Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: IV – não-intervenção; VI – defesa da paz; VII – solução pacífica dos conflitos; IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
11.09.2001. A história da Humanidade ingressa numa nova Era: a era do Terror. Pouco mais de sete meses depois, em 22.04.2002 outro acontecimento tão grave quanto, diretamente ligado à tragédia de 11 de setembro ocorre em Haia: a deposição do Diretor-Geral da OPAQ - Organização para a Proibição de Armas Químicas (http://resistir.info/varios/opaq_spguimaraes.html), após inédita ofensiva dos EUA na ONU contra um organismo multilateral.
Afirmamos “diretamente ligado à tragédia”, porque foi esse grave acontecimento que abriu o caminho para que os EUA, iludidos pelo “arbusto”, Bush e seus falcões, como John Bolton, iniciassem a Guerra do Iraque. John Bolton é aquele sujeito que em 1994 afirmou que “se a ONU perdesse dez andares hoje, não faria a menor diferença”.
Dessa forma, esse 22.04.2012 assinala exatos dez anos da “tragédia de Haia”. Tudo porque o então “DG” da OPAQ afirmava, com todas as letras, que no Iraque não havia um único grama de armas químicas, além de que cabia à OPAQ a legitimidade de se inspecionar os países (na questão das armas químicas), e não o Conselho de Segurança da ONU (sob influência dos EUA).
Na ocasião dos fatos o Diretor-Geral (DG) da OPAQ era o brasileiro José Maurício Bustani, rondoniense nascido em Porto Velho, tendo sido o primeiro diretor-geral da OPAQ - Organização para a Proibição de Armas Químicas, criada em 1997 e sediada em Haia, na Holanda. Em 2000 foi reeleito por unanimidade e seu mandato deveria ir até 2005. A missão da OPAQ é por em prática a Convenção sobre Armas Químicas assinada em 1993. Em linhas gerais, coibir a presença e utilização de armas químicas no Mundo.
Um dos resultados de seu magnífico trabalho, anterior até mesmo a sua assunção ao comando da OPAQ, foi a edição da Lei Bustani (Lei 11.254, de 17.12.2005, que “estabelece as sanções administrativas e penais em caso de realização de atividades proibidas pela Convenção Internacional sobre a Proibição do Desenvolvimento, Produção, Estocagem e Uso das Armas Químicas e sobre a Destruição das Armas Químicas existentes no mundo (CPAQ)”.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11254.htm
Importante lembrar que naqueles idos de 2002, o embaixador Bustani era considerado como uma das personalidades que mais colaboraram para a paz mundial. Tanto que a excelência de seu trabalho à frente da OPAQ garantiu-lhe a eleição para o segundo mandato, durante o qual, o jornal britânico The Guardian (George Monbiot) declarou, em 2002, ser o embaixador Bustani, “o homem que mais fez pela paz mundial nos últimos 5 anos” ( http://cacto.yoll.net/textos13.html).
O embaixador Bustani realizou mais de 1,2 mil inspeções em 50 países, comandou a destruição de dois milhões de armas químicas e dois terços das instalações onde estas eram fabricadas, reduzindo significativamente o estoque de armas químicas no mundo. Conseguiu, também, convencer nações relutantes com tal sucesso que o número de signatários da convenção subiu de 87 para 145, nos últimos cinco anos, de 1997 a 2002 (a maior taxa de crescimento obtida por qualquer organização multilateral em tempos recentes).
A adesão de países do Oriente Médio como o Irã, o Sudão, a Arábia Saudita e a Jordânia foi considerada como um passo importante para o desarmamento regional e para a paz em uma região tão conturbada
Considerava como parte de suas funções trazer para a organização o maior número possível de países a fim de aumentar cada vez mais o controle do arsenal mundial. Tanto que recebeu correspondência do General Collin Powell considerando seu trabalho como “muito impressionante”. Além disso, foi reeleito para o segundo mandato antes mesmo do termino do primeiro mandato. http://cacto.yoll.net/textos13.html
Na verdade, os Estados Unidos sempre exerceram certo controle sobre a OPAQ, mas as coisas pioraram com a chegada de Bush ao poder. Maurício Bustani tinha a intenção – e obrigação, por conta de suas funções - de inspecionar os próprios EUA, detentores do segundo maior arsenal de armas químicas do mundo, logo depois da Rússia, mas não conseguia, obviamente por obstáculos impostos pelos norte-americanas.
A gota d’água foi a tentativa de atrair o Iraque para dentro da OPAQ. Entrando para a organização, o Iraque passaria a ser regularmente visitado pelos inspetores da OPAQ e uma solução pacífica (art. 4º, VI e VII, CF/88) tiraria dos EUA o principal argumento para um ataque armado contra o Iraque.
A partir de então, os EUA exigiram a saída de Bustani da direção da OPAQ, sendo que o diplomata brasileiro resistiu corajosamente, recusando-se a pedir demissão e forçando os americanos a convocarem assembleia extraordinária para "votar" a destituição de Bustani, sob a alegação ridícula (contrariando a biografia de Bustani na Organização), de "má administração".
Antes do fatídico 22.04.2002, precisamente em 19.03.2002 os EUA propuseram um voto de não-confiança em Bustani; perderam e ficaram loucos, alucinados. Então tomaram uma iniciativa sem precedentes na história da diplomacia multilateral. Convocaram uma "sessão especial" de estados-membros para o expulsar (essa a sessão de 22.04.2002). Nesse meio tempo, agiram pesadamente nos bastidores, exercendo seu excepcional poder perante os Estados. Diferentes meios de "persuasão" foram empregados sem disfarce. A diplomacia americana tentou chantagear Bustani – como se isso fosse possível - informando que ele deveria pedir demissão se quisesse “evitar danos à sua reputação”.
Os EUA cobraram fidelidade de “governos subalternos”, pagaram a dívida de países endividados (http://expresso-noticia.jusbrasil.com.br/noticias/139569/a-degola-de-bustani), principalmente da Ásia, América Central e África (segundo as regras da OPAQ, só podem votar os países que estiverem em dia com suas contribuições), e acabou conseguindo, “milagrosamente”, 48 votos a favor do afastamento de Bustani. Quarenta e três países se abstiveram, entre eles a França (os outros países da Comunidade Européia votaram a favor) e apenas seis votaram contra: Brasil, China, Rússia, Cuba, Irã e Índia.
Em troca da destituição de Bustani, funcionários americanos de segundo escalão chegaram a sugerir que o Brasil assumisse o Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos, em substituição à irlandesa Mary Robinson (http://istoevip.terra.com.br/reportagens/detalhePrint.htm?idReportagem=22037&txPrint=completo), que por haver contrariado interesses norte-americanos, em questões de direitos humanos, também “caiu em desgraça” na terra de Tio Sam. (http://www.terra.com.br/istoe-temp/1695/internacional/1695_rolo_compressor_2.htm)
Embora o Brasil tenha votado contra a destituição de Bustani (http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u40422.shtml), o Itamarati (que estava sob o comando de Celso Lafer, aquele que mesmo representando o Brasil (art. 1º, I, CF/88), vergonhosamente se submeteu a tirar os sapatos para ser inspecionado em aeroporto norte americano, mesmo sendo Chanceler, (http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u37688.shtml) se apressou, em lançar comunicado oficial deixando claro que o diplomata não agia em nome do governo brasileiro, pois estava licenciado dos quadros da diplomacia brasileira enquanto exercia mandato em uma entidade. Só faltaram pedir desculpas aos norte-americanos.
No ano seguinte, 2003, foi indicado para o Prêmio Nobel da Paz (http://www12.senado.gov.br/noticias/materias/2003/06/13/bustani-foi-indicado-para-o-premio-nobel-da-paz-anuncia-raupp) em reconhecimento ao seu trabalho para o controle das armas químicas (art. 4º, VI, CF/88).
Pouco tempo depois, a OIT-Organização Internacional do Trabalho anunciou uma decisão sem precedentes, inovando a jurisprudência internacional: que a decisão de afastar o diplomata brasileiro, José Mauricio Bustani foi ilegal, portanto nula.
http://www.conjur.com.br/2003-jul-17/afastamento_bustani_opaq_foi_ilegal_entende_oit
Entretanto Bustani, na ocasião já como embaixador do Brasil na Inglaterra, não quis reivindicar o cargo.
Num momento de CPIs para lá e pra cá, de corrupção generalizada por toda a parte, de "fichas sujas", parece, por outro lado, o Brasil tem facilidade de se esquecer (e rapidamente) de seus heróis.
Mestrando em Estudos Jurídicos Avançados, pela FUNIBER; graduação em DIREITO, pela UDF (2005); especialização em Direito Publico (UCAM-Universidade Cândido Mendes). Extensão em Defesa Nacional pela Escola Superior de Defesa; em Direito Constitucional e Direito Constitucional Tributário. Política Externa para Altos Funcionários da Administração Pública, pelo Ministério das Relações Exteriores. Recebeu Voto de Aplauso do Senado Federal por relevantes contribuições à efetivação da cidadania e dos direitos políticos (acesso in http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2007/09/26/ccj-aprova-voto-de-aplauso-ao-advogado-milton-cordova-junior). Idealizador do fundo de subsídios habitacional denominado FAR - Fundo de Arrendamento Residencial, que sustenta o Programa Minha Casa Minha Vida, implementado por meio da Medida Provisória 1.823/99, de 29.04.1999.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JUNIOR, Milton Cordova. Direito e Diplomacia Internacional: embaixador José Mauricio Bustani, o Homem que poderia ter evitado a Guerra do Iraque Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 abr 2012, 05:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/28596/direito-e-diplomacia-internacional-embaixador-jose-mauricio-bustani-o-homem-que-poderia-ter-evitado-a-guerra-do-iraque. Acesso em: 27 nov 2024.
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