RESUMO O presente artigo científico tem por objetivo tratar da aplicabilidade da Teoria dos Jogos e dos Institutos Despenalizadores presentes tanto nos Juizados Especiais Criminais, quanto os presentes em sistemas penais de outros países, a exemplo do plea bargaining e plea guilty. A Teoria dos Jogos e tais institutos seriam instrumentos de conciliação, processo e julgamento das infrações penais de menor potencial ofensivo. Dessa forma, discuti-se aqui a aplicação ou não dos institutos despenalizadores dos Juizados Especiais Criminias, quais sejam: a composição civil, a transação penal, a necessidade de representação nos crimes de lesões corporais leves e culposas e a suspensão condicional do processo, aos crimes comuns. Por fim, busca-se uma forma de adequar o Equilibrio de Nash (teoria dos jogos) e os institutos despenalizadores como meio de tornar o sistema penal mais célere e eficaz.
Sumário: Introdução; 1 Os Institutos Despenalizadores; 1.1 O Instituto do Plea Bargaining; 1.2 O Instituto do Plea Guilty; 2 Os Juizados Especiais Criminais; 3 A Teoria dos Jogos; 3.1 O Dilema do Prisioneiro; 4 A Constitucionalidade da aplicação dos Institutos Despenalizadores e da Teoria dos Jogos no Sistema Penal Brasileiro. Conclusão; Referências Bibliográficas.
PALAVRAS-CHAVE: Teoria dos Jogos; Institutos Despenalizadores; Juizados Especiais Criminais; Processo Penal.
INTRODUÇÃO
Embora existam semelhanças entre a Teoria dos Jogos, os Institutos Despenalizadores e os Juizados Especiais Criminais, cada um terá uma função específica para chegar ao bem comum, a realização de uma transação penal mais célere e eficaz, em que tanto o Estado como o acusado saiam satisfeitos do imbróglio.
Inicialmente, baseamos no modelo criminal americano, para poder absolver todos
os moldes de uma transação penal, em que o delito cometido é de baixo potencial ofensivo com pena não superior a 1 (um) ano, conforme explicita a lei dos Juizados Especiais Criminais.
Este ensaio pretende inicialmente traçar rápidas considerações sobre as os Institutos Despenalizadores assim como sobre os Juizados Especiais Criminais, para a explanarmos sobre como a Teoria dos Jogos de Jonh Nash, pode ser aplicável nas transações penais nos JECRim, englobando os Institutos Despenalizadores do “Plea Bargaining” e do “Guilty Plea” no sistema processual penal brasileiro.
1. Os Institutos Despenalizadores.
No sistema criminal norte-americano, o Ministério Público é totalmente
independente para negociar a culpabilidade e a tipicidade dos crimes, conseguindo solucionar cerca de 95% dos casos penais fora dos tribunais, sem a necessidade de um processo penal dispendioso. Os institutos do plea bargaining e o plead guilty, por exemplo, são instrumentos que vêm conferindo um elevado grau de eficácia social ao direito criminal nos EUA. (GORDILHO, 2009, p.12)
No Brasil, por outro lado, ainda há uma enorme resistência por parte dos juristas
quanto à aplicabilidade do sistema consensual penal. Estes se valem da justificativa de que tal sistema feriria os princípios do devido processo legal, indisponibilidade da ação penal, e da presunção de inocência. Deve-se levar em conta, no entanto, que nosso ordenamento já comporta um sistema consensual, haja vista a criação dos Juizados Especiais Criminais.
Então seria suficiente apenas uma ampliação da utilização dos institutos despenalizadores, bem como das transações penais, para que o sistema penal brasileiro pudesse alcançar maior celeridade e eficácia nos seus procedimentos.
Abordar-se-á, os referidos Institutos de uma maneira mais detalhada e
esclarecedora, para adentrarmos na discussão de como os Juizados Especiais Criminais podem contribuir na realização de transações penais desobstruindo o sistema criminal brasileiro.
1.1 O Instituto do “Plea Bargaining”;
Tratando-se o direito ao julgamento pelo “Grande Júri” de um direito disponível,
o suspeito pode preferir ser indiciado diretamente pelo promotor, onde terá a possibilidade de negociar a admissão de culpa por uma pena mais reduzida ou pela desqualificação do crime para um delito com punibilidade menos grave através de um acordo ou transação (plea bargaining) que produzirá seus efeitos apenas naquele processo, não servindo de prova para outro processo criminal, em face de garantia contra dupla acusação.
A política criminal americana deu azo ao sistema de barganha por ser mais prática resposta aos anseios de sua sociedade. É função do direito penal zelar pela paz da sociedade, porém, antes de sua aplicação, há que se perquirir através do processo penal se deve ou não ser culpado o acusado (alertamos para a vigência do princípio da inocência). Há que se perceber neste sistema que há uma clara disparidade entre as partes na relação processual, uma delas é quem primeiro coordena, articula a coleta de provas na fase do inquérito, e prossegue com a sustentação da acusação perante o Poder Judiciário, a outra parte somente fica a mercê desta subjugadora. Quando da acusação formal, surge a possibilidade de acordo (se for VONTADE do Acusador), caso contrário parte-se para o juízo (instauração do sumário). A plea bargaining está arvorada em um só ideal, a supressão do juízo, tanto o é que o "inquisitor" (dirigente da fase pré-processual) é quem propõe o acordo ou em caso de impossibilidade de sua celebração dará seguimento com a mantença da acusação formal em juízo, submetendo o feito à apreciação do Júri- isso na common law. (GOMES, 2001.)
A plea bargaining consiste fundamentalmente numa negociação entre a
promotoria e a defesa, em que após definida a prática da infração penal, e superada a fase preliminar do processo, abre-se oportunidade ao suspeito para o pleading, onde poderá se pronunciar a respeito da sua culpabilidade: se declara culpado e confessa o crime após um processo de negociação com a promotoria para a troca da acusação por um crime menos grave, ou por um número mais limitado de crimes, opera-se a plea, que é a resposta da defesa, e então pode o juiz fixar a data da sentença, sem necessidade do devido processo legal ou de um veredicto.
Portanto, o simples fato de ser o judiciário lento nos seus julgamentos, ser a
máquina estatal viciada, são suficientes os argumentos para adoção destes institutos. Esta dualidade entre garantia de direitos e resposta à sociedade deve ser considerada constitucional, uma vez que poderá se estabelecer uma política criminal no Direito Pátrio, com mais objetividade e eficiência.
1.2 O Instituto do “Guilty Plea”
Alega inocência (not guilty) por insuficiência jurídica da acusação ou silencia,
dando início a segunda fase do processo penal, com a instalação do processo e seus procedimentos públicos, que a depender do Estado-membro o juiz julga com ou sem a participação do júri.
A partir de então se instaura o processo criminal através de uma acusação formal
contra o suspeito, que a depender do Estado-membro poderá ser feita a) perante um platéia, formado por 25 jurados leigos com poderes para ouvir testemunhas e ordenar providências investigatórias, b) ou diretamente a um Juiz, sempre tendo em conta que dentre os direitos fundamentais da pessoa humana que podem ensejar a anulação do processo penal pelos procedimentos recursais, encontra-se o que se refere à imparcialidade do grande júri e do júri propriamente dito, tanto do juiz quando dos jurados leigos.
O principal objetivo de uma confissão de culpa é produzir uma conclusão final a um processo criminal. Once a defendant enters a guilty plea, the prosecutor has no further obligation to introduce evidence of the defendant's guilt. Uma vez que o réu se declarou culpado, o promotor não tem obrigação de continuar a apresentar provas de culpa do réu. (ZACHARIAS, p 32).
Se o promotor apresenta os seus argumentos perante o Júri, este poderá aceitá-los
ou apresentar uma nova acusação sem considerar os argumentos daquele.
Definido o procedimento, com a aceitação da acusação pelo Grande Júri, ou com a
apresentação de nova acusação pelo Grande Júri ou ainda com acusação feita diretamente perante o juiz, o juiz designa a data do julgamento que tem início com a formação do júri, cuja competência é julgar as questões de fato e apresentar um veredicto em favor da inocência ou da culpabilidade do réu.
1. Os Juizados Especiais Criminais.
Os Juizado Especiais Criminais (JECRim), previsto na lei nº 9.099/95 foi criado
com o objetivo de dispor especificamente sobre as infrações penais de menos potencial ofensivo, ou seja, aquelas de menor gravidade, conforme o art. 60 da referida lei.
“Os Juizados Especiais Criminais têm competência para a conciliação, o
processo, o julgamento e a execução das infrações penais de menos potencial ofensivo e poderá ser composto por juízes togados e leigos”. (MOREIRA, 2009.p. 11)
Os principais procedimentos dos JECRim são: conciliação ou composição dos
danos civis, em audiências preliminares presididas por conciliadores ou juízes leigos; aplicação antecipada de penas alternativas, mediante compromisso assumido pelo autor do fato perante o Ministério Público, homologado pelo juiz (transação penal), extinguindo-se a punibilidade com o cumprimento da pena; a suspensão do processo durante certo período, mediante o cumprimento de condições pelo autor do fato, ao fim do qual sua punibilidade também é extinta (suspensão condicional do processo).
Nesse Instituto despenalizador, pode-se observar dois princípios da ação penal, de
acordo com Heron Santana Gordilho:
Em verdade, este instituto de despenalização vai abrir exceção, não apenas ao princípio constitucional do devido processo legal, mas também aos princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal, e até mesmo o da verdade real, que para muitos é o escopo principal do processo penal, ao buscar, dentro dos autos da instrução criminal, os elementos probatórios da autoria e materialidade do delito com a certeza absoluta da verdade, através da reconstituição simulada do fato. (GORDILHO, 2009, p. 10)
A Constituição Federal que em seu art. 98, I “permitiu a criação de juizados
especiais criminais onde fosse possível a transação penal” (MIRABETE, 2000, p. 28), razão pela qual não se pode falar em inconstitucionalidade da própria norma constitucional.
De acordo com Pedro Henrique Demercian e Jorge Assafa Maluly, os principais
princípios orientadores dos Juizados Especiais Criminais são o da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, senão vejamos (DEMERCIAN, MALULY. 2008. P. 01):
No seu art. 62, a lei nº 9.099/95 especifica regras norteadoras nas quais teve inspiração, a saber: oralidade, informalidade, economia processual e celeridade, dando especial ênfase à reparação do dano causado e alternativas eficazes para a substituição das penas privativas de liberdade, tão largamente aplicadas, com tendências para as modernas teorias de descriminalização e restrita tutela Estatal nas relações humanas (...)
No que tange aos procedimentos dos juizados, estes terão primeiramente uma fase
preliminar onde haverá coletas dos indícios de autoria, apresentação das partes ao Juizado, para efeito de conciliação e reparação do dano. Já o segundo procedimento diz respeito ao rito sumaríssimo, em que vão iniciar todos os procedimentos do julgamento.
No Brasil, após o recebimento da ação penal pelo juiz, “a garantia do devido
processo legal assegura ao réu o direito ao contraditório” (art. 5º, LV da CF), de forma que na fase processual a acusação e a defesa devem estar em posição de igualdade, não existindo entre elas distinção de meios, prazos ou oportunidades, sendo defeso ao juiz praticar qualquer ato processual sem o conhecimento da parte contrária.
Destarte, os objetivos da lei, vão consistir em desafogar o sistema judiciário
brasileiro, adotar um procedimento simples e célere e aplicar penas com caráter mais social e menos punitivo.
Abordados, de maneira sucinta o que seriam os Institutos Despenalizadores e os Juizados Especiais Criminais, passaremos agora a discorrer sobre a possibilidade de aplicar a teoria dos jogos nas transações penais.
3 A Teoria dos Jogos.
A teoria dos jogos começou a ser delineada ainda nos anos 40, quando foi
publicado o livro The Theory of Games and Economic Behavior escrito pelo matemático húngaro Jonh Von Neuman em parceria com o economista alemão Oskar Morgenstern (FIANI, 2004, p. 26). Nessa obra, é explicado o conceito dos jogos de soma zero, que são aqueles no qual o ganho de um jogador representa necessariamente a derrota do outro. Esse tipo de jogo não comporta a possibilidade da cooperação dos jogadores, pelo simples motivo de que a cooperação de um poderá acarretar a vitória do outro e, conseqüentemente, a derrota para si. (ALMEIDA, p. única)
Como se observa, a teoria dos jogos de soma zero, não representa a melhor
alternativa de resolução de conflitos, vez que não incentiva a interação social ou a maximização de resultados. Diante disso, objetivando criar uma teoria mais dinâmica, que promovesse a interação e melhores resultados, em 1950, Jonh Forbes Nash desenvolveu uma teoria que vislumbrasse a possibilidade da cooperação entre dois jogadores contrários, sem que essa colaboração resultasse em perda para um ou para outro.
Essa teoria foi denominada de Equilíbrio de Nash e representa a situação na
qual, em um jogo de dois ou mais jogadores, cada um terá a escolha de mudar ou não sua estratégia, levando sempre em conta a estratégia dos demais participantes, tendo em vista que sua maximização de ganhos está relacionada ao ganho ou derrota dos adversários. Em melhores palavras, os participantes devem decidir qual a estratégia utilizar para que obtenham sempre um ganho parcial, fugindo assim das estratégias arriscadas que podem levá-lo à vitoria ou derrota total.
Dessa forma, o Equilibrio de Nash representa uma evolução significativa no
modo de resolução de conflitos, ao trazer a idéia da cooperação entre os participantes dos jogos, em detrimento da competição isolada. A teoria dos jogos de Nash quebra com o paradigma de haver no jogo sempre um vencedor e um perdedor, e implementa a possibilidade de dois vencedores no mesmo jogo.
Nas Palavras do Prof. Fabio Portela Lopes de Almeida (p. única):
John Nash, a seu turno, partiu de outro pressuposto. Enquanto Neumann partia da idéia de competição, John Nash introduziu o elemento cooperativo na teoria dos jogos.A idéia de cooperação não é totalmente incompatível com o pensamento de ganho individual, já que, para Nash, a cooperação traz a noção de que é possível maximizar ganhos individuais cooperando com o adversário. Não é uma idéia ingênua, pois, ao invés de introduzir somente o elemento cooperativo, traz dois ângulos sob os quais o jogador deve pensar ao formular sua estratégia: o individual e o coletivo. "Se todos fizerem o melhor para si e para os outros, todos ganham".
A teria dos jogos pode então ser definida como “a análise matemática de
qualquer situação que envolva um conflito de interesses, com o fito de descobrir as melhores opções que, dadas certas condições, devem conduzir ao objetivo desejado por um jogador racional.” (ALMEIDA, p. única)
3.1 O Dilema do Prisioneiro.
A Teoria dos Jogos moderna, baseada na cooperação, é largamente utilizada na
economia e na administração como instrumento de maximização de ganhos com o menor risco e dispêndio possíveis.
No ramo do direito, a Teoria dos Jogos se faz presente no Dilema do Prisioneiro. Nele, dois homens são presos pela polícia suspeito do cometimento do mesmo crime e interrogados separadamente. A polícia não possui evidências suficientes para condená-los, ao menos que um deles confesse o crime. Os investigadores então lhes dão duas alternativas e apresentam as conseqüências de cada uma delas: confessar ou não confessar o crime; caso nenhum dos suspeitos confesse, ambos serão sentenciados a um crime de pouca gravidade e pegarão um ano de cadeia; se ambos confessam, serão sentenciados a dois anos de cadeia; contudo, se somente um confessar, este ficará livre, e o outro será sentenciado a três anos de cadeia (dois pelo crime e um por obstruir a justiça).
A partir daí, os prisioneiros decidem o que fazer separadamente, sem saber da
decisão do outro. “Daí o caráter estático do jogo. Também é um jogo de informação completa, porque ambos conhecem a punição (ou pagamento) que cada um receberá com base no perfil de estratégias que for selecionado” (ROCHA, 2008, p. 08).
Para melhor entendimento, o Dilema do Prisioneiro pode ser equacionado na
seguinte matriz:
|
|
Prisioneiro B |
|
CONFESSAR |
NÃO CONFESSAR |
||
Prisioneiro A |
CONFESSAR |
02 anos; 02 anos |
Livre; 03 anos |
NÃO CONFESSAR |
03 anos; livre |
01 ano; 01 ano |
Olhando de fora, a melhor opção seria que os dois não confessassem o crime, e
assim fossem condenados a menor pena possivel: um ano de cadeia. Todavia, se um não confessar e o outro sim, o que não confessou ficará três anos na cadeia. Conclui-se, portanto, que a opção “não confessar” é a mais arriscada e aquela que oferece maior variação de consequências: o prisioneiro é sentenciado a 1 ou 3 anos de cadeia. De outro modo, a alternativa “confessar”, que representa o equilíbrio, é a mais segura, pois oferece duas consequências razoáveis: a liberdade ou 2 anos de prisão.
A esse respeito, André Barreira da Silva Rocha (ROCHA, 2008, p.08) nos
apresenta suas considerações:
O fato é que a estratégia Não Confessar é estritamente dominada pela estratégia Confessar, de modo que ela não é jogada. Na figura anterior, com os valores representados na matriz de pagamentos, isso fica claro, uma vez que nenhum dos prisioneiros irá arriscar-se a escolher a estratégia Não Confessar, porque eles não têm nenhuma garantia ou informação de que o outro fará o mesmo. Caso o outro prisioneiro escolha Confessar, o prisioneiro que não confessou acabará numa situação de prejuízo superior àquela correspondente ao equilíbrio de Nash do jogo.
Assim, para o dilema, não há uma resposta correta, pois os prisioneiros não
sabem a resposta um do outro. Entretanto, a melhor alternartiva para o caso é o equilíbrio de nash, representado pela opção “confessar”. Essa opção é a que retrata a melhor escolha de estratégia, baseada na possível estratégia do outro jogador, e a que representa menor risco e maior vantagem para ambos. Desse modo, os dois jogadores cooperam entre si, e o resultado é que ambos ganham, ainda que parcialmente.
4. A Constitucionalidade da aplicação dos Institutos Despenalizadores e da Teoria dos Jogos no Sistema Penal Brasileiro.
Como dito, os institutos despenalizadores são largamente utilizados no sistema
penal de vários países desenvolvidos, entre eles os EUA, e vem dando significativos resultados, chegando a ser solucionado 95% dos casos penais fora dos Tribunais norteamericanos (GORDILHO, 2009, p.12). Todavia, devemos lembrar que a cultura e os princípios constitucionais do Brasil e EUA são totalmente distintos.
Uma das principais diferenças entre os dois países está na interpretação do
direito ao devido processo legal. Nos EUA o devido processo é um direito disponível, enquanto que no Brasil esse direito é indisponível, prevalecendo a obrigatoriedade e a legalidade. Isto significa que o Brasil prima pelo formalismo, enquanto que os EUA primam pelo resultado. Heron Gordilho (2009, p. 10) nos esclarece a esse tema:
Com efeito, enquanto no sistema criminal dos EUA o devido processo legal é um direito disponível, no Brasil prevalece o princípio da legalidade ou da obrigatoriedade, fundados na tópica delicta maneant imputina (os delitos não devem ficar impunes), de forma que a autoridade policial e o promotor de justiça estão obrigados, sob pena de cometerem o crime de prevaricação, a promover a apuração e a deflagração da ação penal de todo e qualquer delito, só podendo deixar de fazê-lo nas hipóteses de atipicidade, impunibilidade do agente, ilegitimidade processual, imaterialidade do fato por falta de prova material ou autoria ignorada, mesmo assim através de requerimento de arquivamento ou absolvição sumária que deve ser submetida a apreciação do juiz. Além disso, proposta a ação penal pública, prevalece o princípio da indisponibilidade do processo, e o Ministério Público não poderá dela dispor, transacionando, desistindo ou acordando com o acusado.
Da leitura do texto acima, podemos observar que além do princípio do devido
processo legal, os institutos despenalizadores afrontariam os princípios da obrigatoriedade e da indisponibilidade da ação penal, que de certa forma estão interligados ao primeiro. Assim, os defensores do devido processo legal – desmembrado na obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal – são contrários à aplicabilidade dos institutos que tenham por base a resolução de conflitos através de acordos entre Estado e acusado, o que implicaria, logicamente, na dispensa do processo penal. Para tais defensores, o processo penal é obrigatório e jamais pode ser dispensado, sob pena de cairmos em total insegurança jurídica.
Contudo, sabemos que um processo penal é extremamente demorado e
dispendioso, e que nem sempre os resultados são significativos para a sociedade. Atualmente, leva cerca de 10 anos e consome muito dinheiro dos cofres públicos, para que se tenha uma sentença penal transitada em julgado. E, como se sabe, justiça lenta não é justiça. Apesar disto, o formalismo ainda está arraigado na cultura brasileira, de modo que a própria sociedade exige um processo penal que siga todas as formas impostas em lei.
Não obstante, aos poucos a cultura formalista vem dando espaço à cultura de
resultados. A publicação da Lei Federal nº 9099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais é exemplo disto. Esta lei relativizou o princípio do devido processo legal, ao abrir a possibilidade da transação penal entre a acusação e a defesa nos crimes de menor potencial ofensivo, ou seja, aqueles cuja pena máxima não ultrapasse dois anos de reclusão.
A lei dos Juizados Especiais Criminais também prevê a “aplicação de medidas alternativas privativas de direitos, que acabam por extinguir a punibilidade do crime, sem que isso signifique reconhecimento de culpa, além de não determinar qualquer repercussão na esfera cível”. (GORDILHO, 2009, p.13).
Como se vê, a criação dos Juizados Especiais Criminais representou um
grande passo rumo ao ideal de resolução de conflitos penais fora dos tribunais, quando possível. Assim, os institutos despenalizadores presentes na lei 9099/95 abriram exceção aos princípios do devido processo legal e da obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal, tornando dispensável o lento e dispendioso processo criminal, que foi substituído pela solução rápida, barata e satisfatória dos litígios penais fora dos Tribunais.
Como vimos, além dos institutos despenalizadores presentes na lei dos juizados
especiais criminais, temos ainda os institutos utilizados nos EUA, como o plea bargaining e o plea guilty. O primeiro consiste basicamente numa negociação entre acusado e promotoria para que ambos ganhem, ou seja, o acusado recebe uma pena menor ou é condenado por um crime menos grave, e a promotoria consegue condenar o acusado imediatamente, sem o processo penal; e o segundo consiste na confissão precoce do acusado, que em troca recebe uma diminuição de pena, e é dispensado o processo criminal.
Nestes casos, os institutos americanos se diferenciam dos institutos utilizados
aqui no Brasil pelo fato dos primeiros envolverem apenas a cooperação entre Estado (promotoria) e acusado, enquanto que os segundos podem envolver também a transação entre vítima e acusado. A sistemática dos institutos americanos, portanto, é independente da vontade da vítima, ficando a cargo da promotoria decidir pelo acordo, bem como pela estipulação de penalidades ao acusado.
Não obstante isso, a questão da constitucionalidade a ser levantada é a mesma
dos outros institutos despenalizadores utilizados no Brasil: é constitucional a transação penal que dispense o processo criminal?
No que toca aos institutos presentes na lei dos juizados especiais criminais, não
há que se falar em inconstitucionalidade, tendo em vista que foi a própria Constituição Federal em seu art. 98, inciso I que permitiu a criação dos juizados, bem como permitiu que fosse possível a transação penal. (GORDILHO, 2009, p.12)
Por outro lado, no que tange à constitucionalidade da aplicação da Teoria dos Jogos e dos demais institutos despenalizadores no sistema penal brasileiro, devemos analisar sua relação frente aos princípios constitucionais. A Teoria dos Jogos é apenas um sistema matemático, não produzindo mudanças procedimentais no processo penal, de modo que essa técnica pode ser utilizada sem problemas. Ou seja, a definição da melhor estratégia entre acusado e acusação visando a maximização de ganhos deve ser adotada sempre, desde que se obedeça aos procedimentos legais.
O problema surge quando a teoria dos jogos serve de base teórica aos institutos
despenalizadores não previstos na lei 9099/95. Nestes casos, os institutos marginais não podem ser utilizados, pois afrontam aos princípios constitucionais do devido processo legal, obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal. Eles somente poderiam ser aplicados se estivessem previstos na própria Constituição, como é o caso dos juizados especiais criminais.
CONCLUSÃO.
A aplicação dos institutos despenalizadores e de outros mecanismos
alternativos de resolução de conflitos criminais, é uma tendência mundial, e confere um elevado grau de eficácia ao direito penal dos países que os utilizam. Estes países vêm obtendo uma enorme economia de gastos públicos e de tempo, que antes eram despendidos em lentos e ineficazes processos criminais.
O Brasil, a exemplo dos países mais desenvolvidos, adotou os ideais modernos
de solução penal, com a criação dos Juizados Especiais Criminais. Estes previam a aplicação da transação penal para crimes de menor potencial ofensivo, sem a necessidade do processo criminal. No entanto, a limitada atuação dos juizados especiais criminais não é suficiente para amenizar o enorme problema da lentidão e eficiência do processo penal brasileiro, que acaba por contribuir para o sentimento de impunidade e injustiça na sociedade.
Dessa forma, seria interessante que fosse ampliada a atuação da lei dos juizados
especiais, para que a transação penal fosse permitida para crimes cuja pena máxima de reclusão é de 5 anos, ao invés de apenas 2 anos, como é hoje. Seria interessante também a permissão constitucional para a aplicação de demais institutos despenalizadores, que introduziriam de vez no Brasil a justiça penal consensual, “permitindo uma resposta rápida para crimes de pequeno e médio potencial ofensivo, e ao próprio suspeito a possibilidade de livrar-se de um processo demorado” (GORDILHO, 2009, p. 13). Assim, ganharia sociedade, Estado e acusado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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DEMERCIAN, Pedro Henrique; MALULY, Jorge Assaf. Teoria e Prática dos Juizados Especiais Criminais. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
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GORDILHO, Heron Santana. Justiça Penal Consensual e as Garantias Constitucionais no Sistema Criminal do Brasil e dos EUA. Trabalho publicado nos Anais do XVIII Congresso Nacional do CONPEDI, realizado em São Paulo – SP nos dias 04, 05, 06 e 07 de novembro de 2009. Disponível em: www.publicadireito.com.br/conpedi/manaus/arquivos/Anais/sao.../2187.pdf. Acesso em: 15 de agosto de 2010.
MIRABETE. Juizados Especiais Criminais. São Paulo: Atlas, 2000.
MOREIRA, Rômulo de Andrade. Juizados Especiais Criminais. 2ª Ed. Ver. Atual. e ampl. Salvador: Editora Juspodium, 2009.
ROCHA, André Barreira da Silva. O Dilema do Prisioneiro e a Ineficiência do Método das Opções Reais. RAC, v. 12, n. 2, p. 507-531, Abr./Jun. Curitiba, 2008.
VERMELHO, F C. Zacharias Zacharias. Guilty Plea: Aceitando o fundamento - a natureza das confissões de culpa, O Processo de fundamento, os Elementos confissões de culpa, requisitos estatutários e processuais. Disponível em: < http://law.jrank.org/pages/1282/Guilty-Plea-Accepting-Plea.html >. Acesso em 04 de Nov. de 2012.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, ANDRE ROMERO CALVET PINTO. A aplicabilidade da teoria dos jogos e dos institutos despenalizadores como instrumentos capazes de tornar o sistema penal brasileiro mais célere e eficaz Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 ago 2016, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/47216/a-aplicabilidade-da-teoria-dos-jogos-e-dos-institutos-despenalizadores-como-instrumentos-capazes-de-tornar-o-sistema-penal-brasileiro-mais-celere-e-eficaz. Acesso em: 02 maio 2025.
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