Leio, no Jornal da Cidade (JC), de Bauru, de 5 de janeiro de 2008, que as escolas do município continuam "órfãs" de consertos. A matéria, assinada pelo jornalista Marcelo Ferrazoli, explica que "quase seis meses após ter sido aprovada pelo Legislativo e ter entrado em vigor a lei que permite à Prefeitura de Bauru transferir recursos às Associações de Pais e Mestres, a fim de que estas possam efetuar pequenos reparos e manutenções nas unidades escolares, ainda não saiu do papel".
O efeito dessa "orfandade", destaca o jornalista, é que as escolas de Bauru "ainda têm de esperar pelo auxílio da demorada e burocrática estrutura da máquina administrativa para conseguir solucionar casos simples, como o conserto de um buraco no telhado ou rachaduras na parede, que poderiam ser agilizados se o Executivo tivesse feito cumprir a legislação". Note que a reportagem não se refere a reforma de prédios ou grandes serviços, mas a atividades de pequena monta, como reparos "e casos simples".
Seguem-se extensos parágrafos com os debates que estão sendo travados, em Bauru, acerca desse fato. De um lado, Vereadores da oposição e líderes comunitários cobram da Prefeitura a concretização do previsto em lei; de outro, membros do Governo Municipal explicam as razões pelas quais não puderam realizar o que a lei estipulou, salientando dificuldades concretas surgidas, em casos análogos, em outras municipalidades.
Não entrarei, é claro, no mérito da questão. Sou, por índole, formação e, sobretudo, por convicção, avesso a debates que envolvam política partidária. Só reparo uma coisa: nenhuma das manifestações reproduzidas pela reportagem do JC lembrou que, durante 10 anos, o Patronato, que leva o obscuro nome deste que escreve, trabalhou ativamente em Bauru, fazendo, sem qualquer ônus para os cofres públicos, precisamente o trabalho de mediação entre o Judiciário e as escolas agora "órfãs", no sentido de agendar, agenciar, acompanhar e supervisionar o cumprimento de penas alternativas, precisamente a de prestação de serviços à comunidade, em escolas, creches, asilos etc.
Nossa lei processual penal permite que cidadãos condenados por delitos leves, em vez de serem aprisionados e passarem pela experiência traumática terrível de "ver o sol nascer quadrado", cumpram suas penas de modo alternativo, prestando trabalho gratuito à coletividade. Dessa forma, de modo digno e honroso, reparam o mal que ocasionaram à sociedade com sua conduta. Essa é uma sábia introdução no sistema criminal brasileiro, inteiramente adequada à nossa realidade social e cultural. Muitos Juízes, entretanto, ainda encontram certa dificuldade na sua aplicação, devido ao fato de ser extremamente difícil realizar, pelas vias administrativas e governamentais rotineiras, empregando funcionários públicos, o trabalho de agendamento e controle do cumprimento dessas penas alternativas. Isso nosso Patronato fez durante 10 anos em Bauru, sem nada cobrar do Governo, da Municipalidade nem das entidades beneficiadas. Contratamos técnicos de vários níveis, inclusive psicólogos e assistentes sociais, que se especializaram nos procedimentos adequados para bem cumprir sua missão. E o fizemos na esperança de, com nosso exemplo, incentivar quem pudesse fazer mais e melhor do que nós.
Agora, o Patronato, acoplado à nossa Faculdade de Direito e ao Complexo Jurídico, veio para São Paulo, onde, assim o espero, continuará a prestar bons serviços à população. Mas, será que em Bauru ninguém se habilita a continuar nosso trabalho? E a Central de Penas Alternativas sediada em Bauru, que tem prestado excelente trabalho como entidade auxiliadora do juízo criminal de execução? Não foi lembrada? Essas entidades "órfãs", em vez de esperarem verbas do Governo e da Municipalidade para a realização de minúsculos trabalhos de manutenção, poderiam estar se beneficiando da colaboração valiosíssima de cidadãos de bem que tiveram a infelicidade, um dia, de cometer um pequeno deslize - uma imprudência no trânsito, por exemplo, que ensejou um processo por lesões corporais culposas.
Por que essa tendência, melhor dizendo, esse vezo, e, melhor ainda dizendo, essa verdadeira mania de esperar tudo do Governo e dos cofres públicos? Não está mais do que na hora de terceirizarmos e individualizarmos a procura por soluções para muitos dos nossos problemas coletivos?
Enquanto todos esperaram dos sucessivos governos a despoluição do Rio Pinheiros, em São Paulo, e o cuidado das suas margens, nada se fez. Foi só a iniciativa privada entrar no caso e, mesmo sem incentivos fiscais significativos, inúmeras empresas se ofereceram para "adotar" as margens do velho rio. Cada uma delas "adotou" 100 ou 200 metros, limpou-os, cuidou deles, neles plantou espécimes vegetais cuidadosamente escolhidas de acordo com um projeto único - o Projeto Pomar. Hoje, quem caminha pelas margens do Pinheiros se encanta com um verdadeiro espetáculo de formas e cores maravilhosas nas suas margens. Aves das mais variadas espécies são atraídas pelas frutinhas, abundantes o ano inteiro, e repovoam as margens do Pinheiros, trazendo de volta à velha urbe paulopolitana um pouco da alegria de outros tempos. Por que não se generaliza mais o sistema?
Em Bauru, além do Rio Bauru a ser despoluído, temos agora as entidades "órfãs"! Se não me engano, foi John Kennedy que cunhou, num discurso oficial, a frase célebre: "Não pergunte o que os Estados Unidos podem fazer por você, mas o que você pode fazer pelos Estados Unidos."
Já é hora de se pensar mais nessa grande verdade.
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