O art. 337-A do Código Penal, acrescentado pela Lei n. 9.983, de 14.7.2000, dispõe constituir crime o fato de:
"Suprimir ou reduzir contribuição social previdenciária e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas:
I - omitir de folha de pagamento da empresa ou de documento de informações previsto pela legislação previdenciária segurados empregado, empresário, trabalhador avulso ou trabalhador autônomo ou a este equiparado que lhe prestem serviços;
II - deixar de lançar mensalmente nos títulos próprios da contabilidade da empresa as quantias descontadas dos segurados ou as devidas pelo empregador ou pelo tomador de serviços;
III - omitir, total ou parcialmente, receitas ou lucros auferidos, remunerações pagas ou creditadas e demais fatos geradores de contribuições sociais previdenciárias".
As penas são reclusão, de 2 a 5 anos, e multa.
O § 1.º contempla hipótese de extinção da pretensão punitiva, estabelecendo:
"É extinta a punibilidade se o agente, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta as informações devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do início da ação fiscal".
O § 2.º prevê casos de perdão judicial e aplicação exclusiva de multa. Reza:
"É facultado ao juiz deixar de aplicar a pena ou aplicar somente a de multa se o agente for primário e de bons antecedentes, desde que:"
"I - (VETADO)"
"II - o valor das contribuições devidas, inclusive acessórios, seja igual ou inferior àquele estabelecido pela previdência social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais".
Na primeira hipótese do § 2.º, há perdão judicial (CP, arts. 107, IX e 120); na segunda, aplicação isolada da pena de multa na cominação abstrata cumulativa.
Apresentam-se ao Juiz três opções:
1.ª) declaração da extinção da punibilidade (§ 1.º), atendidas certas condições "antes do início da ação fiscal", que se dá com a notificação do lançamento do tributo;
2.ª) aplicação do perdão judicial (§ 2.º, 1.ª parte), presentes determinadas circunstâncias;
3.ª) imposição exclusiva da pena de multa, satisfeitos os mesmos requisitos (§ 2.º, 2.ª parte).
Nos dois últimos casos (perdão judicial e aplicação exclusiva de multa), além das condições pessoais (primariedade e bons antecedentes), é necessário que o valor das contribuições devidas e seus acessórios seja igual ou inferior àquele estabelecido pela Previdência Social, administrativamente, como sendo o mínimo para o ajuizamento de suas execuções fiscais.
A disposição do § 2.º não adota integralmente o princípio da insignificância, já admitido nos delitos de contrabando e descaminho, onde se reconhece a atipicidade do fato quando o valor do objeto material ou do tributo não se mostra superior a R$ 1.000,00, importância de crédito dispensado pela Fazenda Pública e mínimo exigido para a propositura da execução fiscal, nos termos da Lei n. 9.469/97 . Na lei nova, ao invés de considerar a falta de tipicidade do fato, o legislador somente permite o perdão judicial ou a incidência exclusiva da multa.
De acordo com a Súmula 18 do Superior Tribunal de Justiça, a sentença que aplica o perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não subsistindo nenhum efeito condenatório, constituindo jurisprudência amplamente dominante . Não é a nossa orientação, que sempre a consideramos condenatória ; nem a do Supremo Tribunal Federal, também no sentido condenatório.
Os §§ 1.º e 2.º do art. 337-A, literalmente interpretados, apresentam causas e efeitos diversos:
1.ª) se o sujeito, espontaneamente, declara e confessa as contribuições, importâncias ou valores e presta informações devidas à Previdência Social, antes do início da ação fiscal, extingue-se a punibilidade (§ 1.º);
2.ª) se o agente é primário e de bons antecedentes e o valor das contribuições devidas, mais acréscimos legais, não supera o estabelecido como sendo o mínimo para o ajuizamento da ação fiscal (R$ 1.000,00), o Juiz o dispensa da pena ou aplica somente multa (§ 2.º).
As condições de incidência das duas medidas são diferentes. Na primeira hipótese (§ 1.º), a extinção da punibilidade depende de uma conduta do autor anterior ao início da ação fiscal: declaração e confissão das contribuições sonegadas ou reduzidas e prestação das informações devidas, quaisquer que sejam suas circunstâncias pessoais (primário, reincidente ou de bons ou maus antecedentes) ou o valor do dano material (menor ou maior de R$ 1.000,00); na segunda (§ 2.º), o perdão judicial e a aplicação exclusiva da multa, desde que primário e de bons antecedentes o autor, não ficam na dependência de nenhum comportamento seu, bastando que o valor das contribuições não seja superior a R$ 1.000,00. No primeiro caso, em que o agente colabora com o Fisco, confessando o fato e prestando informações, é beneficiado com a extinção da punibilidade. No segundo, como não declarou e nem confessou as contribuições sonegadas ou reduzidas antes do início da ação fiscal, tanto que foi vetado o inciso I do § 2.º, que exigia esse requisito, não se extingue a punibilidade, sendo beneficiado com uma resposta penal de menor gravidade (perdão judicial ou multa, conforme as circunstâncias). Ocorre, entretanto, que, adotada a tese da Súmula 18 do STJ, segundo a qual a sentença que aplica o perdão judicial é declaratória da extinção da punibilidade, não haverá diferença, quanto aos efeitos, entre a aplicação do § 1.º (extinção da punibilidade) e do § 2.º, 1.ª parte (perdão judicial). Ambos, adotado o princípio sumular, levam à extinção da pretensão punitiva. De modo que, se o valor das contribuições sonegadas ou reduzidas for igual ou inferior a R$ 1.000,00, o autor, primário e de bons antecedentes, nunca irá declará-las, confessá-las ou prestar informações à Previdência Social. Não havendo razões para a aplicação de multa, terá a certeza de que, ainda que o processo criminal chegue à fase da sentença, esta, aplicado o perdão judicial de conformidade com a regra sumular, não será condenatória, sendo fatalmente favorecido pela declaração da extinção da punibilidade.
A lei nova, literalmente interpretada, é coerente, embora não tenha admitido o efeito de atipicidade do fato segundo o princípio da insignificância: se o agente colabora com a autoridade fiscal, extingue-se a punibilidade (§ 1.º); se não colabora, sendo mínimo o resultado jurídico, não se extingue a punibilidade, incidindo o perdão judicial ou a imposição exclusiva de multa (§ 2.º). Se no primeiro caso há extinção da punibilidade, esta não poderia ocorrer no segundo, uma vez que seus pressupostos são diferentes. É por isso que a disposição, na última hipótese, optou pelo perdão judicial ou multa e não pela extinção da punibilidade. Ora, se o perdão judicial e a multa só podem ser aplicados na sentença de mérito e se esta, por coerência, de acordo com a literalidade da lei, não deve ser declaratória da extinção da punibilidade, deve ser condenatória.
Podemos concluir que, no regime da Lei n. 9.983/2000, a sentença que aplica o perdão judicial é condenatória e não declaratória da extinção da punibilidade, contrariando a Súmula 18 do STJ e a jurisprudência dominante? Ou a lei, por ser cega como a Justiça e, por isso, não conhecendo a si própria e nem seu caminho, estaria tropeçando nos próprios pés, atropelando a Dogmática, desconhecendo a jurisprudência e confundindo o intérprete?
Artigo publicado originalmente em: <
www.damasio.com.br>.
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