1. O Direito Penal passou por várias fases:
1.ª – do causalismo, com fundamento no desvalor do resultado (teoria causal da ação);
2.ª – do finalismo, com suporte no desvalor da ação (teoria finalista da ação);
3.ª – da teoria da adequação social de Welzel.
Agora, com a missão de sepultar o causalismo e assento na insuficiência do finalismo e da adequação social, que não deram solução a muitas questões, como a do crime culposo, e, superando todas as doutrinas anteriores, a maioria dos autores está adotando a teoria da imputação objetiva, que propõe um novo sistema penal.
É uma teoria que tem o destino de substituir, no futuro, a causalidade material. No momento, configura seu complemento, corrigindo suas deficiências. Na prática, é uma teoria que limita o arbítrio do julgador e a atividade abusiva de acusadores que “denunciam tudo” ou querem levar todas as lesões jurídicas, até as de insignificante relevância, às barras dos tribunais penais. Enriquece a Justiça, uma vez que fornece instrumentos modernos à acusação, como a teoria do incremento do risco, e à defesa, como a exigência no tipo incriminador de um novo elemento normativo, qual seja, o próprio juízo de imputação objetiva.
2. Sem abandonar o finalismo, apenas deixando de conceder primazia ao elemento subjetivo, passamos a adotar a teoria da imputação objetiva, que significa, num conceito preliminar, atribuição (imputação) de uma conduta ou de um resultado normativo (jurídico) a quem realizou um comportamento criador de um risco juridicamente proibido. Apóia-se na idéia de que o resultado normativo só pode ser imputado a quem realizou uma conduta geradora de um perigo juridicamente reprovado ao interesse jurídico e de que o evento deve corresponder àquele que a norma incriminadora procura proibir. Trabalha com os conceitos de risco permitido (excludente da tipicidade) e risco proibido (a partir do qual a conduta adquire relevância penal). Como métodos auxiliares, serve-se dos critérios e princípios da confiança, da proibição de regressus, do consentimento e participação do ofendido e dos conhecimentos especiais do autor a respeito de condições e circunstâncias pessoais da vítima ou da situação de fato.
3. De acordo com a teoria da imputação objetiva, o resultado normativo (jurídico) só pode ser atribuído ao sujeito quando:
1.º) a conduta criou ao bem (jurídico) um risco juridicamente não autorizado e relevante;
2.º) o risco converteu-se no resultado jurídico que a norma incriminadora visa proibir (desvalor do resultado), sendo imprescindível que o evento normativo tenha refletido, como sua realização e espelho, o risco criado pelo comportamento.
4. Acatando o conceito do resultado jurídico (normativo), sem ainda desprezar completamente o naturalismo, a teoria da imputação objetiva apresenta grandes vantagens sobre a doutrina tradicional. O sistema do resultado naturalístico, além de implicar a relação de causalidade material e suas complexidades, não é aplicável à tentativa e aos crimes omissivos próprios, formais e de mera conduta, adequado somente aos delitos materiais (de conduta e evento material). Assim, adotada a natureza normativa do resultado, que corresponde à afetação do bem jurídico (lesão ou perigo de lesão), não há problemas de adequação, uma vez que esta pode ocorrer em relação a qualquer espécie de crime, consumado ou tentado, doloso ou culposo, comissivo ou omissivo, materiais, formais, de mera conduta etc.
5. A adoção da teoria da imputação objetiva conduz a uma verdadeira revolução no Direito Penal, como poderemos observar no exemplo a seguir exposto.
6. Imagine que a vítima, seriamente atingida por projéteis de arma de fogo, seja internada num hospital e, em face de “tratamento médico insuficiente” ou “inadequado”, venha a óbito. O autor das lesões corporais responde pelo resultado morte?
Vejamos as soluções apresentadas pela doutrina clássica do dogma causal e da imputação objetiva.
Doutrina clássica: aplicado o art. 13 do Código Penal, que disciplina a relação de causalidade material, o agressor é responsável pela morte a título de homicídio doloso ou culposo (TACrimSP, ACrim n. 446.065, 5.ª Câm., j. em 17.2.1987, JTACrimSP 92/281, tratando de homicídio culposo).
Teoria da imputação objetiva: a morte não pode ser atribuída à conduta do agente, restando a apreciação, em fase posterior, da questão de ter havido lesão corporal ou eventual tentativa de homicídio. Ao autor somente são imputáveis os resultados “diretos”, que devem corresponder, como reflexo de um espelho, à natureza do risco juridicamente proibido criado pelo comportamento (“âmbito de aplicação da norma”).
7. Como se observa, a teoria da imputação objetiva é revolucionária, propondo uma nova teoria do crime.
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