RESUMO: Perante a lei, aborto é a interrupção dolosa da gravidez, à qual se segue a morte do concepto, independentemente da duração da gestação. Após uma revisão na literatura médica e jurídica o artigo propõe um protocolo a ser seguido nos casos de suspeição de aborto criminoso para se encontrar as evidências e caracterizar o crime para o legislador.
SUMÁRIO: 1-Introdução; 2- Metodologia; 3-Discussão; A) Procura pelos meios abortivos; B) Complicações do aborto criminoso; C) A procura das evidências; 4-Conclusão; 5-Bibliografia.
PALAVRAS CHAVES: Aborto; Aborto Criminoso; Médico Legista.
INTRODUÇÃO
Os obstetras consideram abortamento a interrupção da gestação antes que o produto conceptual tenha alcançado a viabilidade². A Organização Mundial da Saúde (OMS) define abortamento como a expulsão ou extração do feto antes de 20 semanas ou pesando menos de 500 g³.Perante a lei, aborto é a interrupção dolosa da gravidez, à qual se segue a morte do concepto, independentemente da duração da gestação. Enquanto a obstetrícia preocupa-se com a capacidade de sobrevivência do novo ser fora do útero, a legislação volta-se para a causa jurídica, não importando a época em que se realize a intervenção. O que preocupa o legislador é o aborto provocado, o caráter doloso da interrupção, o seu animus necandi. Assim o médico legista e o perito se tornam peças fundamentais na caracterização deste crime.
METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão na literatura médica ejurídica para direcionar o clínico geral, o perito e o médico legista na busca por evidências de um aborto criminoso.
DISCUSSÃO
O Código Penal prevê seis modalidades de aborto:
1)aborto provocado pela própria gestante, ou auto aborto (art. 124, primeira parte);
2)aborto com consentimento da gestante, para que outrem lhe provoque o abortamento [art. 124, segunda parte);
3)aborto provocado sem o consentimento da gestante. Este não consentimento da gestante pode decorrer de violência, ameaça ou de fraude (art. 125), ou de certas condições que façam presumir a incapacidade da gestante para consentir (art. 126, parágrafo único);
4)aborto consentido ou consensual (art. 126);
5)aborto qualificado, pela lesão grave ou morte da gestante (art. 127);
6)aborto permitido, nos casos do art. 128,1 e II, do CP. No caso de estupro (art. 128, II, do CP), temos o chamado aborto moral, sentimental, ético, humanitário.
O art. 128, I, do Código Penal admite o chamado aborto necessário, que é aquele praticado como único meio de salvar a vida da gestante. Também é chamado de aborto terapêutico. A lei não permite o aborto quando houver risco para a saúde, mas apenas no caso de risco de vida
A) A PROCURA PELOS MEIOS ABORTIVOS
É comum dividir os meios empregados para o aborto emtóxicos e mecânicos.
As substâncias tóxicas podem ser de origens vegetal e mineral. Entre as de origem vegetal, tem sido largamente usada grande parte da flora brasileira: a jalapa, o sene, a sabina, o apiol, a arruda, o quinino, o centeio espigado, a cabeça-de-negro, a quebra-pedra, entre outros. Até mesmo a Thujaoccidentalis, flor de rara beleza, por ser tóxica, é usada na prática abortiva.
Entre as substâncias de origem mineral, as de emprego mais largo foram o fósforo, o arsênico, o antimônio, o bário, o chumbo e o mercúrio. Na Inglaterra, usou-se muito o chumbo em forma de pílulas. Na Áustria e na Suécia, o ácido arsênico. Na Grécia e na Finlândia, cabeças de fósforos maceradas em leite.
Essas substâncias podem atuar no organismo materno em quatro eventualidades:
a) intoxicação da gestante determinando a morte sem que se verifique o aborto;
b) intoxicação da grávida seguindo-se o aborto e a morte da mulher;
c) intoxicação sem determinação da morte do ovo e cura posterior da gestante;
d) intoxicação da mulher grávida, com aborto, e cura da matriz.
Os meios mecânicos podem ser divididos em diretos e indiretos.
Os meios diretos são aqueles usados na cavidade vaginal, no colo do útero e na cavidade uterina.
1.Na cavidade vaginal: tamponamentos, duchas alternadas de água fria e quente, cópulas repetidas.
2.No colo uterino: a cauterização, esponjas, dilatadores mecânicos, o emprego das laminárias colocadas no canal cervical com a finalidade de dilatá-lo.
3.Na cavidade uterina: a punção das membranas, embora seja um método muito antigo, é ainda hoje usado por curiosas, parteiras e leigos ou pela própria gestante. Os instrumentos utilizados são os mais variáveis, como as sondas de borracha, agulhas de croché, penas de ganso, varetas de bambu, palitos de picolé, aspas de sombrinhas etc. Também o desprendimento da membrana e o esvaziamento do útero pela curetagem, pela aspiração a vácuo e pela histerotomia (microcesárea).
Outro método empregado é o descolamento das membranas feitas pela curagem, pela introdução de uma sonda que permaneça na cavidade uterina ou pela injeção de líquidos. O mais empregado é a colocação de uma sonda, na cavidade uterina, que, agindo como corpo estranho, determina contrações ao mesmo tempo em que desloca as membranas fetais.
O descolamento por meio de líquidos na cavidade amniótica é o método de Cohen e consiste na introdução de líquido pelo canal cervical à cavidade uterina, líquido esse que vai desde a água potável até as soluções cáusticas.
A curagem é empregada por pessoas habilidosas no trato da genitália feminina, consistindo no descolamento das membranas fetais com o dedo.
A curetagem, no entanto, é o meio mais largamente usado, principalmente pelos abortadores, que têm nessa técnica uma manobra rápida e de fácil execução.
B) COMPLICAÇÕES DO ABORTO CRIMINOSO
As complicações do aborto provocado são as mais variáveis e se mostram de considerável interesse médico-pericial resultando lesões corporais de natureza leve ou grave, ou até mesmo a morte.
Se o aborto é provocado pela ingestão de substâncias tóxicas, poderá levar o organismo materno a intoxicações, que vão desde simples efeitos até o efeito letal.
Quando o meio empregado para o aborto é o mecânico, as eventualidades são as mais diversas. As mais graves são as embolias gasosas, devido à entrada de ar nas veias uterinas, as perfurações de útero, as lesões de alças intestinais e peritonite, a gangrena uterina, o tétano pós-aborto.
As lesões mais simples podem comprometer a parede vaginal, os fundos de saco vaginais, o colo ou simplesmente o útero.
Há necessidade de distinguir com precisão as perfurações das roturas. Estas últimas, na grande maioria, ocorrem no final da gestação e estão mais situadas no segmento inferior ou no corpo do útero. O diagnóstico diferencial se faz pelas características morfológicas e histopatológicas das lesões. Na perfuração, há sempre um trajeto retilíneo. Na rotura, ao contrário, além do trajeto tortuoso há bordas irregulares.
A septicemia e a embolia pulmonar não são tão raras entre as complicações. E os vestígios mais benignos dessas manobras são traduzidos pelas endometrites, salpingites e salpingooforites.
C) A PROCURA DAS EVIDÊNCIAS
Para o exame físico da paciente, Genival Veloso França sugere seguir um protocolo para detectar as evidências de um aborto criminoso:
1. Comprovação da gravidez.
2.Comprovação da existência de aborto:
a— Aborto em gravidez incipiente(inicial): Ausência de sinais de probabilidade; microbiópsia da mucosa uterina para detectar formação de vilosidades coriais;
b— Aborto em gravidez avançada:
Na viva: Verificar sinais de probabilidade, testes biológicos e a histopatologia dos restos ovulares e membranosos.
Na morta: Exame do corpo lúteo ovariano(anátomo patológico dos ovários), das lesões e modificações uterinas e da presença de embolia das células trofoblásticas em vasos do pulmão (tese do Prof. Hygino Carvalho);
c — Aborto de gravidez antiga: restos de membrana, cicatrizes e de fúrcula e períneo (na viva). Estudo do útero e dos ovários (na morta).
Excluir a origem patológica ou acidental:
3.1—Aborto patológico (patologia da gravidez, patologia materna);
3.2—Aborto acidental (traumas físicos, traumas psíquicos).
4. Comprovar a prática do aborto:
4.1— Provar que foi provocado:
4.1.1— Evolução (dores, hemorragias, expulsão e evolução clínica);
4.1.2— Lesões maternas (lesões mecânicas, químicas e físicas).
4.2— Provar o mecanismo causador (presença do meio provocador ou das suas lesões específicas).
5.Exame dos restos fetais:
5.1— Lesões vitais ou post mortem.
6.Exame do instrumento suspeito.
7. Comprovação da presença de vilosidades coriais.
CONCLUSÃO
As dificuldades na caracterização da provocação do aborto são tantas que se refletem na proporção mínima de condenações de que se tem notícia. Só quando ocorrem complicações graves, ou mesmo a morte da gestante, é que aumenta a probabilidade da condenação dos agentes.
Atualmente no Brasil existem muitas clínicas de aborto clandestino que faturam muito alto.
Os médicos brasileiros precisam estar mais preparados para suspeitar de um aborto criminoso e denunciá-lo para as autoridades competentes.
As subnotificações , por medo e às vezes por desconhecimento do quadro clínico levam à impunidade e à proliferação das clínicas clandestinas.
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Médico Ginecologista Obstetra (Residência de Ginecologia e Obstetrícia pela Universidade Federal de Uberlândia). Título e especialista em Ginecologia e Obstetrícia pela FEBRASGO - AMB. Título de especialista Habilitação em Ultrassom em Ginecologia e Obstetrícia - AMB. Preceptor residência médica de Ginecologia e Obstetrícia na Santa Casa de Franca.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAULO JORGE ABRAHãO, . A perícia no aborto criminoso Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 nov 2014, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/41677/a-pericia-no-aborto-criminoso. Acesso em: 26 dez 2024.
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