1 INTRODUÇÃO
Apregoa o art. 155, § 2º, do Código Penal, que, “se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa”.
Classificado pela doutrina como uma causa de diminuição de pena, o mencionado dispositivo exige que o acusado seja primário e que o objeto subtraído seja de pequeno valor.
Por ser norma benéfica, defenderemos, no presente artigo, que a referida causa de diminuição de pena pode e dever ser aplicada, através do uso da analogia, aquelas condutas tipificadas no art. 157 do Código Penal.
2 DESENVOLVIMENTO
Os crimes de furto e de roubo, apesar de estarem descritos em tipos diversos, possuem o mesmo bem jurídico, além de receberem a classificação topográfica de crimes contra o patrimônio (Titulo II da Parte Especial do Código Penal Brasileiro).
A relativa semelhança entre os mencionados delitos permitiu ao doutrinador Rogério Greco tecer a seguinte definição:
“O roubo poderia ser visualizado como um furto acrescido de alguns dados que o tornam especial”.
Sendo assim, o uso da analogia, como instrumento de integração do ordenamento jurídico, possibilita seja dispensado o mesmo tratamento legal a situações similares.
De acordo com Luiz Regis Prado, “por analogia, costuma-se fazer referência a um raciocínio que permite transferir a solução prevista para determinado caso a outro não regulado expressamente pelo ordenamento jurídico, mas que comparte com o primeiro certos caracteres essenciais ou a mesma ou suficiente razão, isto é, vinculam-se por uma matéria relevante simili ou pari”.
Busca-se, deste modo, satisfazer os anseios de um Direito Penal Garantista, que tutela e preza pelos direitos e garantias constitucionais do acusado, em especial o da dignidade da pessoa humana.
É certo, contudo, que parte da doutrina apregoa que o uso da analogia não se efetivaria em face de normas penais incriminadoras, em respeito ao princípio da reserva legal.
Tal vertente, em que pese adequada quando suscitada para sobrestar o uso da chamada analogia in malam partem, falha ao impedir a utilização da analogia in bonam partem.
Em verdade, sendo a norma penal incriminadora ou não, o único óbice para aplicação da analogia seria quando prejudicial ao réu.
Há que se refutar, portanto, o argumento de que o uso da analogia, em face de normas penais incriminadoras, quando in bonam partem, ofenderia o princípio da reserva legal.
O referido princípio, contido no art. 5º, XXXIX, da Constituição Federal, e no art. 1º do Código Penal, surgiu historicamente na Inglaterra, nos idos de 1215, por meio da Magna Carta de João sem Terra, com a finalidade de estabelecer que toda a ameaça de um mal somente seria efetivada mediante previsão em lei.
Nesta trilha, como afirmado pelo jurista Cleber Masson, o fundamento político da reserva legal é “a proteção do ser humano em face do arbítrio do poder de punir do estado”.
Igualmente é o pensamento de Paulo Bonavides:
“o princípio da legalidade nasceu do anseio de estabelecer na sociedade humana regras permanentes e válidas, que fossem obras da razão, e pudessem abrigar os indivíduos de uma conduta arbitrária e imprevisível da parte dos governantes. Tinha-se em vista alcançar um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se assim a dúvida, a desconfiança e a suspeição, tão usuais onde o poder é absoluto, onde o governo se acha dotado de uma vontade pessoal soberana ou se reputa leibus solutus e onde, enfim, as regras de convivência não foram previamente elaboradas nem reconhecidas.”
Simplesmente a fixação de exclusividade da lei para a criação de delitos e de penas veio em socorro do sujeito ativo da infração penal, garantindo-lhe a possibilidade de não ser alvejado pelo arbítrio estatal.
Sendo o princípio da reserva legal uma garantia concedida ao acusado, não há que se suscitá-lo como motivo preponderante para a vedação da aplicação da analogia in bonam partem.
Afinal, a sua premissa é de proteger o cidadão contra a força do poder estatal, e não criar óbices injustificados para a satisfação de pretensões similares.
A constatação de lacunas no ordenamento jurídico pode ser sanada, sim, mediante a aplicação da analogia, ainda que a lei reguladora de caso semelhante se trate de norma penal incriminadora. Neste sentido é a doutrina de Rêidric Víctor da Silveira Condé Neiva e Silva:
“Mas na hipótese em que se chega a uma consequência benigna ao agente é possível a discussão do cabimento da analogia para sua configuração e os limites de tal aplicação. Vislumbre-se que a integração que desloque a conduta do agente do tipo simples para o tipo privilegiado só faz cumprir os interesses de um Direito Penal garantista, pautado nos direitos constitucionais do réu.
A analogia é sim cabível quando se traduz numa limitação ao ius puniendi. Relembre-se que a vedação é quanto à analogia in malam partem e não exatamente quanto ao seu uso nas normas incriminadoras, ainda que, na grande maioria das situações, esta segunda hipótese culmine na primeira. Todavia, a doutrina, sem se atentar para a hipótese ora aventada, erroneamente cria a genérica vedação em relação às normas incriminadoras”.
Esta construção jurídica permite, portanto, que o acusado pelo crime de roubo seja agraciado com o benefício previsto originariamente para o crime de furto, ainda mais quando preenchido os seus requisitos, quais sejam, primariedade do agente e pequeno valor da coisa subtraída.
3 CONCLUSÃO
A utilização da analogia como ferramenta de integração do ordenamento jurídico é essencial para aplicar a uma hipótese não prevista em lei disposição legal relativa a um caso semelhante.
Neste contexto, independentemente do caráter da norma (incriminatória ou não), é possível fazer uso da analogia, quando necessário, desde que esta seja in bonam partem.
Não há que se, portanto, repelir a sua utilização quando a norma for incriminadora, ao argumento de que o princípio da reserva legal obstaria tal propósito.
Inegavelmente, o referido princípio surgiu com a finalidade de socorrer os cidadãos em face do arbítrio estatal, e não de criar óbices injustificados para a satisfação de pretensões similares.
Com esta visão, entendemos que ao crime de roubo, mediante a utilização da analogia in bonam partem, é plenamente aplicável a causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2°, do Código Penal (crime de furto), dado que os dois delitos guardam similitudes inquestionáveis, tais como o mesmo bem jurídico e a mesma classificação topográfica.
4 REFERÊNCIAS
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Geral. 6º ed., Niterói: Editora Impetus, 2006.
MASSON, Cleber Rogério. Direito Penal esquematizado-Parte Geral– vol. 1 – 3ª ed. – Rio de Janeiro: Forense: São paulo: Método, 2010
NEIVA E SILVA, Rêidric Víctor da Silveira Condé. Extraído do sítio: http://jus.com.br/revista/texto/14078/o-uso-da-analogia-nas-normas-penais-incriminadoras-para-extensao-do-tipo-penal/2#ixzz1yAZUeb87.
PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. Parte Geral. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999
Site Planalto. Disponível em: http://www.planalto.gov.br
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