RESUMO: Versa sobre a garantia constitucional prevista expressamente na Constituição Federal de 1988 das interceptações telefônicas e sua regulamentação a luz da lei 9296/96, problemática procedimental e os posicionamentos dos tribunais acerca dos procedimentos adotados. Haja vista relativização dos direitos fundamentais por não existir direito fundamental absoluto, porém sendo necessário aos aplicadores do direito, mais cautela, pois, a prática de reiteradas autorizações para interceptação telefônica, caracteriza afrontamento a intimidade e a honra dos indivíduos, devendo ser uma exceção à garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas.
PALAVRAS-CHAVE: Interceptação – Garantias – Procedimentos.
1 INTRODUÇÃO
As comunicações telefônicas de regra são invioláveis de acordo com previsão explicita na Constituição Federal Brasileira, porém em casos excepcionais e através de ordem judicial poderão ser utilizadas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal. Vejamos o que reza o Art. 5 inc. XII, da CF/1988:
Art. 5º, Constituição Federal de 1988:
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
A leitura seca desse dispositivo deixa a impressão de que esses três primeiros sigilos são absolutos, sendo o 4º sigilo, um sigilo relativo que permite ser recepcionado. No entanto, predomina na doutrina e na jurisprudência que todos esses sigilos são relativos porque não existe direito fundamental absoluto. Esses três primeiros sigilos, em casos excepcionalíssimos e de relevante interesse público podem ser violados, ou seja, esses três sigilos podem ser excepcionados.
Exemplo: HC 79.814, STF – a administração penitenciária por questões de segurança pública pode em casos excepcionais, violar a correspondência de presos.
Esse sigilos das comunicações telefônicas ele é relativo por força do próprio art. 5º, XII, da CF. Esse dispositivo permite que as comunicações telefônicas sejam interceptadas e utilizadas como prova, exigindo três requisitos para tanto:
a) Que essa interceptação se dê nas hipóteses e na forma da lei;
b) Que essa interceptação seja utilizada para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;
c) Que essa interceptação se dê com ordem judicial.
2 DESENVOLVIMENTO
2.1. Requisitos para Interceptação Telefônica
2.1.1. REQUISITO CONSTITUCIONAL: Lei Regulamentadora estabelecendo as hipóteses e a forma das interceptações.
A interceptação só pode ocorrer nas hipóteses e na forma da lei.
O art. 5º, XII, da CF é de 1988.
A lei de interceptação telefônica é a Lei 9296/96.
Como se fazia a interceptação telefônica entre 1988 e 1996?
Antes da Lei 9296, os juízes autorizavam a interceptação telefônica com base no art. 57, II, e, Código Brasileiro de Telecomunicações (Lei nº 4197/42). No entanto, o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça consideraram provas ilícitas todas as interceptações telefônicas feitas antes da Lei 9296/96 (entenderam que o art. 57, II, e, do CBT não foi recepcionado pelo art. 5º, XII, CF, porque esse dispositivo não descreve a forma e as hipóteses de cabimento das interceptações telefônicas). Entendiam que a norma constitucional não era auto-aplicável.
Em outras palavras, o STF e o STJ entenderam que o art. 5º, XII, CF/88 é norma constitucional não auto-aplicável, de eficácia limitada, dependente de regulamentação infraconstitucional. Nesse sentido REsp 225.450/RJ (o STJ decidiu que interceptação telefônica feita antes da Lei 9296/96 é prova ilícita).
O art. 5º, XII CF/88 foi regulamentado pela Lei 9296/96. Esta lei em seu art. 1º, assim dispõe:
Art. 1o A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.
Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.
Regulamenta as interceptações telefônicas de qualquer natureza.
Nós temos que distinguir seis conceitos:
Interceptação Telefônica (denominada de Interceptação Telefônica em sentido estrito): é a captação da conversa telefônica feita por um terceiro sem o conhecimento dos interlocutores.
Escuta Telefônica: É a captação da conversa telefônica feita por um terceiro, com o conhecimento de um dos interlocutores, e sem o conhecimento do outro.
Gravação Telefônica (também denominada de gravação clandestina): é a captação da conversa telefônica feita por um dos próprios interlocutores da conversa, sem o conhecimento do outro, não existindo a figura do terceiro interceptador.
Interceptação Ambiental: é o mesmo conceito de interceptação aplicado á conversa ambiente. Ou seja, é a captação da conversa ambiente feita por um terceiro sem o conhecimento dos interlocutores.
Escuta Ambiental: é o conceito da escuta aplicado á conversa ambiente. Ou seja, é a captação da conversa ambiente feita por um terceiro, com o conhecimento de um dos interlocutores, e sem o conhecimento do outro.
Gravação Ambiental (também denominada de gravação clandestina): é o conceito da gravação aplicado á conversa ambiente. Ou seja, é a gravação da conversa ambiente feita por um dos próprios interlocutores da conversa.
Regra Geral de Jurisprudência do STF e do STJ (regra porque vez ou outra admitem exceções) entendem que somente as duas primeiras hipóteses entram no regime da Lei 9.296/96, porque somente nessas duas primeiras hipóteses nós teremos uma comunicação/interceptação telefônica e a figura do terceiro interceptador. A lei 9296/96 só se aplica á interceptação e escuta telefônica, pois somente em ambas existe a figura da comunicação telefônica e a do 3º interceptador.
Já as quatro últimas hipóteses não entram no regime da Lei 9.296/96, porque na gravação telefônica não há o terceiro interceptador, ou seja, a captação da conversa é feita pelo próprio interlocutor. Ademais, a interceptação ambiental, a escuta ambiental e a gravação ambiental não entram no entendimento do STF e do STJ porque não há comunicação telefônica. A gravação telefônica não entra porque não há o terceiro interceptador. Nessas quatro hipóteses a prova é lícita, mesmo se captada sem órgão judicial, salvo se se tratar de conversa íntima (assunto exclusivo da vida privada da pessoa). Se essas últimas 4 hipóteses não se submetem a Lei 9296/96 significa que essas 4 hipóteses não dependem de ordem judicial para que sejam realizadas. São provas lícitas, mesmo que realizadas, sem ordem judicial, salvo se envolverem conversa íntima da vida privada dos interlocutores.
2.2. Quebra de Sigilo Telefônico
A quebra de sigilo telefônico significa apenas o acesso à relação de ligações efetuadas e recebidas, bem como respectivos horários, por determinada linha telefônica, obtida junto à operadora de telefonia.
A quebra de sigilo telefônico não dá acesso ao teor das conversas, ao conteúdo das conversas, portanto não se confunde com interceptação da comunicação telefônica.
A quebra do sigilo telefônico é meramente uma segunda via da conta telefônica detalhada. É necessária ordem judicial pra quebra do sigilo telefônico, não por ser interceptação telefônica, mas por envolver direito a intimidade (art. 5º, X, CF).
Desta forma, quanto à razoabilidade na decisão adotada os renomados doutrinadores Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2011, p. 372):
A proteção da sociedade está melhor amparada pela preservação do núcleo básico de garantias de todos. Afinal, os criminosos integram o corpo social. Flexibilizar os direitos de alguns, como já acontece como o “bode expiatório” das organizações criminosas, que são invocadas toda vez que se quer justificar ilegalidade ou mitigação de direitos, é abrir caminho para o desrespeito à segurança de todos.
O valor constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações telefônicas é a intimidade. Rompida esta, licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais resta a preservar. Seria uma demasia negar-se a recepção da prova assim obtida, sob a alegação de que estaria obliquamente vulnerado o comando constitucional. Ainda aqui, mais uma vez, deve prevalecer a lógica do razoável.
Caso interessante o entendimento do Superior Tribunal de Justiça “HC 66.368/PR”, em relação das ligações gravadas (registradas) na memória do telefone apreendido, o que é muito comum a polícia apreender o telefone celular do suspeito, sendo que as ligações efetuadas e recebidas ficam registradas no aparelho. Essa questão foi submetida ao STJ, sendo que este decidiu que a polícia pode utilizar a relação das ligações gravadas na memória do celular, já que isto não é interceptação telefônica nem quebra do sigilo telefônico. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a polícia pode utilizar na investigação os números de telefones gravados na memória do celular apreendido, sem necessidade de ordem judicial, porque isso não configura nem interceptação telefônica, já que não dá acesso ao conteúdo das conversas, nem quebra de sigilo telefônico, já que não dá acesso a todas as ligações efetuadas e recebidas naquela linha telefônica.
2.3. Interceptação das Conversas Telefônicas de Advogados
A Conversa telefônica entre advogado e o cliente investigado ou acusado jamais pode ser interceptada e utilizada como prova no processo penal, porque essa conversa está protegida pelo sigilo profissional do advogado e pela garantia da não auto-incriminação. Nesse sentido, STJ, HC 59.967 e HC 66.368/PR. A polícia gravou 20 conversas telefônicas de um traficante, sendo que 15 conversas desta eram com outros traficantes, enquanto 5 eram com o advogado. A defesa requereu a nulidade de toda a interceptação porque continham conversa entre o advogado e o cliente. O STJ entendeu que cabe ao juiz utilizar as 15 conversas com outros traficantes, e inutilizar as 5 (cinco) conversas com o advogado. As demais serão válidas. Nesse caso, são excluídas as conversas com o advogado, e as demais são mantidas como prova válida. Se durante a interceptação legalmente autorizada, a polícia captar conversas de criminoso com criminoso, mas também do criminoso com advogado, a interceptação não será inteiramente ilícita e nula. Caberá ao juiz, quando da sentença, avaliar as conversas que podem ser utilizadas como prova e as conversas que devem ser inutilizadas e destruídas por estarem protegidas pelo sigilo profissional.
Interceptação telefônica de advogado investigado ou acusado: quando o advogado é o próprio criminoso ou o próprio acusado ou investigado, é permitida a interceptação de suas comunicações telefônicas referentes ao crime, e em relação ao qual ele é investigado ou acusado. Nesse sentido, STF, HC 96.909/MT (J. em 17.11.2009). Nesse caso não há sigilo profissional porque o advogado não está sendo interceptado como profissional da advocacia, mas na condição de suspeito ou acusado de um crime.
Outro interessante requisito constitucional é que a prova seja parte de investigação criminal ou instrução processual penal. Ou seja, a interceptação telefônica só pode ter finalidade criminal probatória: só pode ser usada em investigação ou processo criminal. A interceptação telefônica não pode ser autorizada em processo civil, em processo tributário, em processo administrativo. O Juiz não pode autorizar interceptação em Ação Civil Pública, em ação de separação.
Há um problema, no entanto, nesse requisito: interceptação antes da instauração do inquérito? É pacífico o entendimento no STF e no STJ de que o juiz pode autorizar a interceptação antes da formal instauração do inquérito policial, porque tanto o art. 5º, XII, CF quanto o art. 1º, da Lei 9296/96 utilizam a expressão investigação criminal, que já existe antes de inquérito instaurado.
O segundo problema é o da prova emprestada: a interceptação telefônica pode ser utilizada como prova emprestada em outro processo, a exemplo de um procedimento administrativo disciplinar.
Assim de forma brilhante conceitua os Especialistas Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar (2011, p. 374):
Prova emprestada é aquela produzida em um processo e transportada documentalmente para outro. A prova pode assim ser importante a mais de um processo. A eficiência da instrução criminal e a colaboração da justiça levam à admissibilidade do empréstimo probatório. Compartilhar provas entre processos pode ser de grande utilidade, mas não pode se tornar um expediente de comodidade. Havendo justificativa plausível, o empréstimo pode será oportunizado. Pode ser patrocinado o empréstimo probatório, até mesmo de um processo cível a um criminal.
O STF e o STJ já consolidaram que a interceptação realizada na investigação criminal ou no processo penal pode ser trasladada ou utilizada como prova emprestada em processo administrativo disciplinar para demissão de servidor público, e em procedimento para apuração de quebra de decoro parlamentar. “A interceptação pode ser utilizada inclusive contra servidores que não figuraram, não participaram da investigação criminal ou no processo penal, mas somente do procedimento administrativo”. Nesse sentido, STJ EDcl no MS 10.128/DF (J. em 24.03.2010). E STF no Inquérito 2424/RJ (pleno).
Mais um requisito constitucionalmente previsto é que haja ordem judicial. O art. 5º, XII, CF exige “ordem judicial”. Agora, o art. 1º, Lei 9296/96 exige ordem “do juiz competente para a ação principal”, ou seja, para a ação penal.
A Constituição Federal de 1988, só fala em ordem judicial, enquanto que a Lei 9296/96 fala em ordem do juiz competente para julgar a ação principal. Logo, não é qualquer juiz que pode autorizar a interceptação, mas sim o juiz que tem competência para julgar a ação penal que será proposta depois ou que já está em curso. A lei fala em ação principal porque a Interceptação Telefônica é uma medida cautelar (preparatória, quando decretada na fase das investigações; incidental, quando decretada durante a ação penal). Logo, juiz cível, juiz federal em processo de competência da justiça estadual ou vice-versa, não podem decretar interceptação telefônica.
Importante posicionamento do Superior Tribunal no HC 49.179/RS, em que um Juiz estadual autorizou interceptação telefônica em Inquérito Policial Militar para apuração de crime militar: o STJ entendeu ser prova ilícita porque o juiz estadual não tem competência para julgar crime militar, portanto, não teria competência para determinar a interceptação telefônica. É uma prova ilícita, assim, porque não foi decretada pelo juiz competente para a ação principal.
2.4. Acesso do Advogado às Interceptações na Fase do Inquérito
O Supremo Tribunal Federal no julgamento do HC 90.232 em 18.12.2006, decidiu que o advogado tem acesso às interceptações já transcritas e/ou documentadas no inquérito ou na investigação. Ou seja, o advogado tem acesso às interceptações já encerradas. Obviamente, o advogado não tem acesso às interceptações ainda em andamento e que não foram documentadas. Julgado do Ministro Celso de Mello, um dos principais precedentes da súmula vinculante nº 14. (HC n. 90323 - Relator: Min. Celso de Mello).
14. É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.
E nessa mesma linha, de acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça HC 86.255/DF. Esse acesso amplo inclui o direito da defesa de fazer cópia total/integral dos CD`s contendo as gravações.
3. Requisitos Legais para o Cabimento da Interceptação
De acordo com Art. 2º, I a III, Lei 9296/96, na presença de um deles a interceptação será considerada ilícita, vejamos o que reza o artigo acima citado:
Art. 2o Não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas quando ocorrer qualquer das seguintes hipóteses:
I – não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal;
II – a prova puder ser feita por outros meios disponíveis;
III – o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Disciplina quando não será admitida a interceptação. Tal dispositivo dispõe quando não é cabível a interceptação. Interpretando-o ao contrário, portanto, é possível saber quais os requisitos de cabimento da interceptação.
Inciso I – Indícios Razoáveis de autoria ou participação em infração penal: se não houver esses indícios razoáveis ou a autoridade policial e o Ministério Público não demonstrarem esses indícios razoáveis no pedido de interceptação, esta constitui prova ilícita. Nesse sentido, STJ HC 88.825/GO 15.10.2009. Basta os indícios, hão havendo, a prova é ilícita.
Inciso II – Indispensabilidade ou imprescindibilidade da Interceptação: não é possível, se fizer será ilegal, a interceptação se a prova puder ser obtida por outros meios. Só é admitida interceptação se ela for o único meio de captação da prova. Sem a interceptação, a prova se perderá. Ou seja, a interceptação só é cabível quando não houver outro meio para se captar a prova.
Inciso III – Para apuração de crime punido com reclusão: este dispositivo disciplina que não cabe interceptação quando a infração for punida no máximo com detenção. Não cabe interceptação para crimes punidos com detenção e para apuração de contravenção penal.
Porém a interceptação pode ser utilizada como prova em crime punido com detenção, desde que tal crime seja conexo ao crime punido com reclusão, para o qual foi determinada a interceptação. O mesmo raciocínio se aplica ás contravenções penais.
Também chamada Descoberta Fortuita ou Encontro Ocasional de novos crimes o parágrafo único do art. 2º da lei 9296/96 prevê:
Parágrafo único. Em qualquer hipótese deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada.
Observe-se que no pedido de interceptação, a autoridade deve indicar o(s) crime(s) que será apurado, situação objeto de investigação, e as pessoas que estão sendo investigadas “indicação e qualificação dos investigados”. Ocorre que durante as interceptações podem ser descobertos novos crimes e novos criminosos, não originariamente indicados no pedido. É a chamada descoberta fortuita de novos crimes e/ou novos criminosos. Se durante a interceptação forem descobertos novos crimes e/ou novos criminosos, não indicados no pedido de interceptação, haverá o que se chama de descoberta fortuita ou encontro ocasional.
Há duas correntes sobre a possibilidade ou não da interceptação ser utilizada como prova, em relação a esses novos crimes e/ou novos criminosos, não indicados no pedido, porque descobertos fortuitamente:
Vejamos a lição da nobre doutrinadora de Ada Pellegrini Grinover (2006, p. 194):
O valor constitucionalmente protegido pela vedação das interceptações telefônicas é a intimidade. Rompida esta, licitamente, em face do permissivo constitucional, nada mais resta a preservar. Seria uma demasia negar-se a recepção da prova assim obtida, sob a alegação de que estaria obliquamente vulnerado o comando constitucional. Ainda aqui, mais uma vez, deve prevalecer a lógica do razoável.
De acordo com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal a interceptação pode ser utilizada desde que o novo crime ou criminoso descoberto fortuitamente tenha relação com o crime objeto do pedido de interceptação. Se não houver essa relação, a interceptação valerá apenas como notitia criminis para apuração de dos fatos ou pessoas novos. Porém turmas em ambos os tribunais acima citados divergem dando dessa forma entendimento diferente do que se vinha adotando majoritariamente. A interceptação pode ser utilizada como prova mesmo que o novo crime ou criminoso não tenha nenhuma relação com o crime, objeto do pedido de interceptação. Nesse sentido, STJ HC 69.552/PR (5ª Turma, J. em 06.02.2007), e STF AI no AgRg/SP nº 761.706 (2ª Turma, J. em 06.04.2010).
3.1. Autoridade Competente para Determinar a Interceptação Telefônica
A competência para determinar a interceptação telefônica de acordo com o art. 3 da lei 9296/96 é exclusivamente do juiz:
Art. 3o A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada
pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
I – da autoridade policial, na investigação criminal;
II – do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na instrução processual penal.
Apenas o juiz ou tribunal podem determinar a interceptação telefônica. Nem a autoridade policial nem o Ministério Público nem Comissão Parlamentar de Inquérito pode determinar tal medida. O juiz ou tribunal pode determinar de ofício a interceptação na fase das investigações ou durante a ação penal, ou por requerimento da autoridade policial, na fase das investigações, ou por requerimento do Ministério Público, na fase das investigações ou da ação penal.
Há um problema quanto à decretação de ofício da interceptação: doutrina e jurisprudência majoritária entendem que o art. 3º é inconstitucional no ponto em que autoriza o juiz a decretar de ofício interceptação na fase das investigações, por violação ao sistema acusatório de processo, ao princípio da imparcialidade, ao princípio da inércia de jurisdição. Nesse sentido, o renomado autor Paulo Rangel, bem como o Procurador Geral da República se manifestou na ADI 3450 requerendo a declaração da inconstitucionalidade do art. 3º neste ponto. Estaria o juiz atuando como juiz investigador, juiz inquisidor.
A doutrina preocupa - se quanto à importância de não ferir o contraditório em casos como esse. Assim vejamos o que ensina o doutrinador Nestor Távora (2011, p. 70):
O alicerce do processo é a instrução contraditória, que permitirá ao magistrado cognição plena acerca da imputação e de contra-imputação, na dialética necessária a toda discussão em juízo, como residência segura do provimento almejado. Sem o alicerce as bases certamente irão ruir, não servindo de nada a construção açodada, se ao final o resultado obtido virá abaixo.
Porém o Supremo Tribunal Federal pacificou o entendimento de que se a ilegalidade da interceptação não foi alegada nas instâncias inferiores, a matéria não pode ser apreciada pela corte superior, sob pena de supressão de instância. Nesse sentido, STF HC 97.542/PB (J. em 24.11.2009).
3.2. Forma do Pedido de Interceptação
No pedido, deve ser demonstrada a necessidade da interceptação telefônica. Deve-se demonstrar que não há outra forma de se captar a prova a não ser pela interceptação telefônica, por conta do que se diz o art. 2º, da Lei 9296/96. Se houver como colher outros elementos de prova, não será cabível a interceptação telefônica. Vejamos então quanto ao pedido o que reza o artigo 4º da Lei 9296/96:
Art. 4º - O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados.
§ 1o Excepcionalmente, o juiz poderá admitir que o pedido seja formulado verbalmente, desde que estejam presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, caso em que a concessão será condicionada à sua redução a termo.
§ 2o O juiz, no prazo máximo de vinte e quatro horas, decidirá sobre o pedido.
Por isso que o art. 4º disciplina que o Ministério Público deve demonstrar que não há outro meio de se obter a prova, a não ser pela interceptação telefônica.
Em regra, o pedido de interceptação deve ser feito por escrito. Excepcionalmente, havendo urgência, pode ser feito verbalmente, desde que presentes os pressupostos que autorizem a interceptação, mas a interceptação só pode ser autorizada se o pedido verbal for reduzido a escrito.
O § 2º diz que o juiz tem o prazo máximo de 24 horas para decidir sobre a interceptação.
A decisão deve ser fundamentada, demonstrando a presença dos requisitos da interceptação telefônica previstos no art. 2º da lei. Medida restritiva de direito fundamental deve ser fundamentada, sob pena de nulidade.
4. Prazo de Interceptação
Como já falamos no tópico anterior a decisão deve ser fundamentada sob pena de nulidade, tal determinação é reforçada pelo art. 5º da Lei 9296/96. Quanto ao limite temporal de acordo com ensinamentos do professor e renomado doutrinador Luiz Flávio Gomes, tal limite faz parte da proporcionalidade em abstrato, da qual se encarregou o legislador. Pois tal medida quebra direitos fundamentais, como a intimidade, de tal forma que seria inaceitável mante – lá por tempo indeterminado. Conta-se o prazo a partir da decretação da medida, por se tratar de direito material, computa-se o dia do começo.
Art. 5º - A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do meio de prova.
Da leitura do art. 5º, caput, pode – se extrair que o prazo da interceptação telefônica é de 15 dias renovável por igual tempo, logo pela letra da lei o prazo máximo de interceptação é de 30 dias. Porém a jurisprudência majoritária do STF e do STJ é no sentido de que essa renovação de 15 dias pode ocorrer quantas vezes forem necessárias para as investigações, desde que seja fundamentada a necessidade de cada prorrogação. STJ, HC 116.374/DF (5ª Turma, J. em 15.12.2009).
Desta forma é importante citar o julgado isolado (HC 76.686/PR, STJ - 6ª Turma, J. em 09.08.2008) que declarou ilegal (prova ilícita) uma interceptação que durou 2 anos, sob os argumentos de que:
- normas restritivas de direitos fundamentais devem ser interpretadas restritivamente para restringir ao mínimo possível o direito fundamental. Se fosse intenção do legislador permitir várias renovações, teria utilizado expressões no plural (por exemplo, renovável por iguais períodos) – o art. 5º usa a expressão no singular, “renovável por igual tempo, o que significa que a renovação só pode ocorrer uma vez”;
- a CF só permite restrições ao sigilo das comunicações telefônicas, durante o estado de defesa, pelo prazo máximo de 60 dias (art. 136, §1º, alínea c e § 2º, da CF). Se durante o estado de defesa a restrição não pode perdurar mais de 60 dias, não é razoável que em períodos de normalidade uma interceptação telefônica perdure por 2 anos.
- houve no caso concreta violação ao princípio da razoabilidade, vez que não é razoável manter-se uma interceptação telefônica durante dois anos, pois esta não deve ser utilizada para se descobrir eventualmente crimes, mas sim para colher provas sobre crimes de que já existam indícios suficientes. Trata-se de meio de captação de provas e não de descoberta eventual de crimes.
5. Conclusão
Assim, é essencial importância que representa o tema exposto, exigindo-se do estudioso do direito a devida cautela para a sua exata compreensão. É sabido que predomina na doutrina e na jurisprudência que todos esses sigilos são relativos porque não existe direito fundamental absoluto, porém é necessário aos aplicadores do direito, mais cautela, pois, não podem consentir com a prática de reiteradas autorizações para interceptação telefônica, haja vista ser esta uma exceção à garantia constitucional do sigilo das comunicações telefônicas, devendo, portanto, ser utilizada em última instância, quando não houver outros meios probatórios para a formação da convicção do julgador ou investigador criminal.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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FILHO, Fernando da Costa Tourinho - Processo Penal, Editora Saraiva, Vol.1, 31º ed., 2009.
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COELHO, Luís Alberto Carlucci. Aspectos da Lei de Interceptações Telefônicas. Disponível em:< http://jus.com.br/revista/texto/196/aspectos-da-lei-de-interceptacoes-telefonicas > Acesso em 27 de janeiro 2013.
Advogado - OAB/SE 5783, Pós Graduado em Direito Penal e Processo Penal
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Allan Diego Andrade. Interceptação telefônica - garantia constitucional - problemática procedimental sob a égide da Lei 9296/96 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2014, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/38578/interceptacao-telefonica-garantia-constitucional-problematica-procedimental-sob-a-egide-da-lei-9296-96. Acesso em: 23 nov 2024.
Por: Gabrielle Malaquias Rocha
Por: BRUNA RAFAELI ARMANDO
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