1 – Considerações preliminares
O artigo 3º, do Código de Processo Civil, dispõe que “para propor ou contestar ação é necessário ter interesse e legitimidade”.
A leitura deste dispositivo, somada à do inciso VI do artigo 267, leva à conclusão de que a legitimidade, o interesse de agir e a possibilidade jurídica do pedido compõem as condições necessárias à existência da ação[1], sem as quais será declarada a carência da ação e a extinção do processo sem resolução de mérito (CPC, art. 267, VI).
No presente trabalho focaremos a atenção no estudo da legitimidade, também denominada legitimação ou, ainda, legitimatio ad causam.
Segundo Liebman, a legitimidade consiste na “pertinência subjetiva da ação”, ou seja, os pólos, ativo e passivo, de uma demanda devem ser ocupados pelos sujeitos de uma determinada relação jurídica de direito material.
Assim, “legitimados ao processo são os sujeitos da lide, isto é, os titulares dos interesses em conflito. A legitimação ativa caberá ao titular do interesse afirmado na pretensão, e a passiva ao titular do interesse que se opõe ou resiste à pretensão” [2].
Desta forma, apenas para exemplificarmos o afirmado, a ação de despejo deve ser proposta pelo locador contra o locatário, a ação de cobrança deve ser proposta pelo credor em face do devedor, a ação de separação judicial litigiosa deve ser proposta por um dos cônjuges em desfavor do outro, e assim por diante.
Em regra, de acordo com Código de Processo Civil, a legitimação é ordinária, ou seja, é o próprio titular do direito controvertido quem deverá integrar um dos pólos da demanda. Excepcionalmente, e com expressa previsão legal, “admite-se que alguém vá a juízo, em nome próprio, para postular ou defender interesse alheio” [3].
É o que reza o artigo 6º do Código de Ritos, in verbis:
“Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.
A este fenômeno de legitimação extraordinária, Chiovenda deu o nome de “substituição processual” [4]. Veja-se que a substituição processual não se confunde com a representação processual, onde o representante atua em nome do representado e no interesse deste, nem com a sucessão processual, que se dá com o falecimento da parte e a sua sucessão pelos herdeiros ou pelo espólio [5].
Feitas estas considerações vestibulares, cumpre-nos dar início ao estudo da legitimação ativa, individual e coletiva, sob o prisma da ação [6] de mandado de segurança.
2 – Legitimação individual
De início, no que pertine à nomenclatura adequada, cumpre salientar que as partes no mandado de segurança não se denominam autor e réu, mas sim impetrante e impetrado, respectivamente.
Assim, temos que impetrante será o titular do direito líquido e certo, violado ou ameaçado por ato ilegal ou abusivo, de autoridade.
Podem impetrar mandado de segurança: a pessoa física ou jurídica residente ou sediada no Brasil ou no exterior[7], a massa falida, a herança, a sociedade sem personalidade jurídica, o condomínio edilício e a massa do devedor civil insolvente, dentre outras [8].
Aliás, o conceito de parte no mandado de segurança tem sido mais amplo do que nas ações em geral, “graças à consideração de que as garantias constitucionais não devem ser objeto de restrição, para que alcancem sua plenitude” [9].
Destaca Cássio Scarpinella Bueno que, “no contexto da Constituição de 1988, já não há mais espaço para questionamentos, no sentido de que todo aquele que pode invocar os direitos e as garantias listados em seu art. 5° pode impetrar o mandado de segurança” [10].
E o autor paulista complementa o raciocínio aduzindo que, “embora tradicionalmente os direitos e as garantias individuais (as liberdades públicas) sejam estruturados a partir dos e dirigidos para os indivíduos (como verdadeiros limites à autuação do Estado), não há como deixar de reconhecer que as diversas pessoas públicas podem, eventualmente, apresentar-se como titulares de direitos em face de outras, justificando, assim, a impetração, desde que seus demais pressupostos estejam presentes” [11].
Não é por outra razão que a jurisprudência tem reconhecido legitimidade ativa e passiva, para o mandado de segurança, aos órgãos públicos despersonalizados (mas dotados de prerrogativas próprias), tais como: Mesas das Câmaras Legislativas, Presidências de Tribunais, Chefias de Executivo e de Ministério Público, Presidências de Comissões Autônomas, etc., desde que a utilização do mandamus seja restrita à sua atuação funcional e em defesa de suas atribuições institucionais [12].
Como sempre, de forma lapidar, o mestre Hely Lopes Meirelles exaure a matéria asseverando que os “agentes políticos que detenham prerrogativas funcionais específicas do cargo ou do mandato (Governadores, Prefeitos, Magistrados, Parlamentares, Membros do Ministério Público e dos Tribunais de Contas, Ministros e Secretários de Estado e outros), também podem impetrar mandado de segurança contra ato de autoridade que tolher o desempenho de suas atribuições ou afrontar suas prerrogativas, sendo freqüentes as impetrações de membros de corporações contra a atuação de dirigentes que venham a cercear sua atividade individual no colegiado ou, mesmo, a extinguir ou cassar seu mandato”[13].
Neste ponto, afigura-se deveras oportuna a lição de José Cretella Júnior, no sentido de que “a ausência de personalidade jurídica não é, no direito brasileiro, em determinados casos, impeditiva da personalidade judiciária, como ocorre, por exemplo, com a massa falida, a herança jacente, as câmaras municipais, os condomínios em edifícios, os consórcios, o espólio, os fundos” [14].
E, mais adiante, o precitado autor transcreve valiosa lição do eminente Min. Victor Nunes Leal, vazada nos seguintes termos: “Se o direito deve servir ao homem e não aos esquemas; se há evidente conveniência pública em abrandar as disputas políticas pelo seu progressivo enquadramento judiciário; e se há numerosos casos em que o direito positivo reconhece personalidade judiciária a “interesses” ou “associações” não dotados de personalidade jurídica, é perfeitamente legítima a tese da personalidade judiciária das câmaras municipais, cuja compatibilidade com o nosso regime político está evidenciada pela orientação judicialista da constituição vigente, de 1946” (Problemas de Direito Público, 1960, p. 439).
Em suma, “o essencial para a impetração é que o impetrante – pessoa física ou jurídica, órgão público ou universalidade legal – tenha prerrogativa ou direito próprio ou coletivo a defender e que esse direito se apresente líquido e certo ante o ato impugnado” [15].
Vejam-se, a seguir, excertos jurisprudenciais que corroboram as teses apresentadas:
Pessoa Física
MS 117.800-0/0-00, Órgão Especial, TJSP, Rel. Des. Walter Guilherme, j. 15.08.07
Impetrante: Leopoldo Donadio Cardone
Impetrado: Presidente da Mesa da Câmara Municipal de São Paulo
Pessoa Física Residente no Exterior
RE 215.267, STF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 24.04.01
Recorrido-impetrante: Centro de Bem Estar Social de Macinhata do Vouga e outros
Recorrente-impetrado: União Federal
Ementa: "Ao estrangeiro, residente no exterior, também é assegurado o direito de impetrar mandado de segurança, como decorre interpretação sistemática dos artigos 153, caput, da Emenda Constitucional de 1969 e do 5º, LXIX da Constituição atual. Recurso extraordinário não conhecido".
Pessoa Jurídica da D. Privado
MS 150.579-0/1-00, Órgão Especial, TJSP, Rel. Des. Walter Guilherme, j. 12.12.07
Impetrante: Auto Viação Urubupungá Ltda.
Impetrado: Presidente do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo e outro
Pessoa Jurídica da D. Público
Ap. Cível c/ Rev. 321.539-5/9-00, Câmara Especial do Meio Ambiente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Rel. Des. Samuel Júnior, j. 14.12.06
Impetrante: Prefeitura Municipal de Barueri e outro
Impetrado: Gerente Regional da Bacia do Alto Tietê da Companhia de Tecnologia do Saneamento Ambiental – CETESB
Pessoa Jurídica da D. Público Internacional (Estado Estrangeiro)
MS 1.042.352-0/2, 29ª Câmara de Direito Privado, TJSP, Rel. Des. Pereira Calças, j. 13.06.07
Impetrante: Reino da Tailândia
Impetrado: MM. Juiz de Direito da 31ª Vara Cível da Capital.
Massa Falida
MS 510.445-4/9-00, Câmara Especial de Falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado, TJSP, Rel. Des. Boris Kauffmann, j. 19.12.07
Impetrante: Massa Falida de Marcus Indústria de Condutores Elétricas Ltda.
Impetrado: MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível da C. de Itatiba
Fundação
MS 12.201/DF, 1ª Seção, STJ, Rel. Min. Denise Arruda, j. 12.12.07
Impetrante: Fundação Cesumar
Impetrado: Ministro de Estado das Comunicações
Autarquia Federal
MS 381.908-4/9-00, 10ª Câmara de Direito Privado, TJSP, Rel. Des. Octávio Helene, j. 08.11.05
Impetrante: Caixa Econômica Federal
Impetrado: Juiz de Direito da 3ª V. Judicial do Foro Regional de V. Mimosa.
Agente Político (Vereador)
Ap. Cível c/ Rev. 639.194-5/7-00, 7ª Câmara de Direito Público, TJSP, Rel. Des. Moacir Peres, j. 13.08.07
Impetrante: Paulo Sérgio Abou Anni (Vereador em SP)
Impetrado: Secretário Municipal de Transportes
Objeto: Obter informações da administração pública municipal
Agente Político (Senador)
MS 20.257-DF, Pleno, STF, Rel. Min. Décio Miranda, j. 08.10.80
Impetrantes: Itamar Franco e Antonio Mendes Canale (Senadores)
Impetrado: Mesa do Congresso Nacional
Objeto: Obstar o processo legislativo emenda constitucional incompatível com disposições constitucionais.
Agente Político (Parlamentar)
MS 24.642, STF, Rel. Min. Carlos Velloso, j. 18.02.04
Impetrante: Onyx Lorenzoni
Impetrado:Mesa da Câmara dos Deputados
Ementa: "O parlamentar tem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança com a finalidade de coibir atos praticados no processo de aprovação de leis e emendas constitucionais que não se compatibilizam com o processo legislativo constitucional. Legitimidade ativa do parlamentar, apenas. Precedentes do STF: MS 20.257/DF, Ministro Moreira Alves (leading case), RTJ 99/1031; MS 21.642/DF, Ministro Celso de Mello, RDA 191/200; MS 21.303-AgR/DF, Ministro Octavio Gallotti, RTJ 139/783; MS 24.356/DF, Ministro Carlos Velloso, DJ 12-9-03."
Agente Político (Magistrado)
MS 05.002239-3, Pleno, TJPI, Rel. Desa. Eulália Maria Ribeiro, j. 19.01.06
Impetrante: Juraci Nunes Santos (Juiz de Direito no Piauí)
Impetrado: Presidente do Tribunal de Justiça do Piauí
Objetivo: Dar continuidade ao exercício do cargo de juiz, após a idade limite de 70 anos
Agente Político (Procurador-Geral da República)
MS 21.239, STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j.05.06.91
Impetrante: Procurador-geral da República
Impetrado: Presidente da República
Ementa: "A legitimidade ad causam no mandado de segurança pressupõe que o impetrante se afirme titular de um direito subjetivo próprio, violado ou ameaçado por ato de autoridade; no entanto, segundo assentado pela doutrina mais autorizada (cf. Jellinek, Malberg, Duguit, Dabin, Santi Romano), entre os direitos públicos subjetivos, incluem-se os chamados direitos-função, que têm por objeto a posse e o exercício da função pública pelo titular que a detenha, em toda a extensão das competências e prerrogativas que a substantivem: incensurável, pois, a jurisprudência brasileira, quando reconhece a legitimação do titular de uma função pública para requerer segurança contra ato do detentor de outra, tendente a obstar ou usurpar o exercício da integralidade de seus poderes ou competências: a solução negativa importaria em ‘subtrair da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito’. A jurisprudência — com amplo respaldo doutrinário (v.g., Victor Nunes, Meirelles, Buzaid) — tem reconhecido a capacidade ou ‘personalidade judiciária’ de órgãos coletivos não personalizados e a propriedade do mandado de segurança para a defesa do exercício de suas competências e do gozo de suas prerrogativas. Não obstante despido de personalidade jurídica, porque é órgão ou complexo de órgãos estatais, a capacidade ou personalidade judiciária do Ministério lhe é inerente — porque instrumento essencial de sua atuação — e não se pode dissolver na personalidade jurídica do estado, tanto que a ele freqüentemente se contrapõe em juízo; se, para a defesa de suas atribuições finalísticas, os tribunais têm assentado o cabimento do mandado de segurança, este igualmente deve ser posto a serviço da salvaguarda dos predicados da autonomia e da independência do Ministério Público, que
constituem, na Constituição, meios necessários ao bom desempenho de suas funções institucionais. Legitimação do Procurador-Geral da República e admissibilidade do mandado de segurança reconhecidas, no caso, por unanimidade de votos."
Órgão Público (Câmara Municipal)
RMS 10.339/PR, 1ª Turma, STJ, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, j. 06.04.00
Impetrante: Câmara Municipal de Castro
Impetrado: Governador do Estado do Paraná
Ementa: “O Município tem personalidade jurídica e a Câmara de Vereadores ‘personalidade judiciária’ (capacidade processual) para a defesa dos seus interesses e prerrogativas institucionais. Porém, afetados os direitos do Município e inerte o Executivo (Prefeito), no caso concreto, influindo fortemente os chamados direitos-função (impondo deveres), existente causa concreta e atual, afetados os direitos do Município, manifesta-se o direito subjetivo público, seja ordinariamente ou supletiva extraordinária, legitimando-se ativamente ad causam a Câmara Municipal para impetrar segurança”.
Órgão Público (Tribunal de Justiça)
MS 23.267/SC, Pleno, STF, Rel. Min. Gilmar Mendes, j. 03.04.03
Impetrante: Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina
Impetrado: Governador do Estado de Santa Catarina e outro
Objetivo: Recebimento dos duodécimos
Por fim, relacionamos as súmulas das Cortes Superiores que dizem respeito à legitimidade ativa para o mandado de segurança individual:
Sociedade de Economia Mista (caso específico)
STF, 508: “Compete à Justiça Estadual, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas em que for parte o Banco do Brasil S/A”.
Autarquias Federais
STF, 511: “Compete à Justiça Federal, em ambas as instâncias, processar e julgar as causas entre autarquias federais e entidades públicas locais, inclusive mandados de segurança, ressalvada a ação fiscal, nos termos da Constituição Federal de 1967, art. 119, §3°”.
Pessoa Física (caso específico)
STF, 628: “Integrante de lista de candidatos a determinada vaga da composição de tribunal é parte legítima para impugnar a validade da nomeação de concorrente”.
Agente Político (Membro do Ministério Público)
STF, 701: “No mandado de segurança impetrado pelo Ministério Público, contra decisão proferida em processo penal, é obrigatória a citação do réu como litisconsorte passivo”.
3 – Legitimação coletiva
O legislador constituinte de 1988 introduziu no corpo da Lex Legum diversos dispositivos e institutos de tutela coletiva de direitos, dentre os quais podemos destacar os seguintes: outorgou legitimidade para as associações representarem seus filiados, desde que expressamente autorizadas (art. 5°, XXI); possibilitou a defesa dos direitos e interesses coletivos ou singulares da categoria, pelos sindicatos (art. 8°, III); ampliou o rol de legitimados para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (art. 103); atribuiu ao Ministério Público o poder-dever de instaurar inquérito civil e ajuizar ação civil pública (art. 129, III), dentre outros [16].
Nesse diapasão, veio a lume o mandado de segurança coletivo, tendo como legitimados à sua impetração o partido político com representação no Congresso Nacional (art. 5°, LXX, a), e a organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados (art. 5°, LXX, b).
Outros entes que não os elencados acima não possuem legitimidade ativa para a impetração do mandado de segurança coletivo. Por exemplo, o Estado-membro carece de tal legitimação, como se vê no seguinte julgado:
“Ao Estado-membro não se outorgou legitimação extraordinária para a defesa, contra ato de autoridade federal no exercício de competência privativa da União, seja para a tutela de interesses difusos de sua população — que é restrito aos enumerados na lei da ação civil pública (L. 7.347/85) —, seja para a impetração de mandado de segurança coletivo, que é objeto da enumeração taxativa do art. 5º, LXX da Constituição. Além de não se poder extrair mediante construção ou raciocínio analógicos, a alegada legitimação extraordinária não se explicaria no caso, porque, na estrutura do federalismo, o Estado-membro não é órgão de gestão, nem de representação dos interesses de sua população, na órbita da competência privativa da União” (MS 21.059, STF, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 5-9-90, DJ de 19-10-90) (grifo nosso).
A legitimação no mandado de segurança coletivo é do tipo extraordinária ou de substituição processual, posto que os legitimados atuam em nome próprio na defesa de direito ou interesse alheio.
“Em se tratando de mandado de segurança coletivo, esta Corte já firmou o entendimento de que, em tal caso, a entidade de classe ou a associação é parte legítima para impetrá-lo, ocorrendo, nesse caso, substituição processual. Na substituição processual, distingue-se o substituto como parte em sentido formal e os substituídos como partes em sentido material, por serem estes, embora não integrando a relação processual, titulares do direito que, em nome próprio, é defendido pelo substituto” (Rcl 1.097-AgR, STF, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 2-9-99, DJ de 12-11-99) (grifo nosso).
Ademais, a substituição processual no mandado de segurança coletivo é do tipo concorrente, porque não exclui a possibilidade do substituído valer-se da legitimação ordinária que naturalmente possui (ou seja, não gera litispendência). Por ora esta informação já é suficiente para prosseguirmos no nosso estudo, entrementes, para exata compreensão da questão, recomendamos o estudo dos efeitos da coisa julgada no mandamus coletivo.
Ainda a título de prolegômenos, cumpre salientar a crítica existente na doutrina quanto ao título dado ao instituto. Uadi Lamêgo Bulos, com escopo nas lições de Othon Sidou, Cretella Júnior, Lúcia Valle Figueiredo e Antonio Gidi, sustenta que a adjetivação coletiva atribuída ao mandado de segurança não se compraz com aquilo que ele realmente designa, visto que o instituto resguarda outros interesses além dos coletivos (aqui o aludido autor faz referência aos interesses individuais homogêneos e aos difusos) [17].
Por fim, com supedâneo em tudo o que defendemos anteriormente, restou evidenciado que a legitimação ativa para o mandado de segurança coletivo é do tipo substituição processual, e, como tal, dispensa qualquer autorização dos filiados para atuar em juízo, não se confundindo com a legitimação decorrente do inc. XXI, art. 5°, da Carta da República, que é do tipo representação processual, e exige autorização do filiado para a adequada tutela dos seus direitos.
Os arestos a seguir transcritos ilustram bem o entendimento esposado pelo Excelso Pretório:
“O inciso LXX do artigo 5º da Constituição Federal encerra o instituto da substituição processual, distanciando-se da hipótese do inciso XXI, no que surge no âmbito da representação. As entidades e pessoas jurídicas nele mencionadas atuam, em nome próprio, na defesa de interesses que se irradiam, encontrando-se no patrimônio de pessoas diversas. Descabe a exigência de demonstração do credenciamento.” (RMS 21.514, STF, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 27-4-93, DJ de 18-6- 93) (grifo nosso).
"A legitimação das organizações sindicais, entidades de classe ou associações, para a segurança coletiva, é extraordinária, ocorrendo, em tal caso, substituição processual. CF, art. 5º, LXX. Não se exige, tratando-se de segurança coletiva, a autorização expressa aludida no inciso XXI do art. 5º da Constituição, que contempla hipótese de representação" (RE 193.382, STF, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 28-6-96, DJ de 20-9-96) (grifo nosso).
“A associação regularmente constituída e em funcionamento, pode postular em favor de seus membros ou associados, não carecendo de autorização especial em assembléia geral, bastando a constante do estatuto. Mas como é próprio de toda substituição processual, a legitimação para agir está condicionada à defesa dos direitos ou interesses jurídicos da categoria que representa.” (RE 141.733, STF, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 7-3-95, DJ de 1º-9-95)
A súmula n° 629, do Supremo Tribunal Federal, elimina qualquer resquício de dúvida:
“A impetração de mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes”.
3.1 – Legitimidade ativa dos partidos políticos
O partido político “destina-se a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal” (art. 1° da Lei 9096/95 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos).
Os partidos políticos adquirem personalidade jurídica com o registro de seus atos constitutivos no Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas da Capital Federal, todavia, a constituição definitiva de seus órgãos e a designação dos dirigentes ocorre com o registro do seu estatuto perante o Tribunal Superior Eleitoral, após a obtenção do apoiamento mínimo de eleitores, nos termos do disposto na CF, art.17, §2°, e Lei 9096/95, artigos 7°, 8° e 9° [18].
Salienta Francisco Antonio de Oliveira que “somente após atendida esta formalidade é que o partido político estará legitimado a figurar no pólo ativo do mandado de segurança coletivo” [19]. Todavia, para que o partido político possa utilizar a via augusta do mandado de segurança coletivo, haverá que atender também ao requisito da representação no Congresso Nacional (CF, art. 5°, LXX, b).
Controverte-se, na doutrina, sobre a possibilidade de o partido político impetrar mandado de segurança coletivo para defesa de todo e qualquer direito, de todo e qualquer cidadão, ou apenas de seus eleitores ou filiados.
O prof. Uadi Lamêgo Bulos efetuou amplo levantamento sobre os diversos matizes encontradiços na doutrina, os quais passamos a transcrever:
“Ada Pellegrini Grinover sustenta que a alínea a, do inc. LXX, do art. 5°, ‘adotou a redação mais ampla possível: e para retirar-se do dispositivo a maior carga de eficácia, parece claro que nenhuma restrição há de ser feita. Por isso, o partido político está legitimado a agir para a defesa de todo e qualquer direito, seja ele de natureza eleitoral ou não. No primeiro caso o partido estará defendendo os seus próprios interesses institucionais para o qual se constitui. Agirá, a nosso ver, investido de legitimação ordinária. No segundo caso – quando, por exemplo, atuar para a defesa do ambiente, do consumidor, dos contribuintes –, será substituto processual, defendendo em nome próprio interesses alheios. Mas nenhuma outra restrição deve sofrer quanto aos interesses e direitos protegidos: além da tutela dos direitos coletivos e individuais homogêneos, que se titularizam nas pessoas filiadas ao partido, pode o partido buscar, pela via de segurança coletiva, aquele atinente a interesses difusos, que transcendam aos seus filiados’.
Athos Gusmão Carneiro opinou no sentido de que ‘a melhor solução será, ao menos como regra, a mantença do princípio da vinculação entre as finalidades da entidade substituta com os interesses das pessoas substituídas. Podem os partidos políticos atuar como substitutos processuais, e assim ajuizar o mandamus coletivo, se os direitos afirmadamente violados (ou ameaçados) forem aqueles sob direta e imediata tutela constitucional, relativos à generalidade dos cidadãos como tais, acima de considerações pertinentes a interesses de ordem econômica, de classe, profissionais e assim por diante. Poderá o partido político, portanto, agir contra ato administrativo (lato sensu) que viole a liberdade de manifestação do pensamento; ou a liberdade de culto; ou o sigilo da correspondência e das comunicações, nos termos da lei; ou que institua ilegais restrições à livre locomoção dentro do território nacional; ou que institua taxas confiscatórias da herança; ou que discrimine entre cidadãos por motivo da raça, religião, cor etc. Mas não poderá o partido político impetrar, v.g., mandado de segurança coletivo em favor dos mutuários do SFH, em tema de reajuste de prestações, por cuidar-se de obrigações e direitos meramente contratuais, ainda que muito numerosos os interessados’.
Para certos autores [Ernani Fidélis dos Santos, Sérgio Ferraz, Carlos Ari Sundfeld, Celso Agrícola Barbi, Lúcia Figueiredo], pertence aos partidos políticos o direito, constitucionalmente previsto, de defender via mandado de segurança coletivo, tudo que estiver relacionado aos direitos humanos fundamentais, à autenticidade do regime representativo, (...).
Outros entendem que o âmbito de atuação dos partidos políticos possui fronteiras. Permitir legitimação ampla ‘para atuarem em nome próprio na defesa de interesses individuais, mesmo quando interesses de muitos, por isso revestidos de uma dimensão social inocultável, seria, parece-nos evidente, além de instalar-se o tumulto na ordem jurídica, nela disseminar-se o germe da insegurança e da tirania’. ‘A legitimação sem fronteiras que seja reconhecida aos partidos políticos significará o caos, além de transferir para o âmbito do Judiciário (arena inadequada) a luta política que deve ser levada a cabo em outro campo’.
Consoante este pensamento, os partidos políticos atuam com legitimidade constitucional para a proteção dos direitos de natureza política. Apenas quando devidamente autorizados, com a aquiescência das entidades representativas, nos termos do art. 5°, XXI, estariam aptos a defenderem interesses diversos da sua finalidade, não correlatos aos seus. Incluem-se nesta corrente, dentre outros: Calmon de Passos, Vicente Greco Filho, José da Silva Pacheco” [20].
E mais adiante conclui:
“No inc. LXX a legitimidade, para impetrar a segurança coletiva é direta, sem qualquer intermediação, e, por isso, nem os partidos políticos, nem as associações, nem as entidades e sindicatos, para defenderem os direitos de seus filiados, necessitam de qualquer autorização por parte deles, pois agem em nome próprio. Atuam como substitutos processuais, e devem ater-se à finalidade para que foram criados, agindo ‘em defesa dos interesses dos seus membros ou associados’ (parte final da alínea b, inc. LXX). Destarte, o mandamus coletivo não objetiva tutelar interesse particular de membro ou associado, que seja incompatível com os objetivos nucleares da agremiação, seja ela um partido, um sindicato, uma associação ou entidade de classe. Aqui configura-se substituição processual”.
Particularmente não vislumbramos relevantes discrepâncias entre os argumentos do eminente processualista Min. Athos Gusmão Carneiro e a corrente subseqüente integrada pelos não menos brilhantes Ernani Fidélis dos Santos, Sérgio Ferraz, etc. Ambas apontam, com acerto, no sentido de que os partidos políticos possuem legitimidade ativa para impetrar mandado de segurança coletivo para tutelar os interesses ou direitos precipuamente ligados à sua função, qual seja, “a assegurar, no interesse do regime democrático, a autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na Constituição Federal”. Não é por outra razão que iniciamos a explanação apontando para o art. 1° da Lei Orgânica dos Partidos Políticos.
Na jurisprudência das Cortes Superiores encontramos os seguintes arestos que parecem apontar para uma aplicação comedida do mandamus coletivo:
"Uma exigência tributária configura interesse de grupo ou classe de pessoas, só podendo ser impugnada por eles próprios, de forma individual ou coletiva. Precedente: RE 213.631, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 7-4-2000. O partido político não está, pois, autorizado a valer-se do mandado de segurança coletivo para, substituindo todos os cidadãos na defesa de interesses individuais, impugnar majoração de tributo" (RE 196.184, STF, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 27-10-04, DJ de 18-2-05) (grifo nosso).
“Quando a Constituição autoriza um partido político a impetrar mandado de segurança coletivo, só pode ser no sentido de defender seus filiados e em questões políticas, ainda assim, quando autorizado por lei ou pelo estatuto. Impossibilidade de dar a um partido político legitimidade para vir a juízo defender 50 milhões de aposentados, que não são, em sua totalidade, filiados ao partido e que não autorizam o mesmo a impetrar mandado de segurança em nome deles” (MS 197, STJ, 1ª Seção, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 20-08-90) (grifo nosso).
“A exemplo dos sindicatos e das associações, também os partidos políticos só podem impetrar mandado de segurança coletivo em assuntos integrantes de seus fins sociais em nome de filiados seus, quando devidamente autorizados pela lei ou por seus estatutos. Não pode ele vir a juízo defender direitos subjetivos de cidadãos a ele não filiados ou interesses difusos e, sim, direitos de naturezas política, como, por exemplo, os previstos nos arts. 14 a 16 da CF” (EDMS 197, STJ, 1ª Seção, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 20-08-90) (grifo nosso).
Por fim, nada obsta que os partidos políticos promovam a defesa dos interesses individual de seus filiados. Contudo, para tal desígnio, deverá valer-se do permissivo contido no inciso XXI, do art. 5°, da CF, ou seja, poderão impetrar mandado de segurança individual mediante representação processual dos seus filiados.
3.2 – Legitimidade ativa dos sindicatos, entidades de classe e associações
Relativamente aos sindicatos, entidades de classe e associações, entendemos que o seu estudo de forma conjunta propicia maiores vantagens, posto que guardam intensa semelhança, facilitando sobremaneira a compreensão das diferenças.
A Consolidação das Leis do Trabalho não fornece a definição de sindicato, todavia, o diploma dispõe que “é lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos, ou profissionais, de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais, exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas” (art. 511) [21].
Uadi Lamêgo Bulos, com escopo na lição de Orlando Gomes e Elson Gottchalk, afirma que “sindicato é o agrupamento estável de várias pessoas de uma profissão. Estas pessoas convencionaram colocar por meio de uma organização interna, suas atividades e parte de seus recursos, em comum, para assegurar a defesa e a representação da respectiva profissão, a fim de melhorar suas condições de trabalho” [22].
Entidades de classe “são pessoas jurídicas, públicas ou privadas, com personalidade jurídica própria, cuja finalidade é representar um agrupamento de associados, os quais se submetem à disciplina imposta em seus estatutos” [23].
Associação “designa toda agremiação ou união de pessoas, promovida com um fim determinado, seja de ordem beneficente, literária, científica, artística, recreativa, desportiva ou política. (...). A Constituição brasileira (arts. 5°, XVIII, XIX, XX e XXI) assegura a plena liberdade de associação para fins lícitos – vedada a de caráter paramilitar –, independente de autorização ou interferência estatal no seu funcionamento” [24].
As expressões ”legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano” e “em defesa dos interesses de seus membros ou associados”, contidas na parte final da alínea b, inciso LXX, artigo 5°, da Constituição Federal, suscitaram grande controvérsia na doutrina e na jurisprudência. Prossigamos no seu enfrentamento.
De início, cumpre salientar que os sindicatos, entidades de classe e associações, devem possuir regularidade formal no que diz respeito à sua constituição, para poderem utilizar o mandamus coletivo, não bastando que existam de fato. A prova de tal regularidade deverá ser feita já na petição inicial, sob pena de indeferimento.
Vejamos os seguintes julgados:
"As entidades de classe representativas da defesa de seus associados credenciam-se para figurarem no pólo ativo da relação processual, legitimando-se para a utilização da via mandamental coletiva, se os seus atos constitutivos revestem-se das formalidades legais (...)” (MS 22.451, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 5-6-97, DJ de 15-8-97) (grifo nosso).
“Petição inicial desacompanhada de documento essencial — Falta de comprovação de que a impetrante é entidade legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano (...) A ação de mandado de segurança — ainda que se trate do writ coletivo, que se submete às mesmas exigências e aos mesmos princípios básicos inerentes ao mandamus individual — não admite, em função de sua própria natureza, qualquer dilação probatória. É da essência do processo de mandado de segurança a característica de somente admitir prova literal pré-constituída, ressalvadas as situações excepcionais previstas em lei (Lei n. 1.533/51, art. 6º e seu parágrafo único)” (MS 21.098, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, j. 20-8-91, DJ de 27-3-92) (grifo nosso).
No que diz respeito à expressão “em funcionamento há pelo menos um ano”, divergiu-se se apenas as associações deveriam respeitar tal período ou se o requisito era exigível também dos sindicatos e das associações de classe.
Como veremos a seguir, prevaleceu na jurisprudência o entendimento de que apenas às associações se aplica o requisito da pré-existência anual.
“Não exige a norma constitucional que o sindicato ou a entidade de classe estejam em funcionamento há mais de um ano para terem legitimidade para a impetração do mandado de segurança coletivo. A exigência é tão só para a associação como deflui da simples leitura do texto” (MS, TRF 1ª Região, 3ª T., Rel. Fernando da Costa Tourinho Neto).
"Legitimidade do sindicato para a impetração de mandado de segurança coletivo independentemente da comprovação de um ano de constituição e funcionamento" (RE 198.919, STF, Rel. Min. Ilmar Galvão, julgamento em 15-6-99, DJ de 24-9-99).
Merece destaque a expressão “em defesa dos interesses de seus membros ou associados”, inserta na alínea b, inc. LXX, art. 5°, da Lei Fundamental da República. De um modo geral, a doutrina propõe que o vocábulo deve ser compreendido como gênero, no qual estão inseridos os direitos (espécie). O interesse há de ser legítimo (tutelado pela lei), ou seja, um interesse que pressuponha ou corresponda, em última análise, a um direito (líquido e certo).
Francisco Antonio de Oliveira, escorado na lição de Celso Agrícola Barbi, leciona que “se o legislador usasse a expressão direitos, poder-se-ia entender que a proteção seria apenas de direitos subjetivos. Mas como a palavra empregada é interesses, não vemos razão para dar-lhe interpretação restritiva, como se se referisse apenas a direitos subjetivos” [25].
Uadi Lamêgo Bulos assevera que “na dicção do dispositivo colacionado, para as organizações sindicais (e aqui estendemos o raciocínio às entidades de classe e as associações) impetrarem mandamus coletivo basta haver uma conexão entre os direitos (interesses) dos seus integrantes e os interesses (direitos) defendidos por ela” [26].
Veja-se, a propósito, como a nossa Corte Suprema tem interpretado a expressão:
"Mandado de segurança coletivo — Legitimação — Natureza do interesse. O interesse exigido para a impetração de mandado de segurança coletivo há de ter ligação com o objeto da entidade sindical e, portanto, com o interesse jurídico desta, o que se configura quando em jogo a contribuição social sobre o lucro das pessoas jurídicas prevista na Lei n. 7.689/88. Na espécie, a controvérsia está relacionada com a própria atividade desenvolvida pelas empresas, o lucro obtido e a incidência linear, considerada toda a categoria, da contribuição social. Portanto, se as atribuições do sindicato se fazem em prol daqueles que congrega, forçoso é concluir pela existência do indispensável nexo" (RE 157.234, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 12-6-95, DJ de 22-9-95) (grifo nosso).
“O objeto do mandado de segurança coletivo será um direito dos associados, independentemente de guardar vínculo com os fins próprios da entidade impetrante do writ, exigindo-se, entretanto, que o direito esteja compreendido nas atividades exercidas pelos associados, mas não se exigindo que o direito seja peculiar, próprio, da classe” (MS 22.132, STF, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 21-8-96, DJ de 18-10-96) (grifo nosso).
“O mandado de segurança coletivo — que constitui, ao lado do writ individual, mera espécie da ação mandamental instituída pela Constituição de 1934 — destina-se, em sua precípua função jurídico-processual, a viabilizar a tutela jurisdicional de direito líquido e certo não amparável pelos remédios constitucionais do habeas corpus e do habeas data. Simples interesses, que não configurem direitos, não legitimam a válida utilização do mandado de segurança coletivo.” (MS 21.291-AgR-QO, STF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 12-4-91, DJ de 27-10-95) (grifo nosso).
Outro tópico que palpitou discussões na doutrina e na jurisprudência diz respeito á possibilidade dos partidos políticos, sindicatos, entidades de classe ou associações impetrarem mandado de segurança coletivo em defesa dos interesses de parcela dos filiados ou associados.
Na doutrina, os mestres Hely Lopes Meirelles[27] e Uadi Lamêgo Bulos[28] acenam taxativamente pela impossibilidade de tutela dos interesses de parte dos associados pela via do mandamus coletivo. Com entendimento diametralmente oposto, ao qual nos filiamos, podemos citar o estimado Prof. Gildo dos Santos [29], o não menos ilustre processualista santista Prof. Antônio Raphael Silva Salvador e seu co-autor Osni de Souza [30], além do brilhante e moderno processualista Cássio Scarpinella Bueno [31].
Finalmente, com a edição da súmula n° 630, pelo Supremo Tribunal Federal, acreditamos não haver mais razão para se negar a tutela dos interesses de parte dos associados de qualquer dos legitimados.
Diz a súmula 630 o seguinte:
"A entidade de classe tem legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”.
Cabe, entretanto, a ressalva de que não se permite a utilização do MS coletivo por parcela dos membros ou associados de um dos legitimados, quando o interesse ou direito que se busca tutelar divergir ou confrontar com os direitos ou interesses de outros integrantes da mesma comunidade [32].
Em suma, para todos os casos em que haja alguma dificuldade na utilização do mandado de segurança coletivo, restará, em caráter residual, mas não menos relevante, o mandado de segurança individual, a ser impetrado pelo partido político, sindicato, entidade de classe ou associação, nos moldes do disposto no artigo 5°, XXI, da Carta da República.
4 – Bibliografia
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[1] Há quem defenda que se trata de falta de “condição de exercício” do direito de ação (cf. Antonio Carlos de Araújo Cintra “et alli”, Teoria Geral do Processo, p. 258).
[2] Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, v. I, nº 53, p. 57.
[3] Marcus Vinicius Rios Gonçalves, Novo Curso de Direito Processual Civil, v. 1, p. 93.
[4] Cf. Vicente Greco Filho, Direito Processual Civil Brasileiro, v. 1, p. 77.
[5] Para um maior aprofundamento sobre os institutos da substituição, representação e sucessão processual indicamos a obra “Mandado de Segurança na Justiça do Trabalho”, de Manoel Antonio Teixeira Filho, p. 294/296.
[6] Note-se que aderimos ao entendimento predominante no sentido de que o mandado de segurança é uma ação, e não mero remédio de natureza constitucional. Para um estudo mais aprofundado recomendamos a leitura do artigo doutrinário do Min. Moacyr Amaral Santos, “Natureza Jurídica do Mandado de Segurança”, publicado na Revista de Direito Público n° 17, p. 09/16.
[7] Sobre a impetração por estrangeiros residentes no exterior, Arnoldo Wald, em sua excelente obra Do Mandado de Segurança na Prática Judiciária, às páginas 169/170, leciona que “efetivamente, a Constituição só concedeu a garantia processual aos brasileiros e estrangeiros residentes no país (art. 150, § 21), mas a lei ordinária não estabeleceu qualquer restrição à utilização do remédio heróico por pessoas residentes no exterior, cabendo salientar que as garantias constitucionais são consideradas como direitos mínimos que o constituinte impôs ao legislador ordinário”. Aqui, cabe apenas anotar que a obra foi escrita sob a égide da Constituição de 1967 que, como a atual, fazia referência aos brasileiros e estrangeiros residentes no País, de modo que o comentário permanece válido.
[8] Cf. Celso Agrícola Barbi, Do Mandado de Segurança, p. 166.
[9] Hugo de Brito Machado, Mandado de Segurança em Matéria Tributária, p. 50.
[10] Mandado de Segurança, p. 33.
[11] Ibidem, p. 34.
[12] Cf. Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, p. 23.
[13] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 23.
[14] Do Mandado de Segurança, p. 122.
[15] Hely Lopes Meirelles, op. cit., p. 22.
[16] Cf. Cássio Scarpinella Bueno, Mandado de Segurança, p. 35 e Uadi Lamêgo Bulos, Mandado de Segurança Coletivo, p. 42.
[17] Op. cit., p. 43/44.
[18] Para um estudo mais aprofundado ver Djalma Pinto, Direito Eleitoral, Ed. Atlas.
[19] Mandado de Segurança e Controle Jurisdicional, p. 223.
[20] Mandado de Segurança Coletivo, p. 45/48.
[21] CF. Amauri Mascaro Nascimento, Iniciação ao Direito do Trabalho, São Paulo, LTr, 30ª ed., 2004, p. 569.
[22] Mandado de Segurança Coletivo, p. 50.
[23] Uadi Lamêgo Bulos, op. cit., p. 52.
[24] De Plácido e Silva, Vocabulário Jurídico, São Paulo, Forense, 18ª ed., 2001, p. 89.
[25] Mandado de Segurança e Controle Jurisdicional, p. 231.
[26] Mandado de Segurança Coletivo, p. 51.
[27] Mandado de Segurança, p. 25.
[28] Op. cit., p. 51/54.
[29] Anotações tomadas em sala de aula, no Curso de Graduação em Direito – Universidade Católica de Santos, ano de 2003.
[30] Mandado de Segurança, p. 27.
[31] Mandado de Segurança, p. 37 e 38.
[32] Neste sentido: Antônio Raphael Silva Salvador e Osni de Souza, op. cit., p. 27.
Advogado militante, pós-graduando em Direito Processual Civil pela Universidade Católica de Santos<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SYLVIO GUERRA JúNIOR, . Da Legitimação Ativa para o Mandado de Segurança Individual e Coletivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 set 2008, 20:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/14897/da-legitimacao-ativa-para-o-mandado-de-seguranca-individual-e-coletivo. Acesso em: 26 dez 2024.
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