RESUMO: O presente artigo tem como papel principal fazer uma abordagem sobre a inovação legislativa trazida pela lei Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009. Para alcançar o objetivo do presente trabalho foram realizadas leituras de obras referentes ao tema. A premissa que se parte é acerca da aplicação efetiva da inovação, bem como sua pertinência diante da realidade social.
PALAVRAS-CHAVE: Estupro de vulneráveis, sociedade, efetividade.
Com o advento da Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009, houve uma modificação significativa nos crimes então tidos como “contra os costumes”, que passaram a ser compreendidos como “contra a dignidade sexual” (Título VI do Código Penal), com uma visão, assim, mais constitucionalista, ao já proclamar a importância e magnitude da “dignidade da pessoa humana”, em seus diversos aspectos (inclusive o sexual), a qual representa um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, tal como disposto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal.
Aliás, nesse diapasão, a ruptura acima mencionada, revela uma nova concepção, eis que tais delitos são concernentes ao ilícito ligado à pessoa, e não mais aos costumes.
A nossa Carta Magna, com muita coerência, vem a ressaltar o núcleo essencial de direitos e garantias fundamentais, e, não por acaso, explicita uma ordem lógica de proteção, no “caput” do seu artigo 5º, visto que a lei não contém palavras inúteis, e a disposição topográfica representa tal ordem de idéias, ao trazer num primeiro momento o direito à vida, e logo após à liberdade (inclusive sexual, o de dispor do próprio corpo no que atine aos atos sexuais), o que deve ser seguido pela legislação infraconstitucional, daí avulta a importância de tratarmos dos delitos em exame.
Diversas foram as alterações ocorridas pela novel legislação, a começar pela “roupagem” de “novos” crimes, que trouxeram elementares inclusive integrantes de tipos penais anteriormente previstos, a exemplo do estupro, que passa a contemplar o antigo atentado violento ao pudor, e, também, houve mudança de paradigma na ação penal atinente aos referidos delitos, onde a regra passou a ser a natureza pública condicionada à representação, dentre as principais mudanças.
De início, convém ressaltar que o crime de estupro está previsto em legislações de diversos países, e, em nova sistemática, segue algumas previsões normativas de determinados países, a exemplo do México, Argentina e Portugal, compreendendo, repitamos, o tipo penal anterior definido como atentado violento ao pudor, ao não só incriminar a conduta daquele que mantém conjunção carnal violenta contra homem ou mulher (ampliação do sujeito passivo), mas, de igual modo, a contemplar tal conduta em relação a outros atos libidinosos, no sentido de obrigar a vítima, a praticá-los ou a permitir que o agente pratique.
Diz o novo dispositivo legal, que agora já não mais representa muita novidade, pelo tempo já decorrido, ou seja, mais de um ano, in verbis:
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso:
Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1º Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2º Se da conduta resulta morte:
Pena - reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.
Inobstante a previsão típica ter sido no ano pretérito, ainda reina discussões doutrinárias e jurisprudenciais ainda não consolidadas, o que é da essência do direito, como ciência dialética.
Diversos pontos para a configuração típica necessitam ser explicitados para a devida compreensão do delito alhures indicado.
Já num primeiro olhar, temos a inovação no que concerne aos sujeitos do crime, no pólo ativo compreendendo também a mulher, e no pólo passivo o homem, ou seja, o que era denominado por alguns de delito “bi-próprio”, onde os sujeitos eram específicos (ativo – homem, e passivo – mulher), passou a ser “bi-comum” (qualquer pessoa poder ser sujeito ativo ou passivo).
Um dos efeitos, com tal mudança, é a caracterização de que onde, mesmo com conjunção carnal forçada cometida por mulher contra homem, era enquadrada como atentado violento ao pudor, passou a ser estupro.
Também, é fácil visualizar que a conduta foi abrangida a ponto de contemplar, repito, a prática de atos libidinosos (relações sexuais ditas anormais), seja praticando na vítima, ou permitindo que seja praticado, o que integrava o anterior crime supracitado (atentado violento ao pudor), o que enseja agora a caracterização do estupro, por exemplo, na cópula anal e nos atos de felação (orais).
Nem se diga que não mais subsiste o crime de atentado violento ao pudor (revogado artigo 214 do Código Penal), eis que, conforme doutrina abalizada, e jurisprudência consentânea, temos o princípio da continuidade normativo-típica, sabendo-se que o que era proibido continuou a ser vedado, apenas havendo uma integração das elementares no artigo anterior (artigo 213 do Código Penal).
Ainda, nessa ordem de idéias, houve uma conseqüência imediata, qual seja, a de inviabilizar hodiernamente o concurso material de crimes, em virtude de o estupro passar a ser crime de conteúdo múltiplo ou variado, representando assim uma norma mais benéfica ao agente, devendo, portanto, retroagir, por força da retroatividade da lei penal favorável ao acusado, consoante cânone constitucional delineado no artigo 5º, inciso XL, da Carta Magna de 1988, já disposto em nosso Código Penal, por força da reforma operada em idos de 1984, pela Lei nº 7.209, em seu parágrafo único do artigo 2º.
O que, em época anterior, configura concurso formal ou material de crimes, agora é crime único, atingindo, inclusive, os processos criminais já julgados, inclusive em sede de execução penal, ante a imposição constitucional e legal acima invocada.
Bastante esclarecedor, é o notável doutrinador Rogério Sanches Cunha ao professar que:
1) A prática de conjunção carnal, seguida de atos libidinosos (sexo anal, por exemplo) gerava concurso material dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor (JSTF 301/461 e RSTJ 93/384). Entendia-se que o agente, nesse caso, pratica duas condutas (impedindo reconhecer-se o concurso formal), gerando dois resultados de espécies diferentes (incompatível com a continuidade delitiva). Com a Lei 12.015/2009 o crime de estupro passou a ser de conduta múltipla ou de conteúdo variado. Praticando o agente mais de um núcleo dentro do mesmo contexto fático, não desnatura a unidade do crime (dinâmica que, no entanto, não pode passar imune na oportunidade do art. 59 do CP). A mudança é benéfica para o acusado, devendo retroagir para alcançar os fatos pretéritos (art. 2º, parágrafo único, do CP). Em todos os casos concretos em que o juiz (ou tribunal) reconheceu qualquer tipo de concurso de crimes (formal, material ou crime continuado) cabe agora revisão judicial para adequar as penas, visto que doravante já não existe distinção topológica entre estupro e atentado violento ao pudor. Cuida-se doravante de crime único (cabendo ao juiz, no caso de multiplicidade de atos, fazer a adequada dosagem da pena). (GOMES, CUNHA et MANZZUOLI, 2009, pp. 38/39)
Uma jurisprudência, emanada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, e coerente sobre tema, merece ser citada, conforme julgado recente abaixo transcrito:
PENAL E PROCESSO PENAL. RECURSO DE AGRAVO. ESTUPRO (ART. 213,CP) E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR (ART. 214, CP). LEI 12.015/2009. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS. CONTINUIDADE NORMATIVO-TÍPICA. PRECEDENTE. APLICAÇÃO IMEDIATA. PENA BASE DO CRIME DE ESTUPRO. DESPROVIMENTO.
1. Passou a nova lei, que entrou em vigor em 10-agosto-2009, a prever abstratamente o delito de estupro e atentado violento ao pudor como sendo tipo único, assim deve-se afastar o concurso material de crimes.
2. Apesar de o artigo 214 do Código Penal ter sido revogado, seu conteúdo, hoje, passou a fazer parte, como elemento constitutivo do tipo esculpido no art. 213, do mesmo codex, em consonância com o princípio da continuidade normativo-típica.
3. Caracterizada a novatio legis in mellius, deve a lei nova mais benéfica retroagir para beneficiar o réu, nos termos do artigo 5º, inciso XL, da Constituição Federal, e do art. 2º, parágrafo único, do Código Penal.
4. A análise das circunstâncias judiciais é o momento oportuno para apenar, nestes casos, com mais rigor aquele agente que pratica dois ou mais atos, entretanto, não se insurgindo o d. Parquet no que diz respeito à pena, mas tão somente com relação à exclusão da condenação do atentado violento ao pudor, não cabe a análise da pena aplicada ao recorrido.
5. Recurso desprovido. (20100020171143RAG, Relator SILVÂNIO BARBOSA DOS SANTOS, 2ª Turma Criminal, julgado em 11/11/2010, DJ 22/11/2010 p. 223, grifo nosso).
Ultrapassada tal conseqüência, resta verificar que, a antiga presunção de violência, estatuída no artigo 224[1] (revogado), norma de extensão a configurar prática de crime sexual cometido contra vítima não maior de 14 (quatorze) anos, ou incapaz de consentir de forma válida ou oferecer resistência, por outros fatores, passou a integrar o tipo penal rotulado de estupro de vulnerável, consoante tipo penal delineado no artigo 217-A.
A extinta presunção de violência já vinha há muito sendo relativizada, com base em diversos fatores e circunstâncias, mormente pela evolução da sociedade, não mais compreendendo a visão que se tinha da menor de 14 (quatorze anos) na época do Código Penal, que é de 1941, portanto, em outra sociedade marcada por contexto social diverso, chegando a destacar, doutrina já moderna (SANCHES, 2008, p. 237), ainda ante aquela previsão, que “... porém, é cada vez mais crescente corrente sustentando tratar-se de presunção relativa (juris tantum), considerando-se o evolver da vivência social moderna, sendo possível ao agente fazer prova da capacidade da(o) parceira(o) menor...”.
Hoje, no nosso entender, adquire contornos absolutos, pela dicção legal, salvo, certamente, a presença de erro de tipo, ou seja, o desconhecimento, nas circunstâncias, da menoridade da vítima. Nesse diapasão, elucida Rogério Sanches Cunha:
Em regra, o erro que conduz o sujeito ativo a desconhecer a vulnerabilidade da vítima o isenta de pena, excluindo o próprio crime, nos termos do art. 20 do CP (erro de tipo), salvo se utilizou, na execução do delito, de violência (física ou moral) ou de fraude, configurando, então, estupro (art. 213) ou violação sexual mediante fraude (art. 215), respectivamente. (GOMES, CUNHA et MAZZUOLI, 2009, p. 51).
Destarte, inobstante o intento de maior criminalização, o que vislumbramos, tem-se conseqüência diversa em uma hipótese, beneficiando o então agente, eis que o sujeito passivo deve ser menor de 14 (quatorze anos) para o enquadramento típico, exsurgindo a verificação de que sendo cometido o delito no aniversário de 14 (quatorze anos) da vítima, e havendo o consentimento desta, o fato seria atípico, retroagindo inclusive, conforme brilhante explanação doutrinária in verbis:
“Se a vítima for violentada no dia do seu 14º aniversário não gera qualificadora, pois ainda não é maior de 14 anos. Também não tipifica o crime do art. 217-A, que exige vítima menor de 14 anos. Conclusão: se o ato sexual for praticado com violência ou grave ameaça haverá estupro simples (art. 213, caput, do CP); se o ato foi consentido, o fato é atípico, apurando-se a enorme falha do legislador. A alteração legislativa, nesse caso, é benéfica, devendo retroagir para alcançar os fatos pretéritos”. (GOMES, CUNHA et MAZZUOLI, 2009, p. 37).
Nesse mesmo ponto de vista, o ilustre doutrinador Rogério Greco ilustra:
11.3. Vítima que mantém relações sexuais consentidas no dia em que completa 14 (catorze) anos
O caput do art. 217-A do Código Penal considera como vulnerável a vítima menor de 14 (catorze) anos de idade. Assim, se o agente, mediante o consentimento da vítima, com ela, por exemplo, tem conjunção carnal no dia de seu aniversário, em que completava 14 (catorze) anos, o fato deixará de se amoldar ao tipo penal em estudo, devendo ser considerado atípico. (GRECO, 2009, p. 79)
Feitas tais considerações, esperamos ter ajudado na compreensão da problemática apresentada, objetivando, destarte, contribuições a permitir discussão sobre o tema, com vistas, outrossim, ao seu aperfeiçoamento, considerando as atecnias legislativas ocorridas em alguns pontos.
METODOLOGIA
A pesquisa em epígrafe foi realizada em dois momentos principais. No primeiro momento foi providenciada a leitura de obras relacionadas ao tema discutido, eis que serviram de alicerce para a produção do presente artigo, posteriormente foi feita a execução do artigo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com o advento da Lei nº 12.016, de 07 de agosto de 2009, houve uma modificação significativa nos crimes então tidos como “contra os costumes”, que passaram a ser compreendidos como “contra a dignidade sexual”. Em virtude dessa inovação legislativa a punição contra violência sexual praticada com menor de 14 anos passa a ser taxativa, no entanto é notório que tal inovação não condiz com a realidade social apresentada, tendo em vista a grande mudança de paradigmas.
REFERÊNCIAS:
GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanches et MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
ANDREUCCI, Ricardo Antonio. Minicódigo Penal anotado. São Paulo: Saraiva, 2007.
CUNHA, Rogério Sanches. Direito penal: parte especial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: parte especial. Vol. III (Adendo – Lei 12.015/2009). Rio de Janeiro: Impetus, 2009.
[1] Art. 224 - Presume-se a violência, se a vítima:
a) não é maior de 14 (catorze) anos;
b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia esta circunstância;
c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência.
: BACHARELANDA EM DIREITO DA FACULDADE AGES, ESTAGIÁRIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SERGIPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Jéssica da Silva. Estupro de Vulneráveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 ago 2012, 07:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/30302/estupro-de-vulneraveis. Acesso em: 12 nov 2024.
Por: PAULO BARBOSA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO
Por: EMILY PANISSE MENEGASSO
Por: Valdeir Britto Bispo
Por: Paula Caroline Serafim Maria
Precisa estar logado para fazer comentários.