Resumo: O presente artigo científico tem por finalidade fazer uma análise concisa acerca da natureza jurídica do DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) e as implicações práticas decorrentes do presente entendimento.
Palavras-chave: natureza.jurídica.seguro.veículos.automotores.
Abstract. This research paper aims to make a concise analysis on the legal nature of DPVAT (Insurance Personal Injury Caused by Motor Vehicles Terrestrial) and the practical implications of this understanding.
Keywords: legal.insurance.vehicles.
Sumário: Introdução. 1. Do seguro obrigatório DPVAT. Conclusão.
Introdução
O presente artigo visa contextualizar, em termos regulatórios, as implicações práticas decorrentes da correta definição da natureza jurídica do DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre).
1. Do seguro obrigatório DPVAT
O DPVAT é um seguro obrigatório de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre cuja missão precípua é assegurar indenizações às vítimas de danos decorrentes de acidentes automobilísticos.
Abrange as coberturas referentes aos seguintes eventos: morte, incapacidades permanentes em níveis totais ou parciais e despesas médicas e suplementares.
O fato gerador que enseja o pagamento do respectivo prêmio de tal modalidade de seguro obrigatório é a propriedade de veículos.
O DPVAT tem a sua origem no art 20 do Decreto-Lei n.73, de 21 de novembro de 1966, o qual enumera os seguros obrigatórios (alíneas "a", "d", "e", "f", "g", "h", "i", "j" e "l") e os seguros de responsabilidade civil (alíneas "b", "c" e "m").
Com a edição da Lei nº 6.194/74 e respectivas alterações levadas a efeito pela Lei nº 8.441/92, pela Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007 e pela Medida Provisória nº 451, de 15 de dezembro de 2008, ficou regulamentado o seguro obrigatório previsto na alínea "l" do artigo 20 do Decreto – Lei nº 73/66.
No que se refere aos aspectos referentes à natureza jurídica do Seguro DPVAT, é de se destacar, primeiramente, a impossibilidade de ser atribuída a natureza contratual ao DPVAT.
Com efeito, a comparação do seguro obrigatório DPVAT com qualquer outra modalidade de seguro nos leva à conclusão de que se trata de um seguro, no mínimo, sui generis.
Nesse diapasão, o seguro obrigatório DPVAT afasta-se do modelo clássico de contrato, tanto pelas diversas peculiaridades decorrentes da intervenção estatal, quanto em função da inexistência de qualquer espaço para a atuação do Princípio da Autonomia das Vontades.
Ademais, não há qualquer margem de escolha do segurado quanto à escolha da seguradora no âmbito do DPVAT, porquanto somente por meio do Consórcio administrado pela Seguradora Líder é que é possível a realização de tal seguro.
Nesse sentido, é de se colacionar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“Direito Civil. Acidente de trânsito. Indenização por morte de irmã. Seguro obrigatório. DPVAT. Veículo não identificado. Ação de responsabilidade civil. Ilegitimidade passiva. Descabimento. Ao seguro obrigatório DPVAT, foi atribuída a natureza jurídica de contribuição parafiscal, conforme entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça, não importando se o veículo foi ou não identificado e se havia prova ou não de contribuição para o seguro. Precedentes: STJ, REsp nº 68146/SP, REsp nº 218.418/SP.
(...)
O Superior Tribunal de Justiça em acórdão recente tem se manifestado no sentido de descaracterizar o seguro obrigatório DPVAT como contrato, instituto do Direito Civil (...)” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA-Décima Oitava Câmara Cível-Apelação Cível nº 2003.001.04685-Ação: 2002.001.87150 – Indenizatória. Comarca Capital – 24ª Vara Cível- Relator Desembargador Nagib Slaibi Filho)
Ademais, a natureza obrigatória de tal seguro remete à compulsoriedade inerente às contribuições sociais, de modo que aquele que não paga tal seguro torna-se inadimplente. Da mesma forma, a existência de um fato gerador específico que enseja o pagamento de tal modalidade de seguro (propriedade de veículo automotor) o aproxima da natureza tributária.
A primeira peculiaridade que se observa é o nível de intervenção do Estado na fixação de diversos aspectos da estrutura do DPVAT, por meio de lei em sentido formal (Lei nº 6.194/74), tais como a fixação do valor do prêmio devido e da respectiva indenização devida em caso de sinistro, evidenciando-se, destarte, a conotação social de tal seguro.
Tal intervenção normativa decorre da decisão do legislador de tutelar as vítimas de acidentes de trânsito, a partir da criação de uma rede de proteção dos hipossuficientes envolvidos em acidentes dessa natureza. Seria incoerente definir como privado os recursos oriundos do DPVAT e, ao mesmo tempo, reconhecer o grau de relevância que o Estado outorgou a tal modalidade de seguro, porquanto o Estado não poderia aceitar que tal sistema de tutela fosse regido por premissas típicas das atividades privadas, tais como a busca do lucro.
Outrossim, não é possível afirmar que a gestão dos recursos do DPVAT pela Seguradora Líder represente uma atividade eminentemente privada, porquanto até mesmo a contrapartida da gestora de tais recursos é previamente definida (2% do faturamento do DPVAT).
Ademais, demonstrando que o DPVAT é um seguro absolutamente sui generis, é de se destacar que metade dos recursos arrecadados, relativos à parcela dos prêmios tarifários, é repassada ao Governo Federal com a seguinte destinação obrigatória: 45% para o Sistema Único de Saúde - SUS (Leis nºs 8.212/91 e 9.503/97), e 5% para o DENATRAN (Lei nº 9.503/97).
No que concerne à natureza jurídica do seguro DPVAT, a questão já foi enfrentada no âmbito do Colendo STJ, sendo que restou decidido que os recursos do DPVAT possuem natureza de contribuição parafiscal. Nesse sentido: REsp. N.68146/SP, REsp. N.218.418/SP.
A parafiscalidade inerente à natureza jurídica do DPVAT decorre não somente de sua obrigatoriedade, instituída pelo legislador para tutelar, coletivamente, o hipossuficiente, como também do pagamento sui generis das respectivas indenizações, as quais independem das formalidades e requisitos próprios dos pagamentos de indenizações de seguros privados.
Outrossim, o regime de parafiscalidade do DPVAT foi instituído de forma análoga ao que ocorre no âmbito da seguridade social, porquanto a relevância de ambos os sistemas exigem uma atuação interventiva do Estado, tanto em nível normativo, quanto em nível regulatório. Nesse mesmo sentido, é de se destacar decisão recente do Egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Pois bem. A Lei n. 11.482, de 2007, em que convertida a MP 340/2006, estabeleceu regras atinentes a alterações na tabela de imposta de renda de pessoa física; desconto de crédito na apuração de Contribuição Social sobre Lucro Líquido - CSLL; redução a zero da alíquota de CPMF; Fundo de Investimento ao Estudante do Ensino Superior; além de dispor sobre o seguro obrigatório - DPVAT, alterando o valor das suas indenizações, dentre outros dispositivos. Todas estas matérias estão classificadas como de direito tributário, posto que referentes a diversas espécies tributárias (impostos e contribuição social). É de se anotar que o seguro DPVAT configura espécie de contribuição social ou parafiscal (REsp n°s 68.146 e 218.418), dado o caráter impositivo de seu pagamento por parte dos proprietários dos veículos automotores, e ao fato de que, ocorrendo o sinistro, a indenização é devida, não importando se o veiculo foi ou não identificado, e se havia ou não prova de contribuição para o seguro - o regime da parafiscalidade constitui meio de financiamento tanto da seguridade social (INSS), quanto para a reparação dos danos decorrentes de acidentes de veículos automotores (DPVAT). E tais elementos evidenciam o seu caráter de contribuição social ou parafiscal (espécie tributária, cf. arts. 148 e 149 da CF/88), de modo que, em princípio, não se vislumbra a alegada inconstitucionalidade, por falta de pertinência temática.” (TJSP - Embargos de Declaração: ED 2089352720098260100 SP 0208935-27.2009.8.26.0100 - Relator(a): Clóvis Castelo - Julgamento: 09/05/2011 - Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado - Publicação: 13/05/2011)
Assim sendo, os recursos do DPVAT inserem-se em um sistema legal de proteção, análogo ao que ocorre no âmbito da Seguridade Social, razão pela qual tais recursos jamais poderiam ser considerados eminentemente privados. Nesse sentido, é de se colacionar o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro:
“Direito Civil. Acidente de trânsito. Indenização por morte de irmã. Seguro obrigatório. DPVAT. Veículo não identificado. Ação de responsabilidade civil. Ilegitimidade passiva. Descabimento. Ao seguro obrigatório DPVAT, foi atribuída a natureza jurídica de contribuição parafiscal, conforme entendimento manifestado pelo Superior Tribunal de Justiça, não importando se o veículo foi ou não identificado e se havia prova ou não de contribuição para o seguro. Precedentes: STJ, REsp nº 68146/SP, REsp nº 218.418/SP.
RECURSO ESPECIAL. SEGURO OBRIGATÓRIO.
1. Qualquer seguradora responde pelo pagamento da indenização em virtude do seguro obrigatório, pouco importando que o veículo esteja a descoberto, eis que a responsabilidade em tal caso decorre do próprio sistema legal de proteção, ainda que esteja o veículo identificado, tanto que a lei comanda que a seguradora que comprovar o pagamento da indenização pode haver do responsável o que efetivamente pagou.
2. Recurso especial conhecido e provido. (STJ, 3ª Turma, REsp nº 68146/SP, Min. Carlos Alberto Menezes Direito). Não obstante o acidente ter ocorrido sob a égide da Lei nº 6194/74, conforme o precedente apontado, no sentido de ser irrelevante a identificação ou não do veículo, por ter este seguro natureza de contribuição parafiscal, o pagamento do seguro deve ser integral.
A Teoria do Prêmio do Seguro é conceituada pelo professor Alberto Xavier como a adaptação do conceito de seguro do contrato de direito privado ao seguro social. O prêmio do seguro equipara-se à contribuição previdenciária e a indenização tem institutos similares com a aposentadoria em suas diversas modalidades, assistência médica, licenças, pensão por morte, auxílio acidente, auxílio acidente, reclusão e seguro-desemprego. Nem se poderia alegar que a compulsoriedade da contribuição previdenciária relativa ao empregado seria fator determinante para sua diferenciação do seguro de responsabilidade civil, pois como sabemos, essa modalidade de seguro é a vulgarmente conhecida como ‘seguro obrigatório’(...). (Contribuições parafiscais -conceito e natureza jurídica, Marli Guayanaz Muratori, dissertação de mestrado, Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, 2002)
Provimento parcial do segundo recurso e desprovimento do primeiro recurso.
A C O R D A M os Desembargadores da Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, por unanimidade, em prover parcialmente o segundo recurso e negar provimento ao primeiro, nos termos do voto do Desembargador Relator. (...)
O Superior Tribunal de Justiça em acórdão recente tem se manifestado no sentido de descaracterizar o seguro obrigatório DPVAT como contrato, instituto do Direito Civil, determinando sua natureza jurídica de contribuição parafiscal, instituto do Direito Tributário, sendo irrelevante para a indenização, a identificação dos veículos ou a prova do pagamento do prêmio, para a comprovação da relação contratual. (...) O seguro obrigatório, por interpretação do Superior Tribunal de Justiça, constitui-se em contribuição parafiscal, sendo o primeiro apelante parte legítima para figurar no pólo passivo da demanda, eis que neste caso torna-se Irrelevante a discussão quanto a retroatividade ou não da lei. (...)” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA-Décima Oitava Câmara Cível-Apelação Cível nº 2003.001.04685-Ação: 2002.001.87150 – Indenizatória. Comarca Capital – 24ª Vara Cível- Relator Desembargador Nagib Slaibi Filho)
Conclusão
Nesse diapasão, a conclusão de que os “recursos envolvidos na gestão do DPVAT, e administrados pela consulente, são recursos privados, e não públicos” não pode prosperar, porquanto ignora a jurisprudência do STJ acerca da questão e, acima de tudo, a conotação social de tal seguro evidenciada pela atuação interventiva do Estado, transcendendo, dessa maneira, a natureza privada típica de um seguro comum.
Por fim, é de se destacar as decisões recentes do Conselho Diretor da SUSEP, em anexo, no sentido de monitorar e até de suspender os repasses decorrentes de convênios celebrados pela Seguradora Líder com outras entidades, demonstrando a pró-atividade desta autarquia na fiscalização dos recursos oriundos do DPVAT, de modo que sejam utilizados de forma transparente, eficiente, razoável e adequada.
Procurador Federal. Procurador-Chefe da Superintendência de Seguros Privados - SUSEP. Pós-Graduada em Direito do Estado e da Regulação pela FGV-RIO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Bruno Perrut. Considerações acerca da natureza jurídica do Seguro DPVAT - seguro de danos pessoais causados por veículos automotores de via terrestre Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2013, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/37322/consideracoes-acerca-da-natureza-juridica-do-seguro-dpvat-seguro-de-danos-pessoais-causados-por-veiculos-automotores-de-via-terrestre. Acesso em: 21 nov 2024.
Por: Sergio Ricardo do Amaral Gurgel
Por: Tony de Sousa Marçal
Por: Caroline Marinho Boaventura Santos
Precisa estar logado para fazer comentários.