Sumário. Introdução; legislação; situações práticas; fatos atuais e mídia; conclusão.
O emprego de algemas pelos órgãos policiais ou penitenciários não deveria nos chamar a atenção. Contudo, em face dos anômalos acontecimentos recentes, o tema ocupou publicidade social, merecendo, pois, brevíssimos comentários. Coincidência ou não, a questão sobre o uso de algemas foi objeto de indagação oral, isso há mais de quatro lustros, em nosso concurso de ingresso à carreira.
À época, respondemos que a questão estava mencionada na Lei nº 7.210/84, a Lei das Execuções Penais. E assim seu art. 199 estabelece que: “o emprego de algemas será fuga. 2º Condução à presença da autoridade dos ébrios, viciosos e turbulentos, recolhidos na prática de infração e que devam ser postos em custódia, nos termos do Regulamento Policial do Estado, desde que o seu estado externo de exaltação torne indispensável o emprego de força. 3º Transporte, de uma para outra dependência, ou remoção, de um para outro presídio, dos presos que, pela sua conhecida periculosidade, possam tentar a fuga, durante diligência, ou a tenham tentado, ou oferecido resistência quando de sua detenção.”
E assim, diante da ausência de lei federal, em São Paulo a normativa a ser observada era é esse decreto. Hoje, o decreto federal ainda não existe, cabendo, por absoluta vontade própria, de uma forma ou outra, aos Estados (como o Estado do Rio de Janeiro, administrativamente, p. ex.) e à União, disciplinarem, por seus entes administrativos, o uso de algemas. Não obstante, em 2007, foi publicado o Decreto disciplinado por decreto federal.” Como não havia o decreto, dissemos também que no Estado de São Paulo, existia um decreto que tratava do tema.
Esse Decreto é o de nº 19.903/50, vigente, que dispõe: “Art. 1º O emprego de algemas far-se-á na Polícia do Estado, de regra, nas seguintes diligências:1º Condução à presença da autoridade dos delinqüentes detidos em flagrante, em virtude de pronúncia ou nos demais casos previstos em lei, desde que ofereçam resistência ou tentem a Federal nº 6.049, criando o Regulamento Penitenciário Federal, que, em duas disposições fala sobre algemas, mas sem, contudo, efetivar a disciplina da qual tratou a Lei de Execuções Penais, já em 1984. E o Reg. Penitenciário, ao tratar do regime disciplinar diferenciado, expressa em seu art. 58 que: “ O cumprimento do regime disciplinar diferenciado em estabelecimento penal federal, além das características elencadas nos incisos I a VI do art. 6º, observará o que segue: III - uso de algemas nas movimentações internas e externas, dispensadas apenas nas áreas de visita, banho de sol, atendimento assistencial e, quando houver, nas áreas de trabalho e estudo.” E ainda no art. 85, no item meios de coerção: “ A sujeição a instrumentos tais como algemas, correntes, ferros e coletes de força nunca deve ser aplicada como punição. Parágrafo único. A utilização destes instrumentos será disciplinada pelo Ministério da Justiça.”E veja-se, mais uma se declinou para ato administrativo do Ministério da Justiça, o que também não foi editado. Ainda sobre legislação, no Estado de São Paulo há menção às algemas no Decreto nº 49.874/05, que criou na Secretaria de Administração Penitenciária, o Departamento de Inteligência e Segurança da Secretaria, e, em seu art. 9º, estabeleceu que o Centro de Segurança Penitenciária tem as seguintes atribuições: “a) propor medidas que visem ao aperfeiçoamento: 1. do emprego de armamento, munição, equipamentos de proteção individual e de comunicação operacional, bloqueadores de sinais de telefonia celular, algemas, aparelhos de Raios X, circuito fechado de TV e outros equipamentos necessários à segurança, interna e externa, das unidades prisionais.” Como pode ser observado, uma norma genérica. Por outro lado, ainda à guisa legislativa, convém ser mencionada a Lei nº 9.537/97, que versa sobre a segurança do tráfego aquaviário em águas sob jurisdição nacional. Seu art. 10 expõe: "
O Comandante, no exercício de suas funções e para garantia da segurança das pessoas, da embarcação e da carga transportada, pode: III - ordenar a detenção de pessoa em camarote ou alojamento, se necessário com algemas, quando imprescindível para a manutenção da integridade física de terceiros, da embarcação ou da carga". Aqui, a situação está melhor definida. Também temos normas (Portaria nº R 528/CG 5/03; IAC 2504/88, etc.) do Programa Nacional de Segurança da Aviação Civil e Segurança nos Aeroportos, que prevê algemas no transporte de preso a bordo de aeronaves, conforme preceitos contidos no Programa de Segurança dos Aeroportos, seguindo normas recomendadas pela OACI-ICAO (Organização de Aviação Civil Internacional). Há, ainda, expressa menção às algemas no Código de Processo Penal Militar que, ao mencionar o emprego de força, diz no § 1º, do art. 234: “O emprego de algemas deve ser evitado, desde que não haja perigo de fuga ou de agressão da parte do preso, e de modo algum será permitido, nos presos a que se refere o art. 242. Eis o art. 242. “Serão recolhidos a quartel ou a prisão especial, à disposição da autoridade competente, quando sujeitos a prisão, antes de condenação irrecorrível: a) os ministros de Estado;b) os governadores ou interventores de Estados, ou Territórios, o prefeito do Distrito Federal, seus respectivos secretários e chefes de Polícia; c) os membros do Congresso Nacional, dos Conselhos da União e das Assembléias Legislativas dos Estados; d) os cidadãos inscritos no Livro de Mérito das ordens militares ou civis reconhecidas em lei; e) os magistrados; f) os oficiais das Forças Armadas, das Polícias e dos Corpos de Bombeiros, Militares, inclusive os da reserva, remunerada ou não, e os reformados; g) os oficiais da Marinha Mercante Nacional; h) os diplomados por faculdade ou instituto superior de ensino nacional; i) os ministros do Tribunal de Contas; j) os ministros de confissão religiosa” Como até aqui visto, concluímos, basicamente, que as legislações em testilha apresentam duas diretivas diversas; uma, no que toca à forma de se empregar as algemas e outra em quais situações. De qualquer modo, o que importa é se estabelecer que, quanto ao uso desses instrumentos de controle, ressalta ser, a nosso simples olhar, um grande desperdício legislativo, em um estado democrático de direito, se pretender disciplinar, mediante legislação, quer federal ou estadual, o uso de emprego efetivo, ou melhor explicando, quais as cautelas que o agente público deve atender para empregar algemas.
Ora, basta criteriosidade de serenidade profissional, para se conjugar os métodos de conveniência e oportunidade na medida. De nada vale a regulamentação se não obedecida voluntariamente. Como paralelo, tomemos quaisquer outras medidas cometidas pelo agente público em desrespeito à lei perante qualquer outrem e já o poderemos enquadrar em eventual abuso de autoridade. Assim, mesmo com lei a respeito ainda há incidência de abusos, e assim, para que outra regulamentação que, por si, já está afeta ao caso (Lei nº 4898/65, art. 4º: “ Constitui também abuso de autoridade: b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei;”. Não há efeito produtivo algum. O melhor a se agir, é cada órgão público fazer publicar sua diretriz quanto ao emprego de algemas, porque, na verdade, a situação é puramente de Direito Administrativo e assim, afeta diretamente à executoriedade de atos da mesma espécie. E, por outra vista, não temos o a menor dúvida de que, nenhum órgão de segurança ou afim, neste País, oriente seus membros a agir de modo arbitrário, descomedido ou infame na questão do uso de algemas.
Os fatos que ocorrem são plenamente de responsabilidade pessoal do agente, que, por conduta néscia, promocional ou outra qualquer, decide agir a seu bel-prazer. Assim, se extrapolou, responderá pelos seus atos, como faria em outras circunstâncias em que por acaso também trabalhasse mal. Por isso quanto à prática do uso de algemas, claro que qualquer normativa trará casos abstratos, a serem, no evento real, analisados pelo agente a fim de saber se usará ou não o objeto. Mas essa análise sensorial não é tão fácil como parece. Vejamos algumas hipóteses: a) transporte e condução de presos: é sempre recomendável, não importando a qualificação da pessoa, tanto por segurança pública, quanto do condutor e do próprio conduzido. E muito mais que isso, porque, caso ocorra fuga, a primeira responsabilidade será do condutor e aí surgirão as dúvidas, tais quais, houve facilitação, houve suborno, etc. Logo, o profissional seguro de sua responsabilidade não porá sua mão no fogo, preferindo colocar a do preso nas algemas. b) indivíduos perigosos: situação difícil, porque a periculosidade pode se dar em grau de violência física contra si ou contra outrem, além da situação de violência presumida pela conduta antepassada do preso. A par disso, todas as situações são abertas, e, o que vale mesmo, é a intenção do agente público em garantir a boa ordem da lei, sem, com isso, causar maus-tratos despiciendos. Quanto aos casos rumorosos recentíssimos, como de banqueiros e ex-político, a situação extrapolou a questão meramente jurídica por alguns motivos. Um deles que é houve exposição excessiva de meios de imprensa, fato que acalentou especulações, mormente sem sendo coberturas ao vivo. E muitas pessoas reclamaram do papel da imprensa em dar azo a procedimentos dessa estirpe, para apenas causar sensacionalismo.
É verdade e ao mesmo tempo não. Depende, não da propriamente da cobertura ao vivo, mas, sobretudo, dos comentários jornalísticos. Este é o problema; levar-se à discussão o aspecto técnico das prisões ou sob o prisma midiático, porque a força desse processo é assaz vulnerante, notadamente sobre as massas. De qualquer modo, não há motivo absoluto para se impedir o acesso dos meios jornalísticos às ações policiais se não prejudicarem os trabalhos a serem levados a cabo. Incumbe, pois, à Imprensa, a responsabilidade sobre suas reportagens, assim, como se exige dos agentes consciência ao realizarem suas funções, como, o emprego de algemas. Outro ponto que causou tanta aporia foi a qualificação dos envolvidos, o que dá sustentação ao conflito de classes e ao velho brocardo da impunidade a figurões do País. Em parte há razão na afirmação, e em parte não, porque o apelo público se dá, muito mais pela curiosidade e caráter novelesco do que a solução jurídica dos fatos em si. Para se resumir os episódios, basta se atentar ao que foi exposto sobre o uso de algemas e se concluirá que nenhuma arbitrariedade pode ter existindo, porque, ou se garantiu a segurança dos envolvidos ou dos próprios policiais. Quem garante que algum dos presos não tentaria uma escapada? Ou que não tinham compromissos que os faria embarcar em um jatinho nos próximos momentos e bastava uma fuga? Não tinha um dos envolvidos uma parede falsa em sua casa ou escritório? E se tivessem outros dispositivos secretos? A questão jurídica das prisões. Embora sem conhecimento pleno dos fatos, fácil é se perceber que as prisões foram, na origem, legais. Emanaram de ordem escrita de juiz de direito competente .
Logo, formalmente em ordem. Outra coisa é se saber se materialmente havia imperiosidade na decretação dessas prisões. Sobre esses pontos, a cobertura da imprensa foi um tanto que confusa, e não só dela, como do próprio Governo, num primeiro momento, confundindo a forma com o conteúdo das custódias. Isso porque houve revogação das prisões pelo Supremo Tribunal Federal, que as entendeu desnecessárias. Ou seja, as prisões, embora legais, não eram pertinentes ao desdobramento da causa. E esta celeuma é uma questão meramente processual, a ser resolvida nas esferas competentes de poder. Outra discussão sobre algemas foi a concessão de ordem judicial brasileira para que o indivíduo recambiado de Mônaco à Justiça brasileira não fosse algemado ao chegar ao País. Vejam, mais uma vez se confunde segurança com personalidade, porque talvez a pessoa se sentiria ultrajada em ser apresentada ao público algemada. Mas se tratava de sujeito praticamente foragido e quais as garantias de sua tranqüila chegada? Por que se deslocar maior efetivo policial para escolta, sob pretexto de sentimento infame. É mais ou menos ultrajante chegar algemado ou já se ter ficado meses em estabelecimento prisional? Quem garante que essa pessoa não poderia praticar um ato insano à bordo? E como veio em aeronave de carreira deveria vir algemado, de acordo com as regras internacionais da ICAO, como mencionado acima. Prudência e caldo de galinha, como dizem, não faz mal a ninguém! Por tudo isso é que o uso de algemas configura legítima medida de segurança pública, que objetiva garantir a integridade do preso, das agentes públicos e da sociedade, não podendo ser usada como mero fator de humilhação, desprezo ou infâmia. E assim não deve ser encarada, porque perigo não se confunde com arbítrio.
Primeiro promotor de Justiça de São Paulo (SP). Mestre em Direito Processual Penal pela PUC/SP. Doutorando em Direito Penal pela UNED (Madrid, Espanha).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAGLIUCA, José Carlos Gobbis. Aspectos Atuais Sobre o Uso de Algemas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2008, 11:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/14774/aspectos-atuais-sobre-o-uso-de-algemas. Acesso em: 26 dez 2024.
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