Conforme reza o comando no §2º, do art.542, do Código de Processo Civil, o Recurso extraordinário, após interposto, será recebido no efeito devolutivo. De igual modo a primeira parte do art.497, do mesmo diploma legal quando diz que recurso extraordinário e o recurso especial não impedem a execução da sentença.
Considerando que no ordenamento jurídico brasileiro vige a regra segundo a qual todos os recursos terão efeito suspensivo, salvo se a lei expressamente o afastar, colhe-se que pendente apenas o recurso extraordinário,a decisão por ele impugnada passa a surtir efeitos imediatamente.
Em hipóteses extremas, quando demonstrados o perigo de receio de dano irreparável ou de difícil reparação e a relevância da fundamentação jurídica, o Supremo Tribunal Federal, em sede de medida cautelar incidental ajuizada pelo recorrente, costuma conferir efeito suspensivo ao apelo extremo o que, em verdade, não seria propriamente um efeito suspensivo, pois esse decorre unicamente da lei, mas, sim, decisão que determina a suspensão da eficácia da decisão impugnada que, na prática, redunda em iguais conseqüências.
Entretanto, com a introdução no sistema processual brasileiro do instituto da repercussão geral, através da Lei n°11.418/2006, que inseriu os artigos 543-A, 543-B e parágrafos, ao Código de Processo Civil, a discussão e aplicabilidade do efeito suspensivo ao recurso extraordinário por via de ação cautelar adquiriu novos contornos.
Impera no âmbito do STF o entendimento segundo o qual a sua jurisdição, em se tratando de recurso extraordinário, somente se inicia após o juízo de admissibilidade empreendido pelo tribunal de origem, conforme se detecta de trecho de decisão prolatada pelo Min. Celso de Mello, que bem elucida a questão: "a instauração da jurisdição cautelar do Supremo Tribunal Federal supõe, em caráter necessário, além de outros requisitos (RTJ 174/437-438), a formulação, na instância judiciária de origem, de juízo positivo de admissibilidade" (RTJ 191/123-124, Rel. Min. Celso de Mello).
O art. art. 543-B, § 1º, do Código de Processo Civil, por sua vez, dispõe que
"Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte".
Aí reside o cerne da controvérsia: como poderia o Excelso Pretório analisar pleito cautelar de suspensão de efeitos de decisão impugnada por recurso extraordinário numa situação em que este último tenha sido sobrestado pelo tribunal de origem antes do juízo de admissibilidade?
Ou seja, caso o tribunal de origem venha a sobrestar determinado recurso extraordinário, na forma do art.543-B, §1º do CPC e, ainda assim, o recorrente ajuíze demanda cautelar junto ao STF para o fim de suspender os efeitos da decisão recorrida, poderia aquela corte se pronunciar na ação cautelar,se a sua jurisdição sequer se instaurou?
Mais uma indagação se impõe: e se a parte recorrente, que teve o seu recurso extraordinário sobrestado, efetivamente esteja sendo submetida a um dano irreparável e haja fundamentação jurídica relevante para a suspensão dos efeitos da decisão, ficaria, destarte, desamparada em tais hipóteses face a não instauração da jurisdição do órgão competente?
Não se pode negar, de modo algum, a existência de uma relação de acessoriedade entre a medida cautelar e o processo principal o que, teoricamente, poderia ser encarado como um impedimento a que o Supremo Tribunal Federal se manifestasse em sede cautelar, ante a ausência de jurisdição quanto ao processo principal.
Todavia, em hipóteses que tais, valores de maior relevo exsurgem, a fazer invocar a prevalência do direito fundamental em jogo no caso concreto e do princípio constitucional da inevitabilidade da jurisdição, insculpido no art.5º, XXXV, da Carta Maior, em detrimento a qualquer regra de cunho apenas processual.
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em decisão da lavra do sempre brilhante Min. Celso de Melo, veiculada no informativo de jurisprudência n°527, assim se manifestou sobre o tema:
“Efeito Suspensivo a RE e Repercussão Geral
A Turma, ante a peculiaridade do caso, referendou decisão proferida pelo Min. Celso de Mello em ação cautelar, da qual relator, que deferira liminar para conceder efeito suspensivo a recurso extraordinário em que se discute a suposta inconstitucionalidade da majoração, para 3%, da alíquota da COFINS, instituída pelo art. 8º da Lei 9.718/98. Na espécie, o recurso extraordinário tivera seu processamento sobrestado na origem, tendo em conta a existência de repercussão geral da controvérsia constitucional nele veiculada, nos moldes do que dispõe o § 1º do art. 543-B do CPC, reconhecida no AI 715423/RS, o qual trata de matéria idêntica (CPC: "Art. 543-B. Quando houver multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica controvérsia, a análise da repercussão geral será processada nos termos do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, observado o disposto neste artigo. § 1º Caberá ao Tribunal de origem selecionar um ou mais recursos representativos da controvérsia e encaminhá-los ao Supremo Tribunal Federal, sobrestando os demais até o pronunciamento definitivo da Corte."). Em decorrência disso, a empresa contribuinte tivera frustrada a possibilidade de obter, nos termos do Enunciado 635 da Súmula do STF, perante o Tribunal de origem, a tutela de urgência por ela postulada. Enfatizou-se a possibilidade, em situações excepcionais, de acesso imediato à jurisdição cautelar do Supremo, mesmo que ausente o juízo de admissibilidade do recurso ou sendo este negativo. Aduziu-se que a hipótese versada - sobrestamento do recurso extraordinário, sem a formulação de juízo de admissibilidade e o indeferimento, pela Corte de Origem, do pedido de tutela de urgência que lhe fora submetido - faria instaurar a situação configuradora de dano iminente e grave, capaz de comprometer o próprio direito material vindicado pela contribuinte, a legitimar, por isso mesmo, o exercício, ainda que excepcional, pelo STF, do seu poder geral de cautela. Salientou-se, ademais, que a pretensão de direito material deduzida pela empresa ainda será apreciada pelo Plenário da Suprema Corte, no julgamento do referido agravo de instrumento, valendo observar que esta Turma já deferira medida cautelar em favor de empresa contribuinte a propósito de mesmo tema, tudo a sugerir a plausibilidade jurídica da pretensão cautelar ora deduzida. Por fim, assinalou-se que a eficácia do presente provimento cautelar subsistirá até o julgamento final do AI 715423/RS. Precedentes citados: AC 1810-QO/DF (DJU de 31.10.2007); AC 1550 MC/RO (DJU de 18.5.2007); AC 2019 MC/PR (DJE de 2.5.2008).
AC 2168 Referendo - MC/SP, rel. Min. Celso de Mello, 4.11.2008. (AC-2168)” (sem grifos no orginal)
Certamente que referido posicionamento é uma ode aos direitos fundamentais à instrumentalidade das formas processuais, pois privilegia a substância em oposição à mera formalidade, ainda que, como reconhecido no próprio decisum, em caráter excepcional.
Digna de encômios, pois, a nova posição adotada pela Segunda Turma que, além de caracterizar apologia à prevalência dos direitos fundamentais, constitui paradigma de interpretação e integração da novel legislação processual, preenchendo uma lacuna pouco suscitada pela doutrina.
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