configuração do delito preceituado no artigo 121 do Código Penal brasileiro que imprime sanção, frisa-se das mais severas, ao agente que o comete, seja médico ou parentes.
O nosso diploma Penal não traz o crime de eutanásia, mas nos termos do tipo homicídio surge a figura do "homicídio privilegiado". Existe uma classificação para as diferentes formas de se proceder à prática da eutanásia. Os dois grandes tipos são o ativo no qual se faz uso de medicamentos que induzam à morte, e a modalidade passiva (ortotanásia) que consiste na omissão ou a interrupção do tratamento. Assim, conforme descrição alhures, o agente que pratica tais atos estará realizando a eutanásia, podendo ser condenado por crime de homicídio, ou mesmo ou auxílio ao suicídio.
Até o momento, é possível observar que há uma preocupação da lei em permitir o uso da eutanásia apenas em casos extremos, sendo a eutanásia a ultima ratio para a vítima e parentes.
É possível notar que o tema eutanásia é bastante controverso dentro do ordenamento jurídico brasileiro em virtude da Constituição Federal de 1988 garantir com direito fundamental – a vida. Em razão disto, todos os tipos que se relacionarem ao bem jurídico – vida – deverá sofrer alguma alteração caso seja legalizada a eutanásia.
A mais recente polêmica envolvendo a eutanásia é o conhecido como testamento vital instituído pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) através da Resolução 1.995/2012, que intitula como Diretivas Antecipadas de Vontade o direito dos pacientes decidirem, prévia e expressamente, quais cuidados e tratamentos a que querem ser submetidos quando estiverem incapacitados de expressar suas vontades livres e conscientes. Podendo decidir, inclusive, se desejam a intervenção médica quando ocorrer parada cardiorrespiratória, necessitar de cirurgias de risco, procedimentos e tratamentos dolorosos e degradantes, entre outros meios artificiais de perpetuar ao máximo a vida.
A justificativa é que pelo testamento vital é possível regulamentar a postura do médico, para que não tome medidas contrárias à vontade do paciente, respeitando assim a liberdade do enfermo, conforme ordena a Constituição Federal. Vem a ser também medida contra a adoção de tratamento que submete o enfermo a penoso e dolorido prolongamento de seu sofrimento.
Tal medida pode ser feita através de comunicação ao médico ou via cartório por pessoa maior e capaz civilmente para os atos da vida civil, e que deseja voluntariamente decidir como quer que seja seu fim de vida, podendo ser modificadas suas cláusulas, desde que pelo próprio testador ainda capaz para tanto. Cumpre lembrar que tal resolução refere-se à ortotanásia, e não a eutanásia, posto que na ortotanásia a morte é inevitável e iminente.
Nestes tipos de testamento a condição terminal da doença grave, estado inconsciente de coma ou dano cerebral grave que torne o enfermo em estado vegetal sem possibilidade de recuperação. Caso contrário, não há como efetivar o testamento vital. O testamento vital é documento escrito pelo próprio enfermo que decide antecipadamente sobre seu tratamento caso venha a se encontrar nesse estado vegetativo, em substituição as decisões tomadas pelos familiares.
Os juízes e tribunais brasileiros ainda caminham a passos lentos no que se refere ao testamento vital, haja vista, esta ainda não é uma prática muito difundida no Brasil, sobretudo pela sua recente legalização.
Apesar de não está previsto no Código Civil brasileiro como uma das formas de disposição para o período da morte, o testamento vital, não encontra vedação na atual legislação brasileira. Portanto, aqueles que desejam não se submeter a tratamentos médicos quando estiverem em estado grave de saúde podem se salvaguardar com o testamento vital, em que disporão sobre como proceder os médicos e familiares caso venham a estar em estado vegetativo sem condições de decidir per si.
A legislação brasileira apresenta um paradoxo que parece de difícil compreensão, trata-se da legítima defesa como excludente de ilicitude.
Nessa esteira, Mirabete e Fabrrini trazem uma abordagem clara do que vem a ser causas de excludentes de ilicitude,
O direito prevê causas que excluem a ilicitude do fato típico, chamadas de causas excludentes da criminalidade, ou excludentes da antijuridicidade, ou excludentes da ilicitude, ou justificativas, ou descriminantes. Dispondo a esse respeito, diz a lei brasileira, no art. 23, em caráter geral,, que “não há crime” quando o agente pratica o fato em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento do dever legal no exercício regular de direito. Mas, além dessas normas permissivas da Parte Geral, existem algumas justificativas na Parte Especial (art. 128, art. 142 etc.). Evidentemente, reconhecendo-se a excludente com relação a um dos autores do fato, aproveitam-se todos aqueles que concorram para o resultado como co-autores ou partícipes. (FABBRINI e MIRABETE, 2007, p.228).
Pelo que nos traz os insignes doutrinadores, as excludentes de ilicitude são normas permissivas, ou seja, permite a pratica de crime em determinadas situações, como é o caso da legítima defesa. Estão previstas no art. 23 (caput), art. 24 (estado de necessidade) e art. 25 (legítima defesa). É importante salientar que não estão somente instituídas na Parte Geral do Código Penal, mas na Parte Especial é possível identificar os artigos 128, 142, 150 e 156, por exemplo, que exclui a condição ilícita do fato.
Dito isso, as causas de excludentes de ilicitude justificam, inclusive, o crime de homicídio, que se cometido nessas condições do art. 23, CP, não caracteriza crime, o agente não será condenado. Desta forma, é salutar que a lei não proíbe o crime de homicídio, a lei apenas penaliza todo aquele que matar alguém.
Como a eutanásia é tipificada como crime de homicídio privilegiado (art. 121, § 1º do Código Penal) o agente que comete o crime de matar alguém apenas por motivo de relevante valor ou social é processado criminalmente pelo delito de homicídio privilegiado.
Ao tempo em que, a lei não permite matar alguém por meio das causas excludentes de ilicitude se ocorrer as situações que definem as causas do art. 23 do CP. Assim, quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, não comete crime.
Além de que, considera-se em estado de necessidade o agente que pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se, exatos termos do art. 24 do CP.
Ou seja, para a eutanásia não cabe invocar o estado de necessidade, posto que este tende a resguardar um bem jurídico em detrimento de outro, e na eutanásia não há dois bens jurídicos em conflito, mas apenas um, a vida do próprio enfermo, e que, na verdade, não desejar proteger seu bem jurídico, vida, mas, sim extingui-la, de maneira aliviar o próprio sofrimento e de seus familiares e amigos. Pelas mesmas justificativas não é possível invocar a legítima defesa.
Isaac Peixoto Costa Rosa[18] em seu texto, A Eutanásia No Direito Brasileiro, cita Bizatto (2000, p.321), preceituando que “pela Lei, o ser humano pode tirar a vida de um outro ser humano que injustamente lhe agredira, mas está proibido de sentir compaixão pelos seus semelhantes”.
Nas palavras de Bizatto percebe-se que de fato a compaixão pelos entes enfermos não autoriza a prática da eutanásia. inclusive o Código Penal em outra passagem afirma que paixão e emoção não excluem a imputabilidade. E, talvez aqui, seja necessário concordar com o legislador, posto que qualquer crime poderia alegar que foi motivado por forte emoção ou paixão, causando uma verdadeira insegurança jurídica e social.
Mas, de toda forma, é necessário reanalisar o sentimento de piedade em torno da eutanásia, além do próprio consentimento da vítima que deveria ser aceito como autorizador da prática da eutanásia.
3.1 A vida e a morte na história
Ao longo da história humana a vida e a morte foram talvez os assuntos que mais renderam veneração e adoração pelo homem. A vida é o bem mais valioso para quase todos os povos, sendo por tal razão objeto de proteção especial por parte dos agrupamentos humanos mais diversos.
A morte por ser também um fenômeno social despertou muito interesse das sociedades, desde as mais remotas. Para uns a morte é uma passagem para outro mundo, para outros é término definitivo da condição humana.
Cada cultura possui seu conceito de vida e morte. Cerimônias fúnebres em algumas culturas são uma mistura de festa e celebração, por exemplo.
Em Newgrange, norte de Dublin, capital da Irlanda, é possível visitar diversos monumentos antigos que, de acordo com os estudiosos, são locais destinados à adoração à vida e à morte. O famoso Stonehenge é um exemplo de local usado pelos antigos povos em rituais religiosos, mas para algumas correntes históricas, o local era destinado ao culto à vida e à morte. Os próprios irlandeses, que em parte são descendentes dos celtas – povo que tinha conceitos de vida e morte diferente das demais civilizações contemporâneas - realizam verdadeiras festas após o enterro de seus mortos.
Mas, isso não é exclusivo da cultura irlandesa, vários são os povos que possuem em sua cultura o hábito de comemorar a morte[19] – a passagem para a outra vida, como são exemplo os ganeses.
Como o Direito tem sua exegese na sociedade, é possível perceber na história povos que utilizaram da prática de abreviar a vida de indivíduos que não possuíssem saúde física para viver com dignidade e exercer um papel produtivo na sociedade.
Paul Cartledge[20], afirma em seu livro Spartans que:
“O infanticídio era comum na Grécia antiga, mas Esparta era a única a praticá-lo colocando a decisão nas mãos do Estado, e não na dos pais. (...) A palavra final era do conselho dos anciãos: eles é que decidiam se a criança estava apta a continuar viva ou teria de ser morta”.
Conforme supramencionado, a prática de ceifar a vida de pessoas que sofriam de alguma enfermidade é bem antiga e em algumas culturas era prática costumeira, fazendo parte, inclusive, das normas locais.
Tem-se registro da discussão a cerca da eutanásia desde a Grécia Antiga, onde podemos citar como exponentes Platão, Epicuro e Plínio. Na era de Hipócrates, os indivíduos que consideravam a vida um fardo, assim como as portadoras de doenças graves, solicitavam aos médicos que lhes ministrassem tóxico para libertá-los do fardo de uma vida sofrida e penosa. O assassinato de anciões era uma obra de compaixão filial, quando muito pedido por eles mesmos.
Torna-se imperioso questionar como os gregos, que desde o nascimento eram preparados para guerras em treinamentos cruéis e dolorosos, podiam sentir medo da dor e sofrimento no leito de morte se durante toda a vida enfrentaram dores e sofrimentos em batalhas, sobretudo, porque se deparavam com a morte em muitos momentos?
A morte em Esparta era vista como dispositivo de controle social, sobrevivendo apenas aqueles indivíduos que pudessem trazem ou fazer algo em prol de toda sociedade, não meramente sendo um fardo aos familiares e ao estado. Trata-se do que hoje se conhece como eugenia. Lamentavelmente, a prática as eugenia conseguiu adeptos posteriormente, pois sob o fundamento de uma técnica de melhoramento humano, milhares de pessoas foram exterminadas, caso do holocausto nazista, por exemplo.
Havia na Índia, a prática de as águas do rio Ganges serviam para acolher doentes incuráveis que ali eram atirados com as narinas e a boca repletas de lama sagrada para morrerem.
Em Roma, após os combates mortais nas arenas de gladiadores, os imperadores autorizavam a execução da eutanásia nos gladiadores feridos mortalmente, poupando-lhes do sofrimento e morte inevitável.
Marcelo Guimarães na obra “Eutanásia: novas considerações penais” traz que no séc. XVII:
(...) Francis Bacon, já no século XVII, quem cunhou modernamente a expressão ‘eutanásia’, afirmando que ela constituía o único tratamento possível diante de doenças incuráveis. Entretanto, a discussão inicial e o cada vez mais aprofundado debate acerca da prática eutanásica, assim como de seu alcance e limites datam, repise-se, dos primórdios da civilização humana.
Não apenas Francis Bacon que na era moderna trouxe dados referentes à eutanásia, conforme mencionado, mas Paulo Daher Rodrigues[21] aponta em sua obra ‘Eutanásia’ que:
No Brasil, mais especificamente no interior do estado de Minas Gerais, a eutanásia parece ter sido empregada por pessoas humildes e de boa-fé. Com efeito, conta-se que, quando a agonia de um doente era demasiadamente prolongada, costumavam os familiares dizer que o indivíduo estava tal modo fraco que não tinha força nem mesmo para morrer, razão pela qual era chamado alguém da localidade para, com o crucifixo nas mãos, abraçar o agonizante e colocar um joelho sobre o estômago, bradando-se então que o enfermo poderia morrer, eis que “Nosso Senhor já o esperava”.
Pelo relato supramencionado é possível perceber que a eutanásia estava difundida até no Brasil há muito tempo, mostrando ser uma prática que sempre acompanhou as comunidades humanas, posto quase todos os povos utilizaram seus métodos eutanásico para aliviar a dor e sofrimento dos indivíduos que agonizavam no leito de morte.
A eutanásia foi tema de discussões ao longo de toda a história da humanidade, a exemplo de grandes nomes que insurgiram na celeuma, como Lutero, Thomas Morus (Utopia), Karl Marx (Medical Euthanasia), Schopenhauer e Immanuel Kant.
Hoje tal método é discutido com mais profundidade e com mais cautela, em razão do grande desenvolvimento da medicina e de terapias curativas que prolongam a vida com qualidade.
Conforme nos remete Genival Veloso de França[22],
"o aumento da eficácia e a segurança das novas modalidades terapêuticas motivam também questionamentos quanto aos aspectos econômicos, éticos e legais resultantes do emprego exagerado de tais medidas e das possíveis indicações inadequadas de sua aplicação".
De todo modo é preciso cautela na decisão pela eutanásia, já que em relatos da história humana houve o uso indiscriminado da morte antecipada, o que de forma alguma é cabível na nossa era da dignidade da pessoa humana.
3.2 A legalidade da norma proibitiva
Toda a discussão que envolve a eutanásia hoje no Brasil, gira em torno de sua legalidade. Isso porque, a Lei não permite rematar a vida. Exceto a figura do artigo 128, a saber:
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Assim, nos casos em que há risco de morte para uma das partes, o médico pode realizar o aborto na gestante, pondo em óbito o nascituro. E também, no caso de estupro há permissão para ceifar a vida intrauterina por entender a lei que a mãe não é obrigada a conviver com a dor da lembrança do estupro, muito menos com um herdeiro do crime.
Excetuado esses dois casos, não há permissão para matar. Cumpre mencionar que não há proibição legal, apenas normativa. Isso significa que a lei não proíbe matar, apenas sanciona quem mata alguém. Já a norma, que surge do seio social, proíbe a prática do homicídio, que é matar alguém.
Nossa legislação prevê casos em que há exclusão de crime para quem mata alguém sob determinadas circunstâncias, noutros casos exclui ou diminui a pena de quem comete o delito do artigo 121 do código penal brasileiro.
Quando, no Brasil, o assunto é eutanásia a questão é meramente jurídica, porque de todo modo todos os cidadãos são livres para fazer ou deixar de fazer o que quiser, desde que não proibido em lei. Disso resulta que a eutanásia não é compatível com nosso ordenamento jurídico na medida em que a lei proíbe matar alguém. Sendo assim, a conduta médica de interromper tratamento ou administrar substância ou método que tire a vida de doente grave configura crime de homicídio. Porque a conduta é uma ação ou omissão com resultado morte, devendo ser imputada pena a quem devia ou podia evitar o resultado morte. Tudo isso em atendimento ao direito fundamental à vida garantido em nossa Constituição Federal atual.
Porém, é preciso trazer à baila a situação em que o próprio doente pretende ou põe fim a sua própria vida. Isso ocorre quando há o consentimento do doente no sentido de que seja-lhe usado procedimento que ponha fim a sua vida por motivo de doença grave, terminal e incurável.
Não há como fugir da indagação: nos casos em que é o próprio paciente que deseja sua morte em razão de doença grave, terminal e incurável estaria cometendo qual crime?
A eutanásia, como conceito majoritário, a privação da vida alheia perpetrada por razões humanitárias, a requerimento do interessado, que sofre de uma enfermidade terminal incurável ou de uma situação de invalidez irreversível, conforme citado alhures as palavras de LOSCHI.
Desta forma, percebe-se que não há crime de eutanásia que o próprio paciente deseja que lhe seja aplicada o método mortal. O tipo se refere a um terceiro – entendido aqui como sendo o médico, ou equipe médica – que retira vida do paciente.
O consentimento da vítima, para alguns doutrinadores, é levado em conta apenas na fase de fixação da pena (art. 59 do Código Penal) como circunstância atenuante do crime. O art. 65, III, também estabelece que sempre atenua a pena ter o agente cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral.
Outra indagação que resulta do apontado acima é: o próprio doente pode ministrar a si próprio o método da eutanásia? Neste caso qual o crime?
Tais questionamentos deverão ser analisado durante os debates acerca da inclusão do tipo penal eutanásia no novo Código Penal brasileiro que ainda está em trâmite no Congresso Nacional.
3.3 Direito de Morrer Dignamente
A morte faz parte da condição humana, é uma etapa inevitável da existência. Não se configura como evento à parte, é o limite humano invencível. É um fato natural relevante e que deveria, o Direito brasileiro, assistir mais sobre esse fato. Apesar de não ser bem vinda para a maioria das pessoas.
Encarar a morte como parte integrante da vida, e lançar mãos das amarras de uma conduta insistente voltada para a preservação da vida, mesmo sob condições indignas, faria entender que o direito à liberdade dá poder ao cidadão de decidir como deseja cumprir essa parte da vida, qual seja, a morte.
Não há como tratar separadamente vida, morte e dignidade. O correto é a harmonia entre os direitos, de forma que, para se ter dignidade é preciso ter vida, se se tem vida é necessária dignidade, assim como para morrer também há de se ter dignidade.
Mas, o ordenamento jurídico pátrio não traz a figura explicita do crime de eutanásia, porém a eutanásia ativa é a figura do crime de homicídio privilegiado 121, § 1º do Código Penal, isso em razão do sentimento de piedade. Assim como o art.122 do mesmo códex diz tratar-se de crime induzir, instigar ou auxiliar a suicídio. A distanásia constitui uma prática que atenta contra a dignidade humana, vez que, propicia a extensão do tratamento do enfermo terminal, por vezes prolongando também a dor e o sofrimento do paciente.
A ortotanásia é conduta atípica conforme o Código Penal Brasileiro, uns, inclusive, afirmam que é o estrito cumprimento de dever legal, quando se referem ao exercício regular da medicina.
Há uma diferença que deve ser mencionada, o direito de morrer dignamente não se confunde com direito à morte. Morrer dignamente significa uma morte humanizada, de forma que haja um mínimo de qualidade de vida, porque na verdade o que a eutanásia propõe é uma boa morte. Um falecer sem sofrimento. Sem prolongamento a agonia de doenças incuráveis e penosas, como também, não prolongar tratamento que sempre resultará inútil. Todos os cidadãos tem o direito de morrer, porque isso é condição humana, mas o Estado deve tutelar é o direito de morrer dignamente.
Destarte, é direito do enfermo de doença grave e incurável não se sujeitar a tratamento que, acima de tudo lhe prolongará o sofrimento e a dor, é garantia constitucional de liberdade, autonomia, da inviolabilidade de sua vida privada e intimidade e, sobretudo, da dignidade da pessoa. No leito de morte o cidadão deve ter o seu direito de escolha respeitado, sob de violação destas garantias.
Esse é apenas um exemplo de muitos que se têm notícias. O direito de morrer com humanidade, sem contrariar as vontades dos enfermos é de salutar importância por se tratar de respeito à dignidade da pessoa humana.
Outro exemplo clássico que vem a baila são os adeptos da religião das Testemunhas de Jeová que segundo a doutrina, seus membros não têm o direito de fazer doação ou transfusão de sangue. Portanto, caso algum doente discípulo da referida religião necessitar de bolsa sangue doado a recomendação é não proceder à transfusão, uma decisão que pode se tornar fatal para o doente.
Morrer é inerente à vida. O Estado garante uma vida digna, mas seus preceitos e normas vão de encontro ao direito de morrer dignamente, sob a ótica do livre arbítrio, liberdade de consciência e de dispor do maior bem humano que é a vida.
3.4 Casos Contemporâneos
Cumpre aqui mencionar o caso da uma adolescente inglesa, Hannah Jones[23], que aos 13 anos conseguiu o direito de morrer, abandonando tratamento que lhe mantinha viva. Hannah teve leucemia aos 5 anos de idade, e desde então vinha ingerindo fortes remédios que acabaram enfraquecendo seu coração. Em razão do coração enfraquecido, a adolescente precisava fazer uma cirurgia para que sobrevivesse.
Porém, a equipe médica alertou-a sobre os riscos da cirurgia, que mesmo obtendo êxito a submeteria a intensos tratamentos pelo resto da vida. Hannah decidiu não fazer a cirurgia, preferia morrer em casa com junto a família. O hospital acionou a Justiça para obrigar a adolescente a fazer a cirurgia, mas após conversa com a equipe de assistência social do hospital, os médicos desistiram da ação e a adolescente Hannah pôde ir morrer em casa como era seu desejo¹.
Em outubro de 2012 a Corte Superior de Justiça da Inglaterra decidiu sobre um Apelo feito pela viúva do engenheiro Tony Nicklinson[24]. O engenheiro teve todos os movimentos do corpo comprometidos após um derrame ocorrido há sete anos, desde então vinha lutando pelo direito á morte com auxílio de um médico, tendo sido negado seu pedido pela justiça inglesa. Em razão disto, iniciou uma greve de fome, que juntamente com uma pneumonia, resultou em sua morte. A Corte Inglesa tinha decidido que a discussão sobre a eutanásia não cabe ao poder judiciário, mas sim, ao Parlamento².
Já na Irlanda, Marie Fleming, professora aposentada teve seu pedido de praticar eutanásia negado pela Corte Superior da Irlanda[25]. Ela possui há vinte e três anos esclerose múltipla, doença que já paralisou todos os movimentos do corpo. E, assim como no caso de Tony Nicklinson, a aposentada necessita de ajuda de um terceiro para praticar a eutanásia. Mas, o suicídio assistido na Irlanda é crime, e tem pena de prisão de até 10 anos para quem prestar o auxílio. Fleming pleiteia que a lei que criminaliza o suicídio assistido seja considerada inconstitucional por restringir a liberdade de escolha pessoal³.
Talvez o caso mais emblemático de eutanásia seja o da italiana Eluana Englaro, que entrou em estado vegetativo após um acidente automobilístico, e desde então seu pai travou uma batalha judicial para conseguir o direito de desligar os aparelhos que mantinham sua filha viva. O pedido do pai foi negado em Dezembro de 1999 pelo Tribunal de Apelação de Milão e em abril de 2005 pelo Tribunal de Cassação.
Somente em 13 de novembro de 2008, a mais alta corte da Itália concede ao pai de Eluana o direito de deixar suspender a alimentação de sua filha, que veio a óbito em nove de Fevereiro de 2009 aos 38 anos de idade, depois de estar em um estado vegetativo por 17 anos.
Na América do Norte, o caso mais famoso ocorreu na Flórida (EUA). A batalha judicial girou em torno da decisão dos pais de Terri Schiavo que queriam que a filha permanecesse viva, mesmo no estado vegetativo em que se encontrava há quinze anos.
Porém o viúvo de Terri seguia afirmando que ela se manifestou várias vezes no sentido de não queria ser mantida viva se viesse a ficar em condições como aquela. Terri, através de seu esposo, conseguiu o direito à morte, após quinze anos nessa condição vegetal, ao final de duas semanas sem receber água e comida aos 41 anos.
O desfecho, talvez trágico, da morte de Terri Schiavo[26] após 15 anos de estado vegetativo e doloroso sofrimento, reacendeu novamente a polêmica acerca da eutanásia.
No mundo inteiro houve manifestações pró e contra a eutanásia, mas sem dúvida o triste caso da norte-americana serviu para que o debate fosse reaberto e legisladores de diversos países engajarem o tema nas assembleias e reuniões, e em alguns casos na aprovação de lei. Mas, houve também os que preferiram não defendê-la publicamente ou apontar seus benefícios.
O insigne advogado e jurista Luiz Flávio Borges D’Urso[27] afirma em artigo publicado na internet que,
Embora muito remota pelos princípios humanos e cristãos da sociedade, a eutanásia, caso seja legalizada no Brasil, se estará admitindo uma forma de burlar o crime de auxílio ao suicídio pela modalidade libertadora, burlar o homicídio pela modalidade piedosa e finalmente burlar o infanticídio e até o aborto criminoso pela modalidade eugênica ou econômica.
Nos dizeres do advogado D’Urso haveria afronta à legislação penal brasileira vigente, sendo necessária uma verdadeira reforma na parte que tratados crimes contra a pessoa, além de ir de encontro os preceitos humanísticos e cristãos.
3.5 Eutanásia no Novo Código Penal
Uma análise nos Códigos Penais pretéritos é possível notar que não tratam da eutanásia, apesar de que em alguns anteprojetos, como é o caso do anteprojeto do Código Penal brasileiro de 1984 em que previa no art. 121, § 3º que,
§3º - o médico que, com o consentimento da vítima, ou, na sua possibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge ou irmão, para eliminar-lhe o sofrimento, antecipa morte iminente e inevitável, atestada por outro médico.
Todavia, esta parte não foi aprovada pelo legislativo, mas serviu para demonstrar que o tema da eutanásia é antigo e merece atenção do legislativo e judiciário. Em 1998 novamente se tentou incluir a eutanásia e ortotanásia na legislação brasileira, senão vejamos,
Art. 121 – (...)
§ 3°. Se o autor do crime agiu por compaixão, a pedido da vítima, imputável e maior, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável, em razão de doença grave:
Pena — reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos.
§ 4°. Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos, a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.
O Código Penal brasileiro que é de 1940 não trata explicitamente da eutanásia, e conforme o projeto de Cernicchiaro pretendia introduzir inclusive a ortotanásia como excludente de ilicitude.
Está tramitando desde 2012 no Congresso Nacional brasileiro projeto de lei para um novo código penal. Começou a tramitar no Senado e logo após votado. Caso seja aprovado, segue para a Câmara de Deputados e, de lá, para a sanção a presidenta decidir se sanciona ou não. Desta forma, como o projeto inclui temas polêmicos como a eutanásia, não há previsão para que comece a viger.
A comissão de juristas responsável pelo anteprojeto apresentou na proposta a figura típica da eutanásia, restando assim apresentado o texto do referido tipo incriminador:
Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave:
Pena – prisão, de dois a quatro anos.
É a morte piedosa. Pelo artigo supra é possível verificar que o tipo exige alguns critérios definidos pelos legisladores. Primeiramente o fato deve ser efetuado por piedade ou compaixão, elemento subjetivo. É possível presumir, inclusive, que este critério trará muitas discussões a respeito do que poderíamos considerar situação ensejadora de piedade ou compaixão.
Um segundo elemento seria a condição de imputável, o que consiste em a vítima ser civil e penalmente capaz. Não há como verificar as intensões do legislador no que tange a tal quesito, podendo apenas permitir que se entenda que a vítima seja punida por qualquer eventual fato jurídico.
Outro elemento, este já conhecido, é o consentimento da vítima, que deverá se manifestar sobre a utilização do método letal em si próprio. A lei quer prevenir que interessados, desde parentes até terceiros, utilizem tal prática mortal para livrar-se de alguém em benefício próprio, posto que a vítima deve anuir para que a prática da eutanásia seja utilizada.
A lei ainda fala em sofrimento físico, não incluído o sofrimento psicológico. Cidadãos que estiverem acometidos de doença grave e terminal, mas que por ventura não traga muito sofrimento físico, não poderem se valer de tal método.
O projeto de lei nº 236 foi apresentado ao Senado Federal em julho de 2012 e traz a eutanásia no seu texto, tornando-a lícita desde que atendido aos requisito supramencionados.
De acordo com o novo projeto do código penal é possível também o perdão judicial, conforme parágrafo 1º, do artigo 122, “Parágrafo único - O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima”. O juiz ao analisar o processo pode conceder o perdão judicial caso o crime tenha sido praticado por parente ou pessoas afetas à vitima.
Há previsão também da ortotanásia, no seguinte parágrafo 2º do aludido artigo 122,
“Parágrafo 2º - Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.”
Cumpre aqui esclarecer que existe a chamada eutanásia passiva em que o fim colimado é a morte do paciente que se encontra em estado terminal e em extremo sofrimento ou pacientes com enfermidades que a medicina não dispõe de tratamento. Que difere da ortotanásia que vem a ser não administrar tratamento ao enfermo que o submeta a situação degradante e dolorosa, permitindo apenas que o doente tenha nos seus momentos finais de vida o máximo de conforto.
Por isso, o que se percebe no parágrafo 2º do artigo 122 é a eutanásia passiva, pois o doente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter vivo o enfermo e assim a morte lhe seja abreviada. Pois há casos em que o tratamento dado ao enfermo não lhe causa tanta dor ou sofrimento, pelo contrário, alivia dores e mal-estar.
Na ortotanásia não se deseja a morte do enfermo, mesmo sabendo que esta é iminente, o que não se deseja é a submissão a tratamento que só prolongará o sofrimento. O objetivo da ortotanásia é garantir o conforto físico, psíquico, social e espiritual.
É salutar trazer à baila a Resolução 1.805/2006, do Conselho Federal de Medicina que nos seus termos estabelece:
“Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal.”
As normas supralegais ajudam a elaboração do novo códex criminal na medida em que especialistas no assunto eutanásia trazem ao conhecimento de todos os avanços da ciência na preservação da vida.
O projeto do novo código penal tem o desafio de trazer a eutanásia para o debate jurídico. O Brasil está entre os países com a legislação mais avançada em diversas áreas. No que se refere à eutanásia, esta ainda é vista com certo tabu, e devido a isto os legisladores terão grandes desafios em apreciar o tema e aprovar o texto de lei que mais reflita o anseio social.
O Congresso Nacional brasileiro e suas duas casas, quais sejam, câmara dos deputados e senado, responsável pela aprovação da lei do novo código penal, é composto hoje das chamadas “frentes parlamentares”, dentre elas é preciso citar a frente evangélica que tem ampla representação no Congresso, e é formada por parlamentares que defendem “preceitos evangélicos”.
Caso recente que chegou ao Congresso e que rendeu muitos debates e polêmicas foi o casamento de pessoas do mesmo sexo, a bancada evangélica se posicionou contra a proposta o tema[28], e discordam das decisões do STF e outros tribunais que entendem ser possível o casamento de pessoas do mesmo sexo.
Há os defendem as ideologias da bancada evangélica, como também há os que criticam e veem como um atraso na evolução legislativa as oposições da frente evangélica em temas polêmicos como o casamente entre homossexuais, aborto, a redução de 14 para 12 anos de idade para que seja caracterizado o estupro de vulnerável, a legalização das casas de prostituição; a ampliação das hipóteses de aborto legal; e a descriminalização do porte ou plantio de drogas para uso próprio e, sobretudo, a eutanásia.
Tudo isso demonstra que a discussão sobre eutanásia transcende a esfera jurídica, as ideologias filosóficas, religiosas, morais e sociais, entre inevitavelmente no debate, até mesmo no local em que os representantes do povo devem ser isentos de posicionamentos pessoais, devendo representar e externar por meio de lei o interesse da maioria da população.
Os debates sobre os pontos do projeto de lei estão sendo realizados em diversas cidades do país e conta com a participação de entidades sociais e de toda a população. Nestes debates são apresentados os pontos de vistas, que demonstra quais os interesses da sociedade, e seu entendimento sobre a eutanásia.
No Brasil não houve uma discussão aberta e ampla sobre o tema, a maior parte da população não consegui distinguir eutanásia de ortotanásia, de suicídio assistido etc.. Desta forma, fica inviável o debate, haja vista é necessário o conhecimento sobre o tema para depois debater.
Diversas entidades, ONGs e organizações sociais, promovem discursão sobre o tema eutanásia, mas são uma parcela mínima da população que tem acesso às informações e debates, além da falta de interesse da grande maioria da população acerca do tema.
Pela leitura do projeto de lei nº 236 é possível perceber que haverá apenas uma regulamentação da eutanásia, sua conduta será considerada crime, tendo somente direito, o agente, à redução da pena. O que de certa forma é o que está hoje na legislação, quando se amolda a eutanásia a figura típica do homicídio privilegiado, por motivo de relevante valor social ou moral. O projeto do novo código apenas tipifica a eutanásia com o próprio nome “crime de eutanásia”, mas suas consequências são absolutamente idênticas à legislação vigente.
De outro modo, a ortotanásia seria descriminalizada. Comportaram-se, os juristas, de modo condizente com os preceitos legais vigente, pois, ao analisarmos a ortotanásia percebemos que seu fim não é a morte, o resultado da ação não vislumbra a morte, apesar da morte ser inevitável nos casos de ortotanásia, o objetivo deste procedimento é dar um morte digna, deixando de submeter o paciente à procedimentos médicos que lhe causariam imensa dor e sofrimento inúteis, conforme já dito alhures.
A ortotanásia é vista com tranquilidade pela sociedade. Todo aquele cidadão que é “desenganado pelo médico”, que lhe estimo o tempo restante de vida, pode optar por morrer em casa, com os familiares e amigos. Nisso a ortotanásia diverge da eutanásia, pois na ortotanásia o curso da morte seguirá seu fluxo normal, sem interferência humana.
Os juristas responsáveis pela elaboração do projeto do novo código se embasaram no costume e na medicina para, acertadamente, permitir que todo cidadão exerça seu direito de escolha – sua liberdade – de forma soberana, e possa decidir como deseja morrer.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da história humana é possível perceber que a vida sempre foi o bem mais protegido e valioso dos seres humanos. Praticamente as civilizações que se tem notícia trazia a vida como o bem a ser mais protegido e preservado. De modo contrário, a morte na maior parte das civilizações era vista como algo indesejado, mas inevitável. Hodiernamente, esses conceitos e valores de vida e morte não mudaram, haja vista, como eram tidos no passado.
Em civilizações mais avançadas a vida em si não era mais tida como essencial, o desejo era ter uma vida digna, honrada. Exemplo clássico foram as civilizações clássicas em que a honra do homem era mais admirada que sua própria vida, inclusive uma morte honrosa era mais apreciada que uma vida indigna.
Em razão disso, a humanidade, em certas civilizações promoviam a morte daqueles que se vislumbrava que a vida não lhes era mais digna, como é o caso dos anciãos e crianças deformadas. No evoluir da humanidade, essas práticas eutanísticas foram diminuindo à medida que se tinha a valoração da vida em si mesma.
Hoje a eutanásia tornou-se um tabu, a supervalorização da vida e mistificação da morte fez com que a humanidade protegesse a vida acima de tudo e a qualquer custo. Ocorre que, existem pessoas que não desejam uma vida indigna, como é o caso de doentes vegetativos ou em estado terminal. Com o advento do conceito e legalização da dignidade da pessoa humana a vida digna se tornou mais importante.
A morte agora é vista como redenção para quem sofre de doenças graves e incuráveis, posto que a dignidade da pessoa é maculada, diante de tanta sofrimento e dor.
A eutanásia é tema controverso e na maioria dos países não há uma aceitação de sua prática. Países como Holanda, Bélgica e Suíça permitem alguns tipos de eutanásia. Mas, as autoridades desses países já preveem uma rediscussão do tema, posto que, tem ocorrido um verdadeiro turismo suicida. Pessoas que viajam até esses países para fazer uso dos métodos da eutanásia. Foram criadas clínicas especializadas em eutanásia e suicídio assistido.
A discussão em torno deste tema abordado engloba as esferas da ética, filosofia, medicina e, sobretudo, jurídica. O Brasil tem discutido o tema há muito tempo. Nossos legisladores desde a primeira República tem tentado inserir a eutanásia no nosso códex. Porém, após discussões com os diversos setores sociais, não foi possível até o momento um veredicto acerca da possibilidade de legalizar ou não a prática de morte misericordiosa – a eutanásia.
Inegavelmente a eutanásia, caso seja incluída no nosso código penal brasileiro, tornará relativa a noção de direito à vida que até o presente é um direito absoluto, não podendo nem o Estado nem particulares intervir no seu curso ou por em perigo a vida de outrem.
A Constituição Federal brasileira traz direito e garantias aos cidadãos que lhes garantem primeiramente a vida, a liberdade, a dignidade e a saúde. Direitos que entram em conflito quando o assunto é eutanásia, porque o direito à vida pode ser relativizado se for observado o direito à liberdade, posto que o cidadão fazendo uso de sua liberdade pode decidir os rumos que deseja a sua vida, ou morte. Uma vida albergada de sofrimento e dor, torna-se indigna, tornando-se a morte uma solução desesperada para pôr fim a esta situação de vida.
E este será, e tem sido o maior desafio dos legisladores brasileiros que estão discutindo sobre o novo Código Penal brasileiro, harmonizar os direitos e garantias constitucionais dos cidadãos brasileiros, aos princípios norteadores da eutanásia. As audiências públicas realizadas com a população é que trará o entendimento parlamentar sobre o tema eutanásia.
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[4] ROXIN, Claus. Estudos de Direito Penal. Tradução de Luís Greco. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p.189. Apud CARVALHO, Felipe Quintella Machado de; HORTA, André Frederico de Sena. Breves reflexões sobre a eutanásia. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 93, out 2011. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10397>. Acesso em jan 2013.
[5] FRANCISCONI, Carlos Fernando e GOLDIM, José Roberto. Tipos de eutanásia. 2003. Disponível em: <http://www.bioetica.ufrgs.br/eutantip.htm> Acesso em: 30 jan. 2013.
[6] PAULO II, João. Carta encíclica Evangelium Vitae do sumo pontífice. 1995. Disponível em: http://www.vatican.va/holy_father/john_paul_ii/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangelium-vitae_po.html. Acesso em: 26 jan. 2013.
[7] DINIZ, Maria Helena. O estado atual do biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 307. Apud BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves considerações a partir do biodireito brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 871, 21 nov. 2005. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/7571>. Acesso em: 2 fev. 2013.
[8] CABRAL, João Francisco P. Sobre o suicídio na sociologia de Èmile Durkheim. Disponível em: http://www.brasilescola.com/filosofia/sobre-suicidio-na-sociologia-Emile-durkheim.htm. Acessado em 31 jan. 2013.
[9] MARTIN, Leonard M. Eutanásia e Distanásia. Apud COSTA, Sérgio Ibiapina Ferreira, OSELKA, Gabriel, GARRAFA, Volnei. Iniciação à Bioética. Brasília: Conselho Federal de Medicina, 1998. p. 171-192.
[10] DODGE, Raquel Elias Ferreira. Eutanásia: aspectos jurídicos. Disponível em: <http://www.revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/299/438>. Acesso em: 12 jan. 2013.
[11] LIMA NETO, Luiz Inácio de. A legalização da eutanásia no Brasil. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 81, 22 set. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/4217>. Acesso em: 12 jan. 2013.
[12] GOMES, Luíz Flávio. Direito Penal: parte geral, teoria constitucionalista do delito. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, 2004.
[13] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da constituição. 4º edição. Coimbra (Portugal): Livraria Almedina, 2000. p.526.
[14]CONSTANZI, Thiago Gomes. 2005. Apud. BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Eutanásia, ortotanásia e distanásia: breves considerações a partir do biodireito brasileiro. Disponível em: <hppt://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id+7571> Acessado em 21 nov. 2005.)
[15] CANOTILHO, Joaquim José Gomes. Constitucional e teoria da constituição. 3. ed. Coimbra 1998 p. 221
[16] MARTINS, Flademir Jerônimo Belinati. Diginidade da pessoa humana: principio constitucional fundamental. Curitiba: Juruá, 2005, p.120. Apud COSTANZI, Thiago Gomes. Eutanásia: direito de escolha do paciente. 2008. 64 f. Monografia (apresentada ao final do curso de graduação) – Centro de Ciências Jurídicas e Sociais - CEJURPS. Universidade do Vale do Itajaí, Biguaçu.
[18] ROSA, Isaac Peixoto Costa. A eutanásia no direito brasileiro. Jun. 2007. Disponível em: <http://www.webartigos.com/artigos/a-eutanasia-no-direito-brasileiro/1783/#ixzz2K7KZ9UnI>. Acesso em 18 jan. 2013.
[19] Disponível em: <http://ultimosegundo.ig.com.br/mundo/nyt/eua+funeral+ganense+traz+festa+com+musica+danca+e+ bebidas/n1300060782024.html>.
[20] CARTLEDGE, Paul. The Spartans: The World of the Warrior-Heroes of Ancient Greece, Vintage, 2004. Apud CHEROBINO, Vinícius. Guia do estudante. Mai. 2012. Disponível em: http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/saiba-como-era-infancia-esparta-685928.shtml. Acesso em: 21 jan. 2013.
[21] RODRIGUES. Paulo Daher. Eutanásia. Livraria Del Rey Editora, Belo Horizonte, 1993. Apud GUIMARÃES, Marcello Ovídio Lopes. Eutanásia: novas considerações penais. Editora J.H.Mizuno, São Paulo, 2011.
[22] FRANÇA, Genival Veloso de. Eutanásia: direito de matar ou direito de morrer. Jan. 1999. Disponível em: http://www.bioetica.ufrgs.br/eutange.htm. Acesso em: 02 fev. 2013.
[23] Britânica de 13 anos ganha direito de morrer. BBC Brasil. Disponível em:
http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/11/081111_menina_morte_dg.shtml. Acesso em: 15 jan. 2013.
[24] PINHEIRO, Aline. Justiça inglesa não vai rediscutir direito de morrer. Revista Consultor Jurídico, 3 de outubro de 2012. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2012-out-03/corte-inglesa-rejeita-pedido-reabrir-discussao-direito-morrer. Acessado em: 21 jan. 2013.
[25] _____________. Corte irlandesa nega a doente direito à eutanásia. Revista Consultor Jurídico, 10 de janeiro de 2013. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2013-jan-10/corte-irlandesa-nega-doente-terminal-direito-eutanasia. Acessado em: 21 jan. 2013
[26] O GLOBO. Fev. 2009. Disponível em: http://oglobo.globo.com/mundo/relembre-outros-casos-de-eutanasia-na-europa-nos-estados-unidos-3576080. Acesso em: 02 fev. 2013.
[27] D’URSO, Luiz Flávio Borges. A eutanásia no direito brasileiro. 2005. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2005/81/>. Acessado em: 25 jan. 2013.
[28] Em encontro com o presidente do Senado, José Sarney, do PMDB do Amapá, a Frente Parlamentar Evangélica pediu tranquilidade na discussão da Reforma do Código Penal. O presidente do colegiado, deputado João Campos, do PSDB de Goiás, disse que a bancada religiosa quer retirar do anteprojeto alguns pontos. Entre eles estão o que amplia os casos de aborto previstos na lei e os que permitem a eutanásia e o porte de drogas para consumo próprio. O deputado deixou claro, no entanto, que a Frente Parlamentar Evangélica não é contrária à atualização do Código Penal. (In: Rádio Câmara. Frente evangélica quer retirar aborto e eutanásia do anteprojeto do novo Código Penal. Nov. 2012. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/ultimas-noticias/430610-frente-evangelica-quer-retirar-aborto-e-eutanasia-do-anteprojeto-do-novo-codigo-penal.html>. Acesso em 29 jan. 2013).
Bacharel em Direito pela Universidade Estadual do Piauí – UESPI, pós-graduanda em Direito Público pela faculdade LEGALE, pós graduanda em Direito do Trabalho e Previdenciário pelo Instituto Raimundo de Sá Urtiga-RSÁ
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Jéssica Maria de Moura e. A eutanásia à luz da Constituição Federal e do direito penal moderno: uma abordagem histórica, sociológica, cultural e jurídica. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 jul 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Monografias-TCC-Teses-E-Book/58794/a-eutansia-luz-da-constituio-federal-e-do-direito-penal-moderno-uma-abordagem-histrica-sociolgica-cultural-e-jurdica. Acesso em: 21 nov 2024.
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