RESUMO
Vemos grandes discussões acerca da contratação de serviços advocatícios diretamente pela administração pública, com várias opiniões divergentes. A licitação para serviços advocatícios é inexigível, desde que respeitados os requisitos legais para tanto. Contratações exorbitantes e favoritismos pessoais ocorrem, e devem ser devidamente combatidos. Por conta destes abusos, entes de menor envergadura da administração pública enfrentam dificuldades em demonstrar os requisitos legais para contratação direta. Ocorre que é preciso uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico, com fulcro no princípio da simetria entre os entes da administração, considerando o tratamento dado à advocacia pública, para que se chegue a um resultado de direito. Esta questão será discutida no presente trabalho.
PALAVRAS-CHAVES: Licitação. Inexigibilidade. Serviços Advocatícios. Constituição Federal. Simetria. Advocacia Pública. Interpretação sistemática.
DO ADVOGADO
A palavra advogado vem do latim advocatu, de ad, para junto, e vocatus, chamado, invocado, ou seja, aquele que é chamado para ajudar[1]. A advocacia é uma profissão bastante peculiar. Quem contrata um advogado não considera apenas o valor cobrado pelo causídico. Fatores outros contribuem para a escolha de um advogado. Afinal, necessita-se de uma relação de confiança entre advogado cliente, a fim de se garantir ao advogado a possibilidade de melhor representar seu cliente, seja no pólo ativo, seja no pólo passivo de alguma demanda judicial ou administrativa.
Assim é, que a legislação protege a relação cliente-advogado, ao considerar crime a conduta de violação de segredo profissional na tipificação constante do art. 154 do Código Penal.
Função essencial à justiça, erigido como preceito constitucional, o serviço advocatício vem sendo considerado imprescindível para a concretização de um estado de direito e para a efetivação dos direitos dos cidadãos.[2]
A CONSTITUIÇÃO E A ADVOCACIA PÚBLICA
A Constituição Federal disciplinou a advocacia pública, como função essencial à justiça, na seção II, do capítulo IV do título IV.
No que se refere à representação judicial da União, o art. 131 dispõe que será realizada pela Advocacia Geral de União, cujo chefe será o Advogado Geral da União, cargo de livre nomeação e exoneração pelo Presidente da República, que dispensa qualquer aprovação do legislativo.
No âmbito dos Estados e Distrito Federal, a representação judicial, nos termos do art. 132 da Carta Magna, ficará a cargo da Procuradoria Geral do Estado ou Distrito Federal. Apesar de a Constituição ser silente sobre a forma de nomeação do chefe das Procuradorias, o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento, a partir do julgamento da ADI 2682, de que cabe às Constituições Estaduais disciplinarem sua forma de nomeação. Assim, as Constituições Estaduais podem dispor se o Procurador Geral será escolhido, pelo chefe do executivo, dentre integrantes de carreira de Procuradores, que obrigatoriamente devem ser concursados, ou se pode ser escolhido livremente pelo respectivo Governador.
No caso dos Municípios, a Constituição deixou aberta a possibilidade de criação ou não de Procuradorias Municipais. E assim deve ser, pois em um país de proporções continentais, atualmente com 5565 municípios, há inúmeras diferenças entre os referidos entes. Existem Municípios em que a demanda por serviços jurídicos é ampla, e dessa forma, a moralidade administrativa e o respeito à coisa pública reclamam a criação de uma Procuradoria Municipal. Porém, casos há de Municípios em que a necessidade de serviços jurídicos é pequena, o que torna inviável a criação de uma Procuradoria.
Interessante transcrever breve trecho do voto do relator da ADI 2682, o Ministro Gilmar Mendes, em que cita passagem do Min. Ilmar Galvão sobre a questão susa, explicitando haver na questão a incidência do princípio da simetria:
De fato, da leitura do art. 131, caput, § 3º da Constituição, verifica-se que as procuradorias estaduais possuem um papel constitucional análogo ao exercido no plano federal pela advocacia geral da união no auxílio do chefe do poder executivo. Para a nomeação do advogado geral, nos termos da Constituição, o Presidente da República possui ampla discricionariedade desde que observados os requisitos de idade, reputação ilibada e notório saber jurídico do nomeado. Revela-se assim a margem da livre apreciação do chefe do executivo para a escolha daquele que será seu auxiliar imediato.
Não vejo razão para que se construa um modelo diferente no âmbito dos estados, sob pena de uma injustificável limitação à liberdade de escolha do governador. Eventuais reservas corporativas estão consignadas expressamente no texto constitucional, tal como ocorre na nomeação do procurador geral da República, cuja posição institucional obviamente não se confunde com a de advogado geral da união, sobretudo no que toca à subordinação hierárquica ao Presidente da República, que só existe para aquele.
Dessa forma, do mesmo modo que as Constituições Estaduais podem prever a livre nomeação e exoneração para o cargo de Procurador Geral pelo chefe do executivo, as Leis Orgânicas dos Municípios, daqueles que disponham de uma Procuradoria, podem prever a livre nomeação e exoneração para o cargo de Procurador Geral do Município pelo respectivo Prefeito. O fundamento de tal entendimento é o princípio da simetria.
DO DEVER DE LICITAR
A Constituição Federal determina a obrigatoriedade de licitação para a contratação em geral, nos termos de seu art. 37, XXI. A licitação, como procedimento precedente para a vinculação contratual administrativa, é a regra geral, cabendo a legislação ordinária determinar os casos excepcionais em que se afasta o seu uso.
De suma importância o procedimento licitatório, mormente em um novo paradigma constitucional em que a moralidade está alçada a norma de diretriz obrigatória para toda a administração (art. 37, caput da CF). A conservação da res publica, exige o procedimento licitatório, firmado nos princípios da igualdade e da seleção da proposta mais vantajosa para a administração.
EXCEÇÕES AO DEVER DE LICITAR: DISPENSA E INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO
A Lei 8.666/93, o estatuto geral de licitações, traz casos em que o uso do certame licitatório é afastado. O art. 24 da lei mencionada enumera casos em que a licitação é dispensável, ao passo que o art. 25 traz casos de inexigibilidade do certame licitatório.
Diz-se que a licitação é dispensável quando não é efetuada em razão de escolha administrativa. Nos casos de dispensa de licitação ela poderia, plenamente, ser realizada, porém, o legislador em nome de outros interesses públicos optou por não exigir sua realização. Dessa forma, as situações enumeradas no art. 24 são taxativas, não se permitindo interpretação extensiva.
Em que pese o legislador poder elencar situações de dispensa de licitação no art. 24 da Lei de Licitações, ele deve pautar-se em critérios razoáveis e extremamente necessários. No cotejo de interesses, deve-se prevalecer o princípio constitucional que prevê como regra o instituto da licitação. Não há discricionariedade ampla do legislador ao adicionar ou modificar incisos no referido artigo. Em casos de abuso do legislador infraconstitucional indubitável a inconstitucionalidade em virtude da pretensão de burla à Constituição.
Já a licitação inexigível é aquela em que não há viabilidade de sua realização por falta de competitividade, seja pela singularidade do objeto ou do ofertante. Nesses termos, a relação trazida à baila no art. 25 é meramente exemplificativa, ou seja, pode haver situações outras em que a competição é inexigível, o que enseja a incidência da referida exceção do dever de licitar. Em outras palavras, a expressão “em especial” disposta no final do caput do art. 25 reforça a natureza do instituto, de que as hipóteses elencadas em seus três incisos estão em numerus apertus.
SERVIÇOS DE ADVOCACIA E INEXIGIBILIDADE DE LICITAÇÃO
A contratação de serviços advocatícios por terceiros deve ser observado em cada caso particular, com as especificidades de cada situação em concreto. Não se pode chegar a uma conclusão peremptória. No mais, importante relembrar dos princípios basilares caracterizadores do regime jurídico administrativo: a supremacia do interesse público sobre o particular e a indisponibilidade do interesse público.
Sob um certo ângulo, a decisão de terceirização reflete uma avaliação fundada em critérios de economicidade. A manutenção de quadro permanente de advogados pode gerar custos muito mais elevados do que a contratação de escritórios externos.
Por outro lado, pode haver situações que exijam profissionais altamente qualificados, que não se disponham a se vincular de modo permanente e contínuo a uma entidade administrativa.
Enfim, não cabe reprovar de modo generalizado e indistinto a decisão administrativa de promover a terceirização dos serviços advocatícios.[3]
O art. 25 da lei 8.666/93 traz em seu inciso II, como umas das causas exemplificativas de inexigibilidade, a contratação de serviços técnicos enumerados no art. 13 da referida lei, desde que possua natureza singular, prestado por profissionais ou empresas de notória especialização.
Nesses termos, o art. 13, V considera como serviços técnicos profissionais especializados o patrocínio ou defesa de causas judiciais ou administrativas, desde que de natureza singular, com profissionais ou empresas de notória especialização
Da análise dos dispositivos susos, têm-se como requisitos para a inexigibilidade de licitação para contratação de serviços advocatícios: a natureza singular e a notória especialização do executor.
O § 1º do art. 25 dá-nos a definição de notória especialização, nos seguintes termos:
Considera-se de notória especialização o profissional ou empresa cujo conceito no campo de sua especialidade, decorrente de desempenho anterior, estudos, experiências, publicações, organização, aparelhamento, equipe técnica, ou de outros requisitos relacionados com suas atividades, permita inferir que o seu trabalho é essencial e indiscutivelmente o mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato.
O eminente Celso Antônio, reconhecendo o caráter subjetivo para a contratação direta por inexigibilidade de licitação, aclara-nos com seu brilhantismo peculiar:
É natural, pois, que, em situações deste gênero, a eleição do eventual contratado – a ser obrigatoriamente escolhido entre os sujeitos de reconhecida competência na matéria, recaia em profissional ou empresa cujos desempenhos despertem no contratante a convicção de que, para o caso, serão presumivelmente mais indicados do que os de outros, despertando-lhe a confiança de que produzirá a atividade mais adequada para o caso.
Há, pois, nisto, também um componente subjetivo ineliminável por parte de quem contrata.[4]
Para os serviços advocatícios os requisitos de notória especialização e singularidade se jungem na ideia de confiança necessária ao serviço advocatício. Assim, há uma análise discricionária por parte do administrador quando da escolha do executor dos serviços advocatícios.
Licitação. Inexigibilidade para contratação de advogado. Inexistência de infração. Lei 8.666, de 21.06.1993, que regulamenta o artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da administração pública. Inexigibilidade de licitação para contratação de advogado, para prestação de serviços “patrocínio ou defesa” de causas judiciais ou administrativas. Condição de comprovação hábil, em face da natureza singular dos serviços técnicos necessitados, de tratar-se de profissionais ou empresas de notória especialização. Critério aceitável pela evidente inviabilidade de competição licitatória. Pressuposto da existência de necessária moralidade do agente público no ato discricionário regular na aferição de justa notoriedade do concorrente. Inexistência, na mencionada lei, de criação de hierarquia qualitativa dentro da categoria dos advogados. Inexistência de infringencia ética na fórmula legal licitatória de contratação de advogados pela administração pública. Precedente no Processo E-1.062 (OAB – Tribunal de Ética. Processo E-1.355, rel. Dr. Elias Farah)
No mais, a natureza do serviço advocatício é alheia a qualquer forma de competição objetiva. Em artigo apurado sobre o tema, Alice Maria Gonzalez Borges[5] diz existir um “antagonismo entre a Lei. 8.666/93 e o Estatuto da OAB e seu Código de Ética”, e explica que “o exercício ético da advocacia não se compadece com a competição entre seus profissionais, nos moldes das normas de licitação, cuja própria essência reside justamente na competição”:
Se o Estatuto da OAB e o Código de Ética vedam a captação de clientela, os procedimentos de mercantilização da profissão e o aviltamento de valores dos honorários advocatícios (arts. 39 e 41 do Código de Ética), como conciliar tais princípios com a participação de advogados, concorrendo com outros advogados em uma licitação de menor preço, nos moldes dos arts. 45, I e §2º da Lei 8.666/93?
Também resulta inviável, pelos mesmos princípios, a participação de escritórios de advocacia em licitações do tipo melhor técnica, a qual, nos termos do art. 46, § 1º, descamba, afinal, para o cotejamento de preços. Obviamente, também a licitação de técnica e preço do art. 46, §2º, que combina aqueles dois requisitos.
Veja-se julgado do STF:
Trata-se de contratação de serviços de advogado, definidos pela lei como ‘serviços técnicos profissionais especializados’, isto é, serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contrato. É isso, exatamente isso, o que diz o direito positivo.
Vale dizer: nesses casos, o requisito da confiança da Administração em que deseja contratar é subjetivo; logo, a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços – procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do ‘trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato (cf. o parágrafo 1º do art. 25 da Lei n. 8.666/93). Ademais, a licitação desatenderia ao interesse público na medida em que sujeitaria a Administração a contratar com que, embora vencedor da licitação, segundo a ponderação de critérios objetivos, dela não merecesse o mais elevado grau de confiança (Voto do Min. Eros Grau, no RE n. 466.705, 1ª T., rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 28.04.2006)
Superada a questão subjetiva, relacionada à escolha dos prestadores dos serviços advocatícios, tendo por certo que é uma indicação discricionária, pautada na confiança entre os sujeitos, resta analisarmos quais tipos de serviços que podem ser prestados.
É corrente na doutrina e na jurisprudência a exigência de que o serviço a ser prestado pelo advogado seja bastante singular, que requisite um esforço e conhecimento singulares pelo prestador. Não se tem admitido a contratação direta de advogado para a propositura de ações simples, v.g., a propositura de execuções fiscais.
Dito entendimento é plausível e aceitável, na medida em que o ente que almeje contratar serviços advocatícios sem licitação possua um corpo jurídico próprio. Nesses casos, a contratação terceirizada de advogado somente é aceitável em casos excepcionais, em que a figura do advogado seja o diferencial para a concretização dos escopos da Administração. Não sendo legitima a inexigibilidade para a contratação de serviços rotineiros.
Para caracterização de situação de inexigibilidade de licitação, na contratação de serviços advocatícios, é necessária a comprovação de singularidade do serviço a ser prestado, além da notória especialização, devendo-se demonstrar cabalmente a inviabilidade de competição. Quando os serviços advocatícios contratados se referem a atividades rotineiras de assessoria jurídica, tem-se por afastado o requisito da singularidade necessário para caracterizar a inviabilidade de competição. [...] (TCU. Acórdão n. 2.012/2007, Plenário, rel. Min. Augusto Sherman Cavalcanti)
Desse modo, nada obstante União, Estados e Distrito Federal terem suas entidades de representação judicial, há situações em que o Poder Público poderá contratar serviços advocatícios alheios à estrutura de seu corpo jurídico. Tal possibilidade se mostra viável, repita-se, frente a particularidades de situações que requeiram um tratamento diferenciado, seja uma causa de grande complexidade ou interesse para o ente, seja quando o advogado é diferencial para os escopos almejados.
Podemos citar como exemplo a possibilidade de contratação de advogado de renome para a defesa de causa complexa, ou elaboração de parecer que servirá de subsidio para os procuradores do ente; a defesa do chefe do executivo em processo onde se apura a prática de crime de responsabilidade ou improbidade administrativa; a contratação de advogado especializado em área em que os procuradores não possuem um conhecimento suficiente para querela específica.
Ao conferir aos procuradores dos Estados e do Distrito Federal a sua representação judicial, o art. 132 da Constituição veicula norma de organização administrativa, sem tolher a capacidade de tais entidades federativas para conferi mandato ad judicia a outros advogados para causas especiais. (STF, Per. 409-AgRg, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 29-6-1990, grifo nosso)
No mais, a contratação por inexigibilidade encontra guarida no entendimento do Pretório Excelso:
Ação penal pública. Contratação emergencial de advogados face ao caos administrativo herdado da administração municipal sucedida. Licitação. Art. 37, XXI, da Constituição do Brasil. Dispensa de licitação não configurada. Inexigibilidade de licitação caracterizada pela notória especialização dos profissionais contratados, comprovada nos autos, aliada à confiança da Administração por eles desfrutada. Previsão legal. A hipótese dos autos não é de dispensa de licitação, eis que não caracterizado o requisito da emergência. Caracterização de situação na qual há inviabilidade de competição e, logo, inexigibilidade de licitação. ‘Serviços técnicos profissionais especializados’ são serviços que a Administração deve contratar sem licitação, escolhendo o contratado de acordo, em última instância, com o grau de confiança que ela própria, Administração, deposite na especialização desse contratado. Nesses casos, o requisito da confiança da Administração em quem deseje contratar é subjetivo. Daí que a realização de procedimento licitatório para a contratação de tais serviços – procedimento regido, entre outros, pelo princípio do julgamento objetivo – é incompatível com a atribuição de exercício de subjetividade que o direito positivo confere à Administração para a escolha do ‘trabalho essencial e indiscutivelmente mais adequado à plena satisfação do objeto do contrato’ (cf. o § 1º do art. 25 da Lei 8.666/1993). O que a norma extraída do texto legal exige é a notória especialização, associada ao elemento subjetivo confiança. Há, no caso concreto, requisitos suficientes para o seu enquadramento em situação na qual não incide o dever de licitar, ou seja, de inexigibilidade de licitação: os profissionais contratados possuem notória especialização, comprovada nos autos, além de desfrutarem da confiança da Administração. Ação Penal que se julga improcedente." (AP 348, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-12-2006, Plenário, DJ de 3-8-2007.)
O Tribunal de Contas da União sumulou interpretação legal sobre a inexigibilidade de licitação, com o fito de evitar confusões hermenêuticas, no enunciado n. 252/2010 do seguinte teor:
A inviabilidade de competição para a contratação de serviços técnicos, a que alude o inciso II do art. 25 da Lei nº 8.666/1993, decorre da presença simultânea de três requisitos: serviço técnico especializado, entre os mencionados no art. 13 da referida lei, natureza singular do serviço e notória especialização do contratado.
Não obstante, pretendemos alargar a possibilidade de contratação direta, e desse modo, minorar os requisitos para a inexigibilidade, quando o ente, em casos de municípios e figuras da administração indireta, não possua um corpo jurídico próprio. Dessa maneira, os entes que não possuam uma Procuradoria Jurídica própria podem contratar serviços advocatícios por inexigibilidade de licitação, inclusive para a realização de serviços rotineiros.
Tal entendimento exsurge da própria lógica do sistema constitucional. Temos como corolário do postulado da unidade do ordenamento jurídico, juntamente com a supremacia dos preceitos constitucionais, a necessidade de uma interpretação da legislação infraconstitucional, à luz das normas constitucionais, que garanta a unidade da vontade constituinte originária.
No que toca aos Municípios que não possuem uma Procuradoria, a contratação direta de advogado é perfeitamente realizável, tendo em vista a necessidade de tratamento uniforme aos entes federados (princípio da simetria) e da singularidade dos serviços advocatícios. Se em município que possua Procuradoria pode-se ter como Procurador-Chefe alguém de confiança do Prefeito, afora a possibilidade de contratação direta em situações peculiares, é plenamente racional e justificável que nos municípios onde não haja Procuradoria Jurídica, seja permitida a contratação direta de serviços advocatícios por causídico de confiança do Prefeito Municipal.
Aos entes da administração indireta o raciocínio é idêntico: aos que possuem procuradoria jurídica a contratação direta é excepcional, já aos que não possuem uma procuradoria jurídica, a contratação é direta, com os requisitos jurisprudenciais minorados.
Mas é claro que em todas as situações deve o administrador zelar pela efetividade dos princípios constitucionais administrativos: moralidade, publicidade, eficiência, economicidade, dentre outros. Com a ideia contemporânea de normatização dos princípios, seu cumprimento se faz imperioso e indispensável na atual conjuntura constitucional. Importante frisar a economicidade, visto que a própria lei de licitação dispõe no § 2º do art. 25 que se comprovado o superfaturamento, respondem solidariamente o prestador de serviços e o agente público responsável pela contratação.
O eminente professor José dos Santos Carvalho Filho aborda com propriedade a questão:
Lamentavelmente, alguns administradores desonestos ou despreparados têm recorrido a essa modalidade para escapar àquele princípio, cometendo flagrante desvio de finalidade e ofensa ao princípio da moralidade e, freqüentemente, provocando graves prejuízos à Administração. Desse modo, cabe aos Tribunais de Contas atuar com rigor na verificação desses casos de inexigibilidade de licitação em virtude da notória especialização do contratado, bem como ao Judiciário invalidar tais contratos e encaminhar ao Ministério Público representação no sentido de ser promovida a responsabilidade penal e administrativa dos servidores responsáveis por essa espécie de improbidade ou incompetência.[6]
CONCLUSÃO
Dessa maneira, podemos concluir que para os entes, tanto da administração direta quanto da administração indireta, que possuam em sua estrutura uma Procuradoria Jurídica a contratação direta de advogado é excepcional, devendo-se comprovar os requisitos suso mencionados. Já quanto aos entes que não possuem uma Procuradoria Jurídica, a contratação direta de advogado é viável em situações mais amplas. Respeitada, em todas as situações, a economicidade e o zelo pelo bem comum.
BIBLIOGRAFIA
ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Acquaviva. São Paulo: Rideel.
BORGES, Alice Maria Gonzalez, Licitação para contratação de serviços profissionais de advocacia, artigo in RDA 206/135
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 12. ed. São Paulo: Dialética, 2008.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2010.
VERRI JUNIOR, Armando; TAVOLARO, Luiz Antônio; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. (Org.). Licitações e contratos administrativos: temas atuais e controvertidos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
* Acadêmico de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, PUC-GO. Técnico em Telecomunicações pelo Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia de Goiás, IFG.
[1] Marcus Cláudio Acquaviva, Dicionário Jurídico Acquaviva, pg. 73.
[2] A figura do advogado é primordial para a efetivação dos direitos humanos e do Estado Democrático de Direito. A recalcitrante atitude do Poder Público de não cumprir seus deveres constitucionais, a cultura da maioria da população de não recorrer ao judiciário, a morosidade da justiça, a falta de um defensoria pública eficiente e a educação precária da população são alguns fatores que prejudicam a efetivação dos direitos fundamentais.
[3] Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, p. 355
[4] Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de Direito Administrativo, pg. 552
[5] Alice Maria Gonzalez Borges, Licitação para contratação de serviços profissionais de advocacia, artigo in RDA 206/135
[6] José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, pg. 247.
Mestrando em Direito e Políticas Públicas pela Universidade Federal de Goiás. Assessor de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado de Goiás. Acadêmico de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, PUC-GO. Técnico em Telecomunicações pelo Instituto Federal de Ciência, Educação e Tecnologia de Goiás, IFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Queops de Lourdes Barreto. Inexigibilidade de licitação para contratação de serviços advocatícios: uma perspectiva constitucional em vista da advocacia pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 out 2011, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/25735/inexigibilidade-de-licitacao-para-contratacao-de-servicos-advocaticios-uma-perspectiva-constitucional-em-vista-da-advocacia-publica. Acesso em: 24 nov 2024.
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