1.1 Introdução
Diante do efeito criminógeno representado pelo cárcere, fato que revela a falência da pena de prisão, o legislador preocupou-se em criar institutos despenalizadores, visando evitar as penas privativas de liberdade de curta duração e desobstruir o Poder Judiciário.
Assim, foram criadas a transação penal e a suspensão condicional do processo pela Lei 9.099/95, a qual se baseia em novo modelo de Justiça, denominado pela doutrina de Justiça Consensual (BREGA FILHO, 2006, p. 92; GOMES, 1997, p. 80; GRINOVER, et. al, 2005, p. 259).
A suspensão condicional do processo, prevista no artigo 89, do referido diploma legal tem como antecedentes históricos a probation, advinda do sistema anglo-saxão e o sursis advindo do sistema belga-francês. Entretanto, não se confunde com os referidos institutos, possuindo características próprias (BREGA FILHO, 2006, p. 91).
Tanto no probation quanto no sursis o processo não se suspende, há instrução, interrogatórios, depoimentos, sendo que no primeiro após a formação da culpa suspende-se a sentença condenatória mediante uma série de condições que deverão ser cumpridas dentro do período de prova, no qual o beneficiado será acompanhado de perto pelos probations officers, já no sursis há a prolação de sentença, entretanto, a pena é que fica suspensa (BREGA FILHO, 2006, p. 91; GRINOVER, et. al, p. 252).
A suspensão condicional do processo é, portanto, um novo instituto, uma vez que suspende a ação penal, não havendo, em regra, instrução, interrogatórios, depoimentos, sentença, etc (BREGA FILHO, 2006, p. 91-93).
1.2 Conceito
Vladimir Brega Filho define o instituto como
a suspensão da ação penal com a concordância do réu, após o recebimento da denúncia, desde que o réu preencha determinados requisitos e cumpra certas condições durante um prazo prefixado, findo o qual ficará extinta a punibilidade quando não der causa à revogação do beneficio (2006, p. 94-95).
Apesar do brilhantismo da definição referida, deve ser feita apenas uma ressalva com relação a ela: não menciona o requisito objetivo para o cabimento da medida, de sorte que leva à impressão de que a concessão da suspensão condicional do processo depende tão-somente do preenchimento de requisitos de ordem subjetiva. Portanto, melhor seria que na parte em que o autor escreve: “desde que o réu preencha determinados requisitos e cumpra certas condições”, houvesse escrito: “desde que a pena mínima abstratamente cominada ao delito imputado ao acusado seja igual ou inferior a um ano, o réu preencha determinados requisitos e cumpra certas condições”, mantendo, no mais, o conceito exarado.
1. 3. Natureza jurídica
A suspensão condicional do processo é um instituto de natureza mista, despenalizador e assemelhado ao nolo contendere.
A faceta mista da suspensão condicional do processo revela-se pelo fato de que produz efeitos processuais, tendo ainda aptidão para gerar reflexos na órbita penal (BREGA FILHO, 2006, p. 96; GRINOVER, et. al, 2005, p. 258; GOMES, 1997, p. 131). Formulada a proposta pela acusação, aceita pelo réu e seu defensor e homologada pelo juiz, o processo é imediatamente suspenso, fato que revela a natureza processual do instituto.
Uma vez cumpridas as condições e terminado o período de prova, sem que o acusado tenha dado causa à revogação da suspensão, extingue-se a punibilidade (Art. 89, § 5º, da Lei 9.099/95), sendo este o efeito penal do instituto.
Do reconhecimento da natureza mista do instituto decorre uma conseqüência importantíssima: todas as alterações legislativas que porventura surjam com relação à suspensão condicional do processo deverão ser aplicadas mediante a observância das regras da irretroatividade da lei penal mais gravosa e da retroatividade da lei penal benéfica, consagradas no artigo 5º, inciso XL da Constituição Federal e no artigo 2º do Código Penal.
Suponha-se que em 1º de janeiro de 2010 entre em vigor uma Lei que determine que a suspensão condicional do processo somente será aplicável a delitos cuja pena mínima seja igual ou inferior a seis meses. Considerando-se que pela redação atual do artigo 89 da Lei 9.099/95 o instituto é cabível quando a pena míninca cominada ao delito for igual ou inferior a um ano, em decorrência da aplicação da regra da irretroatividade da lei penal mais gravosa o novo requisito objetivo somente poderá ser aplicado com relação às infrações praticadas posteriormente à sua entrada em vigor, continuando a valer com relação aos delitos anteriores a 1º de janeiro de 2010 o patamar mínimo igual ou inferior a um ano.
Em contrapartida, caso no dia 1º de janeiro de 2010 entrasse em vigor Lei determinando que a suspensão condicional do processo aplicar-se-ia a infrações com pena mínima de até dois anos, a novatio legis deveria retroagir demandando a reanálise acerca do cabimento da suspensão condicional do processo com relação a todos os delitos praticados anteriormente que tivessem pena mínima superior a um e inferior a dois que se encontrassem pendentes de decisão judicial definitiva.
Demais disso, a suspensão condicional do processo é um instituto despenalizador, uma vez que sem retirar a ilicitude da conduta praticada pelo acusado, objetiva evitar a aplicação de pena (BREGA FILHO, 2006, p. 96; JESUS, 1996, p. 107), sendo extinta a punibilidade do agente em caso de cumprimento sem motivos revogatórios, conforme o artigo 89, § 5º da Lei 9.099/95.
Por fim, Ada Pelegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes (2005, pg. 256) e Vladimir Brega Filho (2006, pg. 95), ressaltam que o instituto assemelha-se ao nolo contendere na medida em que se trata de uma técnica de defesa, por meio da qual o réu não assume a culpa pela infração penal que lhe é imputada, mas também não contesta a acusação. Assim, a paralisação do processe decorre de um acordo recíproco entre acusação e acusado, mediante a fiscalização pelo juiz, sem que haja qualquer discussão de mérito.
Em decorrência, havendo revogação do benefício, o réu terá ampla possibilidade de se defender da acusação, devendo ser processado com observância do contraditório e da ampla defesa, sendo presumivelmente inocente (BREGA FILHO, 2006, p. 132), cabendo à acusação o ônus da prova quanto à ocorrência da infração penal e a sua autoria para que possa haver condenação.
1.4 Finalidades e vantagens
A suspensão condicional do processo possui uma série de finalidades, como desburocratizar o processo penal (BREGA FILHO, 2006, p. 92), possibilitar a reparação do dano causado pela infração penal e “evitar a aplicação de pena de curta duração” (GOMES, 1997, p. 190). Entretanto, menciona-se que, dentre todos os escopos do instituto, destaca-se o fato de que a suspensão condicional do processo objetiva “evitar a estigmatização derivada do próprio processo” e as suas cerimônias degradantes (GRINOVER, et. al, 2005, p. 263).
Entre as vantagens do instituto, pode-se mencionar que evita a prisão e o trauma do processo, diminui o volume de serviço do Judiciário, permitindo que este se volte para o combate da criminalidade violenta, reduz o custo do processo, tanto para o Estado, quando para o acusado, pode levar a reparação do dano causado à vítima e não gera quaisquer efeitos penais no caso de extinção de punibilidade (JESUS, 1996, p. 109; GRINOVER, et. al, 2005, p. 264).
1.5. Dos requisitos para concessão da suspensão condicional do processo
O processo somente será suspenso com base no instituto previsto no artigo 89 da Lei 9.099/95 quando se encontrarem preenchidos cumulativamente todos os requisitos determinados pelo referido diploma legal, os quais, desta forma, são analisados anteriormente à aplicação do benefício. Segundo Cézar Roberto Bitencourt os requisitos se dividem em: especiais e gerais (2010, p. 709). Os primeiros, por sua vez, subdividem-se em objetivo e subjetivos.
1.5.1 Especiais
Como a própria definição já demonstra, são específicos da suspensão condicional do processo, sendo analisados exclusivamente para se aferir o cabimento ou não da aplicação do instituto (BREGA FILHO, 2006, p. 96).
1.5.1.1 Objetivo
1.5.1.1.1 Aspectos gerais
Liga-se o requisito ao delito praticado pelo acusado. Determina o artigo 89, caput da Lei 9.099/95 que a suspensão condicional do processo poderá ser aplicada a delitos cuja pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano. Apesar da aparente clareza do dispositivo, algumas questões referentes ao requisito objetivo demandam análise mais detalhada.
A Lei fala em crime, entretanto, a suspensão condicional do processo pode ser aplicada às contravenções penais (TOURINHO FILHO, 2009, p. 211), uma vez que sendo os crimes mais graves do que elas, não faria sentido o instituto ser passível de aplicação ao mais e não ao menos, o que violaria os princípios da igualdade e proporcionalidade (GRINOVER; et. al, 2005, p. 276). A questão, inclusive, não suscita discussões ou dúvidas, sendo pacífico o entendimento tanto na doutrina, quanto na jurisprudência com relação ao cabimento da aplicação suspensão condicional às contravenções penais.
A pena mínima a ser considerada para análise da possibilidade ou não da suspensão condicional do processo é a abstratamente cominada no preceito sancionador da norma infringida pelo réu, uma vez que se o objetivo é suspender a ação penal, em regra logo após o recebimento da inicial acusatória, não faria sentido a realização de uma análise antecipada acerca de eventual pena a ser aplicada ao réu, o que poderia dificultar a aplicação do instituto.
Diante do requisito objetivo estabelecido pelo legislador ordinário para o cabimento da aplicação do instituto (pena mínima igual ou inferior a um ano) conclui-se que a suspensão condicional do processo pode ser aplicada tanto aos delitos de menor potencial ofensivo, definidos pelo artigo 61 da Lei 9.099/95, quanto aos delitos de médio potencial ofensivo (TOURINHO FILHO, 2009, p. 211), para os quais não se aplica o procedimento prevista no diploma legal mencionado, de sorte que o âmbito de incidência do sursis processual é enorme, como observa Vladimir Brega Filho:
Considerando o parâmetro escolhido pelo legislador, observamos que o âmbito de incidência do instituto é muito grande. Para se ter uma idéia, é cabível a suspensão em crimes como homicídio culposo, lesões corporais graves, furto, estelionato, receptação, corrupção passiva e ativa, etc., apenas para citar os mais graves. Embora isso possa parecer exagerado, o certo é que a criação da suspensão condicional do processo teve como objetivo a antecipação do sursis para alguns casos e em todos os crimes acima enumerados seria cabível o sursis em caso de condenação, o que não significa, contudo, que, sendo cabível o sursis, será cabível a suspensão. A idéia é a da antecipação do sursis, mas na realidade a suspensão do processo possui requisitos próprios, que devem estar presentes para a concessão do benefício (2006, p. 97).
O artigo 68 do Código Penal demonstra que no cálculo de pena no Brasil deve ser utilizado o critério tri-fásico: a pena-base é estabelecida conforme as circunstâncias judiciais (art. 59 do Código Penal), após o julgador deve analisar as circunstâncias agravantes e atenuantes (artigos 61 a 67 do Código penal) e por último são aplicadas eventuais causas de aumento ou diminuição de pena.
As circunstâncias judiciais não são apreciadas quando da análise do requisito objetivo para concessão ou não da suspensão condicional do processo, pois se ligam à personalidade do acusado, devendo, portanto ser consideradas quando da análise dos requisitos subjetivos. Demais disso, elas não possuem o condão de reduzir a pena-base aquém do patamar mínimo previsto no preceito sancionador.
As circunstâncias agravantes ou atenuantes também não são sopesadas para aferir o cabimento ou não do instituto (BREGA FILHO, 2006, p. 99), pois conforme é pacífico na doutrina e na jurisprudência as atenuantes e agravantes não possuem o condão de alterar a pena cominada ao tipo reduzindo-lhe aquém do patamar mínimo[1] ou majorando-lhe além do máximo.
Por seu turno, as causas de aumento e de diminuição de pena podem alterar a reprimenda para o fim de reduzir-lhe aquém do patamar mínimo ou majorar-lhe além do máximo in abstrato, respectivamente. Deste modo, quando presentes devem ser analisadas para se aferir o preenchimento ou não do requisito objetivo para concessão do benefício.
Como a finalidade é se chegar à pena mínima, as causas de diminuição devem ser consideradas em seu grau máximo e as causas de aumento em seu patamar mínimo (BREGA FILHO, 2006, p. 99; GRINOVER, et. al, p. 273); havendo concurso entre causas de aumento e diminuição, devem ser consideradas nesta ordem. Realizadas todas as operações entre causas de aumento e diminuição, caberá a suspensão condicional do processo se a pena mínima in abstrato ainda assim for igual ou inferior a um ano.
Suponha-se que o acusado tenha sido denunciado pela prática de tentativa de furto qualificado pela escalada (CP, art. 155, § 4º, inciso II, combinado com artigo 14, inciso II). Neste caso, para que seja analisado o requisito objetivo da suspensão condicional do processo deve-se partir da pena mínima prevista no artigo 155, § 4º do Código Penal, que é de dois anos, reduzindo-lhe conforme o grau máximo determinado no artigo 14, parágrafo único do Código Penal, que é de 2/3, pois, somente assim, chegar-se-á à pena mínima abstratamente cominada, que no caso corresponde a 8 meses, encontrando-se, na hipótese, preenchido o requisito objetivo.
1.5.1.1.2 Do concurso de crimes
Tem-se aqui uma das discussões doutrinárias mais acirradas a respeito da suspensão condicional do processo, que consiste em definir como se apura o requisito objetivo em casos nos quais haja concurso de crimes. Indaga-se se no concurso material as penas dos delitos devem ser somadas e no crime continuado e concurso formal a pena do delito mais grave deve ser acrescida de acordo com o patamar mínimo previsto nos artigos 70 e 71 do Código Penal, ou se cada delito deve ser considerado isoladamente para se aferir o cabimento da suspensão condicional do processo.
Há duas posições sobre o tema. Ada Pelegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes e Luiz Flávio Gomes entendem que, sendo o concurso formal e o crime continuado ficções jurídicas que visam beneficiar o acusado, cada delito deve ser analisado isoladamente quando da aferição do requisito objetivo da suspensão condicional do processo por aplicação analógica ao artigo 119 do CP. Assim, afirmam que se em um conjunto de delitos cada um tiver pena mínima igual ou inferior a um ano, estará preenchido para todos o requisito objetivo. Neste diapasão, os autores concluem que:
O concurso formal e o crime continuado, como vimos, são institutos de política criminal que beneficiam o acusado. Logo, não se leva em conta, em termos abstratos, a causa de aumento de pena deles decorrente. Cada crime é um crime, no que se relaciona com a pena abstrata. No concurso de crimes, por isso mesmo, as penas mínimas abstratas não devem ser somadas para impedir a aplicação da suspensão do processo (GRINOVER; et. al, 2005, p. 278).
Sustentam os autores que as infrações só devem ser analisadas conjuntamente quando da aferição do requisito subjetivo, visando realizar um juízo de prognose para se saber se a suspensão é recomendável ou não. Tal critério é denominado individual-global:
Uma coisa, entretanto, é o preenchimento do requisito objetivo da pena, outra bem diferente é o requisito do mérito, isto é, saber se o agente merece ou não a suspensão do processo. Para isso, na segunda fase de valoração, vem o exame dos chamados requisitos subjetivos (culpabilidade, grau de censura, grau de culpa, intensidade do dolo, antecedentes, personalidade, motivação, conseqüências, reparação, intensidade das lesões, atitudes de arrependimento, preocupação com a diminuição das conseqüências do delito, consideração com a vítima, etc.). No que concerne a esses requisitos subjetivos, de mérito, o critério de valoração é o global, isto é, devemos considerar o conjunto dos crimes (quais conseqüências produziram, houve reparação, as vítimas tiveram consideração, houve arrependimento etc.). Na primeira fase (pena abstrata) o critério é individual; na segunda fase o critério é global. Nisto consiste o que estamos denominando critério bifásico individual-global (GRINOVER; et. al, 2005, p. 277-278).
Também entendendo que as penas dos delitos devem ser analisadas isoladamente, pois esta teria sido a intenção do legislador, manifesta-se Fernando da Costa Tourinho Filho
Na hipótese de concurso material, formal ou mesmo nos casos de continuidade delitivo, a nosso juízo, as penas, no primeiro caso, não devem ser somadas nem deve ser considerado o acréscimo nos dois últimos casos. O legislador, a nosso ver, levou em consideração o tipo de infração penal: aquela cuja pena mínima cominada in abstrato não seja superior a um ano. Essa a mens legis e a mens legislatoris. Considerou-se, apenas e tão-somente, a gravidade da infração. Assim, descabe no peculato, no furto qualificado, no estupro etc., por tratar-se de infrações que revelam maior reprovabilidade. Não assim quando, malgrado a continuidade ou o concurso material ou formal, a sanção imposta ao tipo fundamental, no seu grau mínimo, não supere um ano (2009, p. 211).
Entretanto, prevalece a corrente defendida por Guilherme de Souza Nucci (2009, p. 818) e Vladimir Brega Filho (2006, p. 101-102), segundo a qual no concurso material as penas deverão ser somadas e no crime continuado e concurso formal a pena do crime mais grave deverá ser acrescida do mínimo para se avaliar o preenchimento do requisito objetivo.
Entendemos que razão assiste à segunda corrente, pois conforme anota Vladimir Brega Filho
A idéia da suspensão condicional do processo surgiu como uma “antecipação do sursis”. Assim, a questão da admissibilidade da suspensão condicional do processo no concurso de crimes deve ser analisada sob a ótica do sursis, onde o cabimento ou não do sursis é analisado após a aplicação das regras relativas ao concurso de crimes, ou seja, no sursis o benefício não é analisado para cada crime isoladamente.Salientamos que, se existe alguma analogia a fazer, ela só pode ser feita com o instituto do sursis e não com a regra do art. 119 do CP, que trata da extinção da punibilidade. Muito menos poderá ser aplicado o raciocínio trazido pela Súmula 497 do STJ, que trata da prescrição. Note-se que a analogia permite a aplicação de uma norma a situações semelhantes, e situação semelhante só ocorre em relação ao sursis (2006, p. 101-102).
Este entendimento inclusive foi sumulado pelo STF e pelo STJ. Com efeito, a Súmula 723 do STF trata da suspensão condicional do processo nos crimes continuados tem a seguinte redação: “não se admite a suspensão condicional do processo por crime continuado, se a soma da pena mínima da infração mais grave com o aumento mínimo de um sexto for superior a um ano”.
No mesmo diapasão, relacionando a suspensão condicional do processo ao crime continuado e aos concursos material e formal de crimes, a Súmula 243 do STJ está assim redigida:
O benefício da suspensão do processo não é aplicável em relação às infrações penais cometidas em concurso material, concurso formal ou continuidade delitiva, quando a pena mínima cominada, seja pelo somatório, seja pela incidência da majorante, ultrapassar o limite de um (01) ano.
Portanto, face ao entendimento prevalente, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência, havendo concurso material de crimes, as penas mínimas dos delitos devem ser somadas, e havendo concurso formal ou crime continuado é necessário considerar a pena mínima do delito mais grave, somada pela majorante, para, assim, aferir a presença ou não do requisito objetivo da suspensão condicional do processo.
1.5.1.1.3 Sobre a correta tipificação do delito
Vladimir Brega Filho adverte que é fundamental a correta tipificação do delito, uma vez que inclusão pela acusação erroneamente de uma qualificadora ou causa de aumento de pena, por exemplo, pode fazer com que o requisito objetivo não seja preenchido indevidamente. Deste modo, percebendo o excesso o juiz deve receber a inicial sem ele e, assim, sendo preenchido o requisito objetivo deve instar a acusação a se manifestar sobre o cabimento da suspensão condicional do processo (2006, p. 103).
Caso o representante do Ministério Público permaneça inerte, o magistrado pode aplicar por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal e remeter os autos ao procurador-geral de justiça para que analise a questão e caso entenda pelo cabimento da aplicação da suspensão condicional do processo ou formule a proposta, ou designe outro promotor de justiça para fazê-lo.
Do mesmo modo, percebendo proposta indevida, e tipificação aquém da real o magistrado deve aplicar por analogia o art. 28 do CPP (BREGA FILHO, 2006, p. 103).
1.5.1.2 Subjetivos
1.5.1.2.1 Ausência de condenação anterior pela prática de crime
Como a lei refere-se ao gênero crime, pouco importa se a condenação anterior se deu por crime culposo, doloso, tentado ou consumado (GRINOVER, et. al, 2005, p. 308), basta que tenha sido por crime (BREGA FILHO, 2006, p. 103).
Não tendo a lei definido por quanto tempo a condenação anterior pela prática de crime impede a concessão da suspensão condicional do processo, surgiram dois posicionamentos a respeito do tema. O primeiro deles, já foi utilizado em inúmeros julgamentos pelo Superior Tribunal de Justiça, e considera que, se a lei foi omissa, a condenação anterior pela prática de crime sempre impedirá a suspensão condicional do processo, independentemente do lapso temporal decorrido a partir do cumprimento da pena e prática da nova infração. Trata-se da teoria da perpetuidade. Nesse sentido:
Conforme precedentes deste Tribunal, não faz jus à suspensão condicional do processo, o agente que possui condenação anterior, independente da sua data ultrapassar os cinco anos anteriores ao novo fato. (STJ - RHC 21294 / SC. Relator (a): Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (8145). Data do Julgamento: 13/09/2007. Órgão Julgador: T5 - QUINTA TURMA).
Por seu turno, Luiz Flávio Gomes (1997, p. 292), Fernando da Costa Tourinho Filho (2009, p. 217) e Vladimir Brega Filho (2006, p. 105) adotam a teoria da temporaneidade, dizendo que a condenação anterior só obstará a suspensão condicional do processo durante o período em que for apta a gerar os efeitos da reincidência, por meio da aplicação analógica do art. 64, I do CP. Neste sentido tem se posicionado o STF:
HABEAS CORPUS. CRIME DE ABORTO. SUSPENSÃO CONDICIONAL DO PROCESSO (ART. 89 DA LEI Nº 9.099/95). CONDENAÇÃO ANTERIOR PELO CRIME DE RECEPTAÇÃO. PENA EXTINTA HÁ MAIS DE CINCO ANOS. APLICAÇÃO DO INCISO I DO ART. 64 DO CP À LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS. O silêncio da Lei dos Juizados Especiais, no ponto, não afasta o imperativo da interpretação sistêmica das normas de direito penal. Pelo que a exigência do artigo 89 da Lei nº 9.099/95 -- de inexistência de condenação por outro crime, para fins de obtenção da suspensão condicional do feito -- é de ser conjugada com a norma do inciso I do art. 64 do CP. Norma que 'apaga' a 'pecha' de uma anterior condenação criminal, partindo da presunção constitucional da regenerabilidade de todo indivíduo. (HC 88157 / SP - SÃO PAULO. Relator(a): Min. CARLOS BRITTO. Julgamento: 28/11/2006. Órgão Julgador: Primeira Turma).
Esse posicionamento é o correto, pois as condenações penais não podem assumir caráter perpétuo, ainda que com relação a seus efeitos reflexos.
Como a lei refere-se tão-somente à condenação anterior pela prática de crime, por óbvio a condenação por contravenção penal não obsta a suspensão condicional do processo (BREGA FILHO, 2006, p. 103; TOURINHO FILHO, 2009, p. 217), já que se trata de delito menos grave e não se pode em matéria penal ser utilizada analogia in mallan partem.
Por fim, considerando que o direito é um sistema e que a suspensão condicional do processo visa antecipar o sursis a condenação anterior pela prática de crime à pena de multa, unicamente, não impede a suspensão condicional do processo, em decorrência da aplicação analógica do artigo 77, § 1º do CP (BREGA FILHO, 2006, p. 103; GRINOVER, et. al, 2005, p. 309; TOURINHO FILHO, 2009, p. 218).
1.5.1.2.2 Não estar sendo processado pela prática de crime
Há dois posicionamentos com relação ao requisito. Parte da doutrina o afirma inconstitucional, aduzindo que ofende o princípio da presunção de inocência, nos seguintes termos:
Estando o processo em curso o acusado é reputado inocente. Logo, não pode o legislador tratá-lo como se condenado fosse. A regra de tratamento derivada da presunção de inocência impede que o “acusado” seja tratado como “condenado”. A existência de outro processo em curso, destarte, impõe ao juiz um exame mais aprofundado das chamadas condições judiciais (culpabilidade, conduta social, personalidade, motivos etc.), mas por si só não pode ser obstáculo à suspensão do processo. Em virtude de um juízo negativo (fundamentado) das condições judiciais, torna-se possível o indeferimento da mencionada via alternativa. Tal não poderá ocorrer, no entanto, com a invocação pura e simples da existência de processo em curso. As normas constitucionais ocupam hierarquia superior e não são meras peças de decoração (GRINOVER, et. al, 2006, p. 306)
Fernando da Costa Tourinho Filho defende o mesmo posicionamento (2009, p. 216).
Por seu turno, há quem entenda que o requisito não ofende a Constituição, uma vez que em regra a ação penal pública é obrigatória, sendo a sua mitigação uma exceção. Portanto, é lícito ao legislador estabelecer critérios desta ordem para a concessão do benefício. Demais disso, o acusado terá toda a oportunidade de se defender e comprovar a sua inocência em ambos os processos, assim, não se afasta a presunção de que ele é inocente, apenas se impede de que receba um benefício.
Nesse sentido, Vladimir Brega Filho escreve que
A não admissão da suspensão em nenhum momento significa a condenação do réu, quer no primeiro, quer no processo que não foi suspenso. Em ambos, o réu poderá se defender e buscar a absolvição. Acrescentamos que a regra é a obrigatoriedade da ação penal, sendo a suspensão a exceção. Em razão disso, o legislador foi rigoroso e entendeu que a existência do processo é suficiente para impedir o benefício e nenhuma inconstitucionalidade há nisso. Se em outros institutos a lei exige a condenação transitada em julgado, isso não significa que em todos os casos deve-se proceder dessa maneira (2006, p. 106).
Cezar Roberto Bitencourt sustenta posicionamento idêntico, afirmando que:
Para conceder vantagens dessa magnitude é compreensível que a ordem jurídica faça determinadas exigências, como forma de assegurar o acerto do beneplácito. E, ademais, o acusado que praticar condutas definidas como crime é natural que seja processado, essa é a ordem natural das coisas, essa é a regra. A suspensão condicional do processo é exceção. Essa hipótese é excepcional e como tal pode exigir a presença dos requisitos que a lei fixar (2010, p. 711).
O Supremo Tribunal Federal tem se manifestado reiteradamente reconhecendo a constitucionalidade do requisito em comento:
Considerando o entendimento firmado pelo Tribunal no julgamento do RHC 79.460-SP (DJU de 18.5.2001), no sentido de que o art. 89 da Lei 9.099/95, na parte em que veda a aplicação do benefício da suspensão condicional do processo a acusado que esteja sendo processado, não viola o princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, a Turma manteve acórdão do Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo que negara a acusado o direito à concessão do sursis processual, por já se encontrar respondendo outra ação penal. (RE 299.781-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 4.9.2001).
Tal posicionamento afigura-se como o mais acertado, pois, conforme já destacado, em regra, a ação penal é pública e vigora o princípio da obrigatoriedade, de maneira que, sendo a suspensão condicional do processo um benefício, cabe ao legislador criar critérios para que seja admissível ou não. Demais disso, não sendo possível a aplicação do instituto pelo fato do réu estar sendo processado em outra ação penal, não se afasta a presunção de que ele é inocente, de maneira que terá a oportunidade de se defender em ambos os processos, cabendo a acusação demonstrar que deve ser responsabilidade pelas infrações penais.
É imprescindível destacar que o recebimento da denúncia ou da queixa é o ato do juiz que dá início ao processo, portanto, somente a partir deste momento o denunciado ou querelado por ser tratado como acusado e se pode dizer que eles está sendo processado.
1.5.2 Gerais
Os requisitos denominados pela doutrina como gerais (BREGA FILHO, 2006, p. 108; BITENCOURT, 2010, p. 714), são comuns ao sursis e vêm previstos no art. 77 do Código Penal.
Entre os requisitos do sursis, encontra-se a natureza e quantidade da pena (pena privativa de liberdade, não superior a dois anos), bem com a exigência de que o condenado não seja reincidente em crime doloso.
Quanto à natureza da pena, há coincidência entre o requisito previsto para o estabelecimento do sursis e da suspensão condicional do processo, na medida em que ambos os institutos deve-se tratar de pena privativa de liberdade, no entanto, no que tange à quantidade da pena a suspensão condicional do processo possui dispositivo próprio, de maneira que não se aplica “o limite previsto para o sursis” (BREGA FILHO, 2006, p. 108).
Quanto à não reincidência em crime doloso, é necessário frisar que a suspensão condicional do processo possui requisitos mais rigorosos, na medida em que havendo condenação anterior apta a gerar reincidência, quer se trate de crime doloso ou culposo, não será possível a aplicação do instituto. Demais disso, o simples fato do réu estar sendo processado em outra ação penal pela prática de crime, por si só, já impede a aplicação do instituto.
Também é requisito do sursis a impossibilidade de aplicação de penas restritiva de direitos. Entretanto, Vladimir Brega Filho adverte que esse requisito não se aplica à suspensão condicional do processo, “pois com a suspensão não há aplicação de pena alguma. Nessa fase, nem sequer se cogita da aplicação de pena e muito menos de substituição” (2006, p. 108).
Por fim, é requisito do sursis que “a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício” (art. 77, II do CP). Esse é o “único dos requisitos exigíveis para a suspensão condicional da pena que tem absoluta aplicação à suspensão do processo” (BITENCOURT, 2010, p. 715).
Por meio das circunstâncias mencionadas pelo inciso II do art. 77 do Código Penal realiza-se fazem um juízo de prognose, visando aferir se a suspensão condicional do processo é recomendável e suficiente para que o agente não mais volte a delinqüir (BREGA FILHO, 2006, p. 109).
1.6 Período de prova
Lapso temporal em que o processo ficará suspenso e durante o qual o beneficiado deverá cumprir as condições que lhe foram impostas (BITENCOURT, 2010, p. 720).
Em regra, o período de prova poderá ter duração entre dois a quatro anos, conforme determina o art. 89 da Lei 9.099/95, sendo estabelecido de forma consensual entre a acusação e a defesa, dentro do referido patamar (GRINOVER, et. al, 2005, p. 344).
No entanto, ainda que a lei seja taxativa com relação ao prazo mínimo e máximo do período de prova, considerando que as contravenções penais são delitos menos graves, caso venha a ser suspenso processo pela prática de contravenção, deve-se aplicar o prazo de um a três, por analogia a regra do sursis.
Vladimir Brega Filho manifesta-se nesse sentido, defendendo que “esse entendimento observa o princípio da proporcionalidade e evita injustiças” (2006, p. 121).
1. 7. Condições
1.7.1 Obrigatórias
As condições obrigatórias são aquelas que o próprio artigo 89 da Lei 9.099/95 estabelece, razão pela qual também são denominadas condições legais.
1.7.1.1 Reparação do dano, salvo impossibilidade
O legislador demonstrou com a Lei 9.099/95 grande preocupação com a reparação dos danos causados pela infração penal, de maneira que houve uma verdadeira redescoberta da vítima pelo Direito Penal. Assim, Vladimir Brega Filho afirma que
A Lei 9.099/95, com relação aos crimes de pequena e média gravidade, introduziu no Brasil chamado modelo consensual de Justiça Criminal. Nele não se busca exclusivamente a punição do infrator, mas sim a indenização dos danos e prejuízos causados pelo delito. Prioriza-se, portanto, a reparação do dano (2006, p. 116).
Desta forma, em regra, o beneficiado será obrigado a reparar o dano, razão pela qual, caso não tenha a possibilidade de repará-lo, deverá demonstrar a impossibilidade de forma convincente.
Frise-se que a reparação somente será aferida ao final do período de prova, sendo essencial para a extinção de punibilidade.
1.7.1.2 Proibição de freqüentar determinados lugares
Tal qual no sursis busca-se evitar que o beneficiado freqüente locais que podem influenciá-lo negativamente, ou seja, favorecer a que volte a delinqüir. Os locais deverão ser discriminados corretamente na proposta feita pelo Ministério Público, não se permitindo a sua fixação genérica (BREGA FILHO, 2006, p. 117).
1.7.1.3 Proibição de se ausentar da comarca onde reside, sem autorização do juiz
Condição bastante drástica em uma sociedade onde é comum as pessoas trabalharem em locais distintos dos de sua residência, ainda mais se pensarmos nas grandes metrópoles onde sequer há como saber onde começa uma Comarca e termina a outra (BITENCOURT, 2010, p. 718).
Portanto, a fim de que não se lese o direito constitucional ao trabalho, por exemplo, a regra pode ser mitigada através da aplicação analógica do artigo 328 do CPP, para que a autorização seja necessária somente quando a ausência for superior a oito dias (BREGA FILHO, 2006, p. 118).
1.7.1.4 Comparecimento pessoal e obrigatório a juízo, mensalmente, para informa e justificar suas atividades
Objetiva-se que o juiz possa ter um contato maior com o beneficiado e que a fiscalização, quase inexistente, seja mais próxima (BREGA FILHO, 2006, p. 119).
Como para a celebração da suspensão condicional do processo utiliza-se do consensualismo entre acusação e defesa, as condições podem ser mitigadas desde que haja fundada necessidade, entretanto, não podem deixar de ser aplicadas, face da obrigatoriedade.
1.7.2 Facultativas
Também denominadas judiciais, encontram-se previstas no art. 89, § 2º, Lei 9.099/95 e são, de acordo com parte da doutrina, uma faculdade dada ao julgador de fixar outras condições desde que adequadas ao fato e ao agente (BITENCOURT, 2010, p. 719; BREGA FILHO, 2006, p. 119).
Entretanto, Valter Foleto Santin afirma que apesar do § 2° do art. 89 da Lei 9.099/95 causar a impressão de que ao juiz incumbe o estabelecimento das condições judiciais, a proposta de suspensão condicional do processo e a fixação de suas condições, quer judiciais, quer legais, são atos privativos do representante de Ministério Público, tendo o juiz a única função de homologar ou não a proposta, em caso de aceitação pelo acusado (2010, p. 6-7).
De qualquer forma, é preciso ter muito cuidado para fixar ditas condições, não se pode fixar condições degradantes, tampouco condições que o acusado visivelmente não terá como cumprir, já que a revogação do benefício não pode ser objetivada.
1.8 Procedimento
1.8.1 Da proposta
Damásio Evangelista de Jesus (1996, p. 112) e Fernando da Costa Tourinho Filho (2009, p. 232) entendem que a suspensão condicional do processo é um direito subjetivo daquele que preenche os requisitos para sua aplicação, de maneira que afirmam que o juiz pode propor de ofício a aplicação do instituto, toda vez que o representante do Ministério Público inadvertidamente deixar de fazê-lo.
Em sentido oposto, manifestam-se Ada Pelegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho, Antônio Scarance Fernandes, Luiz Flávio Gomes (2005, p. 315) e Vladimir Brega Filho (2006, p. 123), aduzindo que o Ministério Público é o único titular da ação penal pública e que, portanto, só cabe ao representante do parquet dispor de tal ação. Demais disso, a Constituição separa nitidamente a função de julgar e a titularidade da ação penal.
Deste modo, “caso o promotor de Justiça se recuse a apresentar a proposta, poderá o juiz enviar os autos ao procurador-geral de Justiça, que, por analogia ao artigo 28 do CPP, decidirá pela recusa ou não da proposta” (BREGA FILHO, 2006, p. 123).
Esse é o entendimento constante da Súmula n° 696[2] do STF.
1.8.2 Momento da proposta
Em regra, na ação penal pública o representante do Ministério Público deve realizar a proposta já quando do oferecimento da denúncia.
Em determinadas hipóteses, entretanto, como, por exemplo, nos casos da emendatio libelli e da mutatio libelli, a proposta poderá ser realizada até mesmo após o fim da instrução, ou em grau de recurso, desde que não tenha havido o trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
1.8.3 Aceitação da proposta
Conforme observa Vladimir Brega Filho, a aceitação da proposta trata-se de ato personalíssimo do réu, o qual deverá estar acompanhado em audiência de advogado, sob pena de nulidade relativa. Caso o acusado aceite a proposta e o seu defensor não, prevalece a vontade do primeiro (art. 89, § 2º, c. c. o § 7º) (2006, p. 129-130).
Diante do caráter personalíssimo da aceitação da suspensão condicional do processo, não pode o réu aceita-la através de representante, tampouco será possível a proposta em caso de revelia.
1.9 Causas de revogação da suspensão condicional do processo
1.9.1 Obrigatórias (Artigo 89, § 3º da Lei 9.099/95)
A suspensão será revogada quando o beneficiado vier a ser processado no curso do período de prova pela prática de crime, quer tenha sido este cometido anterior ou posteriormente à aceitação da proposta pelo réu.
Há na doutrina aqueles que sustentam que esta causa de revogação é inconstitucional por ofensa ao princípio da presunção da inocência (GRINOVER, et. al, 2005, p. 359), entretanto, não há que se falar em ofensa à Constituição Federal, uma vez que o acusado poderá provar a sua inocência tanto no novo processo, quanto naquele em que o benefício fora revogado (BREGA FILHO, 2006, p. 132).
É necessário destacar que só se pode falar que alguém está sendo processado a partir do momento em que há recebimento de denúncia ou queixa, deste modo, tão-somente o oferecimento da inicial acusatória não é o bastante para revogar a suspensão condicional do processo.
Além disso, a suspensão também será revogada caso o beneficiado não repare o dano, podendo fazê-lo. Assim, não reparado o dano ao fim do período de prova o benefício deverá ser revogado, a menos que comprovada pelo réu de forma inequívoca a impossibilidade de fazê-lo.
1.9.2 Facultativas (Artigo 89, § 4º da Lei 9.099/95)
A suspensão poderá ser revogada se o beneficiado vier a ser processado durante o período de prova pela prática de contravenção penal, ou descumprir as condições previstas no artigo 89, § 1º, incisos II a IV da Lei 9.099/95, bem como eventuais condições judiciais que forem fixadas (art. 89, § 2º, do referido diploma legal).
1.10 Momento da revogação
Diante do disposto no § 5º do artigo 89 da Lei 9.099/95, há quem sustente que a extinção de punibilidade é automática ao fim do período de prova, findo o qual não poderá mais ser a suspensão condicional do processo revogada.
Entretanto, o entendimento prevalente é no sentido de que a revogação pode ser posterior ao fim do período de prova, desde que o motivo tenha sido causado antes do seu final e não haja ainda decisão extintiva de punibilidade. Neste sentido, decidiu recentemente o Supremo Tribunal de Justiça:
O benefício da suspensão condicional do processo, previsto no art. 89 da Lei 9.099/95, pode ser revogado após o período de prova, desde que os fatos que ensejaram a revogação tenham ocorrido antes do término deste período. Com base nesse entendimento, a Turma indeferiu habeas corpus em que denunciado pela prática do crime de estelionato (CP, art. 171, caput) sustentava que a revogação da suspensão condicional do processo, depois de findo o período de prova, não poderia subsistir. Assentou-se que, na espécie, o paciente não cumprira duas das condições impostas por ocasião da suspensão do seu processo, quais sejam: a) a reparação do dano causado à vítima e b) o pagamento de cesta básica. (HC 97527/MG, rel. Min. Ellen Gracie, 16.6.2009).
Esse posicionamento é o mais correto, na medida em que leva em consideração o momento em que ocorreu o descumprimento das condições impostas.
1.11 Extinção de punibilidade
Operada e declarada a extinção de punibilidade, com fundamento no artigo 89, § 5º não restará qualquer efeito da suspensão, que não deverá constar da F. A. do beneficiado, tampouco poderá ser utilizada quando da análise de seus antecedentes criminais.
1.12 Suspensão da prescrição
Uma vez suspensa a ação penal, suspende-se também a prescrição da infração (art. 89, § 6º da Lei 9.099/95).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral I. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
BREGA FILHO, Vladimir. Suspensão condicional da pena e suspensão condicional do processo: eficácia de cada um dos institutos. Leme: JHMizuno, 2006.
GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo penal e a representação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modelo consensual de justiça criminal. 2ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997.
GRINOVER, Ada Pelegrini; et. al. Juizados especiais criminais: comentários à lei 9.099 de 26.09.1995. 5ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005.
JESUS, Damásio Evangelista. Lei dos juizados especiais criminais anotada. 3ª ed. São Paulo: Saraiva, 1996.
SANTIN, Valter Foleto. Terapia do acusado de porte de entorpecente como condição da suspensão condicional do processo. Justitia, São Paulo, 2010. Disponível em http://www.justitia.com.br/links/artigos2.php. Acesso em 08 nov. 2010.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Comentários à lei dos juizados especiais criminais. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
[1] Neste sentido temos a Súmula nº 231 do STJ: “a incidência da circunstância atenuante na pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.
[2] “Reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do processo, mas se recusando o Promotor de Justiça a propô-la, o Juiz, dissentindo, remeterá a questão ao Procurador-Geral, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal”.
Acadêmico de Direito da Fundinop - UENP/ Jacarezinho - PR e Estagiário do Ministério Público do Estado de São Paulo
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Michel Bertoni. Suspensão condicional do processo - aspectos gerais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 dez 2010, 07:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/22310/suspensao-condicional-do-processo-aspectos-gerais. Acesso em: 26 nov 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
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