No Direito Romano, já afirmava o sábio Sêneca que a base do dever moral de cumprir uma promessa estaria também o poder de não cumpri-la diante de uma alteração do estado de fato. Da mesma forma, Cícero defendia que a mudança das circunstâncias poderia justificar o não cumprimento de promessas feitas.
Eram exemplos correntes o caso do depositário de uma espada, que não deveria devolvê-la caso o depositante se tornasse louco, ou do advogado que poderia abandonar uma causa na hipótese de seu filho adoecer.
Os primeiros apontamentos sobre revisão e resolução contratual tenham sido feitos nessa época, foi somente na Idade Média, quando tivemos o desenvolvimento do instituto com a consagração da expressão rebus sic stantibus, significando “estando assim as coisas”.
No século XVIII com a maior evolução da teoria e sua conseqüente difusão entre os juristas da época, fez-se presente no Código Bávaro de 1756, no Código Prussiano de 1794 (de forma implícita) e no Código Civil Austríaco de 1811. Porém, no mesmo século que atingiu seu auge, teve início o seu declínio, com a retomada do poder pela burguesia na Europa.
A Revolução Francesa, maior exemplo dessa ascensão, culminou com a promulgação do Código Napoleônico que exalava intensa índole individualista e crasso culto à vontade.
Sob o primado da igualdade e da liberdade, o contrato firmado entre as partes era considerado norma jurídica individual, fazia efetivamente “lei entre as partes”, sendo inadmissível qualquer tentativa de descumprimento. Retornava assim, com toda força, o princípio da força obrigatória (pacta sunt servanda).
Seguindo a mesma linha e muito influenciados pelo Code Napoleón seguiam o Código Civil Alemão de 1896 e o Código Civil Brasileiro de 1916, consagrando a inalterabilidade do contrato e não trazendo a lume dispositivo que permitisse a revisão ou alteração contratual em virtude de onerosidade excessiva superveniente.
Sob esse fundamento e com forte apego voluntarista, Pontes de Miranda e Carvalho Santos e Arnoldo Medeiros da Fonseca, posicionaram-se contra a possibilidade de o contrato ser modificado após sua conclusão.
Não tardou muito para que a doutrina pátria percebesse que a aplicação cega e ortodoxa do pacta sunt servanda levava a soluções injustas, ainda mais quando as circunstâncias que estavam presentes no momento da contratação eram radicalmente alteradas antes ou durante a sua execução.
Com o tempo, o próprio Arnoldo Medeiros mudou seu pensamento e passou a defender a possibilidade de aplicação da cláusula rebus sic stantibus, acompanhando autores como Eduardo Espínola e Clóvis Beviláqua. Aos poucos a doutrina brasileira e a estrangeira passaram a distinguir o valor justiça do valor liberdade surgindo dispositivos legais que admitiam a alteração do contrato.
Desde a cláusula medieval rebus sic stantibus diversas teorias foram formuladas buscando explicar e fundamentar a revisão contratual, sendo consideradas como as principais: a teoria da pressuposição e Windscheid; a teoria da base subjetiva do negócio de Oertmann, a teoria da base objetiva do contrato de Karl Larenz.
A primeira teoria, a da pressuposição[1] tina como elemento basilar a autolimitação da vontade exteriorizada.. Portanto, a vontade declarada só teria validade nas situações em que o declarante reputasse como certo e, por isso, não colocou como condição de que existia, apareça ou persista uma determinada circunstância.
Avaliando a base subjetiva do negócio, de Paul Oertmann, consiste na manifestação mental de cada uma das partes, no momento da conclusão do ajuste, conhecida na globalidade e na repelida pela outra parte, ou a comum ajuste, conhecida na globalidade e não repelida pela outra parte, ou a comum intenção quanto ao que está exteriorizado e quanto ao que possa sobrevir.
O negócio é concluído em obediência a determinada condição, mas as partes sabem que aquela condição é mutável por fatores supervenientes, em face dos quais qualquer delas pode escusar-se ou exonerar-se sem violentação da vontade do parceiro, uma vez que já o previa.
Por derradeiro, a teoria da base objetiva do negócio de Larenz constitui-se no conjunto de fatores duradouros que, no futuro, possam interferir de forma primordial no fim do contrato, ainda que os contratantes, neles não tivessem pensado.
Todas essas teorias tiveram como origem, na verdade, uma construção de direito canônico de que toda obrigação assumida estaria vinculada à manutenção das circunstâncias fáticas do momento da contratação.
Mesmo no início quando o fundamento da revisão era o ideal de justiça, um requisito sempre exigido foi a imprevisibilidade de eventos futuros. Daí por que ao conjunto das teorias desenvolvidas batizou-se de teoria da imprevisão.
Na atualidade, entretanto, alguns juristas têm afirmado que o fundamento para a revisão não estaria na idéia de imprevisão, elemento subjetivo que é, mas sim na onerosidade excessiva, que é elemento objetivo.
Em nosso país, essa corrente doutrinária ganhou força com a promulgação do CDC que, ao permitir a revisão diante de onerosidade excessiva, não exigiu como requisito que o fato causador do desequilíbrio fosse extraordinário ou imprevisível.
E mesmo com a promulgação do Código Civil Brasileiro, que fez menção à imprevisibilidade do evento nos dispositivos que tratam da matéria, alguns doutrinadores continuaram defendendo que o fundamento a ser levado em conta é a onerosidade excessiva.
Assevera Otávio Luiz Rodrigues Junior, “a teoria da imprevisão cede espaço para ao princípio do equilíbrio contratual, baseado na correção jurídica e fática (se possível) do contrato, ou, em caso extremo, em sua resolução, preservando-se as prestações já exauridas.
A menção à imprevisibilidade e extraordinariedade do evento está presente nos arts. 317 e 478 do Código Civil Brasileiro.
Essa corrente doutrinária acabou culminando na aprovação, durante as Jornadas de Direito Civil, dos Enunciados 17 e 175 do Conselho da Justiça Federal[2], órgão vinculado ao Superior Tribunal de Justiça. Esses enunciados, bem como o elemento de onerosidade excessiva como fundamento serão analisados mais adiante neste artigo.
Atualmente, a legislação brasileira apresenta em diversos artigos há expressa previsão quanto à onerosidade excessiva como elemento de ruptura de base contratual. E, tais dispositivos legais permitem desde a revisão contratual até a sua resolução.
Propõe Paulo Khouri uma divisão em regime geral e especial. O regime geral seria composto dos arts. 317, 478 e 480 do CC, pelo art. 6 , inciso V do CDC e da alínea d do art. 65 da Lei 8.666/1993.
Enquanto que o regime especial, do art. 19 da Lei 8.245/1991(locação de imóveis), do art. 65 da Lei 8.666/1993 e dos artigos 620 (contrato de empreitada), 581 ( contrato de comodato), e art. 770 (contrato de seguro) do Código Civil. A divisão feita com objetivo de facilitar o estudo dos institutos teria como elemento diferenciador os requisitos exigidos por cada dispositivo.
Assim, os institutos que formam o regime geral têm como característica comum a exigência da onerosidade excessiva superveniente. Já nos institutos integrantes do regime especial esse mesmo requisito não é exigido, sendo suficiente o desequilíbrio entre as prestações, o que acaba facilitando a revisão do contrato.
A revisão e a resolução contratual do CC por onerosidade excessiva superveniente.
Todo contrato válido tem como pressuposto o equilíbrio econômico entre as prestações, não só na sua formação, sob pena de nascer viciado (lesão ou estado de perigo), como também durante sua execução. Essa proteção ao equilíbrio contratual no momento de seu cumprimento está presente de maneira geral nos arts. 317, 478 e 480 do Código Civil Brasileiro.
Narra o primeiro dispositivo que por motivos imprevisíveis sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento da execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo a se assegurar, o quanto possível, o valor real da prestação.
No art. 478 do C.C. há previsão no sentido de que nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução contratual.
Por derradeiro, sem fazer menção aos fatos imprevisíveis ou extraordinários, o art. 480 do CC determina que se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida ou que seja alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.
Percebe-se um ponto em comum entre todos os preceitos que é a onerosidade excessiva causada por um fato superveniente que altere as circunstâncias em que o contrato foi celebrado. A primeira dúvida que surge diz respeito à caracterização do fato superveniente e à necessidade de sua imprevisibilidade e extraordinariedade.
Isto pois tanto o art. 317 como o art. 478 do CC trazem expressa a exigência de que o fato seja extraordinário e imprevisível, mas por outro lado, o art. 480, dispensa o requisito, gerando dúvidas.
Os primeiros dispositivos estão conformes o CC Italiano, que em seu art. 1.467: “Nos contratos de execução continuada ou periódica, ou então de execução diferida, se a prestação de uma das partes tornar-se excessivamente onerosa pela ocorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá a parte que deve tais prestações pedir a resolução do contrato com os efeitos estabelecidos no art. 1.458. (...) A parte contra a qual é pedida a resolução, pode evitá-la oferecendo para modificar equitativamente as condições do contrato”.
Por outro lado, o art. 480 do CC está em consonância com o direito português que prevê que: “Se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução, ou à modificação dele, segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações por ela assumidas afete gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato ( art. 437º do Código Civil Português).
Analisando a antinomia existente entre os artigos da revisão ( o 317 e 480) Flávio Tartuce propõe alteração legislativa para exclusão da expressão “motivos imprevisíveis” do art. 317, em virtude do princípio da função social do contrato.
Segundo Tartuce, um dos bons doutrinadores do momento, se o CDC que adotou a função social do contrato como princípio abraçou também a Teoria da Equidade Contratual (revisão por mera onerosidade) como poderia o Código Civil Brasileiro de 2002 trazer i mesmo regramento básico contratual, adotando a teoria da imprevisão, com a necessidade prova de fatos imprevisíveis, para a revisão dos negócios jurídicos patrimoniais?
Defende ainda que o requisito deveria ser mantido na redação do art. 478 do CC pois a resolução contratual deve ser tratada como medida radical em nome da segurança jurídica. Ousa André Borges de Carvalho Barros neste ponto discordar, pois tanto a revisão como a resolução judicial devem ser disciplinadas de forma excepcional, não se justificando a diferença de requisitos.
O deferimento de uma ou outra medida não depende tão-somente do interesse de quem recorre ao Poder Judiciário, mas sobretudo, das circunstâncias que atingiram o contrato. É quando da análise da situação fática, do impacto causado pelo evento superveniente, que se deve lançar mão de uma ou outra medida.
A excepcionalidade da resolução não precisa de exigência de imprevisibilidade do fato, pois já está garantida em nosso ordenamento jurídico pelo princípio da conservação dos contratos. Assim, num caso concreto a parte pleitear a resolução do contratos, mas o juiz verificar a possibilidade de sua continuidade mediante reajuste do equilíbrio das prestações, o pedido deve ser indeferido.
Nesse sentido manteve-se a orientação do CJF ao aprovar o Enunciado 176 que dispõe: ”Em atenção ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, o art. 478 do CC de 2002 deverá conduzir sempre que possível à revisão judicial dos contratos e não à resolução contratual.”
Assim por causa da redação legislativa dos artigos em comento, vige grande dilema na aplicação dos artigos em comento.
Ainda que não haja alteração legislativa, há uma solução para o problema, e essa passa por um processo de mudança de mentalidade, na interpretação do que seja um fato extraordinário e imprevisível a um caso fortuito ou de força maior, interpretação esta construída pela doutrina e pela jurisprudência no século XX em nome de uma suposta segurança jurídica.
Mudando os paradigmas, o excessivo apego voluntarista é deixado de lado para que a segurança jurídica não seja mais vista como fundamento para imutabilidade das relações jurídicas firmadas, mas sim como garantia das partes de manutenção da equidade contratual, num novo modelo calcado na boa-fé objetiva.
Ensina Paulo Nalin que o atual desenho da boa-fé, materializante da vocação solidarista da Constituição, tem papel substitutivo no âmbito contratual, antes ocupado pela vontade. Mais adiante, afirma que nos dias de hoje, a mera manifestação, livre de vontade não preenche o quadro investigativo da justiça contratual, razão por que se considera como descompromissado com estas bases, o entendimento jurisprudencial, que se afirma em apologia à vontade contratual, como suficiente para a análise da justiça do contrato.
Assevera também Fernando de Noronha que como fato social, o negócio jurídico é instrumento fundamental de distribuição de riqueza. Isto significa que o fundamento básico da vinculatividade não está na autonomia da vontade, mas no princípio da tutela da boa-fé embora também aqui estejam presentes considerações ligadas à autonomia privada e à justiça contratual.
Seria considerado evento considerado extraordinário e imprevisível aquele que fugisse dos riscos próprios, dos riscos ordinários do contrato. Não se trata de elevar o risco contratual à categoria de requisito para revisão ou resolução do contrato. O requisito para que o contrato seja revisto é a existência de fato superveniente, devendo o risco contratual ser aferido apenas como base de apuração da extraordinariedade e imprevisibilidade do evento.
Nesse sentido, Paulo Khouri expõe que “hoje, consoante uma concepção objetiva não-voluntarista, no lugar da vontade coloca-se o risco contratual no regime da onerosidade excessiva superveniente.
Afinal, desta forma, a vinculação da qualificação do fato superveniente ao risco contratual tira o foco o problema aqui discutido do âmbito exclusivo da vontade das partes e o coloca em um plano objetivo( do risco).
Tem ganhado corpo na doutrina nacional tal mudança de pensamento, como se vê da aprovação do Enunciado 17 do CJF, e o Enunciado 175 que estão a demonstrar a preocupação em conferir efetividade aos institutos da revisão e da resolução contratual, ao afastar a interpretação restritiva do passado.
Resta perquirir se para a revisão ou resolução contratual é necessário que o outro contratante tenha obtido ganho superior, em contrapartida. Isso porque, embora o art. 317 e 480 do CC não façam menção ao requisito, o art. 478 ressalva que, além da onerosidade excessiva para uma das partes, o evento deve ter trazido “extrema vantagem para a outra.”
Em apressada análise, pode parecer que a conseqüência imediata do prejuízo de uma das partes seja o enriquecimento da outra, nem sempre isso ocorre, sendo possível que o fato superveniente tenha afetado apenas uma das partes.
Assim v.g., se um tsunami destruir uma fábrica de plásticos, impossibilitando que contratos de fornecimento do produto sejam cumpridos diante da onerosidade excessiva que seria suportada pela empresa se tivesse que reconstruir suas instalações e adquirir novos equipamentos, e nenhum ganho ou vantagem seria obtido pela outra parte contratante.
Vale transcrever as palavras de Regina Beatriz Papa dos Santos: “Alguns autores acreditam que deve ocorrer também o enriquecimento indevido para outra parte favorecida pelo desequilíbrio contratual, do que se ousa discordar, pois casos há em que a onerosidade excessiva para uma das partes e não implica em lucro excessivo para outra, mas sim, até em algum prejuízo, por sofrer também as conseqüências da alteração das circunstâncias e, além disso, a finalidade principal da imprevisão é socorrer o contratante que será lesado pelo desequilíbrio contratual e não punir a parte que se enriquecerá com esse equilíbrio.”
Em virtude dos esclarecimentos realizados, parece-nos que a menção de vantagem extrema para a outra parte é fruto de descuido do legislador, não devendo nunca ser tratada como indispensável, mas sim como elemento que pode ou não estar presente, sob pena de interpretação ilógica e desarrazoada da norma.
Defendemos essa posição, sobretudo, na manutenção de uma linha de coerência, posto que, neste artigo, anteriormente, já nos posicionamos no sentido de que não deve haver tratamento diferenciado dos requisitos para revisão ou resolução do contrato. Assim, diante da não adequação do requisito apontado aos fins do instituto, deve prevalecer a redação dos arts. 317 e 480 em face do art. 480 do C.C.
Quanto à natureza do contrato que pode ser objeto de revisão, deve ser de execução diferida ou continuado ( trato sucessivo) pois para que um fato superveniente possa desequilibrar as prestações, deve haver lapso temporal entre o momento da formação e do adimplemento contratual.
Sob hipótese nenhuma pode-se utilizar sobre contrato de execução instantânea posto que nesse tipo contratual, caso haja distorção contratual em uma das prestações, presentes outros requisitos, a parte prejudicada pode pleitear a anulação do contrato apoiada no instituto da lesão, previsto no art. 157 do CC.
Adianta ainda a doutrina que deverá ser comutativo, isto é, as prestações devem ser equivalentes e conhecidas pelas partes no momento da formação do contrato. Excluem-se, portanto, da revisão contratual os contrato em que a prestações de uma ou ambas as partes fiquem pendentes de um risco futuro e incerto (contratos aleatórios).
Como é sabido, até mesmo os contratos aleatórios têm uma parte comutativa, como é o caso do prêmio pago nos contratos de seguro.
Nesse sentido, é possível rever tais contratos, diante da presença da onerosidade excessiva. Os tribunais brasileiros, aliás, têm entendida dessa forma, ao determinar a revisão de contratos de plano de saúde.
Outro ponto de divergência quanto à natureza do contrato diz respeito à necessidade de este ser oneroso ou não, bilateral ou não. Contratos onerosos são aqueles em que há uma diminuição patrimonial para ambos os contratantes, já os gratuitos impõem sacrifício unilateral. A seu turno, contratos bilaterais são aqueles em que ambas as partes assumem obrigações e unilaterais aqueles em que somente uma das partes assume obrigações perante a outra.
Da redação dos arts. 317, 478 e 480 do CC verifica-se a ausência de elementos que possam restringir a revisão ou resolução contratual seja mais comum a celebração desses tipos de contratos bilaterais ou onerosos.
Assim embora seja mais comum a celebração desses tipos de contrato, e, portanto, haja neles numa maior comum a celebração desses tipos de contrato e, portanto, haja neles uma maior incidência dos institutos comentados, nada impede que um contrato unilateral e gratuito seja revisto se a prestação a ser cumprida houver se tornado excessivamente onerosa diante de um fato superveniente.
Aliás, ao dispor que se no contrato as obrigações couberam a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a prestação seja reduzida ou alterada de modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva, o art. 480 merece almejar justamente os contratos gratuitos e unilaterais.
Assumindo essa mesma posição, Paulo Khouri faz um interessante paralelo entre a onerosidade excessiva superveniente e o sistema de responsabilidade civil. Para o autor, em virtude de o legislador brasileiro ter estabelecido riscos diferenciados para as partes nos contratos unilaterais e gratuitos, protegendo a parte que o contrato não favorece, estabeleceu-se no sistema jurídico pátrio uma maior proteção ao devedor desse tipo contratual do que ao devedor de um contrato bilateral.
Assim, se o devedor de um contrato unilateral goza de maior proteção jurídica, seria absolutamente contraditório deixar esse mesmo devedor vulnerável à onerosidade excessiva superveniente. Daí, por que, assim como os contratos bilaterais podem ser revistos ou resolvidos, com mais razão, ainda também podem os contratos unilaterais e gratuitos.
Carlos Roberto Gonçalves pondera que em linha geral o princípio da resolução dos contratos por onerosidade excessiva não se aplica aos contratos aleatórios, porque envolvem um risco, sendo ínsita a eles a álea e a influência do acaso, salvo se o imprevisível decorrer de fatores estranhos ao risco próprios do contrato.
O referido autor elabora seu raciocínio partindo da redação do art. 393 do CC.
A onerosidade excessiva superveniente como fundamento da revisão contratual no CDC
O CDC é a Lei 8.078/1990 que também dispõe sobre a onerosidade excessiva superveniente em seu art. Sexto, inciso quinto, garantindo ao consumidor, na qualidade de direito básico, a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações proporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.
De plano observa-se que, ao contrário do disposto do CC, o CDC não faz qualquer menção à imprevisibilidade ou extraordinariedade do evento que desequilibra o contrato, bastando a onerosidade excessiva para as obrigações contratuais possam ser alteradas ou até mesmo extintas.
A parte prejudicada primeiro terá que comprovar a existência de relação de consumo, cujo caracterização, ao contrário do que se pensa, nem sempre é fácil.
A relação de consumo se caracteriza quando os contratantes se enquadram nos conceitos de consumidor e fornecedor. O art. 2º CDC, consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. São também equiparadas ao consumidor todas as pessoas que haja participado das relações de consumo ou que tenham sido vítimas do evento de consumo (by stander).
Caracterizados cabalmente os protagonistas do contrato como consumidor e fornecedor, resta reconhecida a relação jurídica como de consumo, possibilitando a aplicação do art. Sexto, inciso quinto.
Cláudia Lima Marques ensina que conceitos tradicionais como os do negócio jurídico e da autonomia da vontade permanecerão, mas o espaço reservado para que os particulares autoregularem suas funções será reduzido por normas imperativas, como as do próprio CDC. É uma nova concepção de contrato no Estado Social, em que a vontade perde a condição de elemento nuclear, surgindo em seu lugar elemento estranho às partes, mas básico para a sociedade como um todo: o interesse social.
O CJF reconheceu explicitamente o diálogo entre o CC e o CDC, ao dispor no Enunciado 27 que na interpretação da cláusula geral da boa-fé, deve-se levar em conta o sistema do Código Civil e as conexões sistemáticas com outros estatutos normativos e fatores metajurídicos.
Assim a revisão contratual seria mais fácil ao consumidor, diante das regras do CDC que não exigem a extraordinariedade e a imprevisibilidade do evento do que ao fornecedor. Será mesmo?
Positivamente poderia responder se tivéssemos uma interpretação literal da norma, entretanto ainda percebemos grandes óbices.
Sem dúvida, vivemos novos tempos, pós-modernistas para alguns e onde o direito é caracterizado pela mudança de paradigmas, pelo questionamento das bases e estruturas da ciência jurídica e pelo diálogo das fontes. Vivenciamos uma intensa constitucionalização do direito civil, e o direito privado como um todo.
Influenciada pela doutrina estrangeira, a doutrina brasileira contemporânea tem defendido um novo concepção de contrato, onde o dogma da vontade jaz frio na cripta do codificador de 1916 e, aonde, relativiza-se o papel da vontade ou de sua declaração das partes, e a boa-fé desponta como elemento materializador do núcleo contratual contemporâneo.
Assim ínsito na filosofia constitucional, aonde se defende como um dos fundamentos da república brasileira, a dignidade da pessoa humana, e na mesma linha traçando o CC de 2002 e CDC a içar os princípios da função social do contrato, da boa-fé objetiva como bases primordiais do contrato, dos negócios jurídicos, da responsabilidade civil, da família, da empresa e mesmo do Estado de Direito.
Referências
TEPEDINO, Gustavo. Heloisa Helena Barboza, Maria Celina Bodin de Moraes. Código Civil interpretado conforme a Constituição da República, volume II. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2006.
HIRONAKA, Giselda Maria F. Flávio Tartuce. ( André Borges de Carvalho Barros).Direito Contratual. Temas Atuais. São Paulo, Grupo Gen, Editora Método, 2009.
[1] Funda-se na hipótese de quem faz um contrato parte do pressuposto de que tudo ocorrerá normalmente e se, por acaso, isso não ocorrer a parte contrária não terá culpa, ela se desobriga. Ou seja, em todo negócio jurídico de execução futura, diferida ou continuada haveria um pressuposto tácito que a obrigação não sofrerá oscilações além daquelas consideradas “normais”. A pressuposição agiria como uma “autolimitação da vontade”, dando
vida a uma conditio e a uma exceptio (OLIVEIRA, 1968:92).
Critica-se a teoria porque ela é sumamente subjetiva e, em conseqüência, falha. Confunde-se condição-causa com motivo: a eficácia de um contrato bilateral pode ser destruído por uma só das partes. Entretanto, a teoria, em si, alcançou grande repercussão e influenciou diretamente nas construções que lhe sucederam sobre a flexibilidade contratual (MAIA, 1968:166).
[2] 17 - Art. 317: a interpretação da expressão “motivos imprevisíveis” constante do art.
317 do novo Código Civil deve abarcar tanto causas de desproporção não previsíveis
como também causas previsíveis, mas de resultados imprevisíveis.
Enunciado 175, CJF – a menção à imprevisibilidade e à extraterritorialidade do art. 478 do CC deve ser interpretada não somente em relação ao fato que gere o desequilíbrio, mas também em relação às conseqüências que ele produz. Deve-se levar em conta não o mercado, mas o contratante
Professora universitária, pedagoga, bacharel em Direito UFRJ, mestre em Direito UFRJ, mestre em Filosofia UFF, Doutora em Direito USP. Pesquisadora-Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Articulista e colunista dos sites www.invetidura.com.br, www.netlegis.com.br, www.jusvi.com , possuindo vasta produção acadêmica publicada nos sites como www.ibdfam.org.br , http://egov.ufsc.br/portal/buscalegis, www.abdpc.org.br ,www.ambito-juridico.com.br , www.abdir.com.br , www.jurid.com.br .<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LEITE, Gisele. A onerosidade excessiva como fundamento da revisão ou da resolução do contrato Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 04 mar 2010, 07:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/19343/a-onerosidade-excessiva-como-fundamento-da-revisao-ou-da-resolucao-do-contrato. Acesso em: 30 nov 2024.
Por: Maria Laura de Sousa Silva
Por: Franklin Ribeiro
Por: Marcele Tavares Mathias Lopes Nogueira
Por: Jaqueline Lopes Ribeiro
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