A Obra – Este capítulo III é parte do livro Metodologia da ciência do Direito, do original alemão intitulado Methodenlehre der Rechtswissenshaft, 6ª edição, publicado pela primeira vez em Munique, em 1960. O capítulo está dividido em sete partes: 1. A teoria psicológica do Direito de Bierling; 2. A passagem de Jhering a uma Jurisprudência pragmática; 3. A primeira fase da Jurisprudência dos interesses; 4. A passagem ao voluntarismo com o Movimento do Direito Livre; 5. A viragem para a sociologia do Direito; 6. A teoria pura do Direito de Kelsen; 7. O positivismo jurídico institucionalista de Ota Weinberger.
O autor – Karl Larenz nasceu em 1903. Obteve o título de Doutor, pela Universidade de Gottingen, em 1926. Suas principais obras foram: Metodologia da Ciência do Direito; Tratado de Direito das Obrigações; e Parte Geral do Direito Civil Alemão. Faleceu no ano 1993, em Munique.
Resumo – Inicialmente, Larenz faz alguns paralelos sobre o positivismo e a ciência do Direito. Não se preocupa em definir o que seja positivismo científico ou ciência do Direito, mas assenta que o positivismo da ciência do Direito esforçou-se em afastar o entendimento metafísico do âmbito de seu estudo. Assim o foi em razão do entendimento de que o uso do método positivista de investigação científica seria restrito a fatos e as suas leis, considerados empiricamente, além da lógica e da matemática. Para satisfazer essa exigência e partindo da ideia de que Direito não é matemática ou lógica (lógica jurídica), os fatos sensíveis objetos de investigação foram divididos em dois grandes grupos: os fatos do mundo exterior, captáveis pelos sentidos, e os fatos do mundo interior, também chamados fatos psíquicos (estes, assim como aqueles, regidos por uma lei da causalidade).
Com base na ideia de fatos psicológicos, o autor identifica a Teoria Psicológica do Direito de Bierling, que entendeu que os fatos repousariam no reconhecimento que as pessoas dão às normas. Nessa perspectiva, o reconhecimento necessário à norma se daria por meio da interiorização, que mediante mecanismos de estímulos e associação de ideias, produziria na consciência coletiva da sociedade o sentido jurídico do Direito. Nessa Teoria, portanto, os dois elementos principais são o reconhecimento e a norma.
Na sequência, o autor apresenta o movimento da Jurisprudência pragmática, passando pelos juristas Kirchmann e Jhering. No ponto, inicialmente salienta que quem primeiro vislumbrou a falta de valor da Jurisprudência como ciência foi Kirchmann, em sua explanação na conferência Wertlosigkeit der Jurisprudenz als Wissenschaft, onde alegou que a jurisprudência se preocupa excessivamente com o que está estabelecido, numa atividade de adequação do fato concreto às normas, em detrimento do desenvolvimento progressivo do Direito.
Já Jhering foi contra a supervalorização da lógica, cuja busca era pensar o direito de forma matemática e criar uma matemática de aplicação do Direito. Entendia que a coerência da realização do Direito mediante uma decisão judicial, por si só, não dava validade a essa aplicação. Para tanto, traz à baila a discussão sobre o valor da vida, no sentido de usá-la para orientar a aplicação do direito. É que para Jhering não existe nenhuma proposição jurídica que, na origem, não tenha um fim prático. Com efeito, dá ao Direito um fim social ao colocar a sociedade como sujeito de realização da ordem jurídica, não se esquecendo de outras noções subjacentes à norma, como da ideia de segurança jurídica, da ausência de hierarquia objetiva entre os fins do Direito, bem como da relação de conteúdo das normas com esses fins.
No tópico “A primeira fase da jurisprudência dos interesses”, a atenção volta-se ao jurista Philipp Heck, para quem a Jurisprudência comportava duas divisões: a jurisprudência dos conceitos e a jurisprudência dos interesses. A jurisprudência dos conceitos seria aquela que prima pela lógica, fazendo subsumir a matéria fática aos conceitos jurídicos. Já a jurisprudência dos interesses se interessaria pela vida e a sua valoração, pelo que, instrumentalmente, serviria de auxílio à função judicante, no sentido de encaminhá-la à decisão mais adequada. Para a jurisprudência dos interesses, o Direito seria a tutela de interesses, pois em última análise, as proposições jurídicas nada são se não interesses. Os interesses funcionariam tanto como objeto como critério de valoração, porquanto cada norma já carregaria determinada quantidade de valoração a respeito das situações que regulamenta. A consequência lógica seria a de que a investigação histórica seria o método interpretativo adequado para captação desses interesses.
Heck não ignorou haver lacunas na lei, opondo-se ao método que chamou de inversão (método pelo qual se usa uma proposição legal já estabelecida para, por via de inferências lógicas, aplica-la a casos não previstos na norma). Nessas situações, entendia que a atitude mais correta seria a de se permitir uma atitude mais ativa do magistrado, que poderia estabelecer a lei até então inexistente ao caso concreto, desde que em consonância com os juízos de valor do ordenamento.
Para se desvencilhar da pecha de ciência não científica que rodeava o Direito, Heck partiu da conclusão de que existem dois conceitos pertinentes à matéria: conceitos de interesses e conceitos ordenadores. Os conceitos de interesses serviriam para embarcar os conceitos tidos como predominantes, sendo úteis para a interpretação da lei e aplicação do Direito. Já os conceitos ordenadores seriam aqueles que constroem o Direito com base na ordem jurídica existente, pela via da indução e abstração. Com base nesses pressupostos, Heck entendeu que o Direito comportava dois sistemas distintos, um externo e outro interno. O externo seria o composto dos conceitos ordenadores, os quais originariam o sistema científico do Direito. Nesse, a atividade do interprete corresponderia à subsunção lógica dos fatos à norma. Já o sistema interno, não científico, seria predominantemente uma atividade de soluções de problemas, destinado a investigação de interesses.
As ideias de Heck são criticadas por Larenz, que não consente com uma classificação rígida de preceitos (de ordenação ou de interesse), haja vista que o legislador antes de usar um conceito supostamente com fins de ordenação, faz um juízo de valor, para verificar, no mínimo, adequação e necessidade. Por outro lado Larenz não aceita que a atividade interpretativa seja cindida, como entendeu Heck, na qual no sistema externo, a decisão consistiria basicamente na adequação do caso concreto à lei; e no sistema interno, o aplicador poderia desligar-se dos conceitos de ordenação e aplicar o direito segundo os interesses.
Na sequência, é exposto o Movimento do Direito Livre, cujas ideias iniciais são de Oskar Bulow, em sua Obra “Lei e Função Judicial”. São elas: a decisão judicial não é puramente uma atividade de aplicação, mas de criação; a lei é uma preparação ou tentativa de criação e realização da ordem jurídica; e cada litígio é um caso particular onde deve se manifestar a ‘lei do caso concreto’.
O Direito Livre, expressão de Eugen Ehrlich, repudiou a aplicação simplesmente esquemática e lógica de subsunção do caso da vida à lei. Para esse Movimento, a vontade (sentimento pessoal) seria a força condutora para se chegar à decisão antecipadamente conhecida, guiada pelo valor de justiça, que não pode ser apreensível pela razão, mas pelo o sentimento jurídico. Na prática, isso seria a razão de tratamento distinto a dois caos embarcados pela mesma norma, através de uma interpretação extensiva e restritiva, por exemplo, conforme a vontade. A limitação a essa liberdade é encontrada por Larenz nas ideias de Hermann Isay, que entendeu que a decisão encontrada com base no Direito Livre deve se submeter ao controle da norma, que posteriormente irá ratificá-la ou retificá-la.
Posteriormente, Larenz arrazoa sobre o Movimento Sociológico do Direito, primeiramente discorrendo sobre a concepção de Eugen Ehrlich, para quem do ponto de vista sociológico, o Direito não seria uma ciência, pois o método de observação do jurista é sempre parcial, porquanto sofreria à influência das tendências de justiça e das relações de poder, e como consequência, na hora da aplicação, o interprete se submeteria a juízos de ponderação, atitude essencialmente não cientifica. Para essa corrente, nesse sentido, o Direito se limitaria a estabelecer regras de resolução de conflitos, ideia que é elogiada pela Obra. No entanto, Larenz critica a sociologia do Direito em razão de ela não ter proposto um método de investigação jurídica alternativo para resolver esse problema.
Já Franz Jerusalém, diferentemente de Ehrlic, entendia que o Direito não se importava apenas com as palavras, mas com o sentido, colocando-o entre as ciências do espírito. Jerusalém tece várias críticas ao Direito. Argumenta que a ciência dogmática não é uma ciência verdadeira, não passando de um conjunto de decisões, cuja base seria um saber compartilhado dos juristas. Salienta que o Direito distanciou os conceitos jurídicos da realidade social, criando uma realidade paralela de conceitos e representações. Por outro lado, acrescenta que o Direito teria deixado de realizar reflexões genéricas, mergulhando-se no casuísmo, resultado da preocupação de se identificar interesses no caso concreto, perdendo-se, em última análise, a capacidade de entendimento de que os indivíduos estariam vinculados entre si nas relações, parte de um contexto maior de unidade jurídica.
Hans Kelsen capitaneou, por sua vez, o movimento que visou expurgar do Direito toda reflexão que não fosse normativa, como a sociológica e a psicológica. Objetivou construir uma “teoria pura do Direito”, mediante neutralidade metodológica. A Teoria Pura do Direito partiu da ideia de que existe o mundo do ser (fatos) e o mundo do dever-ser (preceitos válidos). Não é uma teoria do conteúdo jurídico (Direito brasileiro, v.g), mas de estruturas lógicas de normas jurídicas, que se destinam a verificar o sentido, a validade, as possibilidades e os limites de qualquer enunciado jurídico, recusando-se a emitir juízos de valor sobre a norma. Buscou uma unidade formal de todas as normas, estabelecendo como fundamento de validade uma norma não posta, mas pressuposta. Daí, que num sistema escalonado de normas, a interpretação jurídica consistiria na compreensão do trânsito de um nível normativo superior para o inferir, a fim de se averiguar a validade normativa do enunciado.
Larenz fez várias criticas ao sistema de Kelsen. Inicialmente, aduz que a Teoria Pura do Direito não conseguiu manter a autonomia entre o ser e dever-ser (sincretismo metodológico), pressuposto básico de Kelsen. De igual modo, censura a ideia de dever-ser, que para a teoria kelseniana, seria uma categoria lógico-formal que vincularia as pessoas a determinado comportamento. No entanto, observa que Kelsen não esclareceu em que consistiria esse dever-ser: seria uma ética? Uma doutrina de deveres? Uma exigência moral?
Por fim, a Obra descreve o chamado Positivismo Jurídico Institucionalista - reformulação da Teoria Pura do Direito, feita por Ota Weinberger. No geral, muito se aproximou das ideias de Kelsen, mantendo a base do positivismo-normativo como método de análise. No entanto, diverge sobre o fundamento primeiro do sistema normativo. Para essa corrente, o ponto de partida da pirâmide não seria uma norma pressuposta, como concebeu Kelsen, mas um fato sociológico-institucionalista, pois não se poderia negar que a existência do Direito é um fato social institucional, dado de uma realidade social. Desse modo, os sistemas normativos adquiriram existência desde que fossem constituídos a partir de instituições, como o Estado. Também levou em consideração o caráter normativo do Direito, chegando a concluir que este seria uma realidade, na verdade, bifronte: o Direito como realidade ideal normativo e também como fato da vida social. Larenz esclarece que o Positivismo Jurídico Institucionalista tinha a preocupação de discutir aspectos da justiça normativa, a fim de se estabelecer postulados de uma aplicação justa do Direito.
Crítica – Estudar o positivismo jurídico significa compreender parte da história do pensamento do Direito responsável por fundamentar várias categorias de reflexão que perduram nos dias atuais, inclusive no Brasil. Isso por que as influências que o positivismo científico empregou na cultura acadêmica, refletindo-se na prática da atividade profissional do jurista, continua, em maior e menor medida, a ecoar com algum peso, na orientação das decisões e interpretações jurídicas. Por outro lado, interpretar os vários métodos existentes de exame das ciências jurídicas tem por consequência, ao menos, possibilitar maiores condições de se estabelecer um critério comparativo de análise, haja vista que a releitura da interpretação jurídica contemporânea não conseguiu afastar por completo os pressupostos do positivismo jurídico, que alias, teve seu papel nas bases do desenvolvimento do Direito.
Com efeito, o positivismo científico teve por mérito objetivar os procedimentos investigatórios, na medida em que possibilitou o confronto das questões jurídicas num contexto de ordenamento jurídico, afastando do Direito os dados/fatos do conhecimento puramente mitológicos. Os movimentos que se seguiram, mesmo acobertados pela influência do positivismo, deram lugar a uma gradativa construção significativa do Direito, de modo a vinculá-lo a fins próximo a de Justiça (v.g. função social, ética, interesses democráticos, etc.), trazendo, por sinal, do mundo das ideias para a realidade fática, a discussão jurídica, de onde nunca deveria ter saído.
A seu turno, a tendência de um rigoroso fechamento ao diálogo com os outros saberes do conhecimento, predominante no positivismo tradicional, criou um mundo paralelo de conjecturas que representou, de fato, na carência de efetividade do Direito. Sabe-se hoje que a pluralidade e o multifacetado aspecto de estudo de um mesmo objeto devem fazer-se presente na pauta de discussão de qualquer análise, para que se tenha ao final o conhecimento adequado sobre o objeto de estudo. Nesse aspecto, o positivismo jurídico primitivo deixou a desejar, até por que não se afastou do contexto de seu tempo: na ânsia de se fazer ciência, enveredou-se pelo método das ciências exatas de investigação.
Bibliografia
LARENZ, Karl. Metodologia da Ciência do Direito. Tradução de José Lamego. 3ed. Lisboa, Pt: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 46-112.
Analista Judiciário no Superior Tribunal Militar e pós-graduando em "Ordem Jurídica e Ministério Público", pela Fundação Escola Superior do MPDFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Redson Rodrigo de Souza. Resenha: A teoria e a metodologia jurídicas sob a influência do conceito positivista de ciência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jun 2012, 07:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/29515/resenha-a-teoria-e-a-metodologia-juridicas-sob-a-influencia-do-conceito-positivista-de-ciencia. Acesso em: 22 nov 2024.
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