Coautor - Marcelo Sant'Anna Vieira Gomes[1]
INTRODUÇÃO
A Corte Internacional de Justiça é um dos principais organismos internacionais ligados à Organização das Nações Unidas, tendo como finalidades precípuas: a) solucionar controvérsias entre os países que submetem seus conflitos à sua jurisdição; e, b) atuar de forma consultiva, emitindo pareceres sobre questões jurídicas submetidas pelos órgãos ou agências das Nações Unidas autorizadas[2].
No objetivo de melhor delinear os contornos relativos à Corte Internacional de Justiça, optou-se por dividir este artigo científico em cinco tópicos. No primeiro, utiliza-se como ponto de partida uma análise histórica da Corte Internacional de Justiça e sua contribuição ao longo da História para a resolução de controvérsias entre os Estados membros na busca pela harmonização da sociedade internacional.
No segundo tópico, enuncia-se qual a competência do referido organismo internacional e de que forma os conflitos podem ser submetidos à sua jurisdição. O terceiro tópico é destinado à expor a composição da corte, a forma de eleição dos juízes, os requisitos para investidura no cargo, a atual composição da Corte Internacional de Justiça e os brasileiros que já fizeram parte de seu plante.
O quarto tópico pontua algumas peculiaridades do procedimento e de certos institutos jurídicos relevantes no âmbito da Corte Internacional de Justiça. Por último, analisa-se alguns casos relevantes já analisados perante este órgão jurisdicional internacional.
1. HISTÓRICO
A Corte Internacional de Justiça está localizada em Haia, terceira maior cidade dos Países Baixos, no oeste da Holanda. Nessa região é que foi fundada em 1945 a referida Corte de julgamento, sucedendo a já existente Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), que fora fundada em 1922.[3] O fundamento legal desta alteração encontra-se previsto no art. 92 da Carta das Nações Unidas, in verbis:
Artigo 92.º O Tribunal Internacional de Justiça será o principal órgão judicial das Nações Unidas. Funcionará de acordo com o Estatuto anexo, que é baseado no Estatuto do Tribunal Permanente de Justiça Internacional e forma parte integrante da presente Carta.
De acordo com Francisco Rezek,[4] a CIJ, quando fundada, era chamada de Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI) e não se tratava de qualquer novidade em âmbito internacional. Segundo este renomado autor, já existiam relatos na História de um órgão internacional anterior, com competência similar à Corte
Não era o primeiro órgão judiciário internacional (fora-o então já extinta Corte de Justiça Centro-Americana), mas o primeiro dotado de vocação universal, pronto assim a decidir demandas entre quaisquer Estados. [...] Apesar de programada pelo art. 14 do pacto da Sociedade das Nações, a CPJI não era um órgão na estrutura da Sociedade – e isto desperta interesse sobre o curioso problema de sua exata natureza jurídica -, porém mantinha com organização laços estreitos, a ponto de que incumbisse ao Conselho e à Assembléia Geral da SDN a eleição de seus juízes.
[...]
Finda a segunda grande guerra a Corte de Haia ressurge na mesma sede, com outro nome oficial: ela é agora a Corte Internacional de Justiça (CIJ), e constitui, nos termos da Carta da ONU, um órgão da organização. Com mudanças representativas de pura adaptação às novas circunstãncias, o Estatuto da Corte volta a ser aquele que se editara em 1920, conservada até mesmo a numeração dos artigos.
Trata-se, em poucas palavras, de um organismo internacional que possui um Estatuto próprio, o qual conta com 70 (setenta) artigos e uma série de disposições acerca de seu funcionamento, de sua organização interna e de como serão realizados os julgamentos e/ou consultas a serem postas à apreciação (vide Anexo 01).
2. COMPETÊNCIA CONTENCIOSA E CONSULTIVA
Conforme já mencionado, a Corte é responsável por duas missões básicas, quais sejam: solucionar litígios de direito internacional que são submetidos pelos Estados integrantes das Nações Unidas e a emissão de pareceres sobre questões jurídicas solicitados pela Assembléia-Geral, pelo Conselho de Segurança da ONU ou outros órgãos autorizados[5]. Nas palavras de Paulo Henrique Gonçalves Portela,[6] tem-se:
A CIJ tem competência contenciosa e consultiva. No exercício da competência contenciosa, julga litígios entre Estados, examinando processos que resultam numa sentença e atuando, portanto, de forma semelhante a órgãos jurisdicionais internos. Na competência consultiva, emite pareceres, que, a teor do artigo 96 da Carta das Nações Unidas e do artigo 65 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, só podem ser solicitados pela Assembléia-Geral e pelo Conselho de Segurança da ONU, bem como por outros órgãos das Nações Unidas e entidades especializadas, que forem em qualquer época devidamente autorizados pela Assembléia Geral da entidade. Tais pareceres, em princípio, não são vinculantes, embora possam vir a sê-lo, caso as partes que o solicitem o convencionem.
Segundo preceitua o próprio Estatuto da Corte Internacional de Justiça, Apenas os Estados poderão ser partes em casos diante da Corte (art. 34); outros Estados – que não são membros das Nações Unidos - poderão litigar perante a Corte, desde que se sujeitem às disposições especiais dos tratados vigentes e não coloquem as partes em situação de desigualdade diante da Corte (art. 35); A competência da Corte se estende a todos os litígios que as partes a submetam e a todos os assuntos especialmente previstos na Carta das Nações Unidas ou nos tratados e convenções vigentes (art. 36).
No âmbito da competência material, o art. 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça é de suma importância para delimitar os assuntos que poderão ser objeto de controvérsia perante a Corte, cabendo à ela solucionar o impasse:
Artigo 36 [...]
2. Os Estados partes neste presente Estatuto que aceite a mesma obrigação, a jurisdição da Corte em todas as controvérsias de ordem jurídica que tratem sobre:
3. a interpretação de um tratado;
4. qualquer questão de direito internacional;
5. a existência de todo feito que, se for estabelecido, constituirá violação de uma obrigação internacional;
6. a natureza ou extensão da reparação que seja feita pela quebra de uma obrigação internacional.
7. A declaração a que se refere este Artigo poderá ser feita incondicionalmente ou sob condição de reciprocidade por parte de vários ou determinados Estados, ou por determinado tempo.
8. Estas declarações serão remetidas para seu depósito ao secretário Geral das Nações Unidas, que transmitirá cópias delas às partes neste Estatuto e ao Secretário da Corte.
9. As declarações feitas de acordo com o Artigo 36 do Estatuto da Corte Permanente de Justiça Internacional que estiverem ainda em vigor, serão consideradas, respeito das partes no presente Estatuto, como aceitação da jurisdição da Corte internacional de Justiça pelo período que ainda fique em vigência e conforme os termos de tais declarações.
Sendo que, no caso de submissão de alguma controvérsia à apreciação da Corte Internacional de Justiça, este organismo possui competência para aplicar os seguintes critérios na solução do litígio (art. 38 do Estatuto da Corte), a saber:
Artigo 38
1. A Corte, cuja função seja decidir conforme o direito internacional as controvérsias que sejam submetidas, deverá aplicar;
2. As convenções internacionais, sejam gerais ou particulares, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
3. O costume internacional como prova de uma prática geralmente aceita como direito;
4. Os princípios gerais do direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
5. As decisões judiciais e as doutrinas dos publicitários de maior competência das diversas nações, como meio auxiliar para a determinação das regras de direito, sem prejuízo do disposto no Artigo 59.
6. A presente disposição não restringe a faculdade da Corte para decidir um litígio ex aequo et bono, se convier às partes.
Observa-se, por conseguinte, que a competência da Corte Internacional de Justiça é delineada da seguinte forma: ratione materiae e ratione personae. Para Accioly e Nascimento[7], em se tratando de competência material, A CIJ tem competência para decidir questões atinentes a todas as questões submetidas pelas partes e àqueles assuntos insertos na Carta das Nações Unidas e/ou tratados e convenções internacionais. O mais curioso, por sua vez, é que, quando existe dúvida acerca da sua competência, é a própria Corte que decide se é ou não competente para julgar o caso, conforme preceitua o art. 36 do Estatuto da Corte: “Em caso de disputa sobre se a Corte tem ou não jurisdição, a Corte decidirá”.
De outro lado, tratando-se de competência relativa à pessoa, deve-se ter atenção à peculiaridade existente. Não há como um particular, por si só, pleitear determinado direito perante a CIJ. Isso porque, conforme mais uma vez informa Accioly e Nascimento[8], a capacidade processual para submeter litígios à CIJ está restrita aos Estados soberanos, estando estes ou não inseridos como membros das Nações Unidas (nesse último caso, como já delineado, existem alguns procedimentos extras a serem observados).
Desse modo, somente aos Estados soberanos é garantida a capacidade de litigar perante esta corte jurisdicional internacional. Ou seja, aos indivíduos não é dada essa faculdade, não sendo estes considerados sujeitos de direito internacional para efeito de pleitearem seus direitos perante este organismo. Valério de Oliveira Mazzuoli[9], trata acerca da matéria, da seguinte forma
Os particulares não têm qualquer meio de acesso ao tribunal. Assim, caso um particular (pessoa física ou jurídica) queira fazer valer eventual direito perante a Corte é necessário que seu Estado espose as suas pretensões e deflagre ali uma demanda judicial (também contra outro Estado). A questão da capacidade processual dos indivíduos perante a Corte chegou a ser debatida durante os trabalhos de elaboração do Estatuto original, por um comitê de juristas designados ao tempo da Liga das Nações, em 1920. Somente dois dos dez membros do comitê (Loder e De Lapradelle) foram favoráveis ao ingresso de direito dos indivíduos perante a Corte em casos contra Estados estrangeiros. A maioria dos membros entendeu que os indivíduos não poderiam ser (para esse fim) considerados sujeitos de Direito Internacional, devendo somente os Estados estarem habilitados em questões perante a Corte.
Ademais, a CIJ é responsável por tratar de questões relacionadas à matéria consultiva. Sendo assim, observado o art. 96 da Carta das Nações Unidas e o capítulo IV do Estatuto da Corte Internacional,[10] constata-se que
Assim, poderá ela emitir parecer consultivo sobre qualquer questão de ordem jurídica, a pedido da Assembléia Geral ou do Conselho de Segurança, ou de qualquer outro órgão das Nações Unidas ou entidade especializada que, em qualquer época, tenha sido devidamente autorizado a isso pela Assembléia Geral.
Por grande que seja o valor dos pareceres consultivos da Corte, existe uma diferença essencial entre eles e as sentenças da própria Corte: é que lhes falta a força obrigatória. È verdade, contudo, que quando o parecer versa, não sobre um simples ponto direito, mas sobre um litígio, ele apresenta, por assim dizer, o caráter de sentença não executória.
De certo modo, pode-se ponderar que a grande diferença entre as duas formas de atuação da Corte Internacional de Justiça (contenciosa e consultiva) reside no fato de que apenas as decisões oriundas de uma sentença contenciosa são passiveis execução coercitiva do inadimplente.
Diante das constatações acima esposadas, percebe-se que a competência internacional da Corte Internacional de Justiça, seja ela contenciosa ou consultiva, é de suma importância para a tentativa de preservação da harmonia e a garantia da soberania entre os membros da sociedade internacional.
3. COMPOSIÇÃO E BRASILEIROS NA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
A Corte Internacional de Justiça é composta por indivíduos de notórios e elevados conhecimentos jurídicos acerca da aplicação do direito internacional, assim como possuem reputação ilibada para chegarem a ser indicados para atuarem perante essa jurisdição internacional. De acordo com Hildebrando Accioly e Geraldo Silva[11] a CIJ é composta da seguinte forma:
Compõem-na quinze juízes, ‘eleitos’ – segundo diz o artigo 1º do Estatuto – ‘sem atenção à sua nacionalidade, de entre as pessoas que gozem de alta consideração moral e possuam as condições exigidas em seus respectivos países para o desempenho das mais altas funções judiciárias ou que sejam jurisconsultos de reconhecida competência em direito internacional’. Entre seus membros, não poderão figurar dois nacionais do mesmo Estado.
A eleição dos juízes é feita na mesma ocasião, mas separadamente, pela Assembléia geral e pelo Conselho de Segurança, de uma lista de candidatos apresentados pelos grupos nacionais de árbitros da Corte Permanente de Arbitragem, de Haia, ou, quando se tratar de Membros das Nações Unidas não representados na dita Corte Permanente, por grupos nacionais designados, para esse fim, pelos respectivos governos.
Ocorre, porém, que nem sempre essa eleição representa a realidade dos estudiosos de Direito que deveriam figurar nesse plantel. Isso porque a CIJ encontra-se vinculada ás Nações Unidas e, os países que compõem o Conselho de Segurança Permanente da ONU, possuem grande força política para elegerem representantes de suas nacionalidades. Esta crítica é realizada por Mazzuolli[12] em sua obra, ao afirmar que a rotatividade de membros nem sempre é equânime, pois os membros do Conselho de Segurança sempre acabam por terem cadeira cativa
O sistema de eleição de juízes, contudo, beneficia claramente os países-membros com cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU. Daí sempre estarem presentes à Corte juízes de nacionalidade de cada um desses cinco Estados com assento permanente no Conselho: Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China.
Apesar dessa situação, o Brasil já conseguiu eleger alguns juízes para comporem o quadro de juízes responsáveis pelos julgamentos perante a Corte Internacional de Justiça, estando um deles em pleno exercício na atualidade, qual seja, Antônio A. Cançado Trindade[13]. Aline Pinheiro[14], em um de seus artigos, publicou a seguinte observação
O Brasil tem conseguido levar juízes para o tribunal. Atualmente, o país se faz presente na corte pelo juiz Cançado Trindade. Por lá, já passam outros quatro juízes brasileiros: José Philadelpho de Barros e Azevedo, Levi Fernandes Carneiro, José Sete-Câmara e Francisco Rezek, que deixou a corte em 2006, depois de cumprir um mandato de nove anos.
Inclusive, nesse mesmo artigo, Aline Pinheiro[15] traz um quadro demonstrativo que demonstra a atual composição da Corte Internacional de Justiça com suas respectivas nacionalidades. Ilustrativamente, colaciona-se o referido quadro abaixo, para demonstrar didaticamente cada um dos juízes que a compõem
Composição atual da Corte Internacional de Justiça |
|
Hisashi Owada (presidente) |
Japão |
Peter Tomka (vice-presidente) |
Eslováquia |
Abdul G. Koroma |
Serra Leoa |
Awn Shawkat Al-Khasawneh |
Jordânia |
Thomas Buergentha |
Estados Unidos |
Bruno Simma |
Alemanha |
Ronny Abraham |
França |
Kenneth Keith |
Nova Zelândia |
Bernardo Sepúlveda-Amor |
México |
Mohamed Bennouna |
Marrocos |
Leonid Skotnikov |
Rússia |
Antônio A. Cançado Trindade |
Brasil |
Abdulqawi Ahmed Yusuf |
Somália |
Christopher Greenwood |
Reino Unido |
Xue Hanqin |
China |
Fonte: Consultor Jurídico
Em síntese, cada juiz eleito para a Corte Internacional de Justiça exercerá o cargo por nove anos, podendo ser reeleito, nos moldes do art. 13 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Ademais, no exercício de suas funções, os juízes gozarão de privilégios e imunidades diplomáticas, porém não poderão exercer funções de agentes, conselheiros e advogados em nenhum assunto, sendo que, em caso de dúvida sobre tais enquadramentos, a Corte decidirá.
4. INSTITUTOS JURÍDICOS E PECULIARIDADES DA CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA
No âmbito da Corte Internacional de Justiça, o procedimento possui três fases: fase de memoriais, debates orais e deliberações.
Na fase de memoriais, ocorre o nascimento do processo diante do órgão jurisdicional. Basicamente, apresentam-se as considerações escritas acerca do caso. Posteriormente, iniciam-se os debates orais públicos perante os juízes. Por fim, são feitas as deliberações, em que os juízes reúnem-se em uma câmara secreta – o que pode demorar alguns meses, até que proferem sua decisão colegiada em audiência pública e devidamente motivada.
Desta decisão, não cabe recurso, mas tão-somente explicações sobre pontos dúbios da sentença.
O procedimento da Corte Internacional de Justiça possui algumas peculiaridades:
a) é necessário o quórum de nove juízes para se instalar a Corte (art. 25, Estatuto da Corte Internacional de Justiça);
b) apenas os Estados podem ser partes em casos perante a Corte (art. 34, Estatuto da Corte Internacional de Justiça);
c) os idiomas oficiais da Corte são o inglês o francês, sendo que, se solicitado, a Corte poderá autorizar outro idioma que não estes dois (art. 39, Estatuto da Corte Internacional de Justiça);
d) a decisão da corte só será obrigatória para as partes e para os intervenientes no processo (arts. 59 e 62, Estatuto da Corte Internacional de Justiça);
e) a revisão das decisões proferidas depende: a) um fato novo; b) respeito ao prazo de seis meses após a descoberta deste fato; c) o não transcurso de dez anos desde o dia do pronunciamento da decisão impugnada (art. 61, Estatuto da Corte Internacional de Justiça).
5. JURISPRUDÊNCIA: UMA BREVE EXPLORAÇÃO DE ALGUNS CASOS RELEVANTES PROPOSTOS PERANTE A CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA.
Dentro da jurisprudência da Corte Internacional de Justiça, três casos merecem nossa atenção. Em primeiro lugar, o caso recente entre Brasil e Honduras, em que este país questionou a postura brasileira de abrigar o presidente deposto Manuel Zelaya. Ao cabo, Honduras acabou desistindo do processo.
Em segundo lugar, há um caso muito interessante que diz respeito ao direito à indenização das vítimas do nazismo pela Alemanha, uma vez que esta nação já está condenada a tal obrigação pelo Poder Judiciário italiano.
Em terceiro lugar, no âmbito da competência consultiva, há o parecer da Corte Internacional de Justiça em prol da independência de Kosovo (ex-província da Sérvia).
De forma bem resumida, o doutrinador Francisco Rezek[16] apresenta um comentário bem pertinente acerca da fragilidade na execução das decisões da Corte Internacional de Justiça, in verbis:
De 1945 até hoje, o primeiro condenado recalcitrante foi a Albânia (caso do estreito de Corfu, acórdão de 1949), e o último, os Estados Unidos da América (caso das atividades militares na Nicarágua, acórdão de 27 de junho de 1986). Em caso algum o Conselho de Segurança entendeu válido o uso de sua força física para obrigar o sucumbente ao cumprimento do acórdão. A atitude da Albânia foi vista como incapaz de representar risco para a segurança coletiva: afinal, a parte vitoriosa – a Grã-Bretanha – não iria perder o sangue-frio por haver deixado de embolsar alguns milhões de libras a mais, na sua longa trajetória de sucesso em todas as formas de comércio. Já no caso da Nicarágua, a impossibilidade de qualquer ação educativa do Conselho de Segurança resultou de vício essencial que marca seu funcionamento. O réu sucumbente, na espécie, é um dos membros permanentes do órgão, dotados do poder de veto. Para a tomada de qualquer decisão avessa aos seus interesses, seria preciso que ele renunciasse ao voto, ou votasse contra si mesmo...
Em síntese, as decisões da Corte Internacional de Justiça são muito relevantes para a solução de controvérsias internacionais, porém carecem de meios executórios efetivos que possibilitem sua concretização sem desrespeitar a soberania das nações.
CONCLUSÃO: UMA BREVE ANÁLISE DO ESTATUTO
De uma forma geral, há que se ter em mente que a criação da Corte Internacional de Justiça demonstrou um grande avanço no cenário internacional, demonstrando grande avanço entre as nações ao instituírem um Organismo capaz de solucionar conflitos internacionais com o objetivo de gerar a pacificação entre a sociedade internacional no pós-guerra. Nesse ponto, filia-se, sobremaneira, à avaliação realizada por Valério Mazzuoli[17] com relação à atuação da Corte em tratar de competência material de grande amplitude, pois qualquer Estado pode litigar perante seu Organismo.
No entanto, percebe-se que nem sempre as decisões emanadas deste órgão terão o efeito jurídico esperado. Em primeiro, porque as decisões judiciais emanadas pela Corte se sujeitam à aceitação por parte dos litigantes. Sendo assim, caso não venha a ser acordado o reconhecimento da jurisdição internacional da Corte para solucionar o litígio, não terá ela competência para tanto, razão pela qual, estará sujeita a desmandos de algumas das grandes potências.
Ademais, uma vez que os membros permanentes do Conselho de Segurança acabam sempre sendo eleitos para a Corte Internacional de Justiça, por mais que não haja uma atuação direta de seus pares em alguns casos, pelo julgamento das lides, a pressão política interna acaba prevalecendo.
Portanto, ao que tudo indica, cuida-se mais de garantir interesses políticos e institucionais de determinado Estado soberano do que efetivamente de uma atuação mais eficaz por parte da Corte. Esta realidade, por conseguinte, culmina num Organismo jurisdicional subaproveitado e, porque não dizer, meramente figurativo e com pouca utilidade.
A conclusão acima decorre, inclusive, do fato de que medidas sancionatórias podem ser adotadas aos Estados, pelo descumprimento das decisões emanadas pelos juízes da Corte Internacional de justiça. Entretanto, para tais medidas, consoante disposição expressa do art. 41 da Corte Internacional, será dada ciência do evento relevante ao Conselho de Segurança do ONU, a fim que ele tome as ações que entender necessárias ao deslinde da causa.
Mais uma vez, com a hegemonia de poder prevalecente entre as grandes potências que compõem o Conselho de Segurança, a relevância que tomaria um acórdão da CIJ, resta improducente por faltar-lhe a executoriedade adequada. Por esse motivo, entende-se que o Estado é constantemente violado, em decorrência de os Estados integrantes das Nações Unidas, não observarem seus ditames.
Por último, também é possível observar sua inobservância com relação aos pareceres consultivos emanados da Corte Internacional de Justiça. Em alguns casos, esses pareceres apresentam-se similares a sentenças, pois são exarados com o intuito de pôr fim a um conflito gerado entre Estados. No entanto, apesar de similar às sentenças, não há força executória nesses acórdãos, razão pela qual, acabam nem sempre sendo seguidos e, mais uma vez, sujeitando-se aos interesses de alguns dos membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, em especial, os membros permanentes: Estados Unidos, França, Inglaterra, Rússia e China.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. 990 p.
PINHEIRO, Aline. Corte Internacional de Justiça delimita soberania. Consultor Jurídico, 19. ago. 2010. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/>. Acesso em 06. set. 2010.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2010. 819 p.
REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. 415 p.
SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. 566 p.
[1] Acadêmico de Direito da FDV - Faculdade de Direito de Vitória - ES.
[2] Disponível no site da Corte Internacional de Justiça no endereço eletrônico: http://www.icj-cij.org/homepage/sp/. Acesso em: 6. set. 2010.
[3] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 475-476.
[4] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 356-357.
[5] Disponível no site da Corte Internacional de Justiça no endereço eletrônico: http://www.icj-cij.org/homepage/sp/. Acesso em: 6. set. 2010.
[6] PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado. 2. ed. rev., atual. e ampl. Salvador: Jus Podivm, 2010, p. 476.
[7] SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público.15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 227-228.
[8] SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 227-228
[9] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 955.
[10] SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 229
[11] SILVA, Geraldo Eulálio do Nascimento e; ACCIOLY, Hildebrando. Manual de direito internacional público. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 226-227
[12] MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 958.
[13] Currículo do juiz e autor de várias obras de Direito Internacional no Brasil encontra-se disponível no site da Corte Internacional de Justiça em: http://www.icj-cij.org/court/?p1=1&p2=2&p3=1&judge=167.
[14] PINHEIRO, Aline. Corte Internacional de Justiça delimita soberania. Consultor Jurídico, 19. ago. 2010. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/>. Acesso em 06. set. 2010.
[15] PINHEIRO, Aline. Corte Internacional de Justiça delimita soberania. Consultor Jurídico, 19. ago. 2010. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/>. Acesso em 06. set. 2010.
[16] REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público: curso elementar. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 363.
[17] De acordo com Mazzuoli, o autor afirma que “A Corte Internacional de Justiça é certamente o mais importante de todos os tribunais internacionais existentes na atualidade, não somente pela sua larga e respeitada história, que já ultrapassa oitenta anos desde a sua instituição, mas também pelo fato de sua competência ratione materiae ser amplíssima: qualquer Estado (que tenha aceito sua jurisdição) pode potencialmente recorrer à Corte Internacional de Justiça para vindicar uma solução para um direito violado, em relação á quaisquer matérias conhecidas do Direito Internacional”. (MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de direito internacional público. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 957.)
Graduado em Administração com Habilitação em Comércio Exterior pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA), Especializado em Docência do Ensino Superior pelo Centro Universitário do Estado do Pará (CESUPA), Especializado em Planejamento e Gestão do Desenvolvimento Regional pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Graduado em Direito pelas Faculdades Integradas de Vitória (FDV), Pós-Graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera - UNIDERP. Atualmente, é Administrador Pleno da Petróleo Brasileiro S/A (Petrobras) e instrutor da Universidade Petrobras (UP/EGN) no curso de "Logística e Transporte Internacional". Escritor das Colunas "Foco no Conceito" e "Concurseiro" da Revista Capital Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARACHE, Jacob Arnaldo Campos. A Corte Internacional de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2010, 09:01. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/21473/a-corte-internacional-de-justica. Acesso em: 26 nov 2024.
Por: Guilherme Waltrin Milani
Por: Beatriz Matias Lopes
Por: MARA LAISA DE BRITO CARDOSO
Por: Vitor Veloso Barros e Santos
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