resumo: Existe uma imensa lacuna entre o modelo de seleção ideal para o serviço público, e aquele que hoje é aplicado no Brasil. Apenas aqueles candidatos que possuem grande conhecimento acadêmico na área pretendida no concurso, e que mantiverem uma verdadeira “maratona” de preparação, é que conseguirão alcançar a sonhada nomeação aos cargos mais valorizados na Administração Pública Federal. Todavia, um processo seletivo mais justo, adotado inclusive em outros países, tem a possibilidade de recrutar talentos que, além da capacidade intelectual, apenas, também consigam levar para o funcionalismo público as competências e habilidades que fazem um bom profissional, por exemplo, no campo do relacionamento humano e social. A percepção generalizada de que o serviço público é moroso, excessivamente burocrático e que os servidores não trabalham com dedicação e interesse no bem-servir, pode estar ligada à esta falha no processo seletivo? Possivelmente, sim.
PALAVRAS-CHAVE:
Serviço Público. Concursos. Gestão de Pessoas. Inteligências Múltiplas.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. MATERIAIS E MÉTODOS 3. REFERENCIAL TEÓRICO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS 3.1. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA 3.2. A BASE LEGAL PARA OS CONCURSOS 3.3. CONSEQUÊNCIAS DE UMA MÁ SELEÇÃO 3.4. POSSÍVEIS ALTERNATIVAS PARA O IMPASSE 3.5. SELEÇÃO AO SERVIÇO PÚBLICO EM OUTROS PAÍSES 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS 5. REFERÊNCIAS
1 INTRODUÇÃO
A principal motivação que levou à realização do presente estudo, foi o fato de o autor ser servidor público federal, estável, e verificar no dia-a-dia do trabalho que alguns concursados não apresentam as competências pessoais que são vistas (e cobradas) com mais facilidade no setor privado.
Tal observação trouxe o questionamento de que existe uma possível falha no processo seletivo de servidores público utilizado no Brasil. Estaria ele correto ao privilegiar apenas os candidatos melhor “preparados” nos conteúdos dos editais? Para responder a esta pergunta, buscou-se averiguar o que outros países têm feito de diferente nesta área, e o que alguns estudiosos já escreveram sobre o recrutamento e seleção no serviço público brasileiro.
Foi possível, então, verificar que há um relacionamento entre esta aparente “falha” no modelo de recrutamento, e a percepção geral da sociedade de que o servidor público não produz adequadamente, nem desenvolve no seu trabalho a mesma eficiência que teria (obrigatoriamente) que desenvolver em funções semelhantes na iniciativa privada.
Os países que já entenderam isso, adotaram modelos diversificados de seleção do funcionalismo, como veremos adiante. Cabe ao Brasil, especialmente aos legisladores, analisar se deseja avançar no seu processo de seleção dos servidores públicos, e melhorar o atendimento prestado à população, ou permanecer como está, tendo excelentes “acadêmicos” em seus quadros funcionais.
Portanto, o presente trabalho foi organizado da seguinte forma: a primeira parte apresenta os métodos adotados; em seguida, verifica-se o referencial teórico, notadamente nos aspectos legais dos concursos públicos no Brasil, e como esta seleção se dá em outros países; concluindo com as considerações finais do estudo.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
O estudo foi realizado tomando por base a pesquisa bibliográfica exploratório-descritiva da literatura, especialmente sobre a temática da seleção no serviço público federal brasileiro. Assim, para a obtenção dos dados bibliográficos, de início foi realizada uma consulta à literatura técnica referente à matéria, notadamente sobre a legislação que disciplina o processo de seleção ao serviço público federal. Em seguida, tratou-se da análise de outras publicações que abordam o mesmo tema, para verificar os pontos frágeis no atual modelo de recrutamento em estudo, bem como algumas diretrizes e parâmetros que possam esclarecer como se dá este processo seletivo em outros países.
Com relação aos artigos analisados, foram considerados aqueles que contemplassem o tema objeto do presente estudo, e que estivessem disponíveis para consulta em meio digital, gratuitamente na rede mundial, e em português, tendo sido lidos na íntegra e analisados quanto aos seus aspectos qualitativos.
3 REFERENCIAL TEÓRICO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
O desenvolvimento de um estudo sobre o processo de ingresso ao funcionalismo público, no presente caso, na esfera federal, se inicia obrigatoriamente com a legislação que abrange a matéria.
3.1 PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Logo de início, o tema proposto neste artigo remete à leitura do texto da Carta Magna Brasileira, que diz no caput do seu Art. 5º o seguinte:
Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.
É com base nesta premissa constitucional da impessoalidade e da igualdade de direitos e deveres para todo brasileiro, que o ingresso no serviço público deve ser regido pela determinação, também constitucional, de que apenas os aprovados em concurso público é que podem adentrar no funcionalismo estatal, o que é corroborado mais adiante na mesma Carta Cidadã:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.
Portanto, vê-se que os constituintes de 1988 acharam por bem vincular o ingresso de qualquer brasileiro no serviço público à sua prévia aprovação em um processo seletivo que, no caso de servidores permanentes (estatutários), convencionou-se chamar de “concurso público”. Este requisito essencial à investidura existe para dar sentido ao princípio constitucional já mencionado da “impessoalidade”, permitindo que apenas aqueles cidadãos “habilitados” pudessem ingressar nas fileiras do funcionalismo estatal, conforme bem explicado por Hely Lopes Meirelles (apud CAMPOS, 2012, p. 3):
Do exposto constata-se que o princípio em foco está entrelaçado como princípio da igualdade (arts. 5º, I e 19, III, da CF), o qual impõe à Administração tratar igualmente a todos os que estejam na mesma situação fática e jurídica. Isso significa que os desiguais em termos genéricos e impessoais devem ser tratados desigualmente em relação àqueles que não se enquadram nessa distinção.
Segundo a Lei nº 8.112/90, no início da carreira como servidor público, após sua aprovação no concurso e nomeação ao cargo, algumas das características pessoais do profissional serão avaliadas, com vistas a verificar a aptidão daquele que almeja ser efetivado, e adquirir a sonhada “estabilidade. Estas qualidades são aferidas durante o estágio probatório de 36 meses (antes da Emenda Constitucional nº 19, de 04/06/1998, este período era de 2 anos), e, ao longo da carreira, os servidores também passam por avaliações anuais, e que impactam diretamente na sua remuneração, devido à gratificação vinculada a esta avaliação anual de desempenho (BARBOSA, 1996).
Todavia, uma vez que a missão pública não age visando a obtenção de lucros, mas sim uma prestação de serviço digno ao cidadão, esta avaliação individualizada do servidor tornou-se muito complexa, dando margem ao corporativismo e à subjetividade (Bacca, 2012).
Uma evidência disso é a observação prática cotidiana de que o nível de comprometimento do funcionalismo público, percebido pela população em geral, deixa muito a desejar, especialmente naqueles serviços e/ou órgãos que demandam um atendimento direto e presencial à sociedade (ex.: Previdência, Saúde, Educação, Trânsito, etc.), fazendo com que o cidadão tenha um sentimento muito negativo sobre a qualidade do atendimento por parte dos servidores públicos.
Mais adiante, ver-se-á que esta falha na prestação de um bom serviço público, talvez, esteja ligada à forma deficiente de seleção daqueles que atuarão neste mister, uma vez que os concursos e outros processos seletivos, via de regra, escolhem apenas aqueles candidatos com maior poder de absorção de conteúdos didáticos e acadêmicos, em detrimento de outras competências, não aferidas no modelo geral de recrutamento e seleção ao funcionalismo público brasileiro.
3.2 A BASE LEGAL PARA OS CONCURSOS
Uma vez que ficou determinado pela Constituição Federal de 1988 que apenas aqueles que fossem aprovados no concurso público é que poderiam ingressar no funcionalismo, o ordenamento jurídico brasileiro criou as regras que definem os requisitos necessários ao acesso em cada carreira (MORAES, 2015).
No caso dos servidores públicos federais, foco do presente estudo, existe a já mencionada Lei nº 8.112/1990, que definiu o Regime Jurídico dos servidores públicos civis da União, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas federais. Segundo esta Lei, “servidor é a pessoa legalmente investida em cargo público”, ficando determinado em seu Art. 10º que:
A nomeação para cargo de carreira ou cargo isolado de provimento efetivo depende de prévia habilitação em concurso público de provas ou de provas e títulos, obedecidos a ordem de classificação e o prazo de sua validade.
A mesma Lei, em seu Art. 11, diz o seguinte sobre as formalidades que devem reger o concurso público:
O concurso será de provas ou de provas e títulos, podendo ser realizado em duas etapas, conforme dispuserem a lei e o regulamento do respectivo plano de carreira, condicionada a inscrição do candidato ao pagamento do valor fixado no edital, quando indispensável ao seu custeio, e ressalvadas as hipóteses de isenção nele expressamente previstas.
Do texto legal, vê-se que, no mínimo, um concurso de provas será necessário para que se proceda à seleção de servidores públicos, e em algumas carreiras, também será realizada a prova de títulos.
Portanto, determinados processos seletivos que se compõem unicamente de análise curricular, não estão enquadrados no requisito legal para nomeação de servidores “efetivos” (ou seja, permanentes e estáveis), servindo apenas para situações de contratação temporária e/ou emergencial (BRASIL, 2013).
Uma vez definido que deve existir a realização deste processo de seleção de servidores efetivos/permanentes, a Administração costuma contratar, mediante processo licitatório, empresas especializadas na realização de concursos, conhecidas popularmente por “bancas.
A maioria dessas instituições têm critérios bem conhecidos sobre a forma como aplicam suas provas, fazendo com que os candidatos se sintam mais ou menos atraídos em participarem de determinados certames, de acordo com a banca que cuidará do concurso, pois isso implicará em diferentes formas de estudo e preparação para as vagas oferecidas. É por esta razão, segundo Pati (2014), que “professores e especialistas em concursos públicos são unânimes em afirmar que conhecer as particularidades da banca examinadora conta pontos a favor dos concurseiros”.
Com essas características peculiares, verifica-se que determinados “perfis” de servidores serão selecionados de acordo com a forma como a prova será aplicada, ou seja, algumas instituições aplicarão avaliações mais “fáceis” para determinados cargos, enquanto outras serão vistas como “difíceis” para outros concurseiros, como é o caso do CEBRASPE e da ESAF, por exemplo.
Portanto, a escolha do cargo a que se pretende concorrer, e a análise da banca examinadora que aplicará as provas no respectivo processo seletivo, serão fatores determinantes para a forma como ocorrerá a preparação do candidato, e, consequentemente, para o seu êxito na nomeação ao serviço público.
Candidatos que estejam de fora desse modelo que privilegia apenas a capacidade acadêmica, fatalmente terão imensa dificuldade em ingressarem nas fileiras do funcionalismo público, mesmo que tenham outras competências pessoais que seriam de grande utilidade no atendimento à população.
3.3 CONSEQUÊNCIAS DE UMA MÁ SELEÇÃO
Com base no que foi analisado até aqui, surge um questionamento inevitável: o modelo atual de recrutamento e seleção seria uma forma adequada de selecionar os melhores candidatos, haja vista não levar em conta as competências pessoais imprescindíveis a determinadas funções (como, por exemplo, a seleção de pessoas para trabalharem na recepção e no atendimento direto ao público em um hospital público)?
Afinal, no processo seletivo (concurso) de modo geral, dá-se prioridade unicamente às habilidades de decorar conteúdos e interpretar questões, visando ficar entre os primeiros colocados, mas não se avalia se a pessoa tem competências na área do relacionamento humano, por exemplo, que a credenciariam a ser um funcionário público eficiente, probo, urbano e diligente (AVON, 2012).
Como resultado, vemos que existem muitos servidores que parecem estar “no lugar errado”, não demonstrando qualificações complementares, além daquela que o habilitou no concurso público, ou seja, ser “inteligente” do ponto de vista do raciocínio lógico. Segundo SILVA (2012, p. 143):
Por meio da institucionalização do Regime Jurídico Único, deu início ao processo de uniformização do tratamento de todos os servidores da administração direta e indireta. Limitou-se o ingresso ao concurso público, sendo que poderiam ser também utilizadas outras formas de seleção que, tornariam mais flexível o recrutamento de pessoal sem permitir a volta do clientelismo patrimonialista.
Uma vez que é possível perceber uma certa falta de “integração” entre determinados servidores e as atribuições do cargo que eles ocupam, pode-se perceber algumas consequências que advêm desta seleção equivocada, porém legal, adotada hoje nos diversos órgãos que compõem a estrutura da máquina pública no Brasil (SANABIO, 2013).
Aliás, falhar no processo seletivo de um profissional pode levar ao fracasso de qualquer projeto de Gestão de Pessoas, seja no âmbito privado ou no público, apesar de que é mais comum que a preocupação em colocar a “pessoa certa no lugar certo” seja vista apenas no setor privado, conforme bem destacado por Lacombe e Heilborn (2008, p. 243):
A empresa tem de possuir eficientes mecanismos de seleção para evitar a contratação de incompetentes, que têm baixa produção em termos de quantidade e qualidade, e são quase sempre incapazes de se colocar a favor da empresa.
Como visto anteriormente, no serviço público a seleção tem que ser feita através de concurso, não sendo possível utilizar os mesmos mecanismos de recrutamento do setor privado, sem transgredir as normas legais brasileiras, especialmente o princípio da impessoalidade da Administração, como lembrado por Chiavenato (2009, p. 195).
A legislação que regula as relações de trabalho no setor público é inadequada, notadamente pelo seu caráter protecionista e inibidor do espírito empreendedor. São exemplos imediatos deste quadro a aplicação indiscriminada do instituto da estabilidade para o conjunto dos servidores públicos civis submetidos a regime de cargo público e de critérios rígidos de seleção e contratação de pessoal que impedem o recrutamento direto no mercado, em detrimento do estímulo à competência.
Neste modelo de seleção adotado no Serviço Público, onde se privilegia aqueles candidatos com uma inteligência no campo da Físico-Matemática e na Linguística (segundo a teoria de Inteligências Múltiplas de Gardner, vista mais adiante), há nítida vantagem para os ditos “concurseiros profissionais”, que passam o dia debruçados sobre livros e apostilas, na expectativa de incutir em suas mentes o máximo possível do conteúdo exigido nos editais.
Entretanto, levando-se em consideração que determinados cargos exigem habilidades bem mais complexas do ponto de vista do relacionamento humano, da honestidade, da proatividade, etc., a seleção ideal deveria encontrar um servidor que apresentasse competências além daquelas que uma prova de múltipla escolha, com questões elaboradas sob uma ótima de “decoreba”, tem condições de avaliar.
Vê-se, portanto, que um servidor desmotivado, alienado dos objetivos do seu cargo; que passou no concurso, mas depois de alguns anos naquela função não se sente mais feliz com o trabalho; este servidor será mais um daqueles que trarão as “marcas” da negligência, lentidão e marasmo que, infelizmente, assolam o universo do serviço público no Brasil (PAULISTA, 2004).
Como uma forma de amenizar esta “lacuna” presente no recrutamento e seleção do funcionalismo público brasileiro, existe a preocupação dos órgãos de Gestão de Pessoas em elaborarem diversos treinamentos, cursos e capacitações ao longo da carreira. Na esfera federal, por exemplo, existe a ENAP – Escola Nacional de Administração Pública, com sede em Brasília, que oferece desde treinamentos rápidos de capacitação e aperfeiçoamento na modalidade EAD (Ensino à Distância), até cursos de Mestrado Profissional.
Através destes programas, a Administração procura desenvolver nos servidores as competências individuais necessárias para os diversos cargos, bem como corrigir deficiências e padronizar procedimentos de conduta e atendimento. Segundo a ENAP, em 2017 foram mais de 114.000 inscritos em cursos sobre “Gestão de Documentos, Informação, etc.”; mais de 41.000 sob o tema de “Gestão da Logística Pública”; 40.000 em “Cidadania e Sustentabilidade”; 30.000 em “Gestão Estratégica”, apenas para citar alguns temas.
3.4 POSSÍVEIS ALTERNATIVAS PARA O IMPASSE
Esta capacitação permanente parece ser uma boa alternativa para se corrigir a falha do processo de recrutamento e seleção do funcionalismo. Entretanto, outras medidas poderiam ser adotadas para minimizar os efeitos de um processo seletivo baseado quase que unicamente na Inteligência Lógica. Uma escolha que tem encontrado eco entre estudiosos da Gestão de Pessoas no serviço público é a “Gestão por Competências” (DUTRA, 2013).
É possível verificar que há uma necessidade de se incorporar novos conceitos de competência no âmbito do serviço público, haja vista que os cargos, criados por lei e, com exceção dos “comissionados”, em boa parte ocupados mediante concursos, não são mais suficientes para modernização da gestão de pessoas.
Uma forma de se aperfeiçoar o processo de recrutamento e seleção no serviço público, incluindo critérios que levem em conta essa competência pessoal do candidato ao cargo, seria a utilização do conceito de Inteligências Múltiplas, conforme delineado por Howard Gardner, cientista norte-americano para quem a primeira implicação desta teoria é que existem talentos diferenciados para atividades específicas (Ferrari, 2008).
Segundo a teoria de Gardner, existem 7 “tipos” de inteligência: Lógico-matemática, Linguística, Espacial, Físico-cinestésica, Interpessoal, Intrapessoal e Musical (FERRARI, 2008). Posteriormente, Gardner acrescentou à lista mais duas “inteligências”: Natural (reconhecer e classificar espécies da natureza) e a Existencial (refletir sobre questões fundamentais da vida humana); e sugeriu o agrupamento da interpessoal e da intrapessoal numa só.
A grande dúvida é: como aplicar uma seleção justa e imparcial que envolvesse as inteligências múltiplas? Certamente, este seria um importante tema para estudo por aqueles que se dedicam à Gestão de Pessoas no Serviço Público, podendo oferecer ao debate parlamentar algumas opções de processos de recrutamento e seleção no setor público, que não deixem de ser objetivos, eficazes e juridicamente aplicáveis.
A necessidade de uma maior adequação do modelo de Gestão de Pessoas no Serviço Público tem sido alvo de cursos e treinamentos voltados aos especialistas da área, mas as dificuldades enfrentadas, provavelmente devido ao engessamento da máquina pública nessa área, são imensas, bem lembrado por PANTOJA (2010, 344):
A percepção dos egressos do curso de especialização é de que as condições ambientais presentes em suas respectivas instituições não são suficientes para assegurar plena aplicação dos conhecimentos, habilidades e atitudes adquiridos. Ou seja, as oportunidades de atuação em áreas relacionadas às competências desenvolvidas ainda são raras ou inexistentes. Falta apoio gerencial para o uso efetivo dos conhecimentos e habilidades adquiridas, especialmente na adoção de novas práticas para execução do trabalho.
Para fugir dessa dificuldade, é que o modelo atual de seleção e recrutamento para o serviço público adota a maneira mais “objetiva” e “rápida”, amparada na legislação, que seria a aplicação de provas de múltipla escolha, redação, pontuação por títulos, etc., que fatalmente deixa de fora do funcionalismo pessoas que poderiam dar uma enorme contribuição à sociedade, mas que têm competências e habilidades que não podem ser mensuradas tão objetivamente (RESENDE, 2014).
3.5 SELEÇÃO AO SERVIÇO PÚBLICO EM OUTROS PAÍSES
Como forma de subsidiar o debate, também é relevante observar modelos de seleção ao funcionalismo estatal em outros países, visando sugerir alternativas ao padrão brasileiro atual, fundado apenas em concursos com provas de múltipla escolha (MATTOS, 2011; PESSOA, 2009).
De início, Fontainha (2014, p. 114-115) cita a França como exemplo de país que também segue um modelo de recrutamento através de concursos, porém diferente do utilizado no Brasil:
O ingresso em qualquer órgão da administração pública francesa se dá mediante processos seletivos diferentes, mas que guardam algumas características comuns, o que garante a institucionalidade e a unicidade do recrutamento como um todo. Basicamente, todo certame não precede a carreira, mas uma escola de formação profissional, bem como possui ao menos três portas: (1) uma voltada para recém-egressos dos sistemas de ensino (chamada “concurso externo”), (2) uma voltada para a mobilidade no seio do serviço público (chamada “concurso interno”) e (3) uma voltada para profissionais do mercado. Os magistrados são recrutados e formados desta maneira, assim como os policiais, os fiscais de renda, os administradores locais e os administradores centrais.
Interessante observar no modelo francês a presença dessa Escola Nacional de Administração, responsável pela formação da “elite” do serviço público daquele país, sendo responsável, por exemplo, por formar 3 Presidentes da República, 7 Primeiros-ministros e vários outros ministros e parlamentares (Fontainha, 2014, p. 115).
Ademais, deve-se verificar a modernidade deste modelo de ingresso em três portas, o que é bem diferente do modelo brasileiro, que só permite o ingresso em uma carreira a partir de um concurso público específico. No modelo francês, por exemplo, um Procurador Federal que deseje mudar de carreira, e concorrer a uma vaga na Receita Federal, teria total liberdade de assim proceder, sem a necessidade de parar com suas tarefas na Procuradoria e voltar aos bancos escolares para ingressar em um novo cargo federal, mediante novo concurso, iniciando nos degraus inferiores da nova carreira.
No Brasil isso é impossível, como já se pronunciou o próprio STF (Fontainha, 2014, p. 117), pois utilizando a mesma hipótese acima, o Procurador Federal brasileiro precisaria retornar aos bancos de algum cursinho preparatório específico, e disputar a vaga com todos os demais milhares de candidatos que também sonham ingressar nos quadros da Receita Federal do Brasil.
O modelo francês citado por Fontainha (2014, p. 122) também apresenta outra diferença bastante expressiva com relação ao modelo brasileiro de recrutamento ao serviço público, uma vez que, na França, há um limite para a participação de determinado candidato no processo seletivo:
Como os franceses objetivam a noção de “vocação” ou “aptidão” ao ingresso em determinada carreira: cada candidato tem direito a apenas três tentativas. Após três reprovações, o projeto institucional republicano francês considera que aquele candidato não é aproveitável para a carreira e fecha definitivamente o acesso. Algo difícil de se vislumbrar no Brasil, onde, além de pouco relevantes para a seleção as habilidades e atribuições, o certame é pensado em termos de direitos dos candidatos, e não de interesses e necessidades da administração pública.
Como exemplo de outro modelo de seleção diferente do brasileiro, observa-se aquele utilizado nos Estados Unidos da América. Lá, o recrutamento também leva em conta aspectos que não podem ser avaliados por uma simples prova objetiva/discursiva, conforme destacado por Rodrigues (1995, p. 7):
As provas de concurso para admissão ao Serviço Público basicamente habilitam o candidato a ter seu nome inscrito em um registro de candidatos habilitados. “Quando há uma vaga a preencher, a repartição em questão solicita à OPM [Office of Personnel Management] a indicação de candidatos habilitados. Os primeiros colocados na lista são indicados em primeiro lugar. A autoridade a que compete fazer a nomeação normalmente efetua sua escolha entre os três primeiros indicados”. Segundo Plano e Greenberg, este processo de se oferecer à autoridade que está nomeando um candidato a chance de escolher um entre três foi concebida para que fatores intangíveis, tais como os traços de personalidade, possam fazer parte de sua decisão.
Neste modelo americano, o recrutamento se dá como um “misto” entre o concurso “brasileiro” e um processo seletivo, no qual o candidato pode ser avaliado tanto por sua qualificação acadêmica, quanto pela experiência profissional.
4 CONSIDERAÇÕS FINAIS
Percebe-se que o atual modelo de seleção do funcionalismo público no Brasil é muito eficaz para escolher cidadãos que tenham aptidão acadêmica para o desempenho das diversas atividades que norteiam o Serviço Público, uma vez que apenas aqueles que se preparam de forma aprofundada e estudam por vários meses (e até anos) os conteúdos dos editais, é que conseguem a sonhada nomeação nos cargos mais promissores da carreira pública federal.
Entretanto, o cotidiano nos órgãos que compõem a Administração Pública demonstra que há uma lacuna entre os níveis acadêmico e “social/relacional” dos servidores públicos. As pesquisas de opinião têm demonstrado que a população em geral se sente mal atendida quando necessita dos serviços públicos, gerando uma sensação de que o “servidor” está ali apenas pelos bons salários, mas não tem o espírito de “servir” que deveria nortear o funcionalismo.
A forma de selecionar candidatos, no Brasil, privilegia aqueles que possuem vasta capacidade de reter conhecimentos acadêmicos, deixando de lado a mensuração de traços de “inteligências” que não são medidas através dos concursos tradicionais aplicados no Brasil.
Experiências em outros países, inclusive, demonstram que algumas nações já acordaram para a importância de se buscar servidores que tenham não apenas conhecimento acadêmico vasto e privilegiado, mas que sejam bons profissionais, cidadãos dedicados, colegas de trabalho éticos, e que desenvolvam um verdadeiro sentido de “sacerdócio” no funcionalismo público.
O presente trabalho demonstrou, resumidamente, que o Brasil ainda tem muito a avançar na área do recrutamento e seleção no âmbito do serviço público, e esforços políticos devem ser feitos para que brasileiros com aptidões e habilidades necessárias a um bom servidor público, mas que não possuem uma “competência acadêmica” acima da média e dedicada a “decorar matéria”, também possam ingressar nas fileiras do funcionalismo, contribuindo para que a população, cliente principal dos órgãos públicos, seja bem atendida, sempre com probidade, ética, eficiência e zelo.
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Pós-graduação pela Faculdade Venda Nova do Imigrante. Especialista em Gestão Pública. Servidor Federal lotado na Procuradoria Federal Especializada junto ao DNIT/RN.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Gilson Medeiros da. A grande falha do modelo atual de recrutamento e seleção no serviço público federal brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 ago 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/52175/a-grande-falha-do-modelo-atual-de-recrutamento-e-selecao-no-servico-publico-federal-brasileiro. Acesso em: 22 nov 2024.
Por: Ursula de Souza Van-erven
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