Dá-se a distanásia quando o processo de morte de um corpo é prolongado artificial e desproporcionalmente, com ou sem dor.
Mutatis Mutandis é o que ocorre com o Novo Código de Processo Civil, mantém-no vigente, porém sem efetividade.
Trata-se de uma boa lei, mas que já nasceu sob desconfianças e protestos.
Parte considerável das inovações que trouxe é simplesmente ignorada, embora sua validade continue sendo proclamada. Há uma quase desobediência civil contra ele. O Código agoniza, mas não morre.
Relembro que, por ocasião de sua aprovação no Parlamento, associações classistas se reuniram com o então Ministro da Justiça com o objetivo de evitar o dever de julgar processos obedecendo uma rigorosa ordem cronológica de conclusão, ou seja, os processos mais antigos, em regra, seriam julgados primeiro, conforme redação original do art. 12.
Essa era norma processual de importante concretização do princípio constitucional da igualdade e da impessoalidade. Esse dispositivo alvissareiro não foi vetado como queriam, mas foi alterado pelo próprio Congresso Nacional ainda durante a vacatio legis, atendendo a pressões legítimas, contudo, equivocadas.
Vozes como as de Lenio Streck, Fredie Didier e Ada Pellegrini foram vencidas no “jogo democrático”. Até aqui, lamentável, todavia devemos aceitar, é dura mas é a regra do jogo. Como dizia Sócrates, “é preciso que os homens bons respeitem as leis más, para que os homens maus respeitem as leis boas”.
Outro ponto do Diploma cujo veto foi corporativamente defendido diz respeito ao rol exemplificativo de situações que geram nulidade de decisões judiciais por falta de fundamentação (art. 489, § 1º). Essa parte do corpo não foi vetada ou amputada (no direito vigente isso ocorre com a declaração de inconstitucionalidade), mas a ela não se lhe deu a devida função, e a norma padece.
O dispositivo mudou completamente o standard jurídico da sentença fundamentada.
Apesar do novo texto legal ser tão óbvio quanto inovador, não foi capaz de mudar o conteúdo das decisões judiciais. Infelizmente ainda constatamos decisões tais quais as criticadas por Nelson Nery Junior, verbi gratia, “segundo os documentos e testemunhas ouvidos no processo, o autor tem razão, motivo por que julgo procedente o pedido.”
O doutrinador, ainda na vigência do Código de Processo Civil revogado, deixou claro que essa espécie de decisão seria nula por afronta direta ao art. 93, IX da Constituição Federal, ou seja, por falta de fundamentação.
Lenio Streck vem por anos a fio denunciando o absurdo que é decidir assim: “o juiz não está obrigado a responder todas as alegações das partes, quando já tenha encontrado o motivo suficiente para fundar a decisão, nem se obriga a ater-se aos fundamentos indicados por elas e tampouco a responder um a um todos os seus argumentos. Nego os embargos.”
Tenho certeza que os advogados, estudantes e magistrados que estejam lendo essas linhas devem ter lembrado de já ter lido ou escrito algo semelhante. Aliás, Lenio Streck, em julho de 2015, denunciou que alguns magistrados defendiam publicamente a desobediência ao NCPC.
No entanto, a minha surpresa não diz respeito à confirmação da desobediência em si, verificada aqui e acolá, mas ao fato de constatar essa mesma postura nos Tribunais Superiores.
Para alento dos que defendem um processo menos arbitrário, o art. 489, § 1º do NCPC tem sido bem utilizado pelo STJ no campo penal (6ª Turma – vide HC`s 371958/SP e 345745/AM).
No campo cível, a esperança vem de um único precedente apreciado pela Ministra Nancy Andrighi na Terceira Turma (REsp 1622386/MT), pois as demais Turmas tratam a matéria como se nada tivesse mudado. Até os textos dos acórdãos são iguais aos proferidos antes do novo Código.
A par dessas considerações, registre-se que a Lei Ordinária ora comentada também foi apelidada de “Código dos advogados”, “Código contra os juízes”, “Código Megalomaníaco”, “esquizofrênico” ... enfim, o conhecido NCPC é a nossa lei Geni. Poucos admitem publicamente querer matá-la, “ela é feita para apanhar”, “ela é boa de cuspir”. A tônica é uma só, deixar o corpo vivo, agonizando, mas vivo. Mudou-se o Código e tudo continuou como estava. Ao cenário cabe bem a frase do escritor italiano Giuseppe Tomasi di Lampedusa: “tudo deve mudar para que tudo fique como está”.
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