Para iniciar, urge dizer que o conceito restrito de contencioso da União Europeia seria o estudo de litígios que podem ser resolvidos mediante a aplicação do Direito da União Europeia. Esta acepção excluiria do contencioso da União Europeia os processos não litigiosos, como, por exemplo, as questões prejudiciais. Na acepção ampla, são incluídos os processos de natureza jurisdicional meramente consultivos e é esta a concepção adotada no presente trabalho.
Pois bem, no processo de integração regional é natural que ocorram conflitos entre os Estados-Partes, pois os Estados se comunicam cultural, social e economicamente, surgindo controvérsias no âmbito do bloco econômico.
Os mecanismos de solução de controvérsias nos procedimentos de cooperação e integração dependem, evidentemente, do grau e do modo como estão integrados os Estados-Membros. Quando o processo de integração econômica avança na construção de um sistema político estruturado, este impõe, para seu sucesso, a existência de um subsistema judicial que lhe é próprio. Este fenômeno ficou claro na evolução histórica da União Europeia e do Benelux.
No Direito Internacional, como os Estados são iguais entre si e pretendem preservar, na medida do possível, sua soberania pela via do reconhecimento e afirmação de sua igualdade, privilegia-se a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem, tendo como último recurso, e raramente utilizada, se for o caso, a fórmula judicial.
A arbitragem repousa sempre nos princípios basilares da soberania, consentimento mútuo e pacta sunt servanda.
Regra basilar no procedimento arbitral é o consenso entre os Estados em submeter a controvérsia à arbitragem e aceitar a decisão, que é imposta por um terceiro (árbitro). As sentenças arbitrais normalmente são cumpridas voluntariamente pelos Estados, tendo em vista a aplicação do princípio pacta sunt servanda, já que livre e soberanamente aceitou submeter o litígio à arbitragem.
O mecanismo de solução de controvérsias do Mercosul, que contém claramente regras de Direito Internacional, passou por quatro fases distintas até chegar a sua configuração atual: a) o anexo III do Tratado de Assunção; b) o Protocolo de Brasília; c) o Protocolo de Ouro Preto; e d) o Protocolo de Olivos.
O Tratado de Assunção, em seu anexo III, havia previsto um sistema de solução de conflitos entre Estados-Partes, o qual se iniciava com o estabelecimento de negociações diretas entre esses, que, se frustradas, obrigariam a remessa da questão ao Grupo Mercado Comum – GMC, órgão executivo do tratado, ao qual caberia avaliá-la, com a colaboração eventual de peritos, formulando, ao fim, as recomendações pertinentes aos Estados para a solução do conflito.
Caso não acatadas as recomendações, em última instância interviria o órgão de cúpula do Mercosul, de natureza deliberativa, o Conselho Mercado Comum – CMC.
Esse sistema transitório foi substituído, em 1991, com a assinatura do Protocolo de Brasília sobre Soluções de Controvérsias, cujas inovações principais foram tanto a admissão de reclamações de particulares, quanto a instituição de um juízo arbitral.
Posteriormente, foi firmado o Protocolo de Olivos, que não traz alterações fundamentais na sistemática anteriormente adotada. Algumas características básicas foram mantidas: (a) a resolução das controvérsias continuará a se operar por negociação e arbitragem, inexistindo uma instância judicial supranacional; (b) os particulares continuarão dependendo dos governos nacionais para apresentarem suas demandas; (c) o sistema continua sendo provisório.
No entanto, o Protocolo de Olivos criou o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) com o objetivo de "garantir a correta interpretação, aplicação e cumprimento dos instrumentos fundamentais do processo de integração e do conjunto normativo do Mercosul de forma consistente e sistemática". O Tribunal Permanente de Revisão tem sua sede permanente na cidade de Assunção, no Paraguai.
A constituição do TPR marcou um avanço importante no sistema de solução de controvérsias previsto no Protocolo de Brasília, sistema que não tinha uma instância de revisão de seus laudos, como é hoje o TPR. Outro aspecto inovador do Protocolo de Olivos está ligado ao mecanismo de opiniões consultivas, instituído com vistas a contribuir para a interpretação e aplicação correta e uniforme das normas do Mercosul, mesmo que não tenham efeito vinculante e obrigatório.
O Protocolo de Olivos buscou reformar o sistema de solução de controvérsias, permitindo-lhe o "adensamento de juridicidade" e a solução de problemas procedimentais surgidos na prática dos casos julgados sob a égide do Protocolo de Brasília.
Em nenhum dos aspectos das instituições do Mercosul o caráter politico e diplomático ficou tão evidente como no sistema de solução de disputas. Desde o Tratado de Assunção, passando pelo Protocolo de Brasilia e até a implementação da fase definitiva pelo Protocolo de Ouro Preto, vê-se o predomínio da atividade diplomática sobre qualquer outra.
De outro lado, o contencioso da UE é bem próximo do sistema judicial dos Estados, no que toca a sua estrutura.
Para Fausto de Quadros, o Tribunal de Justiça na União Europeia assumiu o papel de locomotiva da integração jurídica e, portanto, da criação da já referida comunidade de direito e, dessa forma, supriu com o seu labor, sem se substituir ao legislador, a inércia e a paralisia dos órgãos das Comunidades e da União.
O juiz nacional aplica o direito da UE segundo os critérios próprios deste. Isto é, com respeito por todas as características que são próprias e específicas do sistema jurídico da UE, a começar pela sua uniformidade e pelo seu primado sobre os direitos estaduais.
Cada Estado-Membro conserva a sua autonomia quanto à organização de seu sistema jurisdicional e à definição das respectivas regras de processo, mas não pode recusar de forma alguma a plena eficácia ao direito da UE na respectiva ordem interna, ainda que contra eventual direito nacional em sentido contrário.
Insta registrar que o Tribunal de Justiça não funciona como um tribunal de recurso em relação aos tribunais nacionais. Não compete ao TJUE reformar as decisões proferidas na ordem interna dos Estados-Membros em que se tenha feito a aplicação do Direito da União, sequer anular os atos dos Estados. Repete-se: o TJ não tem natureza de um tribunal hierarquicamente superior aos tribunais nacionais, habilitado por isso a revogar ou reformar decisões destes proferidas sobre questões atinentes ao Direito da União. Ele apenas indica a desconformidade e exige a sua adequação ao Direito da União Europeia, sob pena de poder lhe aplicar uma sanção pecuniária.
Notas:
QUADROS, Fausto de. Direito da União Europeia. 3. ed. reimp. Coimbra: Almedina, 2009, p. 293.
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