RESUMO: O presente artigo tem por objetivo discutir a possibilidade de comprovação da materialidade delitiva do crime de tráfico de drogas através de medida cautelar sigilosa de interceptação telefônica.
Palavras chaves: interceptação telefônica, materialidade delitiva, meio de prova.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito e natureza jurídica da medida cautelar sigilosa de interceptação telefônica. 3. Entendimento jurisprudencial a respeito da produção de provas através da interceptação telefônica. 4. Conclusão.
1. INTRODUÇÃO
A Lei 11.343/2006 conceitua drogas como as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificadas em lei ou relacionadas em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União.
O crime de tráfico de drogas é previsto no art. 33 da Lei 11.343/2006, trata-se de crime de ação múltipla ou plurinuclear, possui vários verbos que descrevem as condutas consideradas típicas. Para configuração do crime previsto no art. 33, da Lei 11.343/2006 não é necessário atos de comércio, pois a simples realização de algum dos verbos já permite ao operador do direito classificar tal atividade como crime.
O bem jurídico protegido pelo art. 33, caput, da Lei 11.343/2006 é a saúde pública. Para Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi, no livro Lei de Drogas anotada, página 86: “o bem jurídico protegido é a saúde pública. A deterioração da saúde pública não se limita àquele que a ingere, mas põe em risco a própria integridade social. O tráfico de entorpecentes pode ter, até, conotações políticas, mas basicamente o que a lei visa evitar é o dano causado à saúde pelo uso de droga. Para a existência do delito, não há necessidade de ocorrência do dano. O próprio perigo é presumido em caráter absoluto, bastando para a configuração do crime que a conduta seja subsumida num dos verbos previstos.”
O procedimento a ser adotado na fase processual é o previsto na Lei Especial, aplicando-se subsidiariamente as normas do Código de Processo Penal.
O crime de tráfico de drogas é um crime não transeunte, em razão de deixar vestígios. O Código de Processo Penal prevê no seu art. 158 que o exame de corpo de delito será indispensável nos crimes que deixarem vestígios. O exame de corpo de delito poderá ser direto ou indireto, mas nunca suprido pela confissão do acusado.
O artigo 50, § 1º da Lei 11.343/2006 prevê que para a lavratura do auto de prisão em flagrante é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na ausência, por pessoa idônea para o estabelecimento da materialidade delitiva.
Em uma análise apressada, alguns poderiam interpretar a norma de forma literal e considerar que a única possibilidade de se estabelecer a materialidade delitiva nos crimes previstos na Lei 11.343/2006 seria através somente do laudo pericial de constatação.
Isso não deve prosperar, além da prova da materialidade produzida através do laudo de constatação, não podemos negar que a medida cautelar de interceptação telefônica pode produzir prova da materialidade delitiva nos crimes previstos na Lei 11343/2006.
2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA MEDIDA CAUTELAR SIGILOSA DE INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
A interceptação das comunicações telefônicas é prevista em nosso ordenamento jurídico na Lei 9296/96, que regulamentou o inciso XII, parte final, do art. 5º da Constituição Federal.
A lei 9296/96 introduziu no nosso sistema jurídico um diploma legal que regulamentou a quebra de sigilo das comunicações telefônicas, trazendo requisitos para que pudesse ser implementada.
Anteriormente a edição da Lei 9296/96, os Juízes autorizavam as interceptações telefônicas com arrimo no Código Brasileiro de Telecomunicações, art. 52, inciso II. As provas produzidas por interceptação telefônica anteriores a vigência da Lei 9296/96 foram consideradas ilícitas pelo STF e STJ, haja vista, o artigo 5º, XII não ser norma constitucional auto-aplicável.
Para ser admitida, a quebra de sigilo telefônico precisa de autorização judicial, tal medida tem que ser indispensável para produzir provas em investigação criminal ou em instrução processual penal. Além disso, os crimes investigados devem ser punidos com reclusão, deve haver indícios razoáveis de autoria ou participação em infração penal e a prova não puder ser produzida através de outros meios disponíveis.
Renato Brasileiro de Lima, em sua obra manual de Processo Penal, página 736, define: “interceptação telefônica (ou interceptação em sentido estrito): consiste na captação da comunicação telefônica alheia por um terceiro, sem o conhecimento de nenhum dos comunicadores. Essa é a interceptação em sentido estrito (ou seja: um terceiro intervém na comunicação alheia, sem o conhecimento dos comunicadores).”
O legislador Constituinte ao prever a mitigação da inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas, telegráficas, de dados e comunicações telefônicas quis mostrar que nem mesmo os direitos fundamentais possuem uma proteção absoluta. Os direitos fundamentais podem passar por um juízo de ponderação quando colidem entre si, pois nenhum direito ou garantia pode ser exercido em prejuízo da ordem pública ou desrespeitando direitos e garantias de terceiros.
A natureza jurídica da interceptação telefônica em sentido estrito é de medida cautelar processual destinada à obtenção de prova de uma infração penal ou de participação de um indivíduo em um crime.
3. ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL A RESPEITO DA PRODUÇÃO DE PROVAS ATRAVÉS DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA
Para o Superior Tribunal de Justiça é possível, excepcionalmente, a condenação por tráfico de drogas sem que se tenha realizado o Laudo definitivo, desde que haja extensa prova documental e testemunhal, não sendo suficiente apenas a confissão dos acusados.
Os doutrinadores Cleber Manson e Vinicius Marçal, em seu livro Lei de Drogas – Aspectos Penais e Processuais ensina: “Esta matéria foi enfrentada pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, e ficou decidido que: (a) a ausência de laudo toxicológico definitivo não constitui nulidade; e (b) é possível, excepcionalmente, a comprovação da materialidade do narcotráfico por laudo de constatação provisório assinado por perito quando possui o mesmo grau de certeza do definitivo, em conjunto com prova testemunhal.
No julgado abaixo, o Superior Tribunal de Justiça admite que a ausência de apreensão de drogas não torna atípica a conduta se existirem outros elementos de prova aptos a comprovarem o tráfico de drogas.
HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS E ROUBO MAJORADO. AUSÊNCIA DE EXAME DE CORPO DE DELITO - EXAME DE CONSTATAÇÃO DA DROGA. IMPOSSIBILIDADE. DESAPARECIMENTO DOS VESTÍGIOS DA DROGA. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA POR OUTROS ELEMENTOS NOS AUTOS. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO.
1. O habeas corpus não pode ser utilizado como substitutivo de recurso próprio, a fim de que não se desvirtue a finalidade dessa garantia constitucional, com a exceção de quando a ilegalidade apontada é flagrante, hipótese em que se concede a ordem de ofício.
2. Em que pese a obrigatoriedade do exame de corpo de delito em todos os crimes que deixarem vestígios (art. 158 CPP), há que considerar a exceção disposta no art. 167 do CPP: Não sendo possível o exame de corpo de delito, por haverem desaparecido os vestígios, a prova testemunhal poderá suprir-lhe a falta.
3. No caso, como bem explicado na sentença e no acórdão, e ora transcritos no acórdão impetrado (não havendo, assim, supressão de instância como apontou a defesa), os vestígios do crime foram inteiramente consumidos pelo usuário, conforme depoimento prestado por ele mesmo, tanto na fase do inquérito quanto judicial.
4. Dessa maneira, não há que se falar na hipótese de cabimento da revisão criminal, em que a condenação seria contrária a texto expresso da lei penal (art. 621, I CPP - A revisão dos processos findos será admitida: I - quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;), porque não houve violação, como já explicado, ao art. 158 do Código Penal.
5. A ausência da apreensão da droga não torna a conduta atípica se existirem outros elementos de prova aptos a comprovarem o crime de tráfico (HC 131.455-MT, ReI. Mirg 'Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 2/8/2012).
6. Habeas corpus não conhecido.
(HC 463.822/SC, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 18/09/2018, DJe 28/09/2018)
TRÁFICO. NÃO APREENSÃO DA DROGA. A ausência de apreensão da droga não torna a conduta atípica se existirem outros elementos de prova aptos a comprovarem o crime de tráfico. No caso, a denúncia fundamentou-se em provas obtidas pelas investigações policiais, dentre elas a quebra de sigilo telefônico, que são meios hábeis para comprovar a materialidade do delito perante a falta da droga, não caracterizando, assim, a ausência de justa causa para a ação penal. HC 131.455-MT, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 2/8/2012. (informativo de jurisprudência STJ n.º 501).
Os julgados acima demonstram uma tendência dos Tribunais Superiores no sentido de adequar uma interpretação da norma posta pela Lei 11.343/2006 à realidade. Não obstante a norma citada exigir exame definitivo e apreensão de drogas para prova da materialidade do delito, o operador do direito não pode deixar de levar em conta a realidade e a necessidade de não se criar uma sensação de impunidade na sociedade. A interceptação é um meio de prova admitido no direito pátrio, desde a regulamentação do instituto pela Lei 9.296/96, não podendo ser desconsiderada pelo Julgador no momento da condenação pelo crime de tráfico de drogas.
Neste sentir, a Justiça não pode deixar de utilizar de todos os meios de prova, incluindo-se a interceptação telefônica, para coibir a prática do tráfico de drogas. O operador do direito tem que ter uma visão sistêmica e utilizar todos os meios de provas disponíveis considerando que não há incompatibilidade entre as normas que regulamentam a interceptação telefônica e a Lei 11.343/2006.
Ainda a favor desse argumento lembramos que em diversas investigações o Delegado de Polícia, após devidamente autorizado por ordem judicial, lança mão do instituto da ação controlada para retardar sua ação e obter um resultado mais eficaz. Nestas investigações mais complexas nem sempre é interessante, do ponto de vista investigativo, realizar apreensão de drogas em detrimento do desmantelamento de uma organização criminosa maior.
4. CONCLUSÃO
Não obstante o art. 50, § 1º, da Lei 11.343/2006 prescrever que a materialidade do delito de tráfico se dá através do laudo de constatação não pode deixar de considerar que a medida cautelar processual de interceptação telefônica é apta e idônea a produção de provas, inclusive para fins de comprovação da materialidade do crime de tráfico de drogas.
Destarte, corroborando o explanado acima, a ausência de apreensão de drogas não torna atípica a conduta da pessoa que pratica algum dos tipos descritos no art. 33, caput, da Lei 11.343/2006.
5. BIBLIOGRAFIA
Cleber Masson, Vinícius Marçal, Lei de Drogas: aspectos penais e processuais, Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019.
Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006 disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm.
Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9296.htm
Lima, Renato Brasileiro de, Manual de Processo Penal: volume único, 5. Edição, Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
Vicente Greco Filho e João Daniel Rassi, Lei de drogas anotada. Saraiva: S.Paulo, 2009, 3ª edição.
Delegada de Polícia Civil de Pernambuco. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Anhanguera - Uniderp. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Wedyja de Andrade e. Interceptação telefônica como meio de prova e a materialidade no crime de tráfico de drogas Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 out 2019, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/53680/interceptao-telefnica-como-meio-de-prova-e-a-materialidade-no-crime-de-trfico-de-drogas. Acesso em: 21 nov 2024.
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