O eficientismo (ou direito penal máximo) está incluso em um grande grupo denominado "políticas criminais autoritárias", antigarantistas, assim denominadas por desvalorizarem, em maior ou menor intensidade, o princípio da legalidade estrita ou um de seus corolários. Essa política busca dar uma eficácia absoluta ao Direito Penal, sendo que a certeza que ela pretende obter reside em que nenhum culpado fique impune [01]. Fruto de uma orientação criminológica positivista, pleiteia a máxima efetividade do controle social, sendo máxima, também, a imunidade a comportamentos ilícitos, mas que são funcionais para o sistema.
Sabendo dessas premissas, já são imagináveis os contornos que o Direito Criminal vai assumir neste Estado: na tentativa de reduzir a criminalidade pela atuação penal, esta se mostra ineficaz e provoca, conseqüentemente, a criação de novas figuras típicas pelo legislativo, a supressão de garantias individuais e o adimplemento de práticas tortuosas para obtenção de confissões e delações. Tais fatos causam, posteriormente, o aumento do número de crimes (pelo aumento da criminalidade primária [02]), ocasionando, novamente, a atuação das instâncias oficiais, de maneira mais repressiva e interventiva, configurando um círculo vicioso interminável.
Este modelo, de índole autoritária, possui como elementos: a) substancialismo penal – parte de uma concepção ontológica de crime, desvalorizando o valor do princípio da legalidade pela intromissão de conceitos morais e pela maior necessidade de punição [03]; b) decisionismo processual – juízo e pena irrogada o são por critérios potestativos [04], de verificabilidade inferior à política minimalista.
A maior representação do eficientismo na sociedade atual está no Movimento da Lei e da Ordem. Oriundo dos Estados Unidos da América, na década de 70 [05], está em pleno funcionamento, com suas penas extremamente rígidas em regime fechado, aplicações desproporcionais – como a do three strikes and you’re out [06] –, desprezo de direitos e garantias materiais e adjetivas de Direito, e utilização de práticas não-ortodoxas demonstrativas do desdém ao princípio da dignidade da pessoa humana. O Direito Penal que decorre dessa política criminal é, sobretudo, simbólico [07], posto somente buscar satisfazer a opinião pública, ainda quando venha a reduzir ou anular direitos fundamentais dos indivíduos que compõe essa sociedade.
Exemplo do desvirtuamento daí originado, encontram-se as "táticas de pressão" [08]. Torturas em interrogatórios, antes secretas e confinadas aos distritos policiais, passam a ter cunho político-governamental (constando de memorando da Casa Branca [09]). O desvirtuamento é de tal magnitude que, anteriormente a esse ato, houve documento do Departamento de Justiça, que buscava redefinir o conceito de tortura para algo de menor amplitude, sendo considerada apenas os atos que infligirem "dor difícil de ser suportada", ou seja, seria aquela "equivalente à dor que acompanha um ferimento grave, como a falência de órgão, prejuízo de funções corporais ou mesmo a morte". [10]
Essa é uma das várias distorções que podem ser causadas caso se esqueça que a criminalidade não é algo ontológico; mas, sim, algo criado e que guarda uma função no Estado. Estatísticas comprovam que a busca insana pela punição não diminuíu os índices de criminalidade do Estado norte-americano em comparação com outros países. O que causou de pior foi, evidentemente, o aumento exacerbado do número de enclausurados naquele país, pois, em uma fração de tempo de pouco mais de 20 anos (da década de 80 até 1996), o número de prisoneiros sentenciados quase quadruplicou (vislumbre-se que, somente em 1996, 12 milhões de pessoas adentraram em prisões e cadeias norte-americanas) [11], ocupando os EUA, atualmente, uma posição de grande destaque em número de pessoas envolvidas com o sistema legal e o alto custo destinado (estima-se que cada preso custe ao Estado, por ano, U$22,000) [12]. E, apesar de todos as políticas implementadas e de todos os recursos destinados, a criminalidade não diminuíu – LOTKE traz à tona esse contraste, quando afirma que "a taxa de encarceramento dos EUA é bem superior aos padrões internacionais, mas a taxa de criminalidade é similar" [13].
O Garantismo, por sua vez, situa-se como uma política de direito penal mínimo, eis que seu fundamento primordial é que o Direito Penal não é o grande "remédio para todos os males da sociedade, devendo, por conseguinte, ser reservado para aqueles casos mais graves" [14]. Oriundo das contribuições da Criminologia Crítica, pleiteia, além da transformação social/institucional necessária para diminuir os problemas da criminalização, o uso de substitutos penais.
Os seus dois principais elementos, que se contrapõe aos do Eficientismo e do próprio positivismo jurídico, são: a) convencionalismo penal – aplicação do princípio da legalidade stricto sensu, em seu caráter formal (definição do delito) e empiricamente (comportamento culpável do autor) [15]; b) cognotivismo processual – princípio da jurisdicionariedade, em que há a verificabilidade das hipóteses acusatórias com comprovações fáticas, apenas sendo convalidadas as acusações se forem apoiadas em provas e contra-provas [16].
O direito penal mínimo é condicionado e limitado ao máximo, eis que, utilizando-se racionalmente de seu substrato teórico, toda a discricionariedade é voltada para a exclusão de qualquer intervenção penal que não seja movida por argumentos cognitivos seguros [17]. A certeza que ele aspira não está na punição de todas as condutas criminosas, algo impossível (caso se considere, e.g., a cifra negra da criminalidade [18]), mas na punição dos delitos em que se tenha comprovada a culpabilidade do agente [19]. Possui, dessa feita, algumas medidas que devem ser adotadas positivamente [20], como a descriminalização de conduta insignificantes ou não mais reprováveis socialmente (sem contudo, pretender o fim do sistema penal, como no abolicionismo), a descarcerização e a despenalização, viabilizando a aplicação de penas alternativas.
Como se nota, essas duas formas de políticas criminais são inconciliáveis. Por sua vez, a Carta Magna define a natureza de nosso direito criminal e, em seu extenso rol de direitos fundamentais, assentou verdadeiros dogmas garantistas. E, ainda que se tenha certa dificuldade em aplicar o garantismo, seja pela força destrutiva da opinião pública (acientífica e aistórica), seja pela dificuldade teórica em hipóteses de maior complexidade técnica e política, é de se buscar um direito penal mínimo, como forma de aplicação racional dos preceitos incriminadores.
Referências Bibliográficas
ALMEIDA, Gervan de Carvalho. Modernos movimentos de Política Criminal e seus reflexos na legislação brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.
ANIYAR DE CASTRO, Lola. Criminologia da Reação Social. Rio de Janeiro: Forense, 1983.
CHINELLI, Ana Paula; VITURINO, Robson. "Dedo na ferida". Revista Superinteressante, São Paulo, 22 dezem. 2004, Edição 208, seção Especial, p. 54-59.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
LOTKE, Eric. "A dignidade humana e o sistema de justiça criminal nos EUA" in Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 24, trad. de Ana Sofia Schmidt de Oliveira, p. 39-50.
Notas
01 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 84.
02 Denomina-se criminalidade primária a escolha de quais condutas são tidas por inaceitáveis em uma determinada sociedade. Se alguma conduta, antes lícita, é considerada relevante a ponto de se tornar um bem jurídico a ser tutelado penalmente por uma lei proibitiva, é conseqüência lógica que, quando essa conduta se tornar um ilícito, várias pessoas, antes não criminosas, estarão praticando atos definidos como crime, o que aumenta consideravelmente o número de criminosos.
03 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 35.
04 Ibidem, p. 36.
05 ALMEIDA, Gervan de Carvalho. Modernos movimentos de Política Criminal e seus reflexos na legislação brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 97.
06 Esta lei, inicialmente originária do Estado da Califórnia, ficou conhecida pelo nome pejorativo acima, eis que a terceira condenação por crime doloso, de qualquer natureza, determinaria a aplicação de uma pena perpétua (LOTKE, Eric. A dignidade humana e o sistema de justiça criminal nos EUA in Revista Brasileira de Ciências Criminais, n. 24, trad. de Ana Sofia Schmidt de Oliveira, p. 39-50).
07 ALMEIDA, Gervan de Carvalho. Op. cit., p. 98.
08 CHINELLI, Ana Paula; VITURINO, Robson. "Dedo na ferida". Revista Superinteressante, São Paulo, 22 dezem. 2004, Edição 208, seção Especial, p. 54-59.
9 Neste memorando estavam descritos, enumerativamente, quais condutas poderiam ser utilizadas como "táticas de pressão" ("posições estressantes, contato físico mediano, interrogatório de 20 horas, utilização de fobias"). No Brasil, que foi um país vítima de dezenas de práticas de tortura durante o período do Golpe Militar de 1964, existe atualmente uma lei (Lei n.º 9.455/97) que trata especificamente a tortura e, se fosse comparada com essas "táticas", pelo menos quatro delitos poderiam ser tipificados nas práticas admitidas naquele país: tortura-prova (art. 1º, I, "a"), tortura-pena (art. 1º, II), tortura do encarcerado (art. 1º, §1º) e a omissão frente à tortura (art. 1º, §2º).
10 CHINELLI, Ana Paula; VITURINO, Robson. Op. cit., p. 54-59.
11 CHINELLI, Ana Paula; VITURINO, Robson. "Dedo na ferida". Revista Superinteressante, São Paulo, 22 dezem. 2004, Edição 208, seção Especial, p. 54-59.
12 Ibidem.
13 Ibidem.
14 ALMEIDA, Gervan de Carvalho. Modernos movimentos de Política Criminal e seus reflexos na legislação brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 46.
15 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 30.
16 FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 31-32.
17 Ibidem, p. 83.
18 A cifra negra seria a diferença entre a criminalidade real, quantidade verdadeira de delitos cometidos em uma época (ainda que não percebidos ou não punidos pelo sistema) e a criminalidade aparente (que é a criminalidade conhecida pelos órgãos de controle social). É, assim, todo um conjunto de delitos que não são percebidos pelos sistema criminal (ANIYAR DE CASTRO, Lola. Criminologia da Reação Social. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 67-68).
19 "A certeza, ainda que não absoluta, a que aspira um sistema penal do tipo garantista não é no sentido de que resultem exatamente comprovados e punidos todos os fatos previstos pela lei como delitos, mas que sejam punidos somente aqueles nos quais se tenha comprovado a culpabilidade por sua comissão" (FERRAJOLI, Luigi. Op. cit., p. 85).
20 ALMEIDA, Gervan de Carvalho. Modernos movimentos de Política Criminal e seus reflexos na legislação brasileira. 2 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 77-80.
Servidor Público Federal. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). Pós-graduando em Ciências Penais, pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UniSUL). Pesquisador do Grupo Sociedade, Controle Penal e Sistema de Justiça, da Faculdade de Direito, da Universidade de Brasília (UnB).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Alberto Carvalho. O conflito entre dois modelos de política criminal contraditórios. O eficientismo e o garantismo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2008, 17:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/14549/o-conflito-entre-dois-modelos-de-politica-criminal-contraditorios-o-eficientismo-e-o-garantismo. Acesso em: 26 dez 2024.
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