RESUMO: De acordo com o art. 2º, caput da Lei 13.260/16 “o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.
Discute-se, então, a tipificação do Terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro e a necessária tipificação do tipo penal, em observância aos parâmetros constitucionais.
Palavras-Chave: Mandados de criminalização. Terrorismo.
Sumário: 1. Introdução; 2. Crime de Terrorismo no Direito Pátrio. 2.1. Inexistência do crime de terrorismo antes da Lei 13.260/16. 2.2. Crimes previstos na Lei 13.260/16. 3. Desistência voluntária e arrependimento eficaz na Lei 13.260/16. 4. Competência para processar e julgar. 5. Aplicação da lei das ORCRIM para processo e julgamento. 6. Considerações finais. 7. Referências.
1. INTRODUÇÃO:
Os mandados de criminalização ou de penalização são normas constitucionais que criam a obrigação para o legislador infraconstitucional de incriminar lesões a determinados bens jurídicos.
A própria Constituição reconhece a importância de determinados bens jurídicos e estabelece para o legislador infraconstitucional o deve de incriminar certas condutas e trazer uma tutela eficaz na tutela desses bens jurídicos.
No art. 5º, XLIII, da Constituição:
XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
Em 1990, impulsionado pelo movimento Lei e Ordem foi criada a Lei de Crimes Hediondos. Praticamente todos os mandamentos de criminalização tinham sido cumpridos, a exceção do Terrorismo. A demora do Brasil de tipificar o terrorismo decorre de dois motivos: a ausência de cultura própria do terrorismo no Brasil, bem como uma dificuldade internacional em se definir o conceito de terrorismo.
A ONU desde o 11 de setembro vem editando resoluções para coibir o terrorismo.
A Lei Antiterrorismo entrou em vigor no Brasil no dia da publicação e sua aprovação está intrinsecamente ligada à Copa do Mundo.
Felizmente não tivemos nenhum ataque nos jogos, todavia muitos países ameaçaram não participar dos jogos se a legislação nacional não trouxesse uma disciplina sobre o tema.
2. Crime de Terrorismo no Direito Pátrio.
2.1. Inexistência do crime de terrorismo antes da Lei 13.260/16:
Hoje o conceito de Terrorismo existe, mas existia antes da Lei 13.260/16?
Uma primeira corrente entendia que o terrorismo estava tipificada no brasil no art. 20 da Lei de Segurança nacional.
Art. 20 - Devastar, saquear, extorquir, roubar, seqüestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.
Pena: reclusão, de 3 a 10 anos.
Com base nesse artigo 20, alguns autores entendiam que existe terrorismo. Nesse sentido Nucci:
“Terrorismo: o crime está previsto no art. 20 da Lei 7.170/83 (Lei dos Crimes contra a Segurança Nacional, Ordem Política e Social), nos seguintes termos: “Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. Pena: reclusão, de 3 a 10 anos. Parágrafo único. Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo”. Valeu-se o legislador da denominada interpretação analógica. Primeiramente, enumerou formas de terrorismo como devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão e praticar atentado pessoal para, na sequência, embora com redação equívoca, ter mencionado ou atos de terrorismo. Em nosso entendimento, deve-se ler ou outros atos de terrorismo, vale dizer, dados os exemplos do que sejam condutas terroristas, justificadas pelo inconformismo político ou para a obtenção de fundos voltados à mantença de organizações políticas clandestinas ou subversivas, houve a ampliação do tipo mencionando-se ou atos de terrorismo. Esse é o delito considerado, pois, hediondo. A interpretação analógica é forma válida de se buscar o verdadeiro alcance e sentido de uma norma penal. Vide o exemplo do homicídio: “Se o homicídio é cometido: (...) IV – à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido” (art. 121, § 2.º, CP). Qual seria esse recurso? Qualquer um que, por interpretação analógica, se assemelhe aos exemplos dados. Outro exemplo ilustrativo da interpretação analógica é encontrado no art. 260, IV, do Código Penal, que cuida do perigo de desastre ferroviário. Dadas as hipóteses em que o impedimento ou perturbação do serviço de estrada de ferro pode acontecer (incisos I, II e III), o tipo penal generaliza, dizendo “ou outro ato de que possa resultar desastre”.
Qual seria esse ato? Qualquer um semelhante aos anteriores. Em suma, parece-nos que o delito de terrorismo está previsto no art. 20 da Lei 7.170/83. E, caso o delito seja cometido por conduta grupal (em concurso de pessoas ou fruto de associação criminosa), pode-se aplicar o disposto no art. 5.º, XLIV da CF: cuida-se de delito inafiançável e imprescritível. Embora possamos criticar a opção pela imprescritibilidade, pois injustificável sob vários prismas, é preceito constitucional, merecedor de cumprimento. Há posição contrária, firmando o entendimento de que essa figura típica (art. 20, Lei 7.170/83) não quer dizer nada específico, pois apenas menciona, sem definir, atos de terrorismo, não merecendo aplicação, sob pena de se ferir o princípio da legalidade”. (NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. V. 1. 8. Ed. rev. Atual. E ampl. Rio de Janeiro. Forense. p.392).
Essa orientação não é dominante porque não estabelece efetivamente quais atos representam terrorismo.
A segunda corrente, majoritária, entendia que antes da Lei 13.260/16 não estava definido no Brasil.
Nesse sentido é o entendimento de Alberto Silva Franco[1], ao entender que não se estabelecia uma tipificação exata de quais atos ensejavam terrorismo.
“Alguns autores, como Alberto Silva Franco, sustentavam que esse dispositivo, por se referir genericamente a atos de terrorismo, sem definir seu significado, feria o princípio constitucional da legalidade, por não delimitar o âmbito de sua incidência.
Não concordávamos com tal posicionamento. Defendíamos que, como o art. 20 continha um tipo misto alternativo em que as várias condutas típicas se equivaliam pela mesma finalidade —
inconformismo político ou obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas —, não haveria afronta ao princípio da legalidade. Da mesma forma, Heleno Cláudio Fragoso[2] afirmava que “não existe uma ação delituosa específica denominada terrorismo. Essa expressão se aplica a várias figuras de ilícito penal, que se caracterizam por causar dano considerável a pessoas e coisas, na perspectiva do perigo comum; pela criação real ou potencial
de terror ou intimidação, e pela finalidade político-social. (...) O intérprete de nossa lei é levado à perplexidade, com o emprego, na conduta típica (...) da expressão ‘praticar terrorismo’ (...). Sendo, como é, o princípio da reserva legal, entre nós, garantia constitucional, é óbvio que definir crime através das expressões ‘praticar terrorismo’ viola a Carta Magna. A lei, porém, emprega outras expressões. Temos devastar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal e sabotagem. Qualquer dessas ações pode constituir crime de terrorismo”. (GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação penal especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves, José Paulo Baltazar Junior; coordenador Pedro Lenza. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016. – (Coleção esquematizado).
Essa ideia acabou sendo encampada pelo STF em uma extradição, analisando-se a dupla tipificação. Entendeu o STF que não havia definição típica de terrorismo no Brasil.
PPE: terrorismo e dupla tipicidade
A 2ª Turma resolveu questão de ordem, suscitada pelo Ministro Celso de Mello (relator), para declarar extinto pedido de prisão preventiva para fins de extradição, em razão da omissão do Estado requerente em produzir a documentação que se lhe exigira com suporte no Tratado de Extradição entre a República Federativa do Brasil e a República do Peru. No caso, apesar de instado formalmente a produzir as informações complementares que lhe foram requisitadas, o referido Estado deixara de produzir, não obstante a obrigação imposta em sede convencional, elementos de informação necessários à descrição dos fatos imputados, do tempo e do local de sua suposta ocorrência, do órgão judiciário competente para o processo e julgamento, além da disciplina normativa, naquele ente político, da prescrição penal. A Turma asseverou que os elementos informativos faltantes constituiriam documentos de produção obrigatória, indispensáveis à regular formalização do pleito extradicional, ou do pedido de prisão cautelar, consoante resultaria da determinação constante do Estatuto do Estrangeiro (art. 80, “caput”, “in fine”) e, também, do referido Tratado de Extradição (Artigo 19, n. 1). Seria encargo processual cuja satisfação incumbiria ao Estado que postulasse a prisão cautelar, ou a extradição, sob pena de, em não o cumprindo, expor-se ao indeferimento liminar do pedido. Por outro lado, e a despeito do que consignado, não haveria, igualmente, a possibilidade de prosseguimento do feito, isso em decorrência da impossibilidade, no caso, de observância do princípio da dupla tipicidade, eis que, tratando-se do delito de terrorismo, inexistiria, quanto a ele, no sistema de direito positivo nacional, a pertinente definição típica. Mostrar-se-ia evidente a importância dessa constatação, porquanto a comunidade internacional ainda não teria sido capaz de chegar a uma conclusão acerca da definição jurídica do crime de terrorismo. Inclusive, seria relevante observar a elaboração, no âmbito da ONU, de ao menos 13 instrumentos internacionais sobre a matéria, sem que se chegasse, contudo, a um consenso geral sobre quais elementos essenciais deveriam compor a definição típica do crime de terrorismo ou, então, sobre quais requisitos deveriam considerar-se necessários à configuração dogmática da prática delituosa de atos terroristas. Tornar-se-ia importante assinalar, no entanto, no que se refere aos compromissos assumidos pelo País, que os novos parâmetros consagrados pela Constituição determinariam uma pauta de valores a serem protegidos na esfera doméstica mediante qualificação da prática do terrorismo como delito inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado (CF, art. 5º, XLIII). Essas diretrizes constitucionais — que evidenciariam a posição explícita do Estado brasileiro de frontal repúdio ao terrorismo — desautorizariam qualquer inferência que buscasse atribuir às práticas terroristas tratamento benigno de que resultasse o estabelecimento, em torno do terrorista, de inadmissível círculo de proteção, a torná-lo imune ao poder extradicional do Estado. PPE 730/DF, rel. Min. Celso de Mello, 16.12.2014. (PPE-730)
Atualmente, tal controvérsia perdeu o sentido com a aprovação da Lei n. 13.260/2016 que disciplinou detalhadamente o terrorismo.
2.2. Crimes previstos na Lei 13.260/16:
A Constituição Federal estabelece que os crimes equiparados a hediondos. O problema é quais seriam os crimes de terrorismo equiparados a hediondos, todavia, em relação ao art. 2º, não há dúvida sobre a equiparação a hediondo.
Art. 2º O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
§ 1o São atos de terrorismo:
I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
II – (VETADO);
III - (VETADO);
IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
§ 2o O disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei.
Ao contrário da Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/83), criticada por não conceituar o terrorismo, a Lei atual estabelece detalhadamente as condutas típicas.
O dolo é a vontade e consciência de praticar um dos atos terroristas. Além do dolo, temos elementos especiais. Isso porque, o crime de terrorismo demanda um especial motivo de agir e um especial fim de agir.
Observe-se o art. 2º, caput, “o terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública”.
Via de geral, a motivação do crime pouco importa para caracterização do crime, podendo ser avaliada na dosimetria. Ocorre que no crime de terrorismo é preciso que se demonstre as razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião.
Perceba que, à exceção da xenofobia, as demais elementares já estavam definidas na Lei 7716/89.
A xenofobia tem relação com xenos (estrangeiro) e phobos (medo), isto é, repulsa ou ódio aos estrangeiros.
O conceito de discriminação vem do Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288/10).
Art. 1º, Parágrafo único, I - discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;
A raça é um conceito é atrelado às características físicas e biológicas (conformação do crânio, tipo de cabelo, cor da pele, etc) que identificam um povo. É um produto da hereditariedade. Hodiernamente não tem se tem propriamente raça, afinal todos integram da raça humana, conforme já salientou o STF no Habeas Corpus 82.424, Relator Min. MOREIRA ALVES, Relator p/ Acórdão: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno. Em consequência disso, passou-se a utilizar a expressão etnia para fazer referência ao que antes era raça.
O conceito de cor evidencia a discriminação fundado na cor da pele. A etnia diz respeito à coletividade de indivíduos que se diferencia por sua especificidade sociocultural, refletida principalmente na língua e nas maneiras de agir.
A religião é um culto ritualístico prestado por uma divindade: crença na existência de um poder ou princípio superior, sobrenatural, do qual depende o destino do ser humano e ao qual se deve respeito e obediência.
Essa discriminação alberga os ateus? O entendimento majoritário é que ateísmo não é religião, de forma que não está albergado no conceito de religião.
A procedência nacional exprime a discriminação e o preconceito: a( contra nacionais de Estado-membro diverso, reconhecíveis pelo modo de falar, como aparência física, b) contra pessoas de região diversa dentro do mesmo estado ou cidade, ainda que de mesma naturalidade c) em razão da nacionalidade.
“Raça é o conjunto de indivíduos cujos caracteres somáticos, tais como cor da pele, conformação do crânio e do rosto, tipo do cabelo e outros traços são semelhantes e se transferem por hereditariedade,
conquanto variem de pessoa para pessoa. O STF negou, porém, a existência de diferenças de raça, em sentido estrito, considerado o atual estágio da ciência, já que não existem raças humanas efetivamente diferenciadas, embora afirmando, ainda assim, a possibilidade de racismo, em sentido amplo, contra judeus (STF, HC 82.424, Corrêa, Pl., 17/09/2003). A partir daí, a expressão raça passou a ser considerada sinônimo de etnia (TRF4, AC 200172020046715, Tadaaqui, 7ª T., u., 12/09/2006).
A referência a cor, no contexto em que é utilizada, dá-se em relação à cor da pele, como na discriminação contra negros, brancos ou amarelos (asiáticos).
Grupo étnico é definido, além de fatores biológicos, por dados culturais, psicológicos e mesmo políticos, ou, ainda, o grupo cultural e linguisticamente homogêneo, como, por exemplo, a comunidade indígena (TRF4, AC 200371010018948, Vaz, 8ª T., u., 05/04/2006).
Religião é a fé ou crença em Deus ou em outra forma de poder sobrenatural e superior do qual depende a existência humana, expressada mediante um conjunto de práticas, rituais e preceitos seguidos pelo grupo religioso. A discriminação baseada em ateísmo não é abrangida pelo tipo penal.
Procedência nacional é expressão que define, primeiramente, o preconceito ou discriminação contra nacionais de outro Estado-Membro ou região do mesmo País, reconhecíveis pelo modo de falar e aparência física, ou ainda pelo conhecimento direto por parte do autor do crime a respeito dessa circunstância, como poderá ser o caso de preconceito contra nordestinos, nortistas, cariocas, paulistas, gaúchos, baianos etc., ou mesmo contra moradores de certas regiões dentro de um mesmo Estado. Embora, muitas vezes, o preconceito e a discriminação dirijam-se contra grupos minoritários no seio de um país, o delito também poderá ocorrer em relação a membros das maiorias ou mesmo das populações mais afluentes. De ver que a própria CF veda à União, aos Estados e aos Municípios a criação de distinções entre brasileiros (CF, art. 19, III).
Em minha posição, a expressão procedência nacional abrange também o preconceito ou discriminação em razão de nacionalidade, como no caso do preconceito contra brasileiros, paraguaios, argentinos etc. (STJ, HC 63.350, Fischer, 5ª T., 21/06/1995)”. (GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação penal especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves, José Paulo Baltazar Junior; coordenador Pedro Lenza. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016. – (Coleção esquematizado). p. 511).
A Lei aqui não avançou e deixou desguarnecida a orientação sexual, assim como fez a Lei 7.716/89
Exige-se a finalidade de provocar terror social ou generalizado. Aqui insere-se a principal característica terrorista, que diz respeito à criação social de um sentimento de insegurança. Os grandes atentados visam criar um sentimento de pânico em outras pessoas.
Renato Brasileiro leciona que os crimes da Lei Antiterrorista se caracterizam pelo emprego do chamado método terrorista[3], delimitado pelos seguintes paradigmas:
a) Caráter aleatório ou indiscriminado de escolha das vítimas – chamada de vítimas sem rosto.
b) Instrumentalização das vítimas – intimação massiva. Quadno um atentado terrorista é praticado o objetivo precípuo não é matar ou lesionar as vítimas. As vítimas são instrumentos para um fim. A vítima do atentado terrorista é tão somente um instrumento para se criar um sentimento de pânico, medo dos indivíduos.
c) Perspectiva de reiteração dos atos. Para que haja sentimento de terror exige-se que haja uma chance de aquele ato ser reiterado, mesmo que por outros indivíduos.
d) Terrorismo e mídia: medo líquido. Existe uma simbiose entre a mídia e o terrorismo. A mídia divulgar a informação e assim, por forma reflexa, contribui para o terrorismo. Afinal, quanto mais divulgada a notícia maior o medo propagado por aqueles indivíduos.
A doutrina diverge acerca do bem jurídico tutelado no Terrorismo.
No âmbito internacional, discute-se o bem jurídico tutelado. Para parte da doutrina o crime de terrorismo tutela, pelo menos, três bens jurídicos diversos: (i) o mesmo bem jurídico tutelado pelo ato terrorista – o terror social generalizado é realizado de alguma forma e essa forma atinge um bem jurídico determinado, como a vida; (ii) o segundo bem jurídico é a paz pública trabalhada em seu sentido subjetivo – estado coletivo de tranquilidade e a (iii) democracia – na verdade quando o indivíduo pratica atentado terrorismo atenta o processo natural democrático, tendo em vista que os atentados terroristas buscam mudanças no Estado. Isso é, o terrorismo tem como objetivo atender determinada reivindicação política.
A doutrina nacional indica que o bem jurídico é apenas a paz pública, até porque o projeto de Código Penal, que estabelece o terrorismo dentro da paz pública, sentimento coletivo de confiança na ordem jurídica. Além disso, a Lei brasileira não exige que o ato terrorista tenha como objetivo fins políticos, não se podendo falar em violação ao Estado Democrático[4].
Os sujeitos do crime:
É um crime comum. A qualidade organizacional é elementar do crime de terrorismo? É possível falarmos em terrorismo praticado por uma só pessoa? Essa discussão divide a doutrina.
A primeira corrente entende que a qualidade organizacional é elementar do crime de terrorismo. Ou seja, na visão desses doutrinadores não se pode cogitar terrorismo se estamos diante de agente individual. Afinal, se o agente está agindo sozinho não teria o condão de causar terror social e organizacional, pois não conseguiria trazer uma perspectiva de reiteração de atos. Esse entendimento é minoritário.
Prevalece o entendimento que a qualidade organizacional não é elementar do crime de terrorismo. Em especial pelo fato de que os indivíduos têm se associando a organizações criminosas mesmo a distância, pela internet[5].
É comum que células se filiem ao Estado islâmico sem formalmente integrarem às organizações terroristas. São os chamados combatentes terroristas estrangeiros[6].
Perceba que na nossa legislação o art. 2, caput, não impõe a qualidade organizacional como elementar do delito, tendo em vista que admite a prática do crime por um ou mais indivíduos.
Art. 2o O terrorismo consiste na prática por um ou mais indivíduos dos atos previstos neste artigo, por razões de xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, quando cometidos com a finalidade de provocar terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
Na esteira da doutrina majoritária o ideal é dizer que é perfeitamente possível o terrorismo individual. Trata-se de um crime de concurso eventual.
Na doutrina norte-americana é utilizada a expressão lobo solitário (Lone Wolf) ou rato solitário (lone rat)[7].
Como exemplos de terrorismo individual pode-se mencionar o unabomber (vários atentados entre 1978 e 1995 enviando bombas de fabricação doméstica) e os francoatiradores de Washington (em que dois indivíduos mataram mais de uma dezena de pessoas com rifles de longo alcance).
Tipo objetivo: o crime caracteriza-se pela execução reiterada e aleatória de crimes violentos contra os bens jurídicos mais essenciais dos indivíduos, com o fim de realizar um sentimento de terror social ou generalizado.
É de se ter em vista que, nos incisos do art. 2º, temos crimes já previstos na legislação brasileira, como atentados à vida, que já são tipificados como no crime de Homicídio (art. 121 do Código Penal).
I - usar ou ameaçar usar, transportar, guardar, portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos, químicos, nucleares ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;
II – (VETADO);
III - (VETADO);
IV - sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento;
V - atentar contra a vida ou a integridade física de pessoa.
Percebe-se, portanto, que os atos terroristas são normas penais em branco homogênea, tendo em vista que são integrados por outros tipos penais (leis).
Observe-se, ainda, que o art. 2º é crime de perigo concreto, tendo em vista que o tipo penal exige exposição de perigo concreto à pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.
Questiona-se a exigência de finalidade política para caracterização do Terrorismo.
Uma primeira corrente exige uma finalidade política. Isso é, o terrorismo seria a prática de um ato geralmente por um grupo mais fraco com o objetivo de constranger o Estado a atender determinada reivindicação política. Esse entendimento é minoritário.
Prevalece a segunda corrente, a qual entende que a tipificação do terrorismo não exige uma finalidade política[8].
Observe que nossa legislação não se refere a uma finalidade política. Inclusive o STF, mesmo antes da atual Lei, em relação à possibilidade de o terrorismo ser considerado crime político, entendeu que não se pode falar em terrorismo como crime político, de sorte que não há óbice para extradição. (Ext 855, Rel Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2004, DJ 01/07/2005, p. 5, Ement. v. 2198-1, p. 29, RB v. 17, n. 501, 2005, p. 21-22).
É de se ter em vista, ainda, que a Lei Antiterrorismo deixa claro que, no caso desse tipo, além da pena do terrorismo, teríamos as penas de violência ou ameaça.
Se o indivíduo mata 20 pessoas em ato terrorismo responderá por 20 homicídios em concurso formal impróprio e um terrorismo. Não há falar em consunção.
“A pena prevista para o crime de terrorismo é de reclusão, de doze a trinta anos, além das sanções correspondentes à ameaça ou à violência.
A punição pelo delito de terrorismo, portanto, não impede a condenação concomitante por conduta típica que atinja bens individuais. Dessa forma, a provocação de mortes que se enquadrem nessa lei — pela motivação — será também punida na forma da legislação comum, por atingir a vida das vítimas.
Não fosse dessa maneira, o terrorista seria beneficiado com pena menor. O Supremo Tribunal Federal já possuía interpretação semelhante no sentido de ser possível a punição concomitante pelos crimes de genocídio e homicídio (RE 351.487/RR). Quanto ao terrorismo, a regra agora encontra-se expressa no texto legal. Em suma, se os terroristas colocam uma bomba em um ônibus e provocam a morte de 20 passageiros, responderão por um delito de terrorismo e por 20 homicídios dolosos” (GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Legislação penal especial / Victor Eduardo Rios Gonçalves, José Paulo Baltazar Junior; coordenador Pedro Lenza. – 2. ed. – São Paulo : Saraiva, 2016. – (Coleção esquematizado). p. 187)
O texto legal, concomitantemente, enumera hipóteses em que resta afastado o enquadramento como ato de terrorismo.
Quando a lei tramitava muitos alegavam que a lei pretendeu criminalizar os movimentos sociais contra os atos de corrupção. Por tal razão, a lei expressamente passou a disciplinar que o art. 2º, §2º que “o disposto neste artigo não se aplica à conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios, visando a contestar, criticar, protestar ou apoiar, com o objetivo de defender direitos, garantias e liberdades constitucionais, sem prejuízo da tipificação penal contida em lei”.
A redação final deixa bem claro que uma coisa é que não se considera terrorismo, mas admite que eventuais crimes comuns podem ser praticados. Isso porque alguns movimentos sociais acabam degringolando para atos de violência.
Percebe-se que o art. 2º é claramente hipótese de terrorismo. A dúvida surge nos arts. 3, 4, 5 e 6. Temos duas correntes.
A corrente ampliativa entende que todos os crimes previstos na Lei 13.260/16 tipificam o terrorismo, ao passo que a corrente restritiva entende que apenas o art. 2º tipifica terrorismo e, portanto, é equiparado a hediondo.
No artigo 3º temos a organização terrorista. Vejamos:
Art. 3o Promover, constituir, integrar ou prestar auxílio, pessoalmente ou por interposta pessoa, a organização terrorista:
Pena - reclusão, de cinco a oito anos, e multa.
Observe-se que temos diversas formas de associação e organização criminosa, como no art. 35 da Lei 11.343, art. 288 do CPP, art. 1º da Lei 12.850, art. 2º da Lei do Genocídio, todas crimes de concurso necessário.
O problema é o conceito de organização terrorista não é trazido na Lei 13.260/16.
Ante o silêncio da Lei, entende-se como organização terrorista, obrigatoriamente, como uma espécie do gênero organização criminosa (art. 1º Lei 12.850).
Art. 1o Esta Lei define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal, os meios de obtenção da prova, infrações penais correlatas e o procedimento criminal a ser aplicado.
§ 1o Considera-se organização criminosa a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas estruturalmente ordenada e caracterizada pela divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de infrações penais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos, ou que sejam de caráter transnacional.
Seria, portanto, uma organização criminosa com o objeto de cometer atos terroristas.
Temos, ainda, a criminalização dos atos preparatórios de terrorismo na Lei 13.260/16[9], assim como ocorre na Lei de Drogas.
Art. 5o Realizar atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito:
Pena - a correspondente ao delito consumado, diminuída de um quarto até a metade.
§ lo Incorre nas mesmas penas o agente que, com o propósito de praticar atos de terrorismo:
I - recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; ou
II - fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade.
A pena é a mesma do terrorismo consumado, diminuída de ¼ a metade. Ocorre que a pena do terrorismo é elevada (12 a 30 anos) e o tipo penal não estabelece quais atos representam preparação ao terrorismo, podendo se criticar a tipificação aberta da Lei.
O problema é definir um ato preparatório e delimitar quando se inicia um ato preparatório.
O tipo objetivo incriminado pelo art. 5º incrimina a conduta de realizar atos preparatórios de terrorismo.
A doutrina interpreta essa disposição à luz da Teoria da imputação objetiva, de forma que se deve imaginar se a conduta gera uma situação de risco não permitida pelo ordenamento jurídico.
Alguns países estabelecem quais atos preparatórios são incriminados, como a legislação espanhola que expressamente determina quais atos são puníveis como preparação ao terrorismo.
No caput temos uma criminalização aberta. Para Renato Brasileiro[10] viola a taxatividade na faceta da exigência de lei certa.
Pode-se cogitar, portanto, a inconstitucionalidade da punição de atos preparatórios de terrorismo, tendo em vista que se questiona a legalidade do tipo penal à luz da taxatividade, exigindo-se lei certa. Ademais, questiona-se a proporcionalidade das penas para atos preparatórios.
No art. 5º, §1º, I, temos o chamado recrutamento de terrorista, para fins de treinamento.
§ lo Incorre nas mesmas penas o agente que, com o propósito de praticar atos de terrorismo:
I - recrutar, organizar, transportar ou municiar indivíduos que viajem para país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade; ou
II - fornecer ou receber treinamento em país distinto daquele de sua residência ou nacionalidade.
Consumação e tentativa: atos preparatórios como crime é conhecido crime obstáculo. A maioria da doutrina não admite tentativa (conatus).
É crime comum, unissubsistente, formal, delito de intenção, crime obstáculo.
Combatente terrorista estrangeiro: aqueles indivíduos que viajam de um Estado distinto daqueles de sua residência ou nacionalidade com o propósito de perpetrar, planejar, preparar ou participar de atos terroristas, ou fornecer ou receber treinamento para o terrorismo, inclusive em conexão com conflitos armados[11].
Treinamento para terrorismo: deve ser compreendido como o fato de dar instruções para o fabrico ou para a utilização de explosivos, armas de fogo ou outras armas ou substâncias nocivas ou perigosas ou para outros métodos e técnicas específicos tendo em vista a prática de uma infração terrorista ou contribuir para a sua prática, sabendo que os conhecimentos específicos fornecidos visam à realização de tal objetivo.
No art. 6 temos o financiamento ao terrorismo e financiamento de organização terrorista.
Art. 6o Receber, prover, oferecer, obter, guardar, manter em depósito, solicitar, investir, de qualquer modo, direta ou indiretamente, recursos, ativos, bens, direitos, valores ou serviços de qualquer natureza, para o planejamento, a preparação ou a execução dos crimes previstos nesta Lei:
Pena - reclusão, de quinze a trinta anos.
Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem oferecer ou receber, obtiver, guardar, mantiver em depósito, solicitar, investir ou de qualquer modo contribuir para a obtenção de ativo, bem ou recurso financeiro, com a finalidade de financiar, total ou parcialmente, pessoa, grupo de pessoas, associação, entidade, organização criminosa que tenha como atividade principal ou secundária, mesmo em caráter eventual, a prática dos crimes previstos nesta Lei.
Aqui pode-se aplicar, por analogia, o entendimento consolidado no STJ para o tráfico e o financiamento para o tráfico: Se o agente financia o terrorismo e realiza o ato terrorista responderá pelo art. 2. Se, de outro lado, financia o terrorismo de terceiro responderá pelo art. 6. Vejamos:
DIREITO PENAL. AUTOFINANCIAMENTO PARA O TRÁFICO DE DROGAS. Na hipótese de autofinanciamento para o tráfico ilícito de drogas, não há concurso material entre os crimes de tráfico (art. 33, caput, da Lei 11.343/2006) e de financiamento ao tráfico (art. 36), devendo, nessa situação, ser o agente condenado às penas do crime de tráfico com incidência da causa de aumento de pena prevista no art. 40, VII. De acordo com a doutrina especialista no assunto, denomina-se autofinanciamento a situação em que o agente atua, ao mesmo tempo, como financiador e como traficante de drogas. Posto isso, tem-se que o legislador, ao prever como delito autônomo a atividade de financiar ou custear o tráfico (art. 36 da Lei 11.343/2006), objetivou - em exceção à teoria monista - punir o agente que não tem participação direta na execução no tráfico, limitando-se a fornecer dinheiro ou bens para subsidiar a mercancia, sem importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas ilicitamente. Observa-se, ademais, que, para os casos de tráfico cumulado com o financiamento ou custeio da prática do crime, expressamente foi estabelecida a aplicação da causa de aumento de pena do art. 40, VII, da referida lei, cabendo ressaltar, entretanto, que a aplicação da aludida causa de aumento de pena cumulada com a condenação pelo financiamento ou custeio do tráfico configuraria inegável bis in idem. De outro modo, atestar a impossibilidade de aplicação daquela causa de aumento em casos de autofinanciamento para o tráfico levaria à conclusão de que a previsão do art. 40, VII, seria inócua quanto às penas do art. 33, caput. REsp 1.290.296-PR, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 17/12/2013.
3. Desistência voluntária e arrependimento eficaz na Lei 13.260/16
O pressuposto básico para se ter desistência voluntária e arrependimento eficaz é o ingresso na fase de execução do delito. Só se cogita a desistência voluntária se dentro daquele caminho do iter criminis o cidadão ingressa em atos executórios.
Desistência voluntária e arrependimento eficaz (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Art. 15 - O agente que, voluntariamente, desiste de prosseguir na execução ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
O art. 10 da Lei 13.260/16 estabelece que, mesmo antes dos atos executórios, aplica-se a desistência e o arrependimento.
Art. 10. Mesmo antes de iniciada a execução do crime de terrorismo, na hipótese do art. 5o desta Lei, aplicam-se as disposições do art. 15 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal.
Isso é, a grande novidade é que na lei de terrorismo temos a possibilidade de aplicar o art. 15 do CP para atos preparatórios.
Quando o agente é beneficiado pelo art. 15 só responde pelos atos já praticados.
4. Competência para processar e julgar.
A competência é da justiça federal, nos termos do art. 11 da Lei de terrorismo.
Art. 11. Para todos os efeitos legais, considera-se que os crimes previstos nesta Lei são praticados contra o interesse da União, cabendo à Polícia Federal a investigação criminal, em sede de inquérito policial, e à Justiça Federal o seu processamento e julgamento, nos termos do inciso IV do art. 109 da Constituição Federal.
O art. 11 estabeleceu que são praticados contra interesse da União e, com efeito, é competência da Justiça Federal, nos termos do art. 109, IV, da CR.
O legislador por lei ordinária estabelece que esse crime é competência federal.
Discute-se a constitucionalidade desse dispositivo. Qual o interesse da União nesse crime? O bem jurídico tutelado é a paz pública. A paz pública não é bem da União. A competência da Justiça Federal tem status constitucional.
Para que haja competência federal, em crimes previstos em tratados internacionais, exige-se uma internacionalidade da conduta delituosa. Se observamos a competência federal no art. 109, V, da Constituição[12].
Observa-se, ainda, que art. 11 da Lei de 13.260/16 são atribuídos à Polícia Federal. A Constituição dispõe que quando um crime for dotado de repercussão interestadual ou internacional poderá ser atribuída à competência à Polícia Federal.
Art. 144. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a:(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;
Não se questiona, portanto, a constitucionalidade da atribuição à Polícia Federal, mas tão somente a competência da Justiça Federal.
5. Aplicação da lei das ORCRIM para processo e julgamento:
Aplica-se a lei de ORCRIM para investigação processo e julgamento dos crimes.
Art. 16. Aplicam-se as disposições da Lei nº 12.850, de 2 agosto de 2013, para a investigação, processo e julgamento dos crimes previstos nesta Lei.
Todas as técnicas especiais de investigação podem ser aplicadas aos crimes de terrorismo.
Aplica-se, ainda, a Lei 12.694/12 ao estabelecer o julgamento colegiado de primeira instância, tendo em vista que se admite analogia para disposições processuais.
Admite-se prisão temporária para todos os crimes previstos na Lei de terrorismo.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em 1990, impulsionado pelo movimento Lei e Ordem foi criada a Lei de Crimes Hediondos. Praticamente todos os mandamentos de criminalização tinham sido cumpridos, a exceção do Terrorismo. A demora do Brasil de tipificar o terrorismo decorre de dois motivos: a ausência de cultura própria do terrorismo no Brasil, bem como uma dificuldade internacional em se definir o conceito de terrorismo.
Renato Brasileiro leciona que os crimes da Lei Antiterrorista se caracterizam pelo emprego do chamado método terrorista[13], delimitado pelos seguintes paradigmas:(i) Caráter aleatório ou indiscriminado de escolha das vítimas – chamada de vítimas sem rosto. (ii) Instrumentalização das vítimas – intimação massiva. Quadno um atentado terrorista é praticado o objetivo precípuo não é matar ou lesionar as vítimas. As vítimas são instrumentos para um fim. A vítima do atentado terrorista é tão somente um instrumento para se criar um sentimento de pânico, medo dos indivíduos. (iii) Perspectiva de reiteração dos atos. Para que haja sentimento de terror exige-se que haja uma chance de aquele ato ser reiterado, mesmo que por outros indivíduos. (iv) Terrorismo e mídia: medo líquido. Existe uma simbiose entre a mídia e o terrorismo. A mídia divulgar a informação e assim, por forma reflexa, contribui para o terrorismo. Afinal, quanto mais divulgada a notícia maior o medo propagado por aqueles indivíduos.
Diante da falta de diretrizes objetivos no ordenamento jurídico brasileiro, bem como pela novidade do tratamento da temática, a doutrina ainda precisa evoluir nos estudos do tema.
As diretrizes constitucionais, como é de se presumir, devem ser observadas para análise do caso concreto, sob pena de se criar um verdadeiro direito penal do inimigo.
7. REFERÊNCIAS
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________ .Tratado de Direito Penal, 2: parte especial- dos crimes contra a pessoa. 11ª ed. São Paulo:
Saraiva, 2011.
--------· Tratado de Direito Penal, 3: parte especial- dJs crimes contra o patrimônio até dos crimes
contra o sentimento religioso e o respeito aos mortos. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
--------· Tratado de direito penal, 4: parte especial - dos crimes contra a dignidade sexual até dos
crimes contra a fé pública. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, <.012.
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[1] FRANCO, Alberto Silva. Crimes hediondos. São Paulo: RT, 1991. p. 46.
[2] FRAGOSO, Heleno Cláudio. Terrorismo e criminalidade política. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 98-99.
[3]LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. p. 902-905.
[4] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. P.888
[5] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. P.889
[6] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. P.940.
[7]LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. P.891.
[8]LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. P. 906-908.
[9] O iter criminis é composto pelas fases de cogitação, preparação, a execução e a consumação.
Cogitação é o surgimento da ideia na cabeça do indivíduo. O direito penal não intervém na cogitação. Os atos preparatórios, via de regra, não são puníveis. Na maioria dos casos o direito penal incide quando o agente ingressa nos atos executórios. Essa regra comporta exceções, sendo que em situações excepcionais atos preparatórios deixam de ser tratados como fatos impuníveis e passam a ser alçados à categoria de crimes.
[10] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. 938.
[11] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. P. 940.
[12] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. p.953.
[13]LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. p. 902-905.
Assessor Jurídico no Tribunal de Justiça de Minas Gerais. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAIA, Renato Augusto Pereira. Terrorismo - Lei 13.260/16: uma análise da tipificação do terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 abr 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/51533/terrorismo-lei-13-260-16-uma-analise-da-tipificacao-do-terrorismo-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
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