Inicialmente registro que não há por que distinguirmos, guardadas suas distinções funcionais, a menção ao instituto da Reclamação reciprocamente considerada, ou seja, se se trata de Reclamação Constitucional ou Infraconstitucional. A primeira é aquela cuja função é a de preservar a competência do Supremo Tribunal Federal, garantindo a autoridade de suas decisões (art. 156, caput, RISTF, v.g.). A segunda modalidade tem como função preservar a competência do Superior Tribunal de Justiça, garantindo a autoridade de suas decisões (art. 187, caput, RISTJ, v.g.). Proponho, mesmo assim, a inutilidade em distinguirmos ambas as “espécies”, pois ambas brotam do texto constitucional (art. 102, inc. I, alínea l, e art. 105, inc. I, alínea f, ambos da CRFB), e, por isso, quanto aos seus pressupostos constitucionais de validade normativa, não há, nesse aspecto, qualquer distinção entre essas Reclamações, singulares quanto ao conteúdo e que podem, a partir daí, serem chamadas de Reclamações Constitucionais.
Superada a questão atinente à denominação que se tem empregado pela doutrina, útil, de fato, na distinção entre as Reclamações perante os tribunais superiores, consigno que a localização do instituto, neste ensaio, será aquele que melhor se adapta ao direito positivo (art. 543-B, art. 543-C, CPC). Classificações doutrinárias podem levar o intérprete ao vacilo, ainda mais no Brasil, criativo e continental que é.
A Lei 11.672, de 8 de maio de 2008, instituiu o procedimento para julgamento de recursos repetitivos no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, acrescentando ao texto do CPC/73 o art. 543-C, soerguido por nove §§ (v. art. 10, inc. III, combinado com o art. 12, inc. III, alínea b, da Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998, na redação determinada pela Lei Complementar 107, de 26 de abril de 2001). A Argentina, através da Lei 23.774, de 5 de maio de 1990, e os Estados Unidos, 28U.S.C.,§1.257; Rule 10 das Rules of the Supreme Court, são exemplos de como o Direito comparado vem enfrentando o problema do acúmulo de trabalho nas Cortes Supremas, na citação de José Carlos Barbosa Moreira, in COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, Volume V. Forense: RJ, 2008, p. 615 e ss.
Estes novos institutos, tais como os arts. 543-A, 543-B e 543-C, dentre outros, são nítidas expressões de que o “Código-Buzaid”, aos poucos, vem sendo derrogado pelo novo Direito Processual Civil, que é, na essência, Direito Processual Constitucional, invariavelmente. Com efeito, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero fazem a seguinte síntese sobre a nova era do processo civil brasileiro: “Em suas linhas fundamentais, o modelo de legislação implantado com o Código Buzaid teve vigência plena entre nós apenas até o advento das três grandes leis de reforma do Código de Processo Civil (Leis 8.952, de 1994, 10.444, de 2002, e 11.232, de 2005), que implementaram mesmo um novo modelo de legislação processual civil. A separação radical entre Processo de Conhecimento e Processo de Execução, a concentração de toda tutela de urgência no Processo Cautelar e a reserva de determinadas técnicas processuais tão-somente aos Procedimentos Especiais foram paulatinamente substituídas por uma nova disciplina do direito processual civil, muito mais preocupada com a efetividade da tutela dos direitos do que com a excessiva segurança da posição jurídica do demandado”, avaliam. “A efetividade do processo é um dos valores centrais do novo direito processual civil brasileiro. Essa nova impostação, todavia, não desampara a outros valores igualmente fundamentais para conformação de nosso formalismo, como a segurança jurídica, a participação das partes e do juiz no processo e a autonomia individual. Todos vão igualmente prestigiados na construção da tutela jurisdicional adequada aos casos concretos levados a juízo. O formalismo do processo civil é um formalismo valorativo. O sincretismo entre a atividade cognitiva e aquela destinada a realização prática dos direitos, a inserção de técnicas processuais antes reservadas, tão-somente, aos procedimentos especiais no procedimento comum (como, por exemplo, a tutela satisfativa antecipada), o estímulo à cooperação ao longo do processo do juiz com as partes e das partes com o juiz e a flexibilização das exigências formais em atenção à obtenção da justiça do caso concreto marcam o Código Reformado” (CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL Comentado artigo por artigo. RT: SP, 2008, p. 93).
Destaco que ao empregaram o termo “justiça” como um dos caminhos do novo processo civil brasileiro, ao lado do estímulo à cooperação ao longo do processo do juiz com as partes e das partes com o juiz, flexibilizando, igualmente, exigências formais do procedimento “Buzaidiniano”, mencionado por Marinoni e Mitidiero [supra] tem irrefutável correlação normativo-substancial com a teoria da TETRADIMENSIONALIDADE DO DIREITO citada por nosso maior constitucionalista, Paulo Bonavides, em alusão à tese do publicista paraibano Paulo Lôpo Saraiva, onde Direito, Política e Justiça na Contemporaneidade “é das coletâneas mais primorosas que, por derradeiro, enriqueceram as letras jurídicas do País”, desenvolvendo o que tridimensionalistas como Sauer, Nawiasky e Miguel Reale outrora deitaram suas raízes, ampliando a tríade defendida por aqueles juristas ao acrescentar o quarto elemento constitutivo e específico, desdobrando o conceito inicial de valor perante o conceito universalmente aceito entre o Direito e suas relações com o ser humano, a saber, a Justiça. “Sem justiça, não há democracia nem liberdade. Não há tampouco jurisdição constitucional, nem Estado de Direito”, lembra o professor da Universidade Federal do Ceará, segundo o qual, aliás, “A justiça é a mola ética e espiritual dos direitos da dignidade humana e de sua hermenêutica de valores. Sendo ela, de conseguinte, o bem supremo de organização da vida social, incorpora do mesmo passo a natureza dos princípios. E como os princípios governam as Constituições, toda Lei Maior de cuja concretização a justiça se tenha apartado deixou de ser Constituição. É tão-somente carta régia, despacho de arbítrio, estatuto de violência, medida provisória, decreto-lei, ato institucional. Constituição não será jamais!”, finaliza o Mestre Bonavides (Teoria Constitucional da DEMOCRACIA PARTICIPATIVA. Malheiros: SP, 2008, p. 374 e ss.).
Uma das características abertas pela nova processualística civil, defendida por Marinoni e Mitidiero, recebeu comentários do não menos Mestre Barbosa Moreira ao comentar o projeto de lei que se transformou no atual art. 543-A do CPC e que se estende, por afeição institucional, ao novo art. 543-C, cujo reforço, em termos enérgicos, tem evidente denotação da tendência a prestigiar a jurisprudência e os precedentes dos tribunais superiores (TEMAS DE DIREITO PROCESSUAL. Nova Série. Saraiva: SP, 2006, p. 299 e ss.).
Ao que interessa mais de perto, neste ensaio, é a discussão sobre a possibilidade da parte em desafiar recurso em sentido estrito ou medida processual impugnativa lato sensu quando haja “sobrestamento equivocado” na hipótese do art. 543-C do CPC.
Marinoni e Mitidiero se perfilham na idéia de que se a parte vê o seu recurso sobrestado de maneira equivocada, por não se referir, por exemplo, à controvérsia a ser analisada pelo STJ por amostragem, cabe a interposição de agravo de instrumento, demonstrando-se nas suas razões a diferença entre os casos sobrestados e pendentes de análise na Corte e o caso do recorrente. Afirmam, ademais, que para contrastar essa decisão, haja vista a fungibilidade das formas processuais, não se despreza o cabimento de reclamação nos termos dos arts. 13-18 da Lei 8.038, de 1990 (ob. cit., p. 572).
Realmente, caso haja indevido sobrestamento do Recurso Especial, não pode a parte ser prejudicada se o caso concreto – e cada caso é um caso e nada, absolutamente nada, pode afastar o art. 5°, inc. XXXV, da CRFB – traz indiscutível questão de direito onde não há a aplicação da teoria que preconiza a existência de multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito (art. 543-C, caput, CPC).
Como a pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial (súmula 7 do STJ), não pode existir independência na aplicabilidade do art. 543-C a não ser nas hipóteses em que a questão de direito discutida no processo não tenha identidade com a multiplicidade de recursos com fundamento em idêntica questão de direito, circunstância em que se admite o processamento e julgamento de Recurso Especial mesmo em face do sobrestamento hodiernamente admitido pelo ordenamento jurídico segundo a nova legislação em vigor. Apesar da operação do § 1° do art. 543-C, administrando a possibilidade do presidente do tribunal de origem admitir um ou mais recursos representativos da controvérsia que serão encaminhados ao Superior Tribunal de Justiça, sobrestando-se os que não sejam tidos como paradigmas em REsp, quanto ao pronunciamento definitivo da Corte sobre a “idêntica questão de direito”, fica assegurado à parte que não se encontra no conceito do art. 543-C o direito em ver seu recurso julgado pelo STJ independentemente do destino que será dado aos recursos especiais considerados repetitivos, respeitando-se, destarte, os pressupostos processuais de admissibilidade exigidos na espécie.
É preciso separar o joio do trigo. Nem todo Recurso Especial, mesmo após a edição da Lei 11.672, ostentará idêntica “questão de direito”, sendo considerado, objetivamente, como “repetitivo” na redação do art. 543-C.
Subscrita pelo atual Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Cesar Asfor Rocha, a Resolução n° 8, de 7 de agosto de 2008, precisamente em seu art. 7°, ficou garantido à parte que o procedimento estabelecido na Resolução - que deve manter seu conteúdo de regulamento da Lei 11.672 - aplica-se, no que couber, aos agravos de instrumento interpostos contra decisão que não admitir recurso especial.
Sem hesitações a respeito do art. 22, inc. I, da Constituição, prevendo a competência privativa da União para legislar sobre direito processual, constata-se que a Resolução n° 8 do STJ, ex vi de seu art. 7°, cit., não restringiu qualquer direito da parte no tocante à possibilidade de se discutir via Agravo de Instrumento a subida de seu Recurso Especial (arts. 522, caput, 527, 557 e 558, CPC). Ao contrário, previu o regulamento um direito da parte, ainda que sua pura normatividade não tenha como origem a presente Resolução, que se manteve fiel – neste ponto, repito – ao direito processual vigente e principalmente à Constituição ao garantir a apreciação do Poder Judiciário quando houver lesão ou ameaça a direito (art. 5°, inc. XXXV, CF). Mesmo que o Agravo de Instrumento, de forma heterotópica, tenha sido previsto singularmente pela Resolução n° 8, não fica abortado o direito da parte em discutir mediante eventual Reclamação ao STJ o indevido sobrestamento do Recurso Especial extravagante quanto aos estritos conceitos do art. 543-C, na melhor interpretação, assim, do art. 105, inc. I, alínea f, da Constituição.
Não chego a invocar a fungibilidade admitida por Marinoni e Mitidiero, data venia, por acreditar, sem privilégios teóricos que são tão bem explorados pela doutrina (v. Cândido Rangel Dinamarco. nova era do processo civil. Malheiros: SP, 2007, p. 204 e ss.; e Fredie Didier Jr. e Leonardo José Carneiro da Cunha. CURSO DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL, vol. 3. JusPODIVM: Salvador-BA, 2007, p. 373 e ss.), que o instituto da Reclamação se assemelha ao instituto constitucional do direito de ação, não sendo preciso, por derradeiro, tentar a parte justificar ou mesmo ter que optar pela via processual eleita – Agravo de Instrumento ou Reclamação? – como meio impugnativo em ver admitido seu Recurso Especial por não guardar correspondência positiva com o art. 543-C, caput, do Código de Processo Civil.
Admitindo o instituto da Reclamação como semelhante ao direito de ação, afastando, deste modo, da fincada posição de que o direito processual brasileiro deve ter como premissa a unirrecorribilidade recursal, podendo determinar a “escolha”, pela parte, do meio de impugnação que teria que se socorrer para que seja conhecido seu REsp quando queira demonstrar ao STJ a exceção na aplicabilidade do caput do art. 543-C, que é, por essência, exceção ao regular processamento desta espécie recursal, não podendo ser tido o novo instituto como regra geral deste importante mecanismo de unidade do direito nacional previsto pela lei infraconstitucional, função precípua e constitucionalmente assegurada pelo art. 105, inc. III e alíneas, da Constituição da República Federativa do Brasil, opto, na dúvida, pela singularidade quanto ao cabimento do Agravo de Instrumento, permitindo-se, assim, o exercício do direito público subjetivo da parte em provocar a Corte não só com este “recurso-meio”, mas, também, garantindo-se da mesma forma o independente ajuizamento da Reclamação se necessário e sem que haja, ao revés, preclusão na espécie (art. 473, CPC).
Minhas preocupações com o amplo acesso à jurisdição, esposadas sem dilatação neste ensaio, não passaram despercebidas pelo eminente Desembargador do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, José Roberto dos Santos Bedaque, literis: “Em princípio, não há efetividade sem contraditório e ampla defesa. A celeridade é apenas mais uma das garantias que compõem a idéia de devido processo legal, não a única. A morosidade excessiva não pode servir de desculpa para o sacrifício de valores também fundamentais, pois ligados à segurança do processo”. Com efeito, “Efetividade, celeridade e economia processual são importantíssimos princípios processuais relacionados diretamente com a promessa constitucional de acesso à Justiça”, pondera Bedaque, cujas premissas reafirmam minha proposta ventilada por aqui e que foi objeto de meditação do genial Rui Barbosa, in Oração aos Moços, citado pelo professor da Universidade de São Paulo em sua monografia, segundo o qual “Um sabedor não é armário de sabedoria armazenada, mas transformador reflexivo de aquisições digeridas” (EFETIVIDADE DO PROCESSO E TÉCNICA PROCESSUAL. Malheiros: SP, 2007, pp. 49/50 e p. 6).
O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal se posicionam majoritariamente no sentido de que a Reclamação é medida processual que opera efeitos somente entre as partes, não ostentando efeitos gerais e vinculantes, e, por isso, não integra o rol das ações constitucionais destinadas a realizar o controle concentrado e abstrato de constitucionalidade das leis e atos normativos (REsp 697036/RS e Rcl 5.914-AgR).
Por fim, anoto que já foram afetados à Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça os seguintes recursos especiais, todos relativos ao que se tem hoje como recursos repetitivos no âmbito da Lei 11.672, de 8 de maio de 2008, e da Resolução n° 8, de 7 de agosto de 2008: REsp 886.462; REsp 960.476; REsp 962.379; REsp 982.133; REsp 990.507; REsp 1.003.305; REsp 1.012.903; REsp 1.023.057; REsp 1.033.241; REsp 1.059.736; REsp 1.061.134; REsp 1.061.530; REsp 1.062.336; REsp 1.012.683; REsp 1.003.955; REsp 1.072.939; REsp 1.068.944 e REsp 1.028.592 (stj.jus.br).
Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil e Pós-Graduando em Direito Processual Constitucional, na Universidade Católica de Santos/SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DINAMARCO, Tassus. Reclamação no "Recurso Especial Repetitivo": A Resolução nº 8, de 7 de agosto de 2008, do Superior Tribunal de Justiça, e o Direito de Confrontação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 jan 2009, 09:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/16434/reclamacao-no-quot-recurso-especial-repetitivo-quot-a-resolucao-no-8-de-7-de-agosto-de-2008-do-superior-tribunal-de-justica-e-o-direito-de-confrontacao. Acesso em: 24 nov 2024.
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