1 INTRODUÇÃO
Revela o art. 331[1] do Código Penal que configura o delito descrito em seu tipo quando o agente desacata funcionário público no exercício da função.
Eis o teor do referido artigo:
Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
Abordaremos, no presente artigo, o crime de desacato quando praticado por agente recluso em estabelecimento prisional, demonstrando os efeitos decorrentes do ambiente carcerário na prática da infração criminosa.
2 DESENVOLVIMENTO
O crime de desacato é um delito comum quanto ao sujeito ativo da infração e próprio quanto ao sujeito passivo, uma vez que exige que a ofensa seja direcionada contra funcionário público.
O doutrinador Rogério Greco[2] ensina que o conceito de funcionário público envolve “todo funcionário, não importando o cargo que ocupe, desde aquele que exerce as funções mais simplórias, até o ocupante do mais alto escalão, é um representante da Administração Pública, atuando de forma delegada, em nome e benefício dela. Na verdade, atuando em nome da Administração Pública, o funcionário exerce suas funções em benefício de todos, pois que a sua finalidade última é a busca do bem comum”.
O ato de desacatar, para Nelson Hungria[3], revelar-se-ia com a intenção de humilhar a pessoa do funcionário público. Vejamos:
“a ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário. É agrosseira falta de acatamento, podendo consistir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, gritos agudos, etc. Uma expressão grosseira, ainda que não contumeliosa, proferidas em altos brados ou de modo a provocar escândalo, bastará para que se identifique o desacato”.
No mesmo sentido, o jurista Cezar Roberto Bittencourt[4] define o crime de desacato como sendo aquele em que há “menosprezo ao funcionário público e, por extensão, à própria função por ele exercida. Reclama, por isso, elemento subjetivo, voltado para a desconsideração, para a humilhação”.
Fator importante, segundo Rogério Greco[5], é a necessidade de que a ofensa tenha sido proferida na presença do ofendido. Não se faz obrigatório que a ofensa tenha sido realizada face a face, mas, tão somente, que o ofendido tenha escutado os impropérios que foram ditos contra a sua pessoa.
Veja, contudo, que o mencionado tipo penal exige que o funcionário público esteja no exercício da função ou em razão dela. Assim, eventual ofensa direcionada contra conduta particular do funcionário público não caracteriza o crime de desacato.
Questão delicada, contudo, é a caracterização do crime de desacato quando as partes envolvidas são agentes penitenciários e detentos do sistema carcerário brasileiro.
Isso porque, é de conhecimento geral o clima de beligerância que perdura em nossos presídios. Vale lembrar que Rogério Schietti Machado Cruz[6], ao discorrer sobre as condições do cárcere, alerta para os malefícios trazidos para a pessoa quando do seu encarceramento:
É fato que a prisão – “lugar povoado de maldade” (VARELA, 1999, p. 13) – despersonaliza e dessocializao indivíduo, que se isola do mundo externo, passando a conviver em outro grupo social, formado por pessoas portadoras de rancor, de ódio, de angústia, de melancolia, e tantos outros sentimentos presentes em que se vê privado em sua liberdade. Também no universo dos carcereiros, quase sempre se encontrarão personalidades com sinais de desgaste emocional, agressivas e pouco compreensivas, dominadoras e inibidoras de qualquer manifestação que não se ajuste aos padrões de comportamentos determinados pelas regras do cárcere. Isso produz uma ambiente onde “ninguém conhece a moradia de verdade” (VARELA, 1999, p. 11), em que prevalece a rotina monótona e lenta, com privação de estímulos, em local nada favorável ao crescimento interior ou à expansão da consciência individual.
Com igual entendimento Roberto Lyra[7]:
“Seja qual for o fim atribuído à pena, a prisão é contraproducente. Nem intimida, nem regenera. Embrutece e perverte. Insensibiliza ou revolta. Descaracteriza e desambienta. Priva de funções. Inverte a natureza. Gera cínicos ou hipócritas”.
Dentro deste contexto, onde a relação entre os funcionários do Estado e os agentes públicos não são nada amistosas, há de se analisar com a devida cautela toda a situação que motivou a ofensa proferida.
Isso porque, a depender da expressão utilizada pelo detento, não haveria o animus de desqualificar ou humilhar o servidor público no exercício de sua função. Representaria, quando muito, uma quebra de regra de conduta, passível de ser punida através da aplicação de sanção administrativa (falta de natureza leve, média ou grave).
Faz-se prudente, ainda, avaliar se a ofensa causada pelo detento decorreu ou não de uma série de condutas abusivas anteriormente praticadas pelos agentes estatais.Neste caso, a ofensa, antes de caracterizar um delito penal, representaria um desabafo por parte daquele que é oprimido.
Outro aspecto importante a ser considerado nos crimes de desacato é se a ofensa decorreu de provocação causada pela autoridade policial penitenciária.
Palavras intimidatórias, agressivas ou capazes de gerar sentimentos negativos quanto à honra, moral ou sexualidade dos detentos devem ser evitadas pelos agentes públicos, sob pena de gerar distúrbios muitas vezes insolúveis.
Cabe aos servidores do Estado, em última análise, compreender a situação vivenciada por aqueles que se encontram trancafiados em uma estrutura carcerária precária e desumana, estimulando, dentro do possível, uma convivência harmônica e pacífica.
De acordo com o professor Cezar Roberto Bittencourt[8], nos crimes de desacato, há que se ater “ao estado emocional do suposto ofensor, suas condições pessoais, classe social, grau de cultura, estado de lucidez, desespero pessoal, os quais podem fragilizar seu equilíbrio emocional, que não simplesmente pode ser desconsiderado”.
Neste contexto, eventuais ofensas proferidas a posteriori pelo detento encontram-se justificada pela própria conduta do agente policial. É o que defende os juristas Nelson Hungria (“não haverá crime quando funcionário público tenha dado causa ao ultraje) e Magalhães Noronha (“quem primeiro ofendeu a dignidade da função foi o servidor público, que não pode, dessarte, exigir seja ela respeitada”).
Realizada estas considerações, é possível afirmar que se o ofensor, influenciado pelo contexto negativo da prisão, e açodado pelas provocações do agente penitenciário que o desafiara diante de seus colegas de cela, retrucou imediatamente aquilo que considerava ultrajante a sua honra, crime não haverá na conduta praticada.
3 CONCLUSÃO
O sistema carcerário brasileiro apresenta inúmeras falhas em seu propósito de auxiliar na ressocialização dos encarcerados, sendo certo que o clima beligerante estabelecido entre detentos e servidores do Estado já culminou em rebeliões com alto grau de violência.
Inequivocamente, o ambiente carcerário converteu-se em importante fator para a análise da configuração ou não do crime de desacato no interior de estabelecimentos prisionais, uma vez que poderá servir de norte para a decisão a ser proferida pelo Poder Judiciário.
Observa-se, portanto, que, para a configuração do crime de desacato, especialmente no interior de estabelecimento penitenciário, faz-se necessário uma análise pormenorizada de todo o contexto em que se deu a prática criminosa.
4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SÍTIO: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm;
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Volume IV. Niterói, Editora Impetus: 2006;
BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 5º ed. São Paulo, Editora Saraiva: 2009;
CRUZ, Rogério Schietti Machado. Prisão Cautelar, Dramas, Princípios e Alternativas. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris: 2011.
[1] Extraído do sítio: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689compilado.htm. Acesso em: 01/05/2013.
[2]GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Voluma IV. Niterói, Editora Impetus: 2006, p. 545.
[3]Apud GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Voluma IV. Niterói, Editora Impetus: 2006, p. 546.
[4] BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 5º ed. São Paulo, Editora Saraiva: 2009, p.
[5] GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. Parte Especial. Voluma IV. Niterói, Editora Impetus: 2006, p. 546
[6]CRUZ, Rogério Schietti Machado. Prisão Cautelar, Dramas, Princípios e Alternativas. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris: 2011, p. 17/18.
[7] APUD CRUZ, Rogério Schietti Machado. Prisão Cautelar, Dramas, Princípios e Alternativas. 2ª ed. Rio de Janeiro, Editora Lumen Juris:2011, p. 18
[8]BITENCOURT, Cezar Roberto. Código Penal Comentado. 5º ed. São Paulo, Editora Saraiva: 2009, p. 1085.
Defensor Público Federal, com pós-graduação em Direito Público.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: AMARAL, Pablo Luiz. Crime de desacato praticado por detento em estabelecimento penitenciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2013, 07:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/35292/crime-de-desacato-praticado-por-detento-em-estabelecimento-penitenciario. Acesso em: 24 nov 2024.
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