É comum nos sistemas de solução de controvérsias, como é o caso da União Europeia e o Mercosul, que a partir do momento em que o Estado celebre o respectivo tratado ele já aceite, como obrigatória, a referida jurisdição. No entanto, insta registrar que a jurisdição não é impositiva, pois são os Estados que, por meio da celebração do tratado, aceitam-na como obrigatória.
No Mercosul, a obrigatoriedade da jurisdição está prevista no art. 33 do Protocolo de Olivos[1]. No entanto, neste bloco a jurisdição não é exclusiva, pois segundo o art. 1º, n. 2, do Protocolo de Olivos, a parte pode escolher outro foro[2]. Esta é uma das inovações do Protocolo de Olivos.
Insta registrar, contudo, que uma vez feita a escolha não é possível recorrer a outro foro para resolver a mesma demanda.
Na União Europeia, como é cediço, a jurisdição é obrigatória e exclusiva, não podendo ser objeto de qualquer reserva[3]. Os litígios para os quais tem competência encontram-se subtraídos da jurisdição de qualquer outro tribunal nacional ou internacional.
O Tribunal de Justiça das União Europeia, em caráter supranacional, surgiu com vistas a uniformizar a interpretação das normativas e a solução de eventuais litígios. A alta corte vem assegurando eficácia às normas do bloco (obrigatoriedade de seu cumprimento pelos Estados-Membros, com primazia e efeito direto), ou seja, a sua aplicabilidade.
Após o Tratado de Lisboa, o Tribunal de Justiça da União Europeia inclui, nos termos do art. 19, n. 1 do TFUE: o Tribunal de Justiça, anteriormente designado Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias; o Tribunal Geral, ex Tribunal de Primeira Instância; os tribunais especializados, referidos no Tratado de Nice por câmaras jurisdicionais, destacando-se o Tribunal da Função Pública da União Europeia. O Parlamento e o Conselho podem criar tribunais especializados encarregados de conhecer em primeira instância certas categorias de recursos em materias específicas.
Estas são algumas das alterações inseridas no Tratado de Lisboa quanto ao sistema jurisdicional da União.
O TJ tem por característica estar em constante transformação. Primeiro necessitou de uma nova instância para auxiliá-lo, o Tribunal de Primeira Instância - TPI, hoje Tribunal Geral. Foi criada posteriormente uma instância que precede o Tribunal Geral, os tribunais especializados (art. 256, 2, TFUE). Como exemplo de tribunal especializado tem-se o Tribunal da Função Pública da União Europeia, o qual conhece das questões que digam respeito aos funcionários da União, que já chegam à casa dos cinqüenta mil trabalhadores.
Os tribunais nacionais também integram a estrutura jurisdicional da União Europeia enquanto tribunais funcionalmente europeus, por oposição aos tribunais organicamente europeus que integram TJUE, uma vez que também aplicam o Direito da União Europeia, embora não sejam hierarquicamente subordinado ao TJUE. Segundo o TJ, os tribunais nacionais são tribunais comuns do contencioso comunitário ou os tribunais comunitários de direito comum. A relação entre o tribunal da UE e do tribunal nacional é uma relação de cooperação judiciária e não uma relação de hierarquia federal[4].
No Mercosul, o Tratado de Assunção só previa a negociação diplomática. Somente no Protocolo de Brasília surge o Tribunal Arbitral Ad Hoc - TAH. Com o Protocolo de Olivos que é criado o Tribunal Permanente de Revisão (TPR) cuja sede permanente fica na cidade de Assunção, no Paraguai.
A criação do Tribunal Permanente de Revisão objetivou o fortalecimento da uniformidade na interpretação do direito do Mercosul, visto instituir uma instância revisional que permite uma consequente melhora na segurança jurídica do bloco, conforme consta nos considerandos do protocolo.
A constituição do TPR marca um avanço importante no sistema de solução de controvérsias, pois não havia uma instância de revisão dos laudos, como o faz hoje.
No entanto, em que pese os árbitros indicados pelos Estados, tanto os titulares quanto os suplentes, terem de estar permanentemente disponíveis para atuar nos julgamentos quando convocados[5], o TPR não é um órgão permanente stricto sensu, pois é instaurada à medida em que os casos vão sendo apresentados para julgamento.
Não há dúvidas de que a fórmula mais adequada para que se alcance uma interpretação uniforme das normas que compõem um sistema tão complexo como é o mercado comum é a de outorgar a um órgão arbitral permanente ou a um órgão judicial essa função. Porém, sabe-se pela experiência de outros blocos regionais da dificuldade em se atingir tal sofisticação, seja pela parcela de soberania que os Estados terão que delegar a tais órgãos, seja pelo seu caráter dispendioso, que não se coaduna com os blocos regionais criados entre estados em desenvolvimento, como é o caso do Mercosul.
Há de se sopesar os custos de manutenção de um tribunal permanente, a necessidade de alteração da estrutura jurídica constitucional dos Estados-Partes, número ainda reduzido de casos[6], impossibilidade material de receber demandas de particulares, além do desconhecimento da estrutura pelos judiciários nacionais.
Contudo, se de fato for consolidado o processo de integração regional, a solução arbitral certamente apresentará limitações para resolver conflitos mais complexos e que estejam relacionados com os interesses dos particulares ou com a aplicação uniforme das regras jurídicas criadas pelo Mercosul.
Insta registrar que, para além destes tribunais, há no Mercosul o Tribunal Administrativo-Trabalhista, o qual tem semelhanças com o Tribunal de Função Pública da União Europeia.
O Tribunal Administrativo Trabalhista do Mercosul, criado pela resolução GMC 54/03, é a única instância jurisdicional com competência pra conhecer e resolver os conflitos em matéria administrativo trabalhista exclusivamente suscitadas entre a Secretaria do Mercosul e o seu pessoal, uma vez esgotadas as vias administrativas correspondentes[7].
Tem legitimação ativa para recorrer ao Tribunal Administrativo Trabalhista o pessoal da Secretaria do Mercosul, mesmo depois de ter terminado seu cargo e, em cada caso, seus sucessores, bem como toda pessoa contratada pela Secretaria para obras ou serviços determinados nela ou em outros órgãos da estrutura institucional do Mercosul.
[1] “Art. 33. Jurisdição dos tribunais. Os Estados Partes declaram reconhecer como obrigatória, ipso facto e sem necessidade de acordo especial, a jurisdição dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc que em cada caso se constituam para conhecer e resolver as controvérsias a que se refere o presente Protocolo, bem como a jurisdição do Tribunal Permanente de Revisão para conhecer e resolver as controvérsias conforme as competências que lhe confere o presente Protocolo”. OLIVOS. PROTOCOLO DE OLIVOS, de 18. 02. 02. Protocolo de Olivos para a solução de controvérsias no Mercosul.
[2] “Capítulo I- Controvérsias entre Estados-Partes – Art. 1. Âmbito de aplicação - 1. As controvérsias que surjam entre os Estados Partes sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento do Tratado de Assunção, do Protocolo de Ouro Preto, dos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum e das Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul serão submetidas aos procedimentos estabelecidos no presente Protocolo.
2. As controvérsias compreendidas no âmbito de aplicação do presente Protocolo que possam também ser submetidas ao sistema de solução de controvérsias da Organização Mundial do Comércio ou de outros esquemas preferenciais de comércio de que sejam parte individualmente os Estados Partes do Mercosul poderão submeter-se a um ou outro foro, à escolha da parte demandante. Sem prejuízo disso, as partes na controvérsia poderão, de comum acordo, definir o foro”. OLIVOS. PROTOCOLO DE OLIVOS, de 18. 02. 02. Protocolo de Olivos para a solução de controvérsias no Mercosul.
[3] “Art. 344 (ex-artigo 292.º TCE). Os Estados-Membros comprometem-se a não submeter qualquer diferendo relativo à interpretação ou aplicação dos Tratados a um modo de resolução diverso dos que neles estão previstos”. ROMA. TRATADO DE FUNCIONAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA, de 25.03.57. Versão consolidada do tratado de funcionamento da União Europeia.
[4] QUADROS, Fausto de. Direito da União Europeia. 3. ed. reimp. Coimbra: Almedina, 2009, p. 286.
[5] “Art. 19. Os integrantes do Tribunal Permanente de Revisão, uma vez que aceitem sua designação, deverão estar disponíveis permanentemente para atuar quando convocados”. OLIVOS. PROTOCOLO DE OLIVOS, de 18.02.02. Protocolo de Olivos para a solução de controvérsias no Mercosul.
[6] Buscando no endereço virtual do Mercosul, constata-se que foram 10 demandas sob a égide do Protocolo de Brasilia, 2 laudos dos Tribunais Ad Hoc e 5 laudos do Tribunal Permanente de Revisão.
[7] Entender-se-a por esgotamento das vias administrativas correspondentes a realização de todas as gestões relativas à reclamação diante do superior imediato na Secretaria do Mercosul e diante do diretor da Secretaria do Mercosul, ou diante do funcionário encarregado do órgão correspondente, conforme o caso.
Procuradora Federal. Graduada pela Universidade de Brasília - UNB. Mestranda pela Universidade de Lisboa;
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARQUES, Camila Dias. Jurisdição e órgãos jurisdicionais no MERCOSUL e na União Europeia Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jan 2014, 06:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/38183/jurisdicao-e-orgaos-jurisdicionais-no-mercosul-e-na-uniao-europeia. Acesso em: 22 nov 2024.
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