RESUMO: O ordenamento jurídico nacional, no que diz respeito aos serviços públicos, prevê que a sua prestação pode ocorrer de forma direta ou indireta. A opção brasileira por um modelo no qual o Estado assume funções regulatórias determinou o surgimento de uma nova relação, agora também travada entre os prestadores dos serviços públicos e as entidades criadas para desempenhar a função regulatória. Nesse contexto, o presente artigo se propõe a, de forma breve, expor considerações acerca da regulação de serviços públicos.
PALAVRAS-CHAVE: Direito Administrativo. Serviços Públicos. Agência Reguladoras.
I. Considerações iniciais
A regulação pública sobre atividades tipicamente públicas e aquelas privadas de interesse coletivo mostrou-se uma realidade que vem sendo evidenciada há algum tempo no Brasil. A consolidação de uma economia de mercado consagrou o princípio da livre concorrência, fazendo com que a iniciativa privada se tornasse a propulsora do desenvolvimento econômico.
Ocorre que a incapacidade do mercado de se auto-regular, bem como a inaptidão do Poder Executivo para, diretamente, o fazer, determinou o surgimento de um novo modelo, no qual a iniciativa privada não perde o protagonismo, mas relega ao Estado, através de entidades criadas para esse fim, a incumbência de regulamentar o mercado, participando diretamente, apenas em caráter supletivo, quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, nos termos do art. 173 da Constituição Federal.
II. O papel do Estado Brasileiro como agente normativo e regulador
Atendendo ao disposto no art. 174 da Constituição Federal,[1] passou-se a verificar a ação interventiva indireta, por direção, do Estado brasileiro no domínio econômico. Exercendo a tarefa de agente normativo e regulador da atividade econômica, o ente estatal incorpora as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, cabendo a ele a árdua tarefa de conciliar a qualidade dos serviços oferecidos aos consumidores e o equilíbrio econômico-financeiro dos concessionários, intermediando conflitos e conciliando antagonismos e interesses.[2] Primeiramente, cumpre definir-se o sentido do vocábulo regular, distinguindo-o de regulamentar. Para esse mister, transcreve-se a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
Regular é termo mais genérico, que abrange regulamentar. No Direito brasileiro, porém, têm significados específicos, sendo regular o ato de se sujeitar a regras em geral, mais aproximado do sentido de normatizar, e regulamentar o ato de sujeitar a regulamentos, especificamente, cuja edição é da competência privativa dos Chefes do executivo, mediante ato administrativo característico, que é o Decreto.[3]
Assim, muito embora já explicitados os fatores endógenos e exógenos que determinaram a redefinição[4] do papel do Estado na economia, dois deles merecem ser destacados por terem sido fundamentais para a criação de órgãos reguladores independentes, quais sejam: a incapacidade do mercado se auto-regular, e a inaptidão do Poder Executivo de, diretamente, o fazer.
O modelo atual de Estado exige desconcentração e descentralização administrativas como forma de gerir os interesses da sociedade, através da distribuição de atribuições entre os órgãos que compõe a administração pública direta e indireta. Tal necessidade mostra-se presente na medida em que o Estado delega atividades aos entes privados,[5] visto não ser capaz de cumprir as funções de fiscalização, incentivo e planejamento a partir de sua estrutura tradicional, composta por ministérios e órgãos a ele subordinados ou ao Presidente da República.
Com o fito de regular e fiscalizar setores da atividade econômica, surgem, em âmbito federal e estadual, diversas agências reguladoras. Sua origem é Inglesa, remontando ao século XIX. Destarte, em face da influência do Direito anglo-saxão desde a época das treze colônias, os Estados Unidos criaram, em 1887, a Interstate Commerce Commission. A partir desse marco, proliferaram em solo norte-americano diversas agências,[6] fazendo com que o Direito Administrativo daquele país fosse conhecido como o “direito das agências”. Tal quadro demonstra o exacerbado grau de descentralização administrativa da estrutura política norte-americana.
Os modelos administrativos brasileiro e americano diferem, sobretudo, quanto ao grau de centralização. A esse respeito adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
[...] enquanto no sistema europeu-continental, em que se inspirou o direito brasileiro, a Administração pública tem uma organização complexa, que compreende uma série de órgãos que integram a Administração Direta e entidades que compõem a Administração indireta, nos estados Unidos toda a organização administrativa se resume em agências (vocábulo sinônimo de ente administrativo em nosso direito), a tal ponto que se afirma que o direito administrativo americano é o direito das agências.[7]
Não obstante a idéia de regulação não ser nova,[8] evidencia-se que as agências reguladoras no direito brasileiro determinaram uma significativa alteração no que tange ao conceito de Lei e da Separação dos Poderes. Tal se justifica na medida em que se admite a delegação[9] de parte da função legiferante, através da atribuição de competência normativa, mesmo que restrita, a esses novos entes. Percebe-se, assim, uma releitura da clássica teoria da Separação dos poderes, preconizada por Aristóteles e consagrada por Montesquieu. Nestes termos, assevera Alexandre de Moraes que:
[...] a moderna Separação dos Poderes mantém a centralização governamental nos Poderes Políticos – Executivo e Legislativo -, que deverão fixar os preceitos básicos, as metas e as finalidades da Administração Pública, porém, exige maior descentralização administrativa, para a consecução desses objetivos[10].
Ainda afirma o mesmo autor:
Assim, entendemos que as Agências Reguladoras poderão receber do Poder Legislativo, por meio de lei de iniciativa do Poder Executivo, uma delegação para exercer seu poder normativo de regulação, competindo ao Congresso Nacional a fixação das finalidades, dos objetivos básicos e da estrutura das Agências, bem como a fiscalização de suas atividades.[11]
Os novos entes reguladores foram criados com o escopo de normatizar[12] e fiscalizar os setores dos serviços públicos delegados, buscando o equilíbrio e a harmonia entre o Estado, usuários e delegatários. Ressalte-se, ainda, o dever de zelar pela qualidade dos serviços oferecidos, envolvendo regularidade, continuidade, eficiência, segurança, generalidade, atualidade e cortesia, nos termos do art. 6°, §1°, da Lei 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviço público, previsto no art. 175 da Carta Constitucional.
O Diploma Maior prevê expressamente apenas a criação da ANATEL e da ANP,[13] fazendo menção à função de órgão regulador, observada nos arts. 21, XI, e 177, §2°, III. Porém, hoje o Brasil conta com nove agências reguladoras em âmbito federal, são elas: ANATEL, ANEEL, ANP, ANA, ANS, ANVISA, ANTT, ANTAQ e ANCINE.[14]
Na esfera estadual foi criada, de forma pioneira entre os estados-membros,[15] a Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados do Rio Grande do Sul – AGERGS -, através da Assembleia Legislativa do estado, que aprovou a Lei 10.931, em 9 de janeiro de 1997, com alterações introduzidas pela Lei 11.292, de 23 de dezembro de 1998. A AGERGS é uma autarquia especial e apresenta como objetivos a prestação de serviços adequados, econômica e financeiramente equilibrados, a garantia de harmonia entre os interesses dos usuários, concessionários e Governo, bem como o zelo pelo equilíbrio econômico-financeiro dos serviços públicos delegados.
De acordo com a legislação pertinente, a atividade reguladora da AGERGS deve ser exercida nas seguintes áreas: Saneamento, Rodovias, Portos e Hidrovias, Irrigação, Transporte Intermunicipal de Passageiros (ônibus e estações rodoviárias, travessias e estações hidroviárias), Aeroportos, Distribuição de Gás Canalizado, Inspeção de Segurança Veicular, Energia Elétrica e Telecomunicações.
No que tange aos dois últimos setores, por serem esferas de competência da União, a AGERGS só pode atuar mediante celebração de convênio com as agências federais específicas. Há pouco tempo, a Agência Nacional de Energia Elétrica-(ANEEL), ao completar um ano de existência, delegou à AGERGS a atribuição de regular a distribuição de energia no estado do Rio Grande do Sul, ramo hoje explorado pela CEEE, AES-Sul e RGE. Quanto às telecomunicações, já se tem notícia de contatos entre AGERGS e Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), com o mesmo escopo.
III. Características e peculiaridades das agências reguladoras
Sem embargo de possuírem particularidades, decorrentes de suas leis instituidoras, observam-se traços gerais que identificam as agências reguladoras brasileiras. A princípio, deve-se ressaltar que foram constituídas como autarquias de regime especial,[16] integrando a administração indireta e estando vinculadas ao Ministério competente para tratar da respectiva atividade. Registre-se que as autarquias possuem personalidade jurídica própria, o que deixa clara a intenção de promover a descentralização administrativa. Deste modo, afastam-se da estrutura hierárquica dos Ministérios e da influência política do governo.
Consectário dessa autonomia, é que suas decisões, além de serem tomadas por um órgão colegiado, não estão sujeitas a reapreciação do Ministério.[17] Por óbvio, seus atos são passíveis de controle judicial,[18] deveras consagrado no ordenamento jurídico pátrio.
Tendo em vista possuírem natureza jurídica autárquica, são criadas por lei específica, conforme o comando do art. 37, XIX, da Constituição Federal.[19] Nesse particular, vale salientar a possibilidade das agências, assim como outras autarquias e fundações, celebrarem contratos de gestão com o Ministério correspondente, de modo a incrementar sua eficiência e competitividade. Ao proceder desta forma, qualificam-se como agências executivas, estabelecendo metas a serem implementadas. Fruto da Emenda Constitucional n° 19, de 1998, o contrato de gestão está previsto no parágrafo oitavo do art. 37 da Constituição Federal.[20]
O modelo de agência reguladora instituída no Brasil detém, em relação ao Poder Executivo, autonomia orçamentária, financeira, técnica, funcional, administrativa e poder de polícia. Tudo isso, no intuito de torná-las isentas de pressões políticas. Alexandre de Moraes destaca que a independência[21] das Agências Reguladoras é consagrada pelos seguintes preceitos obrigatórios em suas leis de criação: [...] independência financeira; escolha dos instrumentos de regulação; e modo de nomeação de seus dirigentes.[22]
Os diretores das Agências Reguladoras têm mandato fixo, e além de serem indicados pelo Presidente da República, devem passar por uma sabatina perante o Senado Federal. A Lei n° 9.986/2000 dispôs sobre a gestão de recursos humanos das agências, padronizando a escolha de seus dirigentes através de requisitos como formação universitária e reputação ilibada. Previu também sua direção por um Colegiado, composto por Conselheiros ou Diretores, sendo um deles seu Presidente ou Diretor-geral. A lei instituidora de cada agência deve prever o prazo do mandato de seus membros,[23] assim como a possibilidade de recondução.
Deve-se ressaltar que a ANATEL ainda prevê, nos arts. 33 e seguintes da Lei 9472/97 (Lei Geral de Telecomunicações – LGT), a criação de um Conselho Consultivo, no sentido de promover a participação institucionalizada da sociedade na agência.
As agências reguladoras ainda possuem poder normativo[24]. Carlos Ari Sundfeld destaca que as agências não usurpam da função legislativa, afirmando que:
[...] nos novos tempos, o Poder Legislativo faz o que sempre fez: edita leis, freqüentemente com um alto grau de abstração e generalidade. Só que, segundo os novos padrões da sociedade, agora essas normas não bastam, sendo preciso normas mais diretas para tratar das especificidades, realizar o planejamento dos setores, viabilizar a intervenção do Estado em garantia do cumprimento ou a realização daqueles valores: proteção ao meio ambiente e do consumidor, busca do desenvolvimento nacional, expansão das telecomunicações nacionais, controle sobre o poder econômico – enfim, todos esses que hoje consideramos fundamentais e cuja persecução exigimos do Estado.[25]
Assim, a norma proveniente das agências reguladoras exerce o papel de ligação entre a Lei e o administrado. A ela não é dado inovar no mundo jurídico, mas interpretar o conteúdo técnico da lei, operacionalizando-a.
IV. A regulação de serviços públicos
Em que pese a importância da atuação estatal no tocante às atividades econômicas em sentido estrito desenvolvidas por particulares, interessa, no presente trabalho, a regulação e concorrência nos serviços públicos. Destarte, cabe transcrever aqui a lição de Luís Roberto Barroso:
[...] os serviços públicos podem ser prestados diretamente, pelos órgãos despersonalizados integrantes da Administração, ou indiretamente, por entidades com personalidade jurídica própria. Na prestação indireta, abrem-se duas possibilidades: pode o Estado constituir pessoas jurídicas públicas (autarquias e fundações públicas – as chamadas fundações autárquicas) ou privadas (sociedades de economia mista e empresas públicas) e, mediante lei (CF, art. 37, XIX), outorgar a tais entes a prestação do serviço público de educação, água, eletricidade ou qualquer outro. Ou pode, por outro lado, delegar à iniciativa privada, mediante contrato ou outro ato negocial, a prestação de serviço. Serve-se aí o Estado de figuras jurídicas, como a concessão e a permissão. Mais recentemente, têm sido concebidas diferentes formas de delegação, identificadas genericamente como terceirização, que incluem espécies negociais, como a franquia e o contrato de gestão, entre outros.[26]
Estabelecer o conceito de regulação não é tarefa fácil. Assim como a noção de serviço público, a de regulação deve levar em conta o tratamento diferenciado imposto por circunstâncias de tempo e de espaço. A razão disto é que os ordenamentos jurídicos de diferentes Estados, ou do mesmo Estado em diferentes momentos, ou ainda os de unidades federativas de um mesmo Estado, poderão ter, em relação à regulação ou às atividades reguladas, as mais variadas visões ou entendimentos.
Nesse contexto, configura-se difícil afirmar que determinada atividade se inclui ou não dentro de sua noção. Corolário lógico desta realidade, a noção de regulação é naturalmente dependente da forma como o sistema jurídico a contemple, ou seja, é o respectivo sistema jurídico que determinará o elenco de atividades que se incluem no seu âmbito.[27]
O Ordenamento Jurídico Nacional, no que diz respeito aos serviços públicos, prevê que a sua prestação pode se dar de forma direta ou indireta. Será direta quando o Poder Público realizá-lo, valendo-se de sua própria estrutura; será indireta quando transferir à iniciativa privada, sob seu controle, a execução de atividades de sua competência.
A prestação indireta pode se dar sob o regime de outorga ou de delegação, sendo aquela a transferência ex vi legis do serviço à entidade autárquica ou fundacional criada pelo Estado especificamente para a realização do serviço, e esta a transferência a pessoas físicas ou jurídicas por força de contrato ou ato administrativo. É sob regime de delegação que são feitas concessões, permissões e autorizações de serviço público, cuja regulação é o objeto do presente trabalho.
O art. 175, parágrafo único, inciso IV, da Constituição Federal, que versa sobre os serviços públicos, prescreve que a lei disporá sobre a obrigação de manter serviço adequado. Contudo, restou indefinido o conceito de serviço adequado. Sua determinação adveio com a edição da Lei federal 8.987/95, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos. Entendeu-se, portanto, como sendo o que satisfaz as condições de: regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas (art. 6°, §1°).
A regulação do serviço público pode incidir sobre serviços executados de forma direta, outorgados a entes da administração indireta ou para serviços objeto de delegação por concessão, permissão ou autorização.[28] Em qualquer uma destas hipóteses, a atividade regulatória é diversa e independente da prestação dos serviços. Daí ser adequado que o órgão executor do serviço seja diverso do órgão regulador, caso contrário, haverá uma tendência natural a que a atividade de regulação seja deixada de lado, em detrimento da execução, ou que aquela seja executada sem a isenção, indispensável a sua adequada realização.
Tanto em relação aos serviços privados, resultantes ou não de processo de privatização, como para os serviços públicos, a regulação pública é atividade administrativa que pode ser considerada como espécie do exercício regular do poder de polícia administrativa. Não se coaduna com a atividade do Poder Judiciário, pois a composição de interesses procedida pelo órgão regulatório e eventuais poderes de arbitragem a ele conferidos têm caráter administrativo e não afastam a apreciação do Poder Judiciário.[29] Não é, também, atividade legislativa, embora no âmbito do exercício da regulação estejam previstos poderes normativos decorrentes da regulamentação da atividade, pois esta regulamentação deriva de poderes traçados na lei e tem nesta os seus limites.
Percebe-se assim, estarem contidas no bojo dos procedimentos regulatórios, a restrição de atividades nocivas ao interesse público, o disciplinamento e a harmonização de direitos e deveres de todas as partes envolvidas na realização das atividades públicas reguladas, quais sejam: usuários, delegatários, o órgão responsável pelo serviço, inclusive na condição de Poder concedente, ou terceiros envolvidos com a prestação do serviço público. Isto implica, também, a aplicação de penalidades para atos de inobservância das determinações decorrentes da atividade de regulação. Para tanto, é necessário, no sistema jurídico nacional, que o órgão regulador seja pessoa jurídica de direito público, condição indispensável para o exercício do poder de polícia.
No que tange aos serviços sujeitos à tarifa, a regulação tem importância fundamental, na medida em que estabelece, à luz da legislação definidora da política tarifária, os parâmetros para o atendimento dos princípios que os norteiam, bem como a vigilância para a sua aplicação. Conjugado com a preservação da vontade normativa estabelecida na lei definidora da política tarifária, tem o órgão regulador o papel, ainda, de buscar a adequação da tarifa à realidade e, nas concessões, a preservação do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão.[30] Daí ser preciso que o ente regulador interaja com representantes dos diversos segmentos envolvidos diretamente com o serviço realizado, recomendando-se, inclusive, que tenham representatividade junto ao órgão regulador.
Tendo em vista estas considerações, a regulação de serviço público pode ser definida como sendo a atividade administrativa desempenhada por pessoa jurídica de direito público consistente no disciplinamento, na regulamentação, na fiscalização e no controle do serviço prestado por outro ente da Administração Pública ou por concessionário ou permissionário do serviço público, à luz de poderes que lhe tenham sido, por lei, atribuídos para a busca da adequação daquele serviço, do respeito às regras fixadoras da política tarifária, da harmonização, do equilíbrio e da composição dos interesses de todos os envolvidos na prestação deste serviço, bem como da aplicação de penalidades pela inobservância das regras condutoras da sua execução.
V. Considerações finais
Pelo o exposto, não pairam dúvidas acerca da importância da regulação dos serviços públicos ante a ausência do Estado em diversas atividades que anteriormente executava. Assim, se faz necessária a existência de entes reguladores capacitados e independentes para que se promova a adequada intervenção no mercado e, consequentemente, a efetiva tutela dos interesses dos usuários.
Notas:
BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
BOBBIO, Norberto. Diccionário de Política. 3. ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1991.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2000.
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. Da abusividade do poder econômico. Revista de Direito Econômico. n. 5, ano 2000.
_____. Agências reguladoras: legalidade e constitucionalidade. Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 35, ano V, 2002.
FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988 (Interpretação e Crítica). 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros editores, 2003.
MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2003.
SILVA, Américo Luís Martins da. Introdução ao Direito Econômico. Rio de Janeiro: Forense, 2002.
SUNDFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. São Paulo: Malheiros, 2002.
_____. Fundamentos de Direito Público. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
[1] Cumpre lembrar que, no que tange às Telecomunicações, a reforma do Estado foi delineada pela Emenda Constitucional n° 8, de 15.8.1995, que conferiu novas redações ao inciso XI e à alínea “a” do inciso XII do art. 21 da Constituição Federal. De outra banda, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, tratando das agências reguladoras, assevera que: O texto primitivo da Constituição de 1988 não as prevê e nada sugeria sua instituição. A Emenda Constitucional n° 8, de 1995, todavia, ao dar nova redação ao art. 21, XI, previu um órgão regulador para os serviços de telecomunicações. (Reforma do Estado: o papel das agências reguladoras e fiscalizadoras. in: MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. 2002, p. 137.
[2] Carlos Ari Sundfeld destaca que a regulação, enquanto espécie de intervenção estatal, manifesta-se tanto por poderes e ações com objetivos declaradamente econômicos (o controle de concentrações empresariais, a repressão de infrações à ordem econômica, o controle de preços e tarifas, a admissão de novos agentes no mercado) como por outros com justificativas diversas, mas efeitos econômicos inevitáveis (medidas ambientais, urbanísticas, de normalização, de disciplina das profissões etc.). Fazem regulação autoridades cuja missão seja cuidar de um específico campo de atividades considerado em seu conjunto (o mercado de ações, as telecomunicações, a energia, os seguros de saúde, o petróleo), mas também aquelas com poderes sobre a generalidade dos agentes da economia (exemplo: órgãos ambientais). A regulação atinge tanto os agentes atuantes em setores ditos privados (o comércio, a indústria, os serviços comuns – enfim, as atividades econômicas em sentido estrito) como os que , estando especialmente habilitados, operam em áreas de reserva estatal (prestação de serviços públicos, exploração de bens públicos e de monopólios estatais). (Direito Administrativo Econômico. 2002, p. 18).
[3] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2001, p. 141.
[4] A reengenharia do Estado consistiu em atribuir a ele o papel de agente normativo e regulador das atividades econômicas. Assim dispõe o art. 174 da Constituição Federal de 1988, in verbis: Art. 174 - Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
§ 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.
§ 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.
§ 4º - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.
[5] Não é demais lembrar que a atividade passada, através de permissivo constitucional, às mãos da iniciativa privada, continua sendo dever do Estado, que apenas transfere a sua execução aos particulares. Portanto, o serviço prestado continua sendo público, pois a iniciativa privada atua como uma longa manus do poder estatal.
[6] Nesse sentido, Alex de Tocqueville destaca que, [...] em virtude da organização administrativa descentralizada do Estado americano, existem várias espécies de agências: reguladoras (regulatory agency), não reguladoras (non regulatory agency), executivas (executive agency), independentes (independent regulatory agency or commissions). (In: MORAES, Alexandre de. Agências Reguladoras. 2002, p. 22). A estrutura administrativa dos Estados Unidos da América conta com setenta e duas agências.
[7] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 2001, p. 391.
[8] Note-se que, no Brasil, outros órgãos desempenham ou já desempenharam funções regulatórias, v. g., o Bacen (Banco Central), o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e a CVM (Comissão de Valores Mobiliários). A esse respeito, assevera Marcos Juruena Villela Souto: Cabe destacar, no entanto, que a função regulatória, como parcela da atividade administrativa de intervenção no domínio econômico, sempre existiu; cite-se o exemplo do Banco Central, na regulação da estabilidade da moeda, comprando e vendendo divisas, ampliando ou reduzindo os depósitos compulsórios das instituições financeiras, da utilização de tributos reguladores, como o IOF (para retirada de moeda de circulação), os impostos sobre comércio exterior para estimular ou desestimular as operações de exportação e importação de bens, a progressividade dos impostos sobre propriedades improdutivas, para forçar uma utilização socialmente aceita, e, ainda, o emprego de estoques reguladores da produção agrícola, adquiridos pelo Poder Público [...]. O mesmo se pode dizer da existência de órgãos e entidades autônomas, a saber, o próprio Conselho Administrativo de Defesa Econômica - CADE, o Banco Central – BACEN e as Universidades (estas, inclusive, com reconhecimento constitucional – art. 207) (Função Regulatória. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, Centro de atualização jurídica, n° 11, fev. 2002.
[9] Essa delegação legislativa é fundamentada no princípio da eficiência, introduzido no caput do art. 37 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n° 19, de 4.6.1998. Tércio Sampaio Ferraz Júnior aduz que [...] com base na eficiência, a delegação instrumental ganha contornos próprios que garantem à independência das agências reguladoras seu supedâneo. (Agências reguladoras: legalidade e constitucionalidade. Revista Tributária e de Finanças Públicas, v. 35, ano V,2002, p. 154).
[10] MORAES, Alexandre de (org.). Agências Reguladoras. 2002, p. 19.
[11] Idem, Ibidem, p.20.
[12] Mauro Roberto Gomes de Mattos assevera que as agências reguladoras não poderão, no exercício de seu poder normativo, inovar primariamente a ordem jurídica – ou seja, regulamentar matéria para a qual inexista um prévio conceito genérico em sua lei instituidora (standards) -; tampouco poderão criar ou aplicar sanções não previstas em lei”. (In: MORAES, Alexandre de. (org.). Agências Reguladoras. 2002, p. 22).
[13] Vide MORAES, Alexandre de. (org.). Agências Reguladoras. 2002, p. 25.
[14] As siglas representam, respectivamente, Agência Nacional de Telecomunicações, Agência Nacional de Energia Elétrica, Agência Nacional do Petróleo, Agência Nacional das Águas, Agência Nacional de Saúde e Planos de Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, Agência Nacional de Transportes Terrestres, Agência Nacional de Transportes Aquaviários e Agência Nacional do Cinema.
[15] Ressalte-se que, na atualidade, vários estados-membros já criaram agências reguladoras, em geral, multisetoriais.
[16] Autarquia em regime especial, segundo Hely Lopes Meireles, é toda aquela a que a lei instituidora conferir privilégios específicos e aumentar sua autonomia comparativamente com as autarquias comuns, sem infringir os preceitos constitucionais pertinentes a essas entidades de personalidade pública. (Direito Administrativo Brasileiro. 2003, p. 341).
[17] Manoel Gonçalves Ferreira Filho adverte que não é seguro que prevaleça essa interpretação, à vista do precedentes. Estes são no sentido de que o chefe do Executivo pode sempre rever atos da administração indireta. (In: MORAES, Alexandre de (org.). Agências Reguladoras. 2002, p. 140).
[18] Resta indubitável a sujeição dos atos das Agências Reguladoras ao crivo judicial. Sobretudo, por ter o Brasil adotado o sistema de jurisdição única, corolário do Estado Democrático de Direito. Nessa linha, Manoel Gonçalves Ferreira Filho afirma que a moderna supremacia do Estado de Direito e das Constituições escritas sobre todas as espécies de atos normativos impõe a necessidade de acesso total e irrestrito ao Poder Judiciário, cujas garantias constitucionalmente deferidas possibilitam maior independência e imparcialidade perante a Administração pública, respeitando-se a razão do surgimento do Direito Administrativo, qual seja, a limitação do poder estatal, com o pleno respeito aos direitos fundamentais. (Direitos humanos fundamentais. 2000, p. 115).
[19] Assim dispõe o art. 37, XIX, da CF, in verbis: Art. 37 – A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: XIX – Somente por lei específica poderá ser criada autarquia e autorizada a instituição de empresa pública, se sociedade de economia mista e de fundação, cabendo à lei complementar, neste último caso, definir as áreas de sua atuação.
[20] Esta é a dicção do parágrafo oitavo do artigo 37 da Constituição Federal: A autonomia gerencial, orçamentária e financeira dos órgãos e entidades da administração direta e indireta poderá ser ampliada mediante contrato, a ser firmado entre seus administradores e o poder público, que tenha por objeto a fixação de metas de desempenho para o órgão ou entidade, cabendo à lei dispor sobre: I – o prazo de duração do contrato; II – os controles ou critérios de avaliação de desempenho, direitos, obrigações e responsabilidade dos dirigentes; III – a remuneração do pessoal.
[21] Segundo Carlos Ari Sundfeld, independência é uma expressão certamente exagerada. No mundo jurídico, preferimos falar em autonomia. (Direito Administrativo Econômico. 2002, p. 25).
[22] MORAES, Alexandre de. (org.). Agências Reguladoras. 2002, p. 25.
[23] No caso da ANATEL, o art. 24 da Lei Geral de Telecomunicações (LGT) prevê mandato de cinco anos aos Conselheiros.
[24] Em que pese a lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro, na qual aduz que regular abrange regulamentar, cabe transcrever-se também a doutrina de Marcos Juruena Villela Souto: A função regulatória abrange, também, a prática de atos executivos e judicantes. A função regulatória é distinta da função regulamentar porque esta, nos termos da Constituição Brasileira, art. 84, IV, só pode ser exercida pelo Presidente da República. Embora muito se fale na existência, no âmbito das agências reguladoras, de um poder regulamentar amplo; essa não é a expressão adequada, posto que privativo do Chefe do Poder Executivo. Ademais, enquanto o regulamento é ato informado por critérios políticos de detalhamento da lei, a norma regulatória explicita conceitos jurídicos indeterminados, implícitos na lei. [...] embora a função regulatória também envolva editar normas, a isso não se limita, já que a ela é inerente uma função quase legislativa, quase executiva e quase judicial.[...] a função regulatória tem por objetivo precípuo a competição entre os agentes do mercado. (Função Regulatória. Revista Diálogo Jurídico, n. 11, fev. 2002).
[25] SUNFELD, Carlos Ari. Direito Administrativo Econômico. 2002, p. 27.
[26] BARROSO, Luís Roberto. Apontamentos sobre as Agências Reguladoras. In: MORAES, Alexandre de. (org.). Agências Reguladoras .2002, p. 115.
[27] A temática envolvendo a forma de prestação do serviço público encontra-se constantemente em pauta. Desde que o modelo excessivamente intervencionista passou a ser severamente criticado (apesar da importância que teve na superação do modelo da omissão estatal), ante a falta de recursos estatais para investir, passou-se a buscar instrumentos que viabilizassem investimentos privados no setor público sem que o Estado perdesse o controle, a fiscalização e o poder de mando sobre as atividades estatais. Neste sentido, a delegação dos serviços públicos, sob as modalidades de concessão e permissão, é o instrumento contemporâneo de indiscutível valia para que se alcance o que Juarez Freitas denominou de Estado essencial. Define-o como o Estado nem mínimo nem máximo, mas suficiente e eficiente na satisfação das necessidades coletivas públicas. (Diálogo com o pensamento jurídico de Norberto Bobbio, v. 36, n. 141, mar/mai. 1997, p. 63).
[28] Neste particular, é indispensável salientar-se distinções, como a que envolve a regulação pública e a regulação privada, tendo em vista a posição do ente regulador. A regulação privada é exceção no Sistema Jurídico Brasileiro. Inexiste regulador privado de serviços públicos. São evidenciados escassos exemplos de regulação privada de atividade privada (atividade econômica em sentido estrito), como é o caso da auto-regulamentação publicitária procedida pelo CONAR (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária), sem, no entanto, que a atuação de tal ente dispense o controle público sobre as atividades privadamente reguladas. Daí que a regulação privada não tem, no Brasil, a força suficiente para afastar a regulação pública das mesmas atividades. A regulação pública dá-se sobre atividades públicas e atividades privadas de interesse coletivo. Em face do processo de desestatização presentemente vivido, atividades há que precedentemente eram públicas e passaram ao setor privado. A importância da regulação destas atividades é indelével, eis que a ausência do Estado nas atividades que anteriormente executava, sem que promova qualquer tipo de intervenção, faz com que a adequação ou não do serviço passe a ser uma aventura e o usuário fique dependente da sorte para a sua satisfação. Exemplos da experiência sul-americana nos processos de privatização demonstram que, onde houve privatização desacompanhada da preocupação com a regulação do serviço privatizado, o resultado obtido foi a ineficiência do serviço.
[29] Vale lembrar que o Direito brasileiro consagra o Sistema de Jurisdição Única, ou Sistema Judiciário, ou ainda, Sistema Inglês. Diferentemente do Sistema do Contencioso Administrativo, ou Sistema Francês, que se caracteriza pela impossibilidade de intromissão do Poder Judiciário no julgamento dos atos da Administração, o sistema adotado no Brasil identifica-se pela possibilidade de pleno acesso do Poder Judiciário, tanto nos conflitos de natureza privada, quanto nas lides administrativas.
[30] A relevância da atividade regulatória faz com que ela funcione como um termômetro da adequação do serviço público, exceto nos casos em que a concorrência oferece uma quantidade significativa de serviços de qualidade à disposição do usuário. Logo, tanto melhor será a prestação do serviço quanto mais eficiente for a sua regulação.
Procurador Federal. Pós-graduado em Direito Público. Especialista em Direito Tributário. Bacharel em Direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande, RS.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CONSTANTINO, Giuseppe Luigi Pantoja. Regulação de serviços públicos: conceitos e evolução histórica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 ago 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/40567/regulacao-de-servicos-publicos-conceitos-e-evolucao-historica. Acesso em: 22 dez 2024.
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