Sumário. Normatividade científica. Testes de alcoolemia. Retroatividade benéfica e gravidade objetiva. Substâncias psicoativas. Bebidas alcoólicas potáveis.
A nova redação do art. 306, do CTB, realmente nos faz pensar! Eis o tipo: “Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.”
Primeiramente, incumbe se destacar o critério estabelecido pelo tipo, quanto à determinação do estado de embriaguez, que agora passa a ser totalmente técnico-científico, porque o artigo considera crime a condução de automotor em via pública por alguém que tenha em seu fluxo sanguíneo, no momento, concentração alcoólica igual ou maior que 6 decigramas/litro ou sob influência de outra substância psicoativa.
Não se admitirá mais, aquela velha argüição de que o sujeito é mais ou menos resistente ao álcool. Diante disso, cumpre se afirmar que não há outra possibilidade para caracterização de se estar sob estado de embriaguez, por álcool, sem a realização da devida prova pericial mediante extração de amostra de sangue para análise ou pelo método do ar alveolar, obtido pelo equipamento etilômetro (popular bafômetro-Decreto nº 6.488/08).
A consequência dessa normatividade é, tirante sua quase induvidosa inconstitucionalidade, pela obrigatoriedade da auto-acusação (e se o indivíduo está embriagado, como pode ser considerado lúcido para concordar ou não à submissão dos testes?), a questão da retroatividade benéfica, porque anteriormente não se exigia prova técnica em escala para configuração da embriaguez, havendo inúmeros procedimentos encerrados e em curso nos quais a prova sobre a existência da embriaguez, embora pericial, foi sob a modalidade clínica, atestando o médico sobre os sinais evidenciais de ebriedade, como desarticulação oral, dificuldade motora, etc.
Assim, por exemplo, na prática, se o juiz (após a vacância) tem para julgamento autos em que somente houve laudo na modalidade clínica, terá que se deparar com o novo texto que estabelece o volume de concentração alcoólica. Logo, não há negação à embriaguez, mas não se pode contá-la como típica, porque a lei nova classifica o estado etílico a partir de 6 decigramas/litro, prova não existente em seus autos, mesmo podendo comportar o acusado, à época, limites bem superiores, mas não apurados. Ou seja, a legislação alterada não eliminou a embriaguez, mas a regulamentou escalonadamente. Portanto, se o magistrado não possui a evidência sobre o parâmetro atual, não pode considerar o quadro de embriaguez, pois absolutamente disforme do critério vigente na atualidade do julgamento.
Como conseqüência, todos os inquéritos e processos findos ou não, em que não houve a apuração da dosagem alcoólica estão destinados ao encerramento pela atipicidade do fato (art. 5º, XL, da Constituição Federal e parágrafo único do art. 2º do Código Penal) não obstante, objetivamente, a normatividade do novo tipo seja mais grave, porque deriva apenas situação de perigo abstrato na conduta. Ou seja, se criou um paradoxo penal, eis que pelo lado do passado houve lei penal mais benéfica para os casos sem a devida prova e por outro, para o futuro, mais grave.
Outra questão tormentosa fica para as substâncias psicoativas que possam causar dependência. Evidente que para determinação e configuração de suas influências, haverá imperiosidade de prova pericial por amostra de sangue, o que, novamente, levará ao dilema da auto-incriminação e da lucidez para se submeter aos exames. Outra antinomia sobre a embriaguez é que o art. 6º, da Lei nº 11.705/08, que trouxe as modificações, considera bebidas alcoólicas, para efeitos desta Lei, as bebidas potáveis que contenham álcool em sua composição, com grau de concentração igual ou superior a meio grau Gay-Lussac. Ou seja, somente são alcoólicas as bebidas potáveis com a referida porcentagem, o que exclui os demais álcoois não potáveis existentes, mas que algumas pessoas suportam ingerir sem que, necessariamente, pela quantidade, leve à morte, acusando, porém 6 ou mais decigramas/litro.
E aí está mais um paradoxo: o indivíduo poderá dizer que conduzia embriagado mas não para o CTB, quer para fins administrativos ou penais, providenciando-se a prova para se apurar qual a substância presente no organismo. A única saída para tal dilema não existir é se considerar o art. 6º acima referido não para finalidade do CTB, mas apenas para a destinação propagandística de bebidas, de que também fala a Lei nº 11.705/08, o que não é muito simples, porque há menção expressa, no art. 1º, à sua aplicação à Lei nº 9.503/97 (CTB).
Enfim, por ora, a condução interpretativa do art. 306 não será fácil e ainda deixará muita gente tonta!
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